terça-feira, 30 de março de 2010

MENDES Maria Alzenir Alves Rabelo. Antologia - A prosa xapuriense 1907 a 1984 (parte2). In: ASSMAR, Olinda Batista. As dobras da memória de Xapuri.

MENDES Maria Alzenir Alves Rabelo. Antologia - A prosa xapuriense 1907 a 1984 (parte2). In: ASSMAR, Olinda Batista. As dobras da memória de Xapuri. Rio de Janeiro, Papel Virtual, 2002. Volume 2.
01- O ACRE. 06 de Agosto . Xapuri – AC, 06 ago. 1907. (ANO I. N.º 4.)* Data auspiciosa. Dia Immorredouro para os acreanos. Na cadencia natural dos tempos passava e já pendia 1902. Agosto, em plenitude, começara a enfilar os seus primeiros dias e os clarões da alvorada de ha cinco annos, no dia de hoje, vieram descortirnar o inicio da victoriosa Revolução Acreana.[1]
E mattas que nunca foram vistas senão pelo rude e laborioso seringueiro[2], constante, a golpear a arvore de onde obtem o precioso liquido que tantas cubiças ha despertado, iam, desde então, ser invadidas, não para serem desbravadas, ou para de seu seio se arrancarem, preciosos thezouros que na sua immensidão jazem perdidos e no enleio das aguas suas, mas para se as transformar em palco de luctas sanguinolentas, onde acreanos e bolivianos dia a dia iam se gladiar deixando como estigma, insepultos, centanas de cardaveres, e uma, e outra cruz, solitária, à beira de um caminho, como recordando ao viandante o esquecimento, o abandono, depois do sacrifício até a morte. Mas o fim era dignificente:
Quando presas nesta cidade as primeiras autoridades bolivianas; quando o pacto formado pelos chefes desse patriotico alevantamentos, depois de seu inicio, recebeu o baptismo de sangue em a Volta da Empreza[3], uma ideia única, grandiosa, dominava a todos os combatentes que nesta cruenta lucta se empenharam: — «Verem que a rubida estrella do pavilhão revolucionario se transfigurasse mais tarde, banhada que foi pelo sangue de tantos brasileiros, em uma mais clara, branca, despojada por completo de sua veste de guerra e que entrasse a fazer parte da constellação que orna o Pendão Nacional.[4]»
Ë essa ideia por todo paiz applaudida, e essa esperaça que alimentavam, num engano d’alma, os acreanos, que tanta coragem lhes valeu, esse castello patriotico, edificado por entre o fumo e as ballas adversárias, alicerçado com sangue e vidas e entes queridos, ruim por um simples sopro ao simples mal entendido do governo do paiz onde nascemos. 02- O ACRE. Primeiro Lustro. Xapuri – AC, 06 ago. 1907. (ANO I. N.º 4).* O dia de hoje relembra a data em que um punhado de brasileiros, tendo á frente Plácido de Castro, José Galdino de Assis Marinho e outros, depoz as autoridades bolivianas que aqui exerciam a sua jurisdicção.
Foi, assim, dado o primeiro passo para a reivindicação deste pedaço da Patria, que por deliberação de um Governo mal orientado se havia entregue a nação visinha para ser comprado mais tarde.[5]
Quantos castellos! Quantas conjecturas se formaram na imaginação daquelles que, bem intencionados, ou levados simplesmente pela Gloria do renome, como muitos assim querem... quantos castellos, dizemos, se architectaram na imaginação daquelles que viam atravez do fumo da polvora um brilhante futuro para esta região e a gloria para a Patria, de quem iriam dentro em pouco receber a sagração do reconhecimento, como um premio ao seu patriotico valor, como um laurél á sua arrojada conquista.
A lucta surgiu, as existencias perigavam, os haveres desappareciam, os esforços physicos, moraes e materiaes se fizeram precisos e de nada se resentiram, nem se mostraram receiosos os heróes e os martyres.
Decididos, superando todos os obstaculos com a sua ferrea vontade de progredir, sequiosos pela palma da victoria, luctaram com denodo e, ao prepararem a queima do ultimo cartucho, acodem ao chamado da Mãe Patria, como o filho traquinas, que presuroso e obdiente corre ao chamado carinhoso, indo atirar-se nos braços da mãe-madrasta, em cujas saias de barras enlameadas occulta o latego aviltante e repulsivo, para castigar aos filhos-enteados, satisfazendo com sarcastico riso vingança ignobil, contra innocentes, culpados unicamente por guardarem respeito e obediencia áquella que consideram mãe legitima.
A recompensa da ouzadia não se fez demorada (...) e uma provisoriedade que tende a se perpetuar, uma organisação babilonica, onde ninguem se entende: - cada um dá a lei acreana uma interpretação a seu bel-praser; (e ella a tudo é modelavel) as autoridades se revesam de dia para dia, desmanchando o que outras fizeram; e os prefeitos, que são as autoridades superiores, com attribuições restrictas, faltos de elementos necessarios á execução de suas idéas, veem, cada vez mais, extreitar-se o circulo de ferro, que por força da lei os prende e manieta.
A Justiça, attendendo a falta de meios de transporte, se torna impotente e quasi sempre inexequivel; o commercio, sem correio, sem telegrapho, sem meios de viabilidade, sem melhoramentos locaes de nenhuma especie, embora com proporções enormes para progredir, tende a definhar; o cidadão - sem direitos civis nem politicos – não gosa das regalias que lhe são asseguradas no Pacto Fundamental da Nação a que pertence a propria liberdade é um mytho, pois nem o direito de habeas-corpus é dado aos Acreanos!
A Patria, como uma madrasta inexoravel, só requer desta região o suor honroso do seu povo, gotta a gotta, sem procurar saber que esse suor é vertido na lucta pela vida, removendo obstaculos, abrindo caminhos e affrontando intemperies, sem dar-lhe uma compensação siquer.
Falla-se em projectos, em melhoramentos taes como a Milicia Acreana, idéa funebre do Sr. Ministro da Guerra, concepção inexequivel e impraticavel, e que, si houvesse possibilidade de ser levada a effeito, daria o golpe de morte no progresso commercial deste territorio e traria o completo aniquilamento da industria extractiva que faz a nossa riqueza e géra a cubiça dos governos.
E ao passar 6 de Agosto o que devemos fazer do lábaro acreano que synthetisa o amor patrio e o heroismo – perguntamos aos Poderes da Nação: - Cobril-o de louros ou de crepe? 03- J.F.[6] Indifferença? Impatriotismo? O Acre. Xapuri – AC, 07 set. 1907. * Não sei se o entrelaçamento de raça e a conseguente degenerescencia do sangue podem concorrer para que um coração não palpite de enthusiasmo.
E’ de suppor mesmo que a lei do atavismo tenha a sua influencia directa sobre o nosso temperamento; a psychologia encontrariam no assumpto, materia para accurado estudo. Suggerio-me essa conjectura a data de hoje que o Brasil devia commemorar como um dos seus maiores feitos, como o seu maior padrão de gloria.
Tal, porém, não acontece, porque o patriotismo do povo brasileiro é assim como uma phantasmagoria: o iris do quadro em exhibição desapparece de chofre, não deixando nenhum vestigio de suas variadas côres.
Todos os povos, mesmo os mais incultos, têm a sua Historia, as sua datas immorredouras. Como a França, o Brasil tem tambem o seu 7 de setembro[7].
Ao alvorecer do 14 de julho a alma franceza levanta-se esnthusiasmada e encendiada pelo fogo do seu amor á Patria, para festejar a quéda da Bastilha; com o brasileiro, porém, dá-se o contrario. Entretanto, se a França tem orgulho do seu triumpho, nós deviamos ter o enthusiasmo da nossa gloria: ¾ a nossa emancipação.
O brado de Pedro 1°, proclamando a independencia do brasil, antes ajoujado ao tronco do velho Portugal, parece não echoar mais aos nossos ouvidos. Somos, portanto, um povo indifferente ou, melhor, um povo em cuja veias gelou o sangue do patriotismo!
Se assim não fosse, se sentissimos no peito o ardor do enthusiasmo, no lár de cada brasileiro cantar-se-ia, hoje, o hymno da independencia; festejar-se-ia com orgulho de um povo livre a data que passa ¾ o 7 de Setembro. 04-O PYRILAMPO.[8] 07 de setembro perante a história. O Acre.Xapuri - AC, 07 set.1907 . Na ampulheta do tempo decorreram hoje desessete lustros do brado do ypiranga ¾ Independencia ou morte ¾ labaro da nacionalidade brasileira, que, sempre atravessando epoca contradictorias, alfim tem vivido sob o dominio do imprevisto que manifestou-se desde a descoberta do grande territorio sul-americano.
Diversamente tem sido estudada esta bella parte do globo que orgulho lusitano chama ainda hoje emphaticamente ¾ America Portugueza ¾ qual se o Brasil, amalgama de tantas raças inconfundiveis, não se differençasse da antiga Metropole, mais do que pela largura do Atlantico. Mais do que pela distancia que vae do cabo Branco ao de Sagres, do Rio de Janeiro a Lisbôa, pela disparidade ethnologica; sem embargo da identidade de lingua, aqui viciada por neoligismos, e de religião, aqui deturpada por praticas grosseiras.
Nossa descuidosa hospitalidade, triste documento do nosso amor proprio nacional, tão brilhantemente cultivado pelos descendentes dos antigos pastores de Herminio, ainda é uma prova de que, além da lingua, pouco temos de comum com os nossos primeiros colonisadores. Somos neo-portuguezes tanto e outros malaios foram neo-hespanhoes e hoje são neo-norte-americanos.
Não queremos dizer com o que vimos de expor que o Brasil seja uma nação de incapazes, porque em suas arterias circule em dose minima o sangue dos fidalgos, filhos de Japhet, não; por isso que o misticismo é a verdadeira raça brasileira e do futuro é que devemos sentir ufania de ser o nosso pais um dos primeiros em que manifestou-se essa como que transformação, operando uma nova raça humana que tende cada vez mais a preponderar e (quem poderá contestal-o?) será mais logo o unico garante de nossa existencia como povo autonomo.
Mestiço foram os paes de nossa patria, dos quaes foram simples satelites os brancos que os coadjuvaram, como mistiços foram heróes pernambucanos, contra os hollandezes. Quem, em face á critica historica, sustentará convicto e convinientemente que Camarão era indio puro, Henrique Dias negros, Fernandes Vieira branco?
Nada ha authentico sobre a origem desses tres individuos; mas concedido que fossem, ¾ uma raça que descendesse dos tres ou de um delles somente, em qualquer hypothese entroncada no casal biblico, estaria muito no caso de ser gente. Assim comprehenderam os reis nossos senhores, que sempre tiveram como iguaes os filhos da metropole os luso - indios – negroides, nascidos no Brasil. Compare-se o que se passou sempre nesta parte austral do continente de Colombo com o que se dá na grande União Americana, onde faz parte da vida nacional o preconceito de côr ! E aquilo sempre foi republica ! O elemento branco teve um monumento de preponderancia no Brasil, graças ao temor que aos fidalgos da velha Lusitana inspirarm as hostes napoleonicas.
Delles, poucos deixaram de acompanhar a côrte fugitiva para o Brasil, ou de se incorporar á brava legião portugueza, que teve sua suprema consagração histórica no suplicio de Gomes Freire de Andrade, a nobre victima de Beresford, em S. Julião.
Apesar da alta nobreza de sua côrte, em que figuravam muitos descendentes da ¾ Ala dos namorados ¾, D. João 6° não os distinguia dos naturaes de sua colonia, senão conforme o merito de cada um. É conhecida a importancia que o nosso ultimo monarcha portuguez, muito menos lorpa do que muitos historiagraphos que o appelidam tal, deu aos mistiços brasileiros, Padre José Mariano Nunes Garcia, grande musico rival do notavel maestre Marcos Antonio Portugual, e José da Silva Lisbôa, Visconde do Cayrú, sabio economista.
Preparando a independencia brasileira, D. João 6°. retirou-se para Portugual sem proglamal-a Coube fazel-o ao Principe Regente D. Pedro ¾ o Guatimouzim ¾ seu nome de guerra na Ord\ Maç\, na qual pretendia elle representar o espirito do grande Imperador Asteca, que respondia ao secretario: ¾ “Estáes num leito de brasa ! Estou num leito de rosas !” Ambos, em fogueiras proximas, eram nessa occasião queimados vivos !
Pedro 1°. Não livrou da morte ao març\ João Ratccliff, seu Irm\ !
Isso custou-lhe o 7 de abril de 83, que poz termo a um governo semi-colonia e abriu uma nova éra. A Març\ induzira Pedro 1°. Á independencia: ¾ era a sagração de Guatimouzim; obrigou-o á abdicação: ¾ era o castigo ao Ir\traidor; amparou o seu filho menor, no berço ¾ D. Pedro 2°: ¾ era a assistencia á familia de um Irm\, mesmo cahido em falta. Saudamos-te 7 de Setembro [1] Travada entre os brasileiros (seringueiros e seringalistas) e bolivianos, na disputa pelas terras do Acre, detentoras dos maiores e melhores seringais nativos da região, de propriedade da Bolívia, mas exploradas por brasileiros, em maioria, nordestinos. A Revolução, patrocinada pelo vizinho Estado do Amazonas, foi iniciada em 06 de agosto de 1902 em Xapuri, sob a liderança do gaúcho e ex-militar José Plácido de Castro, terminando em 24 de janeiro de 1903 em Puerto Alonso, hoje município de Porto Acre. [2] Homem que trabalha na floresta na extração do látex da hevea brasiliensis ou seringueira, conhecidas também como “árvore que chora leite” . [3] Nas proximidades do antigo seringal Empreza, hoje Rio Branco, capital do Estado do Acre. [4] O autor se refere ao anseio dos revolucionários de que o Acre fosse reconhecido pelo Governo brasileiro como Estado da Federação, o que só aconteceu em 1962, quando a atividade extrativista já havia declinado. De 1904 até 1962 o Acre era Território subordinado à administração direta da União. [5] As terras conquistadas na Revolução Acreana foram posteriormente compradas da Bolívia pelo Governo brasileiro. Este, quando a Bolívia já havia erguido a bandeira de paz, instalou tropas militares no Acre, sob o comando do General Olímpio da Silveira, que mandou arrancar os distintivos e prender alguns combatentes do exército de Plácido de Castro, não reconhecendo as patentes deles, tampouco o Estado Independente do Acre, declarado pelo líder da Revolução Acreana, levando-o a extinguir sua tropa, formada em maioria por seringueiros, e a renunciar ao cargo de Governador do Acre, ao qual tinha sido aclamado pelo povo. [6] Pseudônimo. Artigo de fundo histórico. [7] Dia da Proclamação da Independência do Brasil. [8] Pseudônimo. Artigo de conteúdo nacionalista.