domingo, 15 de setembro de 2013

“Cabe aos ateus explicarem porque deveria a sua ideologia particular receber a chancela do Estado”

Relatório de Governo do Prefeito do Departamento do Alto Purus - Território do Acre (1911)


TERRITÓRIO DO ACRE

DEPARTAMENTO DO ALTO PURUS
Sr. Ministro da Justiça e Negócio Interiores
RELATÓRIO ADMINISTRAÇÃO






RELATÓRIO

Apresentado
Ao
Exmº Dr. Rivadavia da Cunha Corrêa
Ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores
Pelo

Dr. Godofredo Maciel

Prefeito do Departamento do Alto Purus


1911



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Introdução


     Conforme  a disposição do art. 6 & 1º do Regulamento baixado com o Decreto nº 6.901 de 26 de março de 1908, é o Prefeito obrigada  apresentar ao Ministro da Justiça um relatório semestral da sua administração, ou seja dois anualmente.
       Mas, não me tendo sido possível cumprir à riscas, esse preceito regulamentar, porquanto, somente a 18 de Março do ao passado assumi, de fato, o governo deste Departamento, também, só agora me é dada o ensino de apresentar a Vexª o relatório atinente à minha administração durante os meses de março a Dezembro, abrangendo assim os últimos meses do primeiro e todo o segundo semestre de 1911.
       Serei preciso e, sobretudo sincero na exposição dos fatos que em seguida vão ser resenhados.
        Revele-na V.Exª alguma passagem menos discreta, em que, porventura e meio grado, seja mister a verdade desses fatos transcrever plenamente, com todas as letras.
        Alias, isto de modo nenhum, poderá importar na mínima quebra da alta consideração e respeito devidos a Vexª.
        Surpreendido e, ainda mais, honrado pelo atual Governo, de que é Vexª. Digno auxiliar, com a escolha do meu obscuro nome para o ponderoso encargo de Prefeito do Alto Purus, assentei de antemão, no firme propósito de procurar sempre corresponder à distinta confiança dos altos poderes da Republica.
        Preponderava mais de que tudo nesta resolução interna o espírito de cumprimento do dever, a um tempo, estimulo e previdência aqueles que, ainda na mocidade, são chamados à árdua provança do serviço publico, pela investidura do cargo das mais graves e melindrosas responsabilidades.
       Haja visto o de Prefeito do Departamento do Alto Purus, quando a 3 de dezembro de 1910, foi lavrado o Decreto da minha nomeação.  A este tempo, senão antes, (seja-me licito aqui reiterar as palavras do brilhante relatório de V.Exª., em abril d ano passado, dirigido ao Sr. Presidente da Republica ), era de perfeita desordem a situação no Território do Acre: nenhum dos Prefeitos nomeados pelo Governo Federal estava no seu posto; o Tribunal de Apelação não funcionava, os juizes que o compõem, estando dispersos, longe da sede do Tribunal; raro era o juiz regular, de Direito, substituto ou preparados, que se achava em efetivo exercício; o desmantelo administrativo e judiciário era completo. O vento da anarquia, passando por sobre aquele rico Território desfez a entrosagem política, administrativa e judiciária, depondo Prefeitos afugentando juizes. E as notícias que  ao conhecimento do Governo chegavam, eram os mais desencontradas, as mais opostas, não sendo possível fazer-se uma idéia , sequer aproximada, da situação daquele Território nem de quais  os verdadeiros, culpados pelo desmantelo que lá reinava”.
      Foi então, à vista deste lamentável estado de crises, desta “perfeita desordem”, tão ao vivo descrita por V.Exª., que o Sr. Presidente da Republica, “diante da impossibilidade de pautar uma ação eficaz e segura, pelas informações oficiais e oficiosas que do Acre chegavam, prudente e sabiamente, resolveu a substituição de todos os Prefeitos e Sub-prefeitos, nomeando, para esse cargo, novos funcionários, de imediata e inteira confiança do Governo”- Só assim a administração central poderia entrar no exato conhecimento do que se  passou e se passam no longínquo  território, e, sob informações que lhe merecem perfeita fé, adotar medidas as mais consentâneas com as necessidades e as aspirações dos novos patrícios que valentemente desenhavam e conquistam para a civilização brasileira aquela uberrimas, mas inóspita, paragem”.
      De fato quando, em cumprimento da ordem telegráfica de V.Exª.,  parti do Ceará, onde me surpreendera a nova da minha nomeação, em busca de Manaus, ali encontrei entre outras pessoas  menos gradas, do Alto Purus, os Srs. Desembargadores Elysiário Fernandes da Silva Tavora e Domingos Almeida de carvalho, este procurador geral do Território do Acre e aquele Presidente do Tribunal de Apelação, com sede em Sena Madureira.
       Um  e outro queixaram-se amargamente da situação em que se viam, impossibilitados  de voltarem ao Departamento passou  o livre exercício de suas respectivas atribuições.
       Corriam então os mais alarmante versões a respeito do quer se estava passando no Alto Purus; e até se me assegurou que o Capitão Samuel Barreira, já exonerado do lugar de 1º Sub-prefeito, entrincheirado em Sena Madureira, mantinha-se na resolução de, à força, impedir a minha posse do cargo de Prefeito.
        Ao que se dizia, o Departamento estava irremessívelmente conflagrado. E sobre tais fundamentos foi que o Presidente do Tribunal de Apelação do Acre, secundado pelo seu colega Sr. Desembargador Domingos Américo, comigo instou repetidas vezes no sentido de solicitar a V.Exª., um vaso de guerra que me assegurasse o livre acesso pro Governo.
         A isto sempre me recusei, fazendo ver aqueles dois magistrados que o governo não me enviava ao Alto Purus em missão de guerra, senão de paz e concórdia.
      A vista dos continuados e repetidos boatos descrevendo tenebrosa e ameaçadora a situação ali reinante, sempre por parte dos Desembargadores Távora e Américo, que, cada vez mais, insistiam em me apregoar vitimas, como outros seus colegas magistrados de Departamento, da mais descabida animosidade por parte do Capitão Samuel Barreira, a quem atribuíam toda a sorte da desmanda  violência e até atos de improbidade administrativa, tomei de mim para mim mesmo, o alvitre de precisar também ouvi as partes contrárias e queixos dos referidos Desembargadores e seus colegas de magistério, representados aquelas por diversos proprietários de seringais nos rios Yaco e Purus, havia pouco, de lá chegados.
      Só assim, frisando bem as razões de um e outro lado, ser-me-ia possível antes de entrar no Governo do Departamento forma um juízo mais ou menos seguro acerca dos homens e coisas.
      Logo também deliberei, como medida preventiva, seguir para Sena Madureira em companhia apenas de meus auxiliares de administração.
      Já não  foi isso de agrado dos que se achavam em Manaus, à minha espera, no propósito de só regressarem ao Alto Purus com o novo Prefeito, que à puridade diziam arrojado pelo Sr. Dr.Belisario Távora, Chefe de Policia da Capital Federal, para se ir pôr ao lado de seu digno irmão, o Sr. Desembargador Elyziario...
      O meu intuito em partir de Manaus desacompanhado outro não fora senão me eximir durante a viagem as mesmas insinuações que já estava farto de ouvir, insinuações em sua maior parte de vinditas odiosas, sendo que a primeira deveria ser a demissão em massa de todo o pessoal que na Prefeitura servira com o Capitão Samuel Barreira.
      O certo é que  dali parti em busca de Sena Madureira trazia resolvido qual deveria ser o programa de governo a adotar, resolução que ainda mais se firme quando, a 18 de março, aportei a esta cidade.
      Só então e logo ao chegar, pude ver e pessoalmente testemunhar o tamanho e enormidade das fantasia urdidas, com engenho e arte, contra a mais ordeira população que ainda conheci, a qual se me fizera imaginar  entrincheirado no barranco do rio Yaco, em atitude belicosa, pronta impedir o meu desembarque...
                      Tudo romance!

     A população, encontre-a, realmente, apinhada ao longo da margem do rio, mas, não de armas em punho: trazia para o novo prefeito e seus auxiliares flores as braçadas, de onde logo fui enferindo a sua generosidade de sentimentos.
     Dentro em pouco, porem, surpreendido, contristado, através do animo ordeiro dessa população, mas menos laboriosa,  o amargor de um fundo sentimento, mal disfarçado embora, contra os seus magistrados judiciais, salvante raras exceções tanto mais honrosas quanto eram assinaladas com justa veneração.
     E  perscrutando melhor o cenário e, com mais segurança, deduzindo as razões dos fatos ali anteriormente desenrolados, conhecendo, enfim  mais de perto os protagonistas em jogo, foi se me revelando em toda a sua nudez a triste verdade.
     De um lado estava a população unânime, trabalhadora, temente à lei, ciosa da justiça e carecedora da assistência de um administrador esforçado e honesto, deveras interessado pelo futuro da região e, de fato em beneficio de seu progresso, aplicando as verbas que lhe são destinadas pelo Governo.
     Do lado oposto, dois advogados, ávidos de mando e de precunia, aos quais, lastimavelmente, dera mão forte a maioria dos juizes, constituindo esse concluo nada mais nada menos de que uma verdadeira ditadura político-judiciária, ferrenha, absorvente, intolerante e, não mais raro, desonesta...
      Era o que bem se pode chamar o regime da política togada, sem nenhum percalço e com todos os pros inerentes as condições de vitaliciedade e inamobilidade dos seus fundadores.
      E ai do Prefeito, simples funcionário demissível ad natum, que não preste desde logo cega obediência aos caprichos desse regime sui generis, filho do sacrílego abuso das garantias judiciárias!...
      Assim, o principal problema que me cumpria resolver, pesar de embarcações, dependia menos de arqueia do que do melhor a empregar;  e este só seria eficaz se não fosse arbitrário e, sim oportuno, isto é calcado nas próprias e especiais condições da situação que uma serie de fatos anteriores havia suscitado no Departamento.
     Urgia preliminarmente adotar a uma política de paz e congraçamento, cujo bom êxito, alias, não dependia em exclusivo da atitude neutra e da ação conciliadora do novo Prefeito, senão também, e principalmente, da boa vontade de certos juizes afugentados, para usar de uma expressão de v.Exª., no já citado relatório.
      Promover essa facilidade, de congraçamente e de reconciliação com o esquecimento de qualquer animosidade passadas ter-me-ia sido relativamente fácil, si nessa tarefa me quisesse coadjuvar aqueles juizes, como se mostrarem por sua parte, em regressando ao Departamento, resolvidos a um novo regime de procedes mais compatível e digno da elevação do seus mistérios.
     Longe disso, à media que se iam de novo investindo dos cargos, ao em vez de se revelarem convenientes, tolerantes e desapaixonado, pelo contrario, sentindo-se garantidos no seus lugares, denunciaram, para logo, as suas odiosas instruções de vinganças manifestamente  pessoais, por mais e modos que sempre lhes sobraram.
        Estavam assim, reconstituída, com as mesmas figuras, nos mesmos moldes de ferro, de absorção, de intolerância e de improbidade, a velha ditadura política – judiciária do Alto Purus.
        E o novo Prefeito que escolhesse, de duas uma: acomodar-se ou passar-se pelas forças caudinas...

    Após dois meses de estadia em Manaus, aguardando não só as ultimas instruções do Governo como também a vinda do comandante, oficiais e raças destinados à  Companhia Regional de Alto Purus, parte para Sena Madureira no dia 28 de fevereiro passado...
    Já em Manaus e mediante autorização telegráfica de V.Exª., assumira, a 9 de janeiro, o exercício do cargo de Prefeito tendo assinado na Delegacia Fiscal do Tesouro Federal, naquela cidade, o respectivo termo de compromisso.
    Ao chegar a sede do Departamento, em 18 de março ato continuo, foi-me passado o seu governo, que se a chave então a cargo do 1º Tenente Miguel Seixas de Barros, que por sua vez, do Capitão José Menescal de Vasconcelos.
     Foi meu primeiro cuidado, como era natural, examinar a organização  interna do serviço da Prefeitura, o numero de seus funcionários e a quanto montava a remuneração dos menos anualmente.
    Qual não foi minha desagradável surpresa quando, ao cabo desse ligeiro exame, chegarei a conclusão de que o numero de empregados pagos pela prefeitura fora sobremado do acrescido de novos pelos três substituídos do Capitão Samuel Barreira, tudo sido, além disso, aumentados  os ordenados de vários dos artigos empregados; de maneira que toda a verba da Prefeitura (400:000,000) se consumiria só na remuneração do funcionalismo, ficando ainda um déficit avultado.
     Afim de obvias tão grave inconveniente, fiz baixar a Resolução nº 1, anexa, primeiro ato do meu governo.
     Equiparável a essa surpresa só a decepção, não menos desagradável, por mim experimentada ao verificar que no arquivo da Secretaria nenhum livro de escritura existia onde se achassem consignadas as verbas anteriores e suas correspondentes aplicações, tampouco um livro de credito, escriturado de maneira a se saber de pronto o debito da Prefeitura sua origem e respectivos credores.
    Da gestão administrativa do Sr. Dr. Candido José Mariano, absolutamente nenhuma escrituração existe na Secretaria da Prefeitura a respeito de verbas, nunca tendo havido uma seção de contadoria, nem, ao menos um livro de notas dos dinheiros recebidos e da sua aplicação, desde 1905, ano de sua nomeação, a 20 de abril de 1909, em que assumiu interinamente o cargo o 1º sub-prefeito, o Capitão Samuel Barreira.
     Relativo a administração deste, de abril de 1909 a 19 de março de 1910, em que esteve pela primeira vez em exercício, encontrei um balanço geral, publicado em 18 de setembro, no nº 130 d  “O Alto Purus”, órgão oficial do Departamento.
     No segundo período da administração do Capitão Samuel Barreira, que começou a 19 de julho, terminando com a comunicação oficial de sua exoneração, aqui chegada a 9 de novembro de 1910, existe no arquivo da Secretaria um livro caixa, de caráter particular e sem formalidade legal, onde, entretanto, se acham escrituradas com clareza todas as transações da Prefeitura durante o seu governo.
     Em o meu oficio nº 31, de 28 de abril do ano passado, anexo, dei a V.Exª minuciosas informações sobre esses fatos e ao mesmo tempo, da precária situação financeira da Prefeitura, de mais a mais, sobrecarregada de um déficit superior a dozentos contos de réis.
    Tal ordem de coisas não devia permanecer por mais tempo.
     Verdade era que a verba de que dispunha a Prefeitura, já de si exígua, talvez não mais comportasse a criação de uma contadoria, constituindo uma seção especial, com o respectivo corpo de funcionários, isto é contador, amanuense e serventes, percebendo ordenados correspondentes.
     Mas, urgia, de qualquer modo, pôr-se termo a essa inacreditável e singularidade praxe, em voga na Prefeitura do Alto Purus, que não usava registrar sua receita, muito menos sua despesa, seus débitos, procedência dos mesmos e respectivos credores.
     Resolvi, então, por ato de 25 de abril, estabelecer na Secretaria uma seção de contabilidade, contudo de dois livros, que me pareceram os mais imprescindíveis, devidamente abertos, rubricados e fechados, servindo um de caixa, em que fossem lançadas, com clareza e pontualidade, todas as transações da Prefeitura, e o outro de registro de contas.
     O serviço da nova seção ficou aos cuidados do 1º oficial da Secretaria, que, pela acumulação, passou a perceber, além do ordenado, uma pequena gratificação.
     Mais tarde, verificando que aquele funcionário não era possível dar conta de todo o serviço a seu cargo, e, atender a necessidade de trazer sempre em dia a escrituração dos negócios  da Prefeitura, sempre em grãs de argumento, fui obrigado a criar mais um lugar de 2º oficial e, posteriormente, ainda um outro, de amanuense.
    No intuito de dar aos meus atos administrativos, mormente aqueles que envolvessem aplicação de dinheiro públicos, a mais ampla publicidade, inaugurei, logo no inicio do meu governo, o sistema até agora praticado, da publicação no órgão oficial dos balancetes mensais da Prefeitura, trazendo, assim pontualmente escrito e divulgado todo seu movimento financeiro e econômico.
Anexos,no lugar competente, encontrará V.Exª., esse diversos balancetes parciais, além do balanço geral, relativo não só a verba ordinária (material) como também a extraordinária ( serviços  públicos e Obras).
        Havia na Prefeitura a praxe evidentemente abusiva de se  impor aos pequenos vendeiros ambulantes, de frutas, comidas feitas e coisas semelhantes, a contribuição mensal de 15.000. Como tal pratica, proibida em face do art. 1º do Decreto nº 1.820, de 19 de Dezembro de 1907, reforçado pelo art. 7 do regulamento a que se refere o Decreto nº  6.901 art. Que diz ser “defeso aos Prefeitos criar ou perceber quaisquer taxas ou impostos que não forem decretados pelo Congresso Nacional”, baixei a Resolução sob nº 6, anexa, abolindo de vez a cobrança indébita daquela contribuição.
          Os mesmos motivos e fundamentos determinaram a Resolução nº 11, também anexo, proibindo a cobrança que igualmente se fazia de 100,000 de taxa pela tiragem de cada titulo de aforamento dos lotes de terras concedidos  pela prefeitura.

        
                              SECRETARIAS

     Acha-se a cargo do Sr. José Pedro Soares Bulcão, cujo zelo, inteligência e capacidade de trabalho podem ser atestado pela boa ordem e exatidão com que foram desempenhados os múltiplos serviços concernentes a mais importante seção administrativa da Prefeitura.
    Relativamente grande foi o movimento da Secretaria durante os noves meses do ano findo, a que se refere o presente relatório, enquanto diminuto seja o numero de seus empregados cuja boa vontade e esforço a custo conseguem suprir as necessidades dos serviços que lhes estão afectos.
     No decurso daquele período foram expedido 180 ofícios e recebidos 346; despachados 1.006 petições e lavrados 147 portarias de nomeação de exoneração, de concessão de licença e outros vários assuntos. Foram, mais lavrados 11 contratos com a Prefeitura, sendo de todos o mais importante o relativo a instalação do serviço de iluminação elétrica em Sena Madureira.
    Adiante encontrará V.Exª., a cópia autenticada de cada um desses contratos.
     Foram, enfim, assinadas e postas em vigor 2 resoluções que, também, na integra, vão anexadas.
     Em um quadro que vai  aperso acha-se descriminado, com os respectivos ordenados, todo o corpo de funcionários públicos da Prefeitura. Como se vê desse quadro demonstrativo, a verba destinada mensalmente do custeio da Prefeitura (33:333,333) é, na sua maior parte, consumida com a remuneração dos funcionários, restando apenas um pequeno saldo(9053,333) para fazer face a folha de operários e outras necessidades.


                            ORDEM PÚBLICAS 
 
     É provincial a índole pacifica e ordeira da população de Alto Purus; não fosse a recente tentativa de sublevação autonomista, em tempo sufocado, graças a presteza e energia da ação policial, a este capitulo faltaria, de certo, matéria para sua elaboração.
      Desde principio de junho do ano traçado, época de vazantes do rio, impossibilidade quase a navegação começaram a surgir aqui insistentes boatos de um projetado movimento autonomista a mão armada.
     Logo aos primeiros, resolvi, as despeito de quaisquer dificuldades de transporte, próprios do verão, envia a Manaus o 1º  Tenente Genésio Fernandes da Silva, afim de trazer novo contingente de praças para a desfalcada Companhia Regional e duas metralhadoras, levando também, nessa ocasião telegramas para o Sr. Presidente da Republica e para V,Exº  sobre os boatos então correntes.
     Dizia-se o movimento combinada para explodir a 14 de julho, o que, aliás, não se verificou.
     Depois da chegada do Sr. Coronel Antônio Antunes de Alencar ao Departamento do Alto Acre e da Organização ali do partido autonomista, recrudeceram aqui as idéias chefiadas pelo referido Coronel.
     Precisamente a esse tempo foi-me denunciada a vinda, da cidade da Empresa, no Acre à Sena Madureira, de um próprio, mandado pelo Sr. Coronel Antônio Antunes de Alencar, trazendo cartas, entre outras, uma para o SR. Desembargador Elysiário Távora, fervoroso adepto do autonomismo do Território do Território, como V.Exº., terá oportunidade de ver provado.
     Coincidiu esse fato com se tornarem mais freqüentes as reuniões de caráter político que era costumes, a noite, celebrar  em sua residência o Sr. Desembargador Domingos Américo de Carvalho, talvez dentre os magistrados do Acre, resalvadas sempre as honrosas excepções, o mais franco e ardoroso paladino da causa autonomista.
     Acrescia que o mesmo Desembargador possuía em sua casa diversas carabinas Winchester e munições respectivos, tendo de lá saído certo dias dois cunhetes de balas, com destino ignorado.
     Em meados de Agosto chegaram de nova as meu conhecimento reiteradas denuncias evidenciando o preparo metódico de plano sedicioso contra a ordem legal constituídas, aqui e no Departamento visinho, onde o Sr. Coronel Antunes de Alencar, pressuroso continuava na propaganda dos seu ideais de autonomia à outrance.
      Em data de 24 de agosto recebi dali amistosa carta do ilustre Dr. Deocleciano Coelho de Souza, em cujo final convidam-me a distinto Prefeito do Acre a com ele formar “estreita liga contra as pronunciamentos dos exaltados políticos, que alteram a ordem publica     

A História de Wilson Pinheiro (por Marcos Vinícius)

A HISTÓRIA DA HISTÓRIA DE WILSON

A VOZ QUE NÃO SE PODE CALAR



A história do Acre possui características únicas frente a história de outras regiões brasileiras ou mesmo em relação a própria história nacional. Apesar de que muitos de seus eventos foram engendrados a partir do País que lhe deu origem.


O Acre se constitui na fronteira mais ocidental do Brasil. Como tal


Passados 20 anos da morte de Wilson Pinheiro, líder pioneiro em sua luta e sua morte, caminho que seria seguido com todas as suas consequencias por outros homens tão determinados quanto ele, o que ficou ? O que mudou ? No Acre e no Brasil a situação de trabalhadores, camponeses, indíos e seringueiros melhorou ? Se tudo continua na mesma, então o que teria acontecido ? Seriamos nós incapazes de mudanças ? Estaria nossa sociedade eternamente condenada à exclusão de parcelas significativas de sua população ?


Resumo Boris Fausto

A década de 60 era promissora para o Acre. Depois de décadas de lutas e contradições, finalmente o Território Federal do Acre havia se transformado no Estado do Acre. Poderia, a partir de então ser o senhor de seu destino. Seus habitantes, passaram a possuir em 15 de junho de 1962, autonomia para escolher seus próprios governantes, sonho acalentado e buscado por muitas gerações de acreanos.
Porém, não demorou muito e o golpe militar de 1964 fez todas as esperanças democráticas acreanas cair por terra. Logo, o primeiro governador eleito diretamente pela vontade soberana do povo acreano seria deposto. A história do Acre continuaria a ser dirigida por forças externas à sociedade acreana ainda por mais duas décadas.
Por isso, precisamos ainda recorrer às forças nacionais e internacionais para entender as linhas de desenvolvimento da história acreana do anos que se seguiram.


O Golpe militar de 64 tinha alguns objetivos bastante claros quando foi instituído. O principal era: “reformar o sistema econômico capitalista, modernizando-o com um fim em si mesmo e como forma de conter a ameaça comunista. Para atingir esse propósito era necessário enfrentar a caótica situação econômico-financeira que vinha dos últimos meses do Governo Goulart; controlar a massa trabalhadora do campo e da cidade; promover uma reforma do Estado.” (470)
Para tanto uma serie de medidas foi, desde o início do governo Castelo Branco, implementada. A começar pelo lançamento do PAEG (Programa de Ação Econômica do Governo que consistia essencialmente em reduzir o déficit do setor público, contrair crédito privado e comprimir salários (qualquer semelhança com a atual política econômica do governo não é mera coincidência).
Em poucos anos, o resultado da mudança dos eixos da economia brasileira começa a surtir efeito. Enquanto a sociedade brasileira vive seus piores dias em relação à restrição de seus direitos políticos e individuais, os indicadores econômicos registram índices cada vez mais favoráveis. “Em 1968 e 1969, o país cresceu em ritmo impressionante, registrando a variação respectivamente de 11,2% e 10,0% do PIB, o que corresponde a *,1% e 6,8% no calculo per capita. Começava assim o período do chamado “milagre econômico”.” (482)
O governo Médici, um dos mais repressivos e violentos de toda a história brasileira, conseguiu um acelerado crescimento da economia brasileira entre 1969 e 1973 graças à conjuntura internacional de créditos baratos e forte entrada de capitais estrangeiros, especialmente para os setores industriais (dentre os quais o mais beneficiado foi a industria automobilística). Some-se a isso, ainda, um forte aparato de propaganda que embalado pela popularização da televisão e pelas conquistas do futebol em 1970 criou a imagem de que “Esse é um pais que vai pra frente”.
Porém, esse período de crescimento econômico não significou maior distribuição de renda, ou ampliação do direitos e benefícios sociais. Pelo contrário o que houve foi o aumento significativo da concentração de renda nas classes sociais mais elevadas. Seria preciso primeiro aumentar o bolo, para só depois dividi-lo, nas palavras do Ministro da Economia da época, Delfim Neto. Com isso o Brasil se destacaria no contexto mundial pela posição de destaque em seu potencial industrial e por seus indicadores muito baixos na saúde, educação, habitação, etc.
Era a implantação do “Capitalismo Selvagem” que não contemplava nem a natureza nem muito menos as populações locais. O melhor exemplo disso foi a construção da Transamazônica, construída para assegurar o controle da região (segundo a ótica dos militares) que causou enormes danos ambientais, engordou o caixa de muitas empreiteiras e não beneficiou em nada a população das regiões atingidas pelo projeto.
Em 1973, a ocorrência da primeira crise do petróleo, ameaçou o plano do governo militar. Ainda assim manteve-se a ótica desenvolvimentista através da implantação do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) que buscou consolidar a política de substituição de importações, agora mais centradas no setor da energia. Isso custou o aumento significativo do endividamento brasileiro e, apesar dos indicadores econômicos gerais do período entre 1974 e 1978 apresentarem resultados satisfatórios, a situação econômica brasileira era potencialmente muito perigosa.


Apesar de reprimidas as lideranças sindicais populistas, os sindicatos mantiveram e mesmo aumentaram sua importância, graças principalmente à administração dos recursos da previdência dos trabalhadores sindicalizados. Com isso a CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores Agricolas), já em 1968, começou a agir independentemente ao governo e incentivou a organização de federações de sindicatos rurais em todo o país.
Os numeros desse crescimento são significativos: os sindicatos rurais eram 625 em 1968, 1.154 em 1972, 1.745 em 1976 e 2.144 em 1980. Os trabalhadores sindicalizados saltaram de 2,9 milhões em 1973 para 5,1 milhões em 1979.
Essa condição geral foi ainda mais estimulada pela ação da Igreja através da CPT (Comissão  Pastoral da Terra). Com isso, os movimentos sociais rurais passaram a enfatizar a luta pela posse da terra e pela extensão ao campo dos direitos trabalhistas, chamando atenção para as novas realidades do meio rural. (498)
Mas não foi só no campo que o movimento sindical cresceu. Surgiram novos sindicatos de trabalhadores de “colarinhos brancos”, como médicos, sanitaristas e outras categorias, além dos já tradicionais sindicatos de professores, bancários, etc.
Além disso o movimento operário ressurgiu em novas bases mais independentes do estado, principalmente no setor automobilístico que havia crescido enormemente graças à política de incentivos desse setor adotada pelo governo militar. Surgiram novas lideranças como Luís Inácio da Silva (Lula) e o novo sindicalismo foi capaz de articular as grandes greves de 1978 e 1979 que reuniram milhões de trabalhadores.
Ao mesmo tempo, a situação econômica do início do Governo Figueiredo, não era mais tão favorável quanto nos anos anteriores e foi necessário “frear o carro” em fins de 1980. “A expansão da moeda foi severamente limitada, os investimentos da empresas estatais foram cortados; as taxas de juros internos subiram e o investimento privado também declinou.” (502) A recessão de 1981-1983 teve pesadas consequências. Calcula-se que o declínio da renda foi mais grave do que o ocorrido nos anos seguintes à crise de 1929.

Segue resumo da situação política e econômica oficial na Amazônia.





Texto ideal:

Introdução:
A conquista da voz trabalhadora – criação dos sindicatos rurais
Os jornais e a contradição da sociedade
A academia se apropria e multiplica a voz


 


O Acre é a fronteira ocidental do Brasil. É justo considerar que Brasiléia, nascida Brasília, seja a fronteira do Acre. Uma cidade simples, como são as cidades amazônicas. A margem do rio Acre, fronteira da Bolívia, marco extremo de um território tomado a força do vizinho, faz cem anos. Mas, sem remorsos, questão de justiça.
Cidade ocidental pacata, tranquila apesar dos percalços de uma vida sustentada por uma borracha que não dá mais aquilo tudo. Mas como mudar de vida se tudo o que esse povo mais preza é viver nesse ritmo amazônico de colher da floresta o que ela tem a oferecer. Castanha, seringa, patoá, açaí, pupunha, caça. Subsistência garantida. Tempo pra criar os filhos e melhorar a vida.
Tudo nos seus lugares. Os pequenos caciques locais a achar que mandam, o povo a fingir que obedece e aqui e ali gritando pra lembrar que são eles que governam. Os políticos satisfeitos porque agora o Acre era um estado e isso significava mais vagas legislativas, executivas, etc. Tudo calmo.
Aí vem o golpe militar. Linha dura de novo, indicações, conchavos políticos outra vez, tudo como Dantes no quartel de Abrantes. A tudo a elite se adapta.
Mas logo chegam os novos planos militares para desenvolver a amazônia, para conter o avanço dos comunistas que ameaçavam vir da América Central e via Andes tomar de assalto terras brasileiras proclamando, enfim a revolução popular maoista no Brasil. Desculpas e histórias mil, mas muito dinheiro vindo de fora cheios de planos perfeitos para aumentar seu já vasto domínio sobre a pobre América Latina.
Tratemos de desenvolver a industria, diversifiquemos nossa produção agrícola, realizemos a expansão da fronteira agropecuária, mas não esqueçamos do arrocho salarial, do imposto alto, do empréstimo de um dinheiro que nunca será pago mesmo. Pronto, estava preparado o pacote que resultaria numa bolha de falsa prosperidade chamada  de “milagre economico”.
Afinal de contas, Esse é um país que vai pra frente, são Sessenta milhões em ação e o Brasil é campeão. Tudo ao vivo pela televisão. É isso mesmo, o Brasil é o país do futuro.
No Acre, quase isso. A televisão ainda não havia chegado e o rádio era ainda o grande responsável pelas emoções futebolísticas e nacionais. Mas haviam novas promessas no ar. O Acre voltaria a ser a terra da promissão. Bastava vender seringais, cortar sua madeira, transforma-la em pasto e plantar boi. Logo chegariam os investidores com dinheiro abrindo negócios e desenvolvendo a região. “Venha para o Acre. O filé mignon da Amazônia”.
O que ninguém podia esperar é que o efeito fosse tão devastador. No curto espaço de três anos, a calmaria das cidades acreanas foi transformada num inferno de conflitos, ameaças, assassinatos. O que havia sido vendido como desenvolvimento e bem estar foi traduzido em uma invasão de grileiros, especuladores, misturados a poucos investidores reais e a uma multidão de trabalhadores expulsos pelo latifúndio que já havia tomado o Centro-Sul do Brasil.
Logo todas as estruturas da secular sociedade acreana foram transtornadas de uma forma como nunca havia acontecido antes. Os ciclos de bem estar anteriores haviam sido criados a partir da exploração da floresta, especialmente da borracha. Agora não, tratava-se de derrubar a floresta, desalojar famílias que a gerações ocupavam aquelas colocações, romper as cadeias de dependência mútua que geriram a sociedade acreana durante toda sua história. Coronéis falidos, comerciantes perdidos, seringueiros expulsos, toda uma sociedade refém de uma sigla oficial POLAMAZONIA.
Havia que resistir. A mesma sociedade pacata e tranquila, armou-se, contatou canais de organizações de resistência, destacou homens de coragem para a linha de frente da luta. A igreja, a CONTAG, o Varadouro, os grupos clandestinos que podiam apoiar a resistência contra a devastação da terra acreana.
Mais uma vez os seringueiros, os índios, os ribeirinhos foram chamados a lutar pelo Acre. Era uma voz coletiva que dizia não. Dessa vez os líderes capazes de unir o povo vieram do interior da própria sociedade em convulsão. Alguns tombaram, é verdade, mas a voz que se levantava era a da paz perturbada pelos que chegavam de fora como formigas cortadeiras no roçado. Criaram-se os empates, forma pacífica de impedir a retirada da floresta. Único modo de não deixar que o Acre se tornasse terra devastada de matas e homens. Era o povo da floresta em levante contra o estado, por justiça, mais uma vez.
Logo o governo, o país foram obrigados a ver que não havia possibilidade do Acre permanecer naquele estado explosivo de coisas. A convulsão social estava por demais próxima. O jeito foi nomear novos governadores qe tentassem minimizar os conflitos sociais. Trata de tentar reverter tudo de novo. Retrato do Brasil que pensava que sabia pra onde ia, mas não saia do lugar.
Era tarde. O conflito estava posto, a guerra iniciada, o empate decidido.
Wilson pagou com sua morte pela cegueira de um país que esquece que é feito pelos seus habitantes, que não podem ser assim desrespeitados.
Logo Wilson pioneiro de uma luta pela permanência. Wilson que não deixou uma palavra escrita ou gravada conhecidas, mas que deixou seu corpo numa terra que exigia e exige respeito. Sua história de lutas não pode ser subestimada jamais. O Acre é brasileiro porque quis. Seu povo, que vive da floresta não poderia deixar de lutar ao se ver mais uma vez ameaçado em sua integridade.
Hoje isso se condensa numa única palavra que reúne e resume todo esse sentimento, toda essa luta secular.



O PODER DO SILENCIO


Seu nome: Wilson Pinheiro. Um homem alto, determinado, de fala mansa e rara, mas de olhar poderoso.
Por um mês procuramos, em vão, sinais de sua voz. Nada.
Nenhum papel de pão manuscrito, nenhum documento do Sindicato, nenhuma entrevista nos jornais, nenhuma frase solta e memorizada pela multidão que instintivamente seguia os passos daquele homem de uma coragem evidente. 
Foi pelas vozes alheias que começamos a conhecer a história do Wilson. Sobram relatos do dia 21 de julho de 1980, quando três balas desferidas pelas costas puseram fim a sua vida. O primeiro dos líderes da floresta a morrer sem razão, por uma causa. Mas não o ultimo a pagar com sua vida para que outros pudessem continuar vivendo de acordo com suas tradições ancestrais. Foram esses relatos da morte, da comoção popular, do enterro, da indignação, da dor e das juras de vingança, publicadas nos jornais acreanos e repetidas nas entrevistas feitas com as pessoas que participaram dessa história, que nos fizeram começar a ouvir o som da voz daquele homem calado.
Não pudemos evitar um calafrio na espinha ao conhecer a história do homem enterrado de bruços pela multidão, com uma moeda na boca para evitar a fuga de seus assassinos. Os signos populares são poderosos. A sina de um homem pode ser sintetizada em um único gesto.
Não pudemos, tão pouco, evitar um enjôo desagradável ao ler matérias do jornal oficial que diziam que a culpa da malfadada “Tensão social” vivida pela população acreana naqueles anos terríveis era dos agitadores, dos subversivos, dos comunistas que só queriam conflagrar a multidão para destruir a ordem vigente.
Se bem entendemos essa história, era o povo que estava tentando manter a ordem das coisas de um Acre invadido por pessoas inescrupulosas, que pouco sabiam da gente que vivia do que a floresta tinha pra oferecer, que só se interessavam por tirar o máximo possível no menor tempo possivel. Quem subvertera a ordem natural das coisas havia sido o então chamado “Capitalismo Selvagem”, o Governo Militar, o Governo Biônico Estadual; para os quais só contavam índices econômicos favoráveis e um povo manso que obedecesse prontamente o que lhe era determinado. Era preciso progredir, alcançar e desenvolver as fronteiras de um país subdesenvolvido (outra palavra da moda na  época). Afinal de contas “Esse é um país que vai pra frente”. “Brasil, o país do futuro”. E o que é o progresso ? Estradas asfaltadas, bois no pasto, horizontes sem homens monotonamente preenchidos por soja para exportação. Não importa o preço a ser pago. No máximo, uma ou duas gerações de brasileiros cerceados, sem liberdade de ir e vir, falar, pensar, plantar, sonhar, buscar a felicidade, enfim. Milhões de brasileiros entre 30 e 40, anos que sabem bem o preço que foi pago por tamanha estupidez oficial encastelada nas estruturas de poder desse país.
Naquela época eram eles que falavam, o Wilson calava, mas agia. Usava sua enorme força vital para conduzir o povo em uma marcha pacífica pelo “empate” do progresso. Todos sabiam que não se podia vence-los. Eles possuíam a polícia, as forças armadas, o capital, a justiça, tudo de seu lado. E o povo o que tinha ? Somente sua determinação e coragem frente à força bruta. Mas, se não se podia vencer os opressores podia-se pelo menos “empatar” com eles. E lá iam eles, mulheres e crianças à frente, impedir mais uma derrubada. Centenas de Wilsons, anônimos, calados, transformando suas ações em uma voz que gritava.
Da culminância da dor, a vingança. Morte trocada. Para um Wilson morto, uma outra morte, um Nilão, culpado ou não, um deles. Era o mínimo que podiam fazer se quisessem sobreviver. Aceitar de braços cruzados a morte de Wilson significaria a derrota e a condenação à morte de muitos outros homens de um povo submetido ao terror instituído. Existe razão possível na guerra ?
As versões estão lá, para todos verem. Quem perder algum tempo lendo as matérias publicadas no “Varadouro”, no “Nós Irmãos”, na “Gazeta do Acre”, no “O Rio Branco” e no “O Jornal” vão poder constatar pessoalmente a mobilização popular que se espalhava por todos os vales do Acre - de Boca do Acre até Brasiléia, de Sena Madureira até Cruzeiro - contra a invasão predatória e ofensiva dos “paulistas”. Quem se detiver em ler as páginas que apenas começam a amarelar daqueles jornais ficará sabendo do descaso oficial com a captura dos assassinos de Wilson e depois a fúria com que os assassinos de Nilão foram perseguidos, presos e torturados. “Operação Pega Fazendeiro”, “Balas de Aço”, “Os sete dias de Brasiléia”. Uma sequencia de manchetes que nunca precisariam ter sido publicadas, se nossos governantes fossem homens sensatos e esse um país justo.
Anos se passaram desde então. A luta continuou e as manchetes dos jornais seguiram estampando notícias de crimes de encomenda, de conflitos eminentes, de empates vitoriosos e de ações públicas insuficientes. Outros homens tombaram antes que a floresta acreana e o modo de se viver com ela pudessem ser salvos. Poucos culpados foram presos por seus crimes. Mas o povo venceu. No que era possível, mas venceu. Reservas extrativistas foram demarcadas, o povo da floresta fez uma aliança que mostrou a todos a existência de um povo que só queria tranquilidade e justiça pra tocar sua vida. A voz de Wilson e de seu povo foi forte o suficiente para se fazer ouvir.
O Acre nunca mais seria o mesmo então. Os governantes até continuariam os mesmos, nas mesmas famílias que à décadas. Mas havia algo novo na paz que aos poucos voltava às cidades acreanas. O povo das cidades também havia assistido à chegada de milhares de famílias expulsas de suas casas, presenciado a miséria que explodia em suas invasões periféricas e ouvido as vozes que se levantaram de dentro da floresta. Os educados filhos da cidade, viram que tudo o que acontecera em Xapuri, Brasiléia, Boca do Acre, Quinari, Tarauacá, era questão de resistência de um povo. Era preciso reconhecer que nada daquilo havia sido coisa de comunista, de subversivo, de políticos cassados, de ambientalistas pós-modernos, de ativistas burgueses, de intelectuais urbanos.
Mais uma vez a voz que vinha do interior foi expressa por veículos estranhos ao povo que falava. Foi a vez das monografias acadêmicas, das dissertações de mestrado, das teses de doutorado. O que era coragem e sabedoria popular foi logo promovido à ciência, multiplicando os títulos, as abordagens, os recortes epistemológicos, as linhas teórico-metodológicas de pesquisa, economia, história, sociologia, antropologia, expressões e palavras estranhas ao povo que de sujeito se tornou objeto (de pesquisa).
Diferente daquelas manchetes de jornais que não deveriam ter sido escritas, alguns dos novos títulos revelaram o aprendizado de uma sociedade civilizada com o que havia de mais antigo e inovador em sí mesma, a voz do povo. “Ocupação recente das terras do Acre (Transferencia de capitais e disputa pela terra)” (1982); O sertanejo, o Brabo e o Posseiro (Os cem anos de andanças da população acreana)” (1985); “Conflitos pela terra no Acre” (1987); “Os ‘Imperadores do Acre’ – uma análise da recente expansão capitalista na Amazônia” (1988); “Modernização da agricultura – pecuarização e mudanças – o caso do Alto Purus” (1991); “Seringueiros e Sindicato: Um povo da floresta em busca de liberdade” (1991); “Capital e trabalho na Amazônia Ocidental” (1992); entre tantos outros publicados nos corredores das UNBs, UFACs, UFMGs, PUCs.
Isso sem falar nas prateleiras das livrarias dos shopping-centers repletos de livros sobre a devastação da Amazônia, sobre a vida e a morte de Chico Mendes, sobre ecologia, etc. Será possível que essa sociedade de consumo rápido e desenfreado tenha realmente ouvido aquela voz que silenciou na boca de um Wilson Pioneiro ? Talvez nunca saibamos ao certo.
O que parece certo é que o Acre continua no seu caminho, Tentando construir um destino próprio. Não importa se diferente das receitas caseiras ou internacionais. Aqui existe uma voz que nunca foi escrita, da qual não se registrou o timbre, da qual não restou nenhuma frase, mas que não deixa de ser repetida e ouvida por seringais e cidades dessa Amazônia Ocidental. Uma certa voz, de um certo homem alto e determinado, de fala mansa e rara, dono de um olhar e um silêncio poderosos.


PS: Este deveria ser um artigo de história, na mais pura acepção pragmática da ciência. Porém, como não sentir e escrever com o coração sobre uma tal história de dor e vida ?

 Pesquisa: Equipe do Departamento de Patrimônio Histórico e Cultural – FEM

Texto: Marcos Vinicius Neves

A Questão Fundiária Acreana: Síntese Histórica e a Problemática Recente.


 ACERVO:  DPH-FEM

O clima de expectativa e de incerteza que tem marcado a disputa pela terra no Acre nos últimos anos veio evidenciar e exigir solução para um problema que as autoridades preferiram ignorar ao longo do tempo: a confusa situação fundiária de seu território. O traço distintivo da problemática sócio-econômico-política que tem marcado a história recente do Acre encontra suas raízes no processo próprio de formação da propriedade da terra naquela região, cuja estrutura de distribuição apresenta marcas não apenas representativas da economia extrativista, que definiu a sua ocupação econômica, mas, fundamentalmente, da sua própria história político-administrativa. Hoje, o problema da regularização da propriedade da terra no Acre é, pelo menos, um desafio para o INCRA e para o Governo.
Apesar de que no extrativismo vegetal a terra permanece praticamente intocada, não é transformada economicamente, ela apresenta-se como um recurso natural prioritário do processo produtivo. Face á distribuição natural e aleatória das seringueiras, o aumento da produção, na impossibilidade da introdução de mudanças tecnológicas, implicaria um aumento da área explorada, resultando na formação de unidades fundiárias de enormes proporções, ou seja, numa estrutura da propriedade de terra bastante concentrada, definida por latifúndios.
            A forma como se deu a ocupação produtiva do espaço acreano condicionou uma situação bastante confusa e irregular com relação à propriedade das terras dos seringais foi registrada pelos seringalistas sem que houvesse título de origem. Uma situação irregular que se consolidou ao longo dos anos, pois, afinal, niguém estava interessado em contestar a legalidade ou não daqueles títulos, uma vez que a terra era um fator abundante e o seu valor era definido pela capacidade de produção do látex. Só recentemente, com a transferência da maioria das terras acreanas aos compradores do Centro-Sul, veio à tona uma série de irregularidades com relação à propriedade da terra. E essas irregularidades eram de tal magnitude, que possibilitaram aos especuladores, grileiros e aventureiros lançarem mão das terras baratas dos antigos seringais, servindo-se dos mais variados expedientes para expulsar seringueiros e pequenos posseiros. É praticamente impossível pensar o Acre, sem levantar a questão da luta pela terra. Daí a razão de introduzirmos alguns pontos de análise sobre a atual dinâmica da posse da terra no Acre como uma tentativa de explicar o clima de tensão social no campo e na cidade em quase toda a área do Estado, bem como a participação dos diversos agentes nela envolvidos.
            A história da formação da propriedade da terra na região acreana confunde-se, de certa forma, com a própria história da ocupação econômica da área, dadas as características da estrutura do seringal nativo e os reveses políticos de sua história: A origem do processo se deu na segunda metade do século passado, no momento em que, impulsionados pela crescente demanda mundial de borracha, os brasileiros começaram a penetrar as matas acreanas, até então reconhecidamente território boliviano. A ocupação brasileira, a princípio, não foi contestada pelo Estado Boliviano, abrindo possibilidades para que a Província do Amazonas assumisse a administração política da área, apesar de que o controle econômico da região como um todo era exercido pela Província do Pará.
            Naquele período foram expedidos os primeiros títulos definitivos de propriedades sobre terras acreanas.
            Em janeiro de 1903, após o vitorioso movimento revolucionário que poria fim á soberania boliviana, Plácido de Castro cria o Estado Independente do Acre, e novos títulos de propriedades foram concedidos. Finalmente, pelo Tratado de Petrópolis, assinado em 17 de novembro de 1903, as terras do Acre são definitivamente anexadas ao território nacional. “Portanto, até ser definitivamente incorporado ao Brasil, o Acre conheceu três diferentes condições político-jurídico-administrativas: a do Amazonas, a boliviana e a do Estado Independente do Acre. Ao firmar o Tratado de Petrópolis, o Brasil comprometeu-se a reconhecer todos os direitos reais adquiridos por nacionais ou estrangeiros, sob qualquer destas três situações, desde que respeitados os princípios do direito civil. Isto é, o Poder Público brasileiro responsabilizou-se por acatar e revalidar todos os títulos de propriedades sobre as terras acreanas, desde que emitidos em acordo com as normas vigentes em cada uma das condições” (CEDEPLAR, 1979:224). Contudo, além do reconhecimento dos direitos adquiridos, o Brasil não se esforçou no sentido de revalidar os títulos expedidos anteriormente, nem em regularizar a situação daquelas terras ainda não tituladas. Na realidade, não foram muitos os títulos expedidos nas condições vistas acima, isto é, antes da incorporação definitiva das terras do Acre ao território nacional, e foram, em geral, títulos de áreas pequenas. O descaso das autoridades governamentais fez surgir no Acre uma prática que se tornou bastante comum na constituição da propriedade de terra na região: o registro em cartório. Uma prática de regularização da propriedade fundiária, que se consolidou historicamente no Acre.
            Quase todas as áreas dos antigos seringais, portanto, apesar de não possuírem titulação original, estão escudadas por escrituras resultantes do livro de registro de imóveis. Uma cadeia dominal confusa, que reflete a mais complexa situação fundiária do páis, e que coloca pra o INCRA o problema de reconhecer ou não as escrituras antigas e irregulares. Como órgão responsável pela organização fundiária, o INCRA só aceita três tipos de títulos de propriedade como válidos no Acre: expedidos ou pelo Estado do Amazonas, ou pela Bolívia, ou pelo governo independente de Plácido de Castro. Se a situação da propriedade da terra é tão irregular, poder-se-ía perguntar, então, porque somente após aproximadamente um século de sua ocupação essa irregularidade desponta e requer solução? A explicação é aparentemente simples, e já tem sido colocada ao longo deste trabalho. Ocorre que, dado o caráter eminentemente extrativista da economia acreana, onde praticamente só a seringa contava, a terra somente era considerada enquanto fonte de recursos naturais, isto é, pelo número de seringueiros que ela abrigava.
            A exploração da seringa era, portanto, a forma exclusiva de geração de valor, a única via de obtenção de uma renda da terra. A terra em si, a terra desprovida de seringueiras, era uma terra incapaz de produzir valor e, assim, não despetava qualquer interesse. Esta é uma característica básica do extrativismo: o desinteresse pela terra em si e, muitas vezes, o seu abandono quando se esgota o objeto de trabalho, ou a fonte de riqueza que motivou a sua ocupação pelo homem.
            A estrutura fundiária acreana é, pois, um reflexo da forma como foi, originariamente, ocupada a região, isto é, em função da extração da borracha nativa. É produto da forma de organização da empresa extrativista que se, por um lado, assegurava ao patrão seringalista a detenção de imensas áreas, por outro, excluía o seringueiro do acesso à terra.
            O recente processo de corrida às terras do Acre e a conseqüente transferência da maioria das terras dos seringais a compradores do Centro-Sul trouxeram uma nova dimensão à questão da terra no Estado, com mudanças na forma de uso da terra e reflexos significativos na estrutura fundiária, onde é possível observar, como será mostrado adiante, um crescimento acelerado das pequenas propriedades apesar de que no conjunto a terra continua extremamente concentrada, predominando o latifúndio, a grande extensão de terra, pouco ou escassamente explorada.
            O Acre possui uma superfície territorial de 15.258.900 ha distribuídos por 12 municípios, que constituem as duas microrregiões homogêneas do Estado: a Alto Juruá, com 7.304.300 hectares, e a Alto Purus, com 7.954.600 hectares.
            Os dados apresentados (anexo 1) mostram a evolução da área cadastrada nos anos de 1972, 1976 e 1982, no Estado, por microrregião homogênea, estabelecendo-se a sua relação com as respectivas áreas territoriais.
            A área cadastrada, que em 1972 era de 5.537.932 hectares, correspondendo 36,3% da área total do Estado, salta para 11.545.856 hectares em 1976, o que significa dizer que 75,7% das terras do Acre já pertenciam a particulares naquele ano. Em 1982, a área cadastrada, 15.437.787 hectares, já representa 101,2% da superfície total do Estado, ou seja, a área considerada como pertencente a particulares no Acre já superou a sua área total.
            Para a microrregião Alto Purus, os dados evidenciam uma grande expansão das áreas cadastradas, pois já em 1976, com 8.393.269 hectares, a área cadastrada representava 105,2% da área total da microrregião. Em 1982, essa relação subiu para 130,8%, com a área cadastrada, 10.407.228 hectares, ultrapassando a área total em 2.452.628 hectares.
            Uma visão mais esclarecedora desse quadro torna-se possível, através de uma análise detalhada da relação área cadastrada/área total, a nível de todos os municípios em 1982 (anexo 2). Em cinco dos oito municípios que compõem a microrregião Alto Purus, a área cadastrada excede a área total, com casos em que aquela é quase o dobro desta, como Sena Madureira, em que a relação indica 185,3%.
            Vale ressaltar que no período 1972/1982 foram incorporados 9.899.955 hectares à área cadastrada, o que corresponde a um incremento de 178,8% em uma década. Apesar da área cadastrada já haver superado a área territorial do Estado, a tendência indica que a relação deverá aumentar, ou seja, que a cada ano novos cadastros serão feitos, ampliando a diferença entre as áreas. Quer dizer, distanciando cada vez mais a área cadastrada da área real. É bom saber que se diga que a área cadastrada é a área declarada e tributada como propriedade privada, não estando ái incluídas as áreas indígenas, posses não cadastradas e áreas de domínio da União, isto é, as áreas desapropriadas e ainda não trasferidas a particulares.
            Além disso, há que considerar também que a relação área cadastrada/área total não é o indicador mais adequado para explicar o grau de privatização das terras, porquanto em se tratando de imóveis rurais seria necessário excluir, da área total, as áreas urbanas. Assim, estaria bem definido a participação, a verdadeira grandeza das áreas cadastradas no Acre.
            Como explicar, porém, esse supercadastramento? Como é possível que a área declarada como de propriedade de particulares seja superior à área territorial total, seja do Estado, da Microrregião, ou do Município? A resposta mais simples e imediata, e que é a explicação dada pelo INCRA, é a de que ocorre com freqüencia o bicadastramento de áreas. E, por que as áreas são bicadastradas? Ora, porque há superposição de títulos sobre os mesmos imóveis.
            A explicação poderia ficar por aí, poderia ser suficiente, não fosse o fato perfeitamente observável de que o supercadastramento ocorre notadamente nas áreas onde os conflitos pela terra, a expulsão de seringueiros/posseiros e, principalmente, a presença de especuladores e grileiros têm sido marcantes.
            A terra tornou-se objeto especulativo, mercadorias em rápida valorização. O capital especulativo criou as condições objetivas para a sua reprodução. Muitos seringais foram lotados, áreas imensas foram adquiridas por empresas declaradas como colonizadoras, tipo COLOAMA, COAPAI, etc., várias transações tendo como objeto uma mesma área, anexação ou incorporação de áreas vizinhas (processo de “esticamento” da área bastante utilizado no Acre, em face da precária demarcação primitiva das terras dos seringais). Aí, talvez, a explicação mais plausível para a superposição de títulos, razão do supercadastramento. Grandes áreas são cadastradas sem levar em conta a presença, em seu interior, de posseiros e pequenos proprietários, que, por sua vez, também fazem seus cadastros. A propriedade da terra no Acre continua extremamente concentrada. A maioria dos imóveis está situada nos estratos inferiores, enquanto que a quase totalidade da área está nos superiores. De acordo com os dados (anexo 3), cerca de 78% dos imóveis rurais têm áreas inferiores a 100 hectares e possuíam, em 1978, menos de 1,5% da área total cadastrada. No outro extremo, os imóveis com áreas iguais ou superiores a 10.000 hectares, que representam simplesmente 0,2% dos imóveis do Estado, vê-se que eles se apropriravam de 45,3% da área cadastrada em 1978.
            O crescimento relativo das áreas dos imóveis com 100.000 hectares e mais entre 1972 e 1978 pode ser um indicador significativo do agravamento da concentração da propriedade da terra no Acre. A participação dessas áreas na área cadastrada total passou de 32,9% em 1972 para 38,4% em 1976 e para 45,3% em 1978. O aumento crescente das áreas gigantescas relativamente à área cadastrada total indica que se acentua ainda mais a situação de extrema desigualdade da propriedade da terra, que constituiu o traço marcante da estrutura fundiária acreana.
            O cadastro de imóveis rurais no Acre registrou uma expansão absoluta de 13.694 imóveis entre 1972 e 1982, passando de 4.078 em 1972 para 17.772 em 1982 (anexo 4), o que equivale a um incremento de 335,8 % no período. Esse crescimento deveu-se, em grande parte, à forte concentração dos imóveis na categoria de minifúndio.
            Os dados indicar que a participação dos minifúndios no total de imóveis cresceu de 77,5% em 1972 para 82,0% em 1982, o que pode significar que está ocorrendo um processo interno de minifundização, ou de fragmentação da pequena propriedade no Estado, embora no geral o processo seja concentrador. Apesar de representarem 82,0% dos imóveis cadastrados em 1982, os minifúndios absorvem apenas 3,6% da área cadastrada, enquanto que, por outro lado, os latifúndios, aí compreendidos, tanto aqueles “por exploração” como o “por dimensão”, que representam apenas 16,6% dos imóveis, se apropriam de 88,9%, da área cadastrada no mesmo ano.
            Os 11 latifúndios por dimensão de 1972 mediam 1,9 milhão de hectares, passando os 20, apenas 0,1% dos imóveis, de 1982 a corresponder a 4,8 milhões de hectares, 31,1% da área cadastrada. O rápido crescimento dos imóveis cadastrados nos últimos dez anos reflete a expectativa que se criou recentemente no Acre, nas questões relacionadas à regularização das terras. Antes de ininciar-se o processo de transferência das terras dos seringais aos compradores do Centro-Sul, os pioneiros da região não viram necessidade de relacionar a posse física com a posse legal ou jurídica.
            Antes de o Acre ser atingido pelo movimento extensivo do capitalismo, no início da década de 1970, praticamente inexistia pressão sobre a terra e o acesso à ela era relativamente fácil em todo o Estado. Dada a grande oferta de terras e o valor quase insignificante destas em relação ao capital, quase nenhuma motivação havia para que proprietários e posseiros regularizassem suas áreas. Além do mais, o Estado não dispunha de uma estrutura  jurídica com vista a regularizar as terras.
            Na medida em que o capital transforma a terra em fator de especulação, numa mercadoria em rápida valorização, na medida em que o acesso á terra começa a ficar difícil, percebe-se a importância da propriedade da terra e intensifica-se a corrida pela regularização das áreas. Essa pode ser, talvez, a explicação mais plausível do grande aumento no número de imóveis rurais cadastrados na última década.
            Observando-se a distribuição dos imóveis e áreas rurais por categorias e segundo as microrregiões homogêneas e os municípios, em 1982 (anexo 5), vê-se que 13 (65,0%) dos 20 latifúndios por dimensão estão nos municípios de Sena Madureira e Manoel Urbano, representando uma área de quase 3,5 milhões de hectares (71,4%) do total cadastrado naquela categoria. Por outro lado, alguns municípios concentram um elevadíssimo percentual de suas áreas cadastradas na categoria de latifúndio (por exploração e dimensão). É o caso, por exemplo, de Manoel Urbano, 98,0%; Sena Madureira, 95,3%; e Tarauacá, 91,9%.
            Os dados evidenciam a presença marcante e dominante dos latifúndios em praticamente todos os municípios do Estado, indicando que a tônica da aquisição de terras no Acre foi a de grandes áreas, em geral mantidas inexploradas, como reserva de valor, a título puramente especulativo. A importância da propriedade da terra “põe em evidência o caráter muitas vezes não progressista e até mesmo parasitário de algumas das transformações que aí se realizam. É esse o caso das grandes extensões de terras submetidas à especulação imobiliária, dos imóveis “vazios” à espera de algumas das transformações que ái se realizam. É esse o caso das grandes extensões de terras submetidas à especulação imobiliária, dos imóveis “vazios” à espera de valorização, dos investimentos em pecuária extensiva e outras formas de reservas de valor. Aí o capital não tem por objetivo intensificar o processo de produção, mas apenas valer-se do ciclo da natureza e da desenfreada especulação imobiliária que a inflação alimenta” (Graziano da Silva, 1982:35).
            Comparando-se com o total de imóveis e áreas cadastadas em 1982, os imóveis e áreas com 10.000 hectares e mais (anexo 6), é possível verificar que estes, mesmo representando apenas 1,52% dos imóveis do Estado, se apropriam de 72,97% da área total cadastrada. Na microrregião Alto Juruá, os imóveis com 10.000 hectares e mais correspondem a 1,84 % dos imóveis e absorvem uma área equivalente a 73,4% do total ali cadastrado; enquanto que na microrregião Alto Purus, 1,39% dos imóveis possuem 10.000 hectares e mais e detém 72.71% de sua área cadastrada.
            Nos municípios de Sena Madureira e Manoel Urbano, a área dos imóveis com 10.000 hectares e mais é superior á área territorial desses municípios, sendo que neste último, 31 (19,14%) de seus 12 imóveis, se apropriam de 92,28% da área cadastrada no município. Em Tarauacá, 3,63% dos imóveis absorvem 86,24% da área cadastrada; em Feijó, 4,59% dos imóveis possuem área igual ou superior a 10.000 hectares e detém 99,04% da área cadastrada naquele município.
            Dos 20 maiores imóveis rurais do Acre (anexo 7) 7 estão em Sena Madureira, 5 em Manoel Urbano, 4 em Feijó, 3 em Tarauacá e 1 em rio Branco. Esses 20 imóveis, tomados em conjunto, representam apenas 0,1% do total de imóveis e se apropriam de 32,7% da área cadastrada no Estado em 1982.
            As áreas gigantescas de Sena Madureira representam tão somente 0,5 dos imóveis e absorvem 38.8% da área cadastrada ou, ainda, 71,9% da superfície territorial do município. Os 5 superlatifúndios de Manoel Urbano, 3,1% dos imóveis, detém 67,7 % da área cadastrada, ou 83,3% da área total do município. No caso de Feijó, os 4 imóveis relacionados, 0,6% do total do municipio, se apropriam de 53,6% da área cadastrada. Em Taraucá, apenas 3 imóveis, 0,3 % dos cadastrados, ficam com 37,1% da área tida como pertencente a particulares. Finalmente, o latifúndio de Rio Branco que, embora inexpressivo em relação ao número de imóveis do município (0,02%), incorpora 9,5 da área cadastrada, ou seja, mais do que os 5.445 minifúndios (87,8% dos imóveis), que detém apenas 9,1% da mesma área.
            Em síntese, os dados mostrados permitem visualizar a evolução do cadastro de imóveis rurais no Acre Acre, dando um perfil da distribuição desses imóveis por extratos de área e por categorias, ao longo dos últimos dez anos. Permitem, ainda, mostrar a predominância absoluta das grandes áreas e a importância decisiva que estas assumem na definição do padrão fundiário do Estado, bem como na explicação da persistência e do agravamento do elevadíssimo grau de concentração da propriedade da terra.
            Permitem, também, identificar as áreas onde a ocupação, ou a apropriação das terras foi mais intensa, onde a ação de grileiros praticamente conseguiu “dobrar” a área de alguns municípios. Permitem, finalmente, identificar de quem são, onde se localizam e qual a “verdadeira” dimensão das principais grandes áreas do Estado onde apenas um imóvel possui área superior a 6 (50%) de seus municípios, tomados separadamente, ou a 3 (25%) deles tomados em conjunto.




quinta-feira, 12 de setembro de 2013

O moralista dos anos 1980 que denunciava os privilégios dos mandatários do poder, agora pleiteia o privilégio de se aposentar como Deputado. Em vez de denunciar, preferiu a vantagem do se dar bem, indo contra aos interesses coletivos, que são acabar de vez com a PROSTITUTA LEI DE APOSENTADORIA DE POLÍTICOS.

A junta médica indicada pela Câmara para avaliar o estado de saúde do deputado José Genoino (PT-SP) foi a São Paulo na última terça-feira (10) examinar o parlamentar condenado no processo do mensalão, informou ao G1 a Direção-Geral da Casa. O laudo médico que indicará se Genoino tem condições de se aposentar por invalidez deve ser entregue nos próximos dias aos dirigentes do Legislativo.
Se os quatro médicos da junta o considerarem inapto para exercer o mandato parlamentar, o processo de aposentadoria deverá ser concluído entre cinco e 10 dias, segundo o diretor-geral da Câmara, Sérgio Sampaio. Se confirmarem que a doença impede Genoino de trabalhar, ele será aposentado com o salário integral de deputado federal, que, atualmente, é de R$ 26,7 mil.
Os servidores do departamento médico do parlamento tiveram de se deslocar à capital paulista para fazer o exame porque os médicos que atendem Genoino apresentaram um atestado de que, neste momento, ele não tem condições físicas de viajar a Brasília.
Condenado a 6 anos e 11 meses de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Genoino foi submetido a uma cirurgia para correção de dissecção de aorta (quando a artéria passa a abrir em camadas, provocando hemorragias) no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Ele ficou internado na instituição de saúde até o dia 20 de agosto.
Suplente na eleição de 2010, o parlamentar petista havia assumido o mandato de deputado federal em janeiro, no lugar de Carlinhos Almeida, eleito prefeito de São José dos Campos (SP).
De acordo com o diretor-geral da Câmara, o deputado já havia se aposentado por tempo de serviço pelo parlamento. O benefício, porém, era proporcional ao tempo em que ele havia atuado no Legislativo. Quando retornou à Câmara, no início do ano, Genoino solicitou a suspensão da aposentadoria para ter condições de atuar como deputado.
No entanto, se o pedido de aposentadoria por invalidez for homologado, ele voltará a receber o benefício, só que, desta vez, correspondente ao subsídio integral de parlamentar. Além disso, manterá o plano de saúde oferecido aos deputados, benefício ao qual ele já tinha direito como aposentado por tempo de serviço.
Cassação pode manter aposentadoria
O diretor-geral da Câmara, Sérgio Sampaio, disse acreditar que, na hipótese de a junta médica confirmar que se justifica a aposentadoria por invalidez, Genoino poderá manter o benefício mesmo que posteriormente venha a ter o mandato cassado – o STF já decidiu que, no caso de parlamentares condenados, caberá à Câmara somente decretar a perda do mandato.
Como Genoino apresentou o pedido de aposentadoria por invalidez antes de uma eventual cassação, a Diretoria-Geral da Casa entende que ele terá condições de manter o benefício, desde que a doença seja confirmada pelos médicos. Mas Sampaio ressalvou que a Casa terá de analisar o assunto posteriormente, no momento em que for publicado o acórdão definitivo do julgamento do mensalão.
"Acredito que ele [Genoino] tenha o direito [a manter a aposentadoria]. O fato de ter dado entrada antes [da conclusão do processo], acho que irá prevalecer a aposentadoria", avaliou o diretor-geral.
Nesta quinta (12), procuradora-geral da República em exercício, Helenita Acioli, afirmou que estuda pedido para impedir que o deputado José Genoino obtenha aposentadoria por invalidez
“Ele não pode, quando está para ser punido, pedir aposentadoria”, disse Acioly. “A pessoa não foi cassada, mas se ela foi condenada, como ela vai pedir essa aposentadoria?”
Indagado pelo G1 sobre a decisão do Ministério Público, o advogado de Genoino, Luiz Fernando Pacheco, ironizou a intenção da procuradora-geral em exercício. Na avaliação do defensor, cabe apenas aos médicos da Câmara a avaliação sobre o estado de saúde do parlamentar.
"O pedido é lastreado na opinião de médicos que estão cuidando da saúde do deputado [Genoino]. Pelo que sei, a procuradora não é medica", disse.
Por conta da cirurgia no coração, Genoino está afastado temporariamente da Câmara sob licença médica. O afastamento se encerraria na próxima quarta (18), no entanto, a assessoria de imprensa da Casa informou que o benefício deverá ser estendido por orientação da junta médica que está avaliando o processo de aposentadoria.
Ainda de acordo com os assessores do Legislativo, não há previsão de quanto tempo mais ele ficará em licença médica.