terça-feira, 29 de maio de 2007

TEMPO E ESPAÇO URBANO NA AMAZÔNIA NO PERÍODO DA BORRACHA

Por: Prof° Aldemir de Oliveira - UFAM

Muito e muitos falam da Amazônia, porém ainda são escassos os estudos sobre as suas cidades. Este texto que resulta de uma pesquisa já concluída cujo objetivo foi recuperar a história das cidades na Amazônia identificou relações sociais que não se tornaram vencedoras, revelando o virtual que não se transformou em real, mas que se colocou num determinado momento histórico como possibilidade de emersão de outros modos de vida, de formas de espacialização diferentes das que se tornaram dominantes para as cidades amazônicas. A resistência indígena, por exemplo, em diferentes épocas, constituía-se no inconformismo com as novas relações sociais de produção que se impunham aos vários povos indígenas. O processo de ocupação e de resistência foi contínuo, mas não linear, no tempo e no espaço, refletindo múltiplas dimensões da vida no território das quais ficaram resíduos na paisagem urbana.

Essa parte da pesquisa foi utilizada apenas de modo transversal até porque carecia de maior aprofundamento, visto que, as cidades pretéritas da Amazônia não são apenas eventos localizados num espaço geográfico, mas determinações de espaço e tempo enquanto produtos históricos que ultrapassam a noção de localização e de duração para vincular-se à dimensão da história e da produção e reprodução não apenas de objetos, mas principalmente da vida.

Quando os europeus iniciaram o processo de colonização da Amazônia, a região não era um grande vazio demográfico, portanto, não estava desocupada (Lathrap, 1975; Porro, 1992; Denevan, 1992). A ocupação nos primeiros séculos significou "uma forma peculiar de colonização que longe de acrescentar novos contingentes humanos à área, sangrava-os ininterruptamente em suas populações indígenas" (Moreira Neto, s/data, p. 17) A ocupação, na perspectiva do colonizador, teve início a partir do século XVII e se limitou à parte litorânea da região conhecida como Nova Luzitânia, não se estendendo para o interior que praticamente não foi alvo da "ocupação" portuguesa nos seiscentos.

O presente texto não pretende fazer a História na Cidade da Amazônia, mas recuperar a História das Cidades da Amazônia. Por outro lado, não abrange toda a Amazônia, mas uma parte dela, a que corresponde à área da antiga Capitania de São José do Rio Negro que em linhas gerais é o atual Estado do Amazonas. Finalmente, embora faça incursões sobre a criação de vilas e povoados nos séculos XVII e XVIII, se concentra no período entre 1860 a 1910, caracterizado por grande atividade econômica decorrente da exploração da borracha.

A criação do que viriam a ser depois as primeiras cidades desta parte da Amazônia não ocorreu de forma autônoma ou dissociada, tampouco diferente do restante da região. O que ocorreu nesta parte da Amazônia de certo modo ocorreu em toda a região e representou as determinações de Portugal enquanto estratégia de ampliação de novos mercados para os países europeus.

As primeiras tentativas de ocupação portuguesa no Amazonas ocorreram na segunda metade do século XVII, quando dois missionários jesuítas entraram em contato com os índios Tarumãs, reunindo-os numa missão localizada possivelmente na foz do rio Tarumã. A missão foi abandonada em 1661, mas durante esse período serviu especialmente como ponto de apoio para os descimentos de índios, 600 no primeiro ano e mais 700 um ano depois (André Barros, apud Moreira Neto, s/data, p. 16).

Em 1660, a Ordem das Mercês criou a missão Saracá (Silves), que não estava situado nas margens do Rio Amazonas e sim para o interior às margens do Rio Urubu, que se constitui no mais antigo povoamento contínuo dos portugueses no Amazonas. A mesma ordem religiosa criou a missão Santo Elias de Jaú, que mais tarde deu origem à cidade de Airão no baixo curso do rio Negro.

Ainda na década de sessenta, em 1669, foi criada a primeira guarnição militar portuguesa no interior da Amazônia, o Forte de São José do Rio Negro, situado a dezoito milhas da foz do rio Negro que originou a cidade de Manaus. Esses povoamentos serviram de base à ocupação portuguesa, especialmente no vale do rio Negro, e para a exploração mais ao norte com a criação de uma missão no rio Branco pelos missionários carmelitas. Essas ocupações e mais o povoado Cabori também no rio Negro constituíam-se nas únicas formas de povoamento português no Amazonas ao final do século XVII (Reis, 1989, p. 67-70; Menezes, 1985, p. 56).

Na metade do século XVIII, durante o governo do Marquês de Pombal,(1750-77), Portugal adotou medidas que modificaram o processo de colonização na parte ocidental da Amazônia. No ano de 1755 foram criadas a Capitania de São José do Rio Negro, a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão e, por meio do Diretório[1], foi abolida a administração temporal que os religiosos exerciam nas missões indígenas que passaram a ficar sob responsabilidade de administradores leigos, bem como foi determinada a transformação de aldeias em vilas e povoados. No período de cinco anos que vai de 1755 a 1760, quarenta e seis missões foram elevadas à categoria de vilas em toda a Amazônia (Corrêa, 1989, p. 259-60), das quais nove estavam na Capitania de São José do Rio Negro: “Borba, criada em 1756; Barcellos, em 1758; Moura, em 1758; Serpa, em 1759; Silves, em 1759; São Paulo de Olivença, em 1759; Ega, em 1759; São José do Javari, em 1759; e São Francisco Xavier de Tabatinga, em 1759” (Universidade do Amazonas, 1983, p. 201). Além das vilas havia ainda onze núcleos de povoamento. Ao término do período pombalino, a Capitania de São José do Rio Negro contava com vinte e três povoações e uma população não indígena da ordem de 1.476 habitantes (CEDEAM, 1983, p. 64-74).

Ao final do século XVIII, Portugal já tinha consolidado o seu domínio na Amazônia Ocidental, garantido a posse da região e praticamente definido os limites fronteiriços ao norte e a oeste existentes até hoje. A presença portuguesa era mais acentuada no vale do rio Negro e no Alto Solimões, incipiente no Baixo Amazonas e no Vale do Madeira e inexistente nos demais vales.

A localização dos povoados demonstra à primeira vista uma estratégia militar de Portugal em ocupar e conquistar a região. No caso da Amazônia Ocidental, a preocupação era especialmente com os espanhóis, em decorrência de não se ter estabelecido, até metade do século XVIII, a fronteira dos domínios da Espanha e dos de Portugal. Por causa disso eram comuns as incursões dos espanhóis a oeste pelo Solimões e ao norte através do rio Negro, onde também havia disputas com holandeses e ingleses. O Tratado de Limites foi assinado entre Portugal e Espanha em 1750 e estabelecia o princípio uti possidetis. No que se refere a Amazônia, garantia a Portugal todas as terras ocupadas do Rio Amazonas à margem direita a oeste do rio Javari e à esquerda também a oeste do rio Japurá, ficando as terras ao Norte das vertentes que drenarem para o Orinoco com a Espanha (Carnaxide, 1979, p. 106).

No Alto Solimões, os primeiros povoamentos não indígenas foram criados pelos espanhóis por volta de 1689, quando estabeleceram cinco missões religiosas sob responsabilidade dos jesuítas. Após algumas tentativas, em 1710 os portugueses destruíram as missões e se apoderaram das vilas e povoados, entregando-os aos cuidados dos carmelitas portugueses. Em 1743, um viajante descreveu a situação no Solimões: "Coari é o último dos seis povoados dos missionários carmelitas portugueses, cinco dos quais formados a partir dos destroços da antiga missão do padre Samuel Fritz e compostos de um grande número de diversas nações, a maioria transplantado" (La Condamine, 1992, p. 73).

A ocupação portuguesa da Amazônia nos séculos XVII e XVIII não pode ser vista apenas como uma questão política para estabelecer o domínio espacial de um vasto território. Embutida na estratégia de defesa estava uma questão econômica motivada pelo mercantilismo português que colocava a Amazônia como uma alternativa para a reconstrução de "seu empório asiático", perdido para outras nações européias (Dias, 1977, p. 427).

As vilas criadas no século XVIII estavam localizadas em pontos estratégicos às margens do rio Amazonas ou na foz de seus principais afluentes e tinham como funções: defesa, cobrança e controle de tributos, entreposto comercial de produtos extrativos e agrícolas, base para o preiamento de índios e sede do poder temporal, representação do Estado e do poder espiritual através das missões religiosas.

As vilas também representavam para os colonizadores espaços privilegiados de expansão de um projeto civilizatório com a imposição da língua portuguesa e restrições ao uso da língua geral, obrigatoriedade da freqüência à escola e o incentivo ao casamento entre soldados e índias.

O casamento entre soldados e índias tinha como objetivo difundir a cultura dos brancos e era persuadido pelo Diretório e considerado pelos governantes como "utilíssimo para por este modo facilitar a civilização dos índios, sendo um dos meios mais importantes para o estabelecimento desta Capitania" (Universidades do Amazonas, 1983, p. 201).

Mas apesar do processo desigual de como se davam as relações, houve neste caso quase sempre um efeito contrário. "Os casamentos, que tanto persuadiu a lei de 4 de abril de 1775, têm sido pela maior parte pouco afortunados; porque em lugar de as Índias tomarem os costumes de Brancos, estes têm adotados os daquelas" (Diário do Ouvidor Sampaio, 1866, p. 92). Isto mostra que a realidade está carregada de dimensões em que se imbricam a cultura e a natureza e nem sempre a ação de poder é capaz de modificá-las em sua inteireza, visto que cada relação se estabelece numa espacialidade cheia de contradições.

A espacialidade das vilas do século XVIII refletia a realidade vivenciada pelas populações da época e tinha a ver com a sua realidade específica apesar das imposições do colonizador. A captura da tartaruga, por exemplo, constituía-se numa das principais ocupações dos moradores das vilas e dos povoamentos que utilizavam a carne na alimentação e recolhiam os ovos para a retirada do óleo destinado à exportação ou ao consumo nos povoados como fonte de energia para iluminação.

Na época da coleta dos ovos, que correspondia ao período da vazante, as vilas ficavam praticamente vazias, pois as pessoas se dirigiam às praias para escavação dos tabuleiros, retirando os ovos e fazendo a purificação do óleo. "Numa manhã cerca de 400 pessoas estavam reunidas nas bordas do banco de areia, tendo cada família preparado seu abrigo (...) Havia grandes tachos de cobre, para o preparo do óleo e centenas de jarros vermelhos estavam espalhados pela areia" (Bates, 1979, p. 241).

Os quintais destinados às tartarugas para posterior consumo faziam parte da paisagem das vilas e a sua construção constituía-se em alguns casos numa obrigação do poder público. Entretanto, na maioria das vezes eram as pessoas que construíam estes “viveiros”. "A outra face da casa dá para um pomar não cercado onde algumas laranjeiras fornecem sombra a um viveiro de tartarugas, preparado para alojar espécimes vivos. No pátio de todas as casas se encontra um desses tanques, sempre bem provido, pois a carne de tartaruga constitui a base essencial da alimentação dos habitantes" (Agassiz, 1975, p. 137).

O espaço que ia sendo produzido refletia não apenas uma determinação externa, mas se constituía a partir das condições específicas. Obviamente estas eram apenas residuais, porém de qualquer forma o espaço produzido não estava imune a elas.

Ao final do século XVIII, as povoações estavam dispersas no sentido linear, estendendo-se na direção leste/oeste desde a foz do rio Amazonas, penetrando cerca três mil quilômetros até a vila de São Francisco Xavier de Tabatinga. A direção da penetração do povoamento contrastava com a pouca densidade da ocupação portuguesa no sentido norte/sul que se limitava, ao norte, à ocupação do vale do rio Negro e, e ao sul, à vila de Borba e ao povoado São Francisco de Crato no rio Madeira.

Durante os séculos XVII e XVIII, predominou na Amazônia a exploração das drogas do sertão e a agricultura, introduzida a partir de 1750, limitada às proximidades das margens dos rios e concentrada principalmente na parte leste da região na Amazônia Oriental. O domínio político de Portugal sobre a região foi garantido, no plano interno, especialmente pela posição estratégica dos fortes e dos povoamentos. Entretanto, não se pode dizer que até esta data tenha ocorrido a interiorização de atividades econômicas e nem que tenha ocorrido um significativo povoamento na perspectiva do colonizador. Pierre Gourou estima que a população do que hoje corresponde ao Estado Amazonas atingiu no final do século XVIII, 14.749 habitantes (1950, p. 32). Possivelmente o autor superestimou os dados pois, segundo o Diário do Ouvidor Sampaio a população não índia da Capitania do Rio Negro, em 1775, era de 1.129 habitantes, e o Recenseamento publicado em 1781, ambos já referidos, totaliza uma população para a mesma área de 1.476 pessoas. Não existem evidências da ocorrência de crescimento tão elevado da população em apenas duas décadas.

Tal situação se refletia na espacialidade das vilas que se constituíam em pequenos pontos para estocagem de produtos extrativos e agrícolas. A agricultura teve certo impulso em decorrência dos incentivos concedidos pela política pombalina. O principal produto de exportação na segunda metade do século XVIII foi o cacau, não havendo certeza de que fosse originado apenas de lavoura, mas possivelmente era uma atividade em sua maior parte extrativista (Santos, 1980, p. 18). No final do século XVIII, as vilas perdem o ímpeto como locus de defesa em decorrência do acordo diplomático celebrado entre Portugal e Espanha que fixou os limites da Amazônia Lusitana. Em 1783, por exemplo, o Forte de São José do Rio Negro foi desativado, demonstrando que, com a consolidação do domínio português na Amazônia, algumas bases intermediárias perderam as funções de defesa.

Do ponto de vista espacial, não houve mudanças significativas quanto ao surgimento de novas vilas e/ou povoados nas primeiras décadas do século XIX na Capitania de São José do Rio Negro. Na década de vinte, entretanto, houve mudanças importantes refletidas na criação e/ou supressão de vilas.

Em 1825, o Governo Imperial, através do aviso nº 283, aboliu a Junta Governativa do Rio Negro, incorporando a Capitania à Província do Pará. Em 1833, foi executado o Código do Processo Penal, instrumento jurídico criado em 1832 que unificava a legislação no que diz respeito à divisão territorial do Brasil recém separado de Portugal. Esse código teve grande importância para a produção do espaço da Amazônia, pois determinou a não transformação da Capitania de São José do Rio de Negro em Província e estabeleceu a sua divisão em Termos e Comarcas. Foi criada a Comarca do Alto Amazonas com quatro vilas que deveriam servir de sede aos Termos: Barra do rio Negro, atual Manaus, Luséa, atual Maués, Teffé e Mariuá atual Barcellos (Guimarães, 1992, p. 92). Pelo mesmo ato as demais vilas retornaram à condição de povoado.

Em meados do século XIX, vários acontecimentos contribuíram para a modificação da paisagem da Amazônia e determinaram, em linhas gerais, o arcabouço do que viria a ser a malha urbana do Amazonas. Dentre os acontecimentos estão: a elevação do Amazonas à categoria de Província em 1850, a introdução da navegação a vapor em 1853, a exploração extensiva dos seringais e o movimento revolucionário dos cabanos, a Cabanagem que foi a mais importante revolução popular da Amazônia ocorrida entre 1834 a 1840 (Di Paolo, 1986).

Quando foi instalada a Província do Amazonas em 1852, que em linhas gerais corresponde ao Estado do Amazonas, havia uma cidade, Barra do Rio Negro, capital da nova Província, vinte e oito freguesias e trinta e um povoados.

Desses acontecimentos, a exploração do látex e a interiorização da navegação a vapor foram os que tiveram maior relevância na configuração da malha urbana, especialmente na Amazônia Ocidental. A introdução da navegação a vapor, além de melhorar a comunicação decorrente da facilidade de transporte, transformou os povoados e vilas em pontos de paradas obrigatórias não apenas para desembarque e embarque de cargas, mas para tomar lenha que servia de combustível para os vapores.

Na Amazônia, (...) os transportes se fizeram por água; eles tiveram também necessidade de mudar: a navegação só se faz de dia, é preciso escalas para a noite. São precisas também outras escalas onde se possam mudar as guarnições de remadores ao longo dos rios de circulação. Essas margens se povoaram de pequenos centros; a navegação a vapor não os suprimiu, ela reclamou ao contrário um novo tipo de escala, o porto de lenha; sendo as caldeiras tocadas a lenha, de 30 a 30 quilômetros mais ou menos era preciso refazer a provisão de combustível, isto é, dizer o número de portos (Deffontaines, 1944, p. 146).
No Amazonas, os principais portos de lenha estavam localizados nas vilas. Dada a distância entre elas, existiam nas margens dos principais rios vários portos, quase sempre com uma estrutura básica de casas denominadas de barracões. Uns poucos se dinamizaram, mas a maioria entrou em decadência junto com a economia extrativa da borracha, na medida em que houve um refluxo da navegação a vapor e mesmo pela modernização das embarcações.
Com a exploração do látex, intensificou-se a ocupação por população não indígena da parte mais a oeste da Amazônia. Nos vales dos rios Madeira, Purus e Juruá, foram criados e/ou recriados povoados visando servir de apoio à exploração do látex e que posteriormente se transformaram em vilas e mais tarde cidades, tais como: Manicoré e Humaitá no rio Madeira; Lábrea, Boca do Acre e Canutama no rio Purus; Carauari e Eirunepé no rio Juruá; Codajás no rio Solimões (Bitencourt, 1926, p. 202-27).

No período mais intenso da exploração da borracha, entre 1860 e 1910, foram sendo criadas vilas nos altos rios à margem direita do rio Amazonas, ao mesmo tempo foi diminuindo o povoamento do vale do rio Negro que por volta de 1890 contava com apenas dezoito povoados dos trinta e dois existentes no final do século XVIII. Esse processo embora tenha se acentuado com a exploração do látex já aparece como tendência desde meados do século XIX. Barcellos, que teve grande importância por ter sido a primeira sede da Capitania, contava, em 1845, com apenas 72 habitantes, embora 50 anos antes a sua população tivesse atingido 640. Em todo o vale do rio Negro, em meados do século XIX, não havia mais de 7.000 habitantes não indígenas, com um decréscimo de aproximadamente 20% da população em 60 anos (Loureiro, 1978, p. 184).

O surgimento de novas vilas no Estado do Amazonas como resultado do período mais intenso de exploração econômica da borracha teve maior significado no final do século XIX, especialmente na última década. Na última década do século XIX, além da expansão urbana da cidade de Manaus que se estendeu até 1910, consolidou-se também a base da divisão municipal do Estado e estabeleceram-se os critérios para a criação de novos municípios, sendo determinada a estrutura do poder municipal e da nova divisão do Estado do Amazonas. A lei nº 33 de 04/11/1892 estabeleceu que os municípios tivessem no mínimo 10.000 habitantes.

Criava a estrutura do poder municipal: Superintendência (Chefe do Poder Executivo), Intendência Municipal (Câmara de Vereadores) composta por nove membros. Dividiu o Estado do Amazonas em vinte e três municípios: Manaus, Itacoatiara, Silves, Urucará, Parintins, Barreirinha, Maués, Borba, Manicoré, Humaitá, Codajás, Coari, Tefé, Fonte Boa, São Paulo de Olivença, São Felipe do Rio Javari, Canutama, Labrea, Antimary, Moura, Barcellos, São Gabriel da Cachoeira e Boa Vista do Rio Branco. A divisão municipal criada e estruturada nesta época serviu de base para a existente hoje, que de maneira geral, é apenas uma derivação daquela.

A divisão municipal criada no governo de Eduardo Ribeiro (1892-1896) continha uma estratégia de hegemonia no espaço. Esse processo se estabelecia por meio de uma força de deslocamento de valores que tinha nas cidades e /ou vilas seu ponto de apoio. A divisão municipal estabelecida na época era uma estratégia política de consolidação do processo cuja principal característica era a imposição. As cidades e/ou as vilas foram concebidas como o local da troca, do poder, da guarnição, mas também e principalmente propulsoras de novos modos de vida.

Por exemplo, na última década do século XIX, algumas vilas do interior possuíam jornais. Levantamento realizado no acervo do Instituto Histórico e Geográfico do Amazonas foram localizados os seguintes periódicos: "O Itacoatiara" (1874), "Foz do Madeira" (1876) em Itacoatiara; "O Rio Madeira" (1881), "Commercio do Madeira" (1884), "Correio do Madeira" (1885) e "Gazeta de Manicoré" (1886) em Manicoré; "Commercio do Purus", "O Purus" e "O Labrense" entre 1886 a 1890 em Lábrea. Além desses (Reis, 1989, p. 209), aponta o "Humaythaense" (1894), "Thriumpho" (1889) em Barcelos.

Embora com predomínio de informações locais e regionais, estes jornais traziam notícias do Brasil e do mundo, especialmente sobre artes. É possível encontrar colunas com capítulos da novela de Eça de Queirós "O mandarim", contos de Machado de Assis ou ainda citações de Vitor Hugo. Até 1889, o número de jornais impressos no interior e na capital ultrapassava a cem (Reis, 1989, p. 209).

A atividade desenvolvida no período da borracha deu certo impulso na criação de vilas e povoados. Entretanto, não significou quantitativa e qualitativamente um processo de surgimento de cidades similar à importância econômica do período. Ao contrário, determinou a existência de poucas cidades, dispersas e com pouca importância regional em termos populacionais e econômicos. Apesar de a economia da borracha ter representado no período de 15 anos (1898 a 1912) no mínimo 20% das exportações brasileiras anualmente (Santos, 1980, p. 290), os benefícios ficaram reduzidos a duas cidades: Belém e Manaus onde uma minoria reteve parte do excedente econômico, transformando-as nas mais importantes cidades da Região. Manaus, por exemplo, cresceu como um centro de comércio, poucas indústrias de beneficiamento de produtos extrativos e entreposto para escoamento de borracha e entrada de artigos manufaturados, mas não encontrou caminhos para transformar o capital comercial em industrial e entrou em crise com o declínio da produção do látex.

A existência de pequenas cidades, distribuídas de forma linear, com infra-estrutura urbana mínima, localizadas quase sempre nas margens dos rios e sem articulação entre si, decorre do tipo de atividade econômica baseada no extrativismo vegetal, com produtos destinados à exportação em estado in natura ou no máximo semibeneficiados. Este tipo de atividade não contribuiu para a criação de infra-estrutura visando à transformação da matéria-prima na própria Região. Em decorrência, tampouco havia a criação de atividades urbanas complementares à transformação da matéria-prima que exigisse concentração de mão-de-obra, o que poderia ensejar a criação de novas vilas.

E por que isso não ocorreu? Há um limite da atividade extrativa para a criação e dinamização do espaço urbano em decorrência da composição orgânica do capital empregado, com predominância do capital variável sobre o capital constante, em virtude da ausência quase total de equipamentos e maquinaria. A exploração da força de trabalho era facilitada pela abundância de mão-de-obra, ausência de mecanismos de mediação entre patrões e empregados e pelas condições de isolamento a que era submetido o seringueiro. Apenas parte da riqueza extraída dos seringais foi apropriada localmente, enquanto a maior parte ficou retida nas mãos de uma minoria privilegiada, internamente os exportadores de borracha e as casas aviadoras e externamente os importadores de borracha nos mercados americanos e ingleses e no Brasil por segmentos de classe do Centro-Sul.

A riqueza retida localmente, Belém e Manaus não foi aplicada na reprodução da atividade econômica, mas em consumo supérfluo e em obras suntuosas. O idealismo de uma elite residente em Belém e Manaus era a fantasia, o capricho e a extravagância, enquanto nos seringais, os meios de trabalho utilizados pelos seringueiros eram quase somente seus corpos. Como já sustentamos, a riqueza produzida na Amazônia na época da borracha provinha de dois líquidos: da seiva da hevea brasiliensis e do sangue dos seringueiros (Oliveira, 2000), pois "os meios de trabalho não são só medidores do grau de desenvolvimento da força de trabalho humana, mas também indicadores das condições sociais nas quais se trabalha" (Marx, 1988, p. 144).

A forma de exploração da força de trabalho teve reflexos na espacialidade das vilas e povoados surgidos com a exploração do látex, cuja distância social dos dois principais centros urbanos da Região, Belém e Manaus, só é comparável à distância física. Esta decorre das enormes extensões dos rios e da grande floresta. Aquela é o resultado da concentração de renda, da ganância, da riqueza para uns poucos e da miséria e morte para muitos. "O resultado foi que a renda própria dos residentes, além de muito inferior à renda interna, era obtida a um elevado custo social e humano, mal distribuída, num regime predatório da força de trabalho” (Santos, 1980, p. 308).

Pode-se inferir, que no período do boom da borracha a maioria da população não estava nas poucas vilas existentes, mas embrenhada no interior da floresta. As vilas e as poucas cidades continuaram com as mesmas funções para as quais haviam sido criadas: representação do poder público para arrecadação de impostos, sede das missões religiosas, base para a circulação de produtos extrativos para exportação e internação de produtos alimentícios básicos que vinham de Belém e Manaus. A estreita relação com o mercado externo fez com que as vilas, especialmente as da Amazônia Ocidental, não conseguissem se dinamizar, alternando curtos períodos de pequena dinamicidade com longos de grande estagnação.

A partir de 1910 e acentuando-se a partir de 1920, mais um desses períodos de estagnação abateu-se sobre a Região. No entanto, a crise não foi generalizada, especialmente para a população local. Em primeiro lugar porque a economia da borracha não contribuiu para a melhoria do nível de renda das populações locais que eram e continuaram sendo muito pobres. Em segundo lugar, a crise provocou o refluxo de parte dos migrantes nordestinos para a região de origem, diminuindo a pressão sobre as fontes de alimentos. Finalmente houve certo aumento na produção de outros produtos extrativos, especialmente a castanha e a madeira que absorveu a mão-de-obra liberada dos seringais.

Mas há uma dimensão espacial neste processo, pois a resistência veio da população nativa (não necessariamente indígena, mas cabocla) ou dos que já haviam se fixado e se adaptado à Região e tinham por isso conhecimentos sobre o espaço, conseguindo estabelecer novas formas de sobrevivência. Neste sentido, a borracha levou à destruição, mas também criou os mecanismos da resistência. Isso parece tanto mais verdadeiro quando comparado ao impacto ocasionado no interior da Amazônia e nos dois principais centros urbanos, Belém e Manaus.

Isso ocorreu porque as cidades são espaços produzidos socialmente, são produtos datados e por isso refletem as condições específicas do lugar e dos conflitos a ele inerente que não podem ser considerados exclusivamente econômicos, pois têm dimensões culturais, políticas e ideológicas e retratam o vivido de quem as constrói.

As cidades amazônicas que foram criadas ou dinamizadas a partir da economia da borracha, embora pequenas e com pouca ou nenhuma importância para as outras regiões do país, têm organização e estrutura que extrapolam sua dimensão específica, configurando formas e estilos que estão além da circunscrição do lugar, refletindo o lugar no mundo e o mundo no lugar. Nelas encontram-se instituições regionais, nacionais e até internacionais, influenciando de forma direta ou indireta a sua dinâmica. Todavia têm especificidades que não escapam ao lugar em que estão sendo produzidas. Portanto, é preciso entendê-las por meio de características específicas, tentando não vê-las como pedaços de uma cultura mais geral, nem com a mesma dimensão e complexidade dos núcleos urbanos mais dinâmicos. Em outras palavras, as cidades amazônicas são tempos e espaços produzidos a partir do específico, tendo dimensões gerais.

Notas

[1] "DIRECTORIO que se deve observar nas povoaçoens dos indios do Pará e Maranhaõ" (sic) foi o instrumento criado pelo governador do Pará e Maranhão Francisco Xavier de Mendonça Furtado em 3 de maio de 1757, ratificado pelo Rei de Portugal em 1758, estabelecendo as normas a serem observadas nas povoações dos índios do Pará e Maranhão.

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UNIVERSIDADE DO AMAZONAS, Cartas do Primeiro Governador da Capitania de São José do Rio Negro, Joaquim de Melo e Póvoas 1758-1761, Manaus: Universidade do Amazonas, 1983 (Edição fac-simile)

UNIVERSIDADE DO AMAZONAS, “Recenseamento de João Pereira Caldas, no ano de 1781 da população dos lugares e vilas do Rio Negro”, Boletim de Pesquisa do CEDEAM, Manaus: 2(2), 1983

© Copyright José Aldemir de Oliveira, 2006

© Copyright Scripta Nova, 2006

Ficha bibliográfica:

OLIVEIRA, José ALDEMIR de. Tempo e espaço urbano na Amazônia no período da borracha. Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2006, vol. X, núm. 218 (35). [ISSN: 1138-9788]

segunda-feira, 21 de maio de 2007

HISTÓRIA DO ACRE - Resumo de livro


CALIXTO, Valdir de Oliveira. Plácido de Castro e a Construção da ordem no Aquiri: contribuição à história das idéias políticas. Rio Branco: FEM, 2003.

APRESENTAÇÃO (Escrita pelo ex-Governador Jorge Viana)

“Este é um livro muito especial por diversos motivos... por que estamos publicando-o num momento também muito especial, quando comemoramos a passagem de um século desde a assinatura do Tratado de Petrópolis”.

“Cabe ressaltar que, durante todo o período em que governo o Estado do Acre, estou tendo a grande felicidade de poder celebrar junto com o povo acreano o Centenário da Revolução Acreana. Foi assim em 1999, em relação ao centenário da 1ª Insurreição Acreana deflagrada por José Carvalho e do Estado Independente do Acre presidido por Galvez. Do mesmo modo fizemos no final de 200 quando se completou um século da Expedição dos Poetas articulada por Rodrigo de Carvalho e, durante todo o ano de 2002, quando comemoramos a Grande Revolução comandada por Plácido de Castro que nos levou à vitória contra a dominação estrangeira e a ameaça do grande capital internacional”.

“... para que essa alegria fosse completa, quis Deus e o povo do Acre que aqui estivéssemos cumprindo nosso segundo mandato à frente do Governo do Acre para concluir essas comemorações por ocasião do centenário da assinatura do Tratado de Petrópolis, que encerrou o período de conflitos com a Bolívia e formalizou as terras acreanas como brasileiras”.

“Mais do que simples comemorações, todos esses eventos – juntamente com as obras e programas desenvolvidos por nosso governo – se revelaram essenciais para a recuperação da auto-estima e do orgulho do povo acreano nesse momento de retomada de um caminho próprio, em sintonia com essa floresta que ainda hoje nos obriga doce e gentilmente, desejo último daqueles revolucionários que á um século doaram suas vidas por nós[1]”.

“... a Revolução Acreana foi muito mais que uma guerra, mais que um mero conflito característico de uma região fronteiriça. A Revolução Acreana foi, na verdade, um momento singular onde foram estabelecidos os signos que ainda hoje trazemos em nossa identidade mais essencial".

“Não podemos nos esquecer que antes da Revolução não havia acreanos, mas tão somente brasileiros do Acre. E foi durante essa luta que surgiu nossa identidade como povo. Ou seja, não podemos nunca nos esquecer que a primeira geração de acreanos não foi constituída por pessoas que aqui nasceram, mas por pessoas que pelo Acre deram suas vidas e essa é uma marca que trazemos dentro de nós[2]”.

“Sinto isso, especialmente, por fazer parte da mesma geração de Chico Mendes[3] que – junto com milhares de índios, seringueiros e ribeirinhos acreanos, à semelhança dos revolucionários de um século atrás[4], - defendeu nossa floresta e os povos que nela habitavam”.

PREFÁCIO (Redigido pelo Senador Tião Viana)
“Recentemente, participamos das comemorações do Centenário da revolução Acreana. Pela própria natureza dos festejos, que envolveram toda a comunidade em diferentes eventos culturais e fóruns de discussão, ficou patente que estamos delineando um outro perfil de sociedade”.

“A sociedade acreana hoje se insurge contra aqueles[5] que a querem alijada e submissa aos interesses mesquinhos de uma oligarquia, a qual, para se perpetuar no poder, ajusta-se despudoradamente às exigências do mercado e vende o que for preciso, o produto da hora, sem poupar sequer a dignidade e o orgulho do povo da terra”.

“Nestes últimos anos[6], nossa história tem ido às ruas. Ela se faz presente nas praças, nas correspondências que estampam o selo comemorativo de seus cem anos, nos documentários de rádio e tv. Um momento raro. A primazia do debate sobre o saber enciclopédico, Todos os acreanos instados a conhecer mais de si mesmos”.

“Somos amazônicos, somos dos rios e da floresta, somos a face humana da biodiversidade”[7].

“Mas do que nunca, é a hora de falarmos do nosso povo, das nossas origens, dos nossos heróis, - oficiais e anônimos[8] - tirar-lhes a pátina do tempo e compreendê-los. E tempo de sabermos de nós”.

“Quando menciona a vontade revoltada, ainda que de maneira indireta, Calixto se reporta à centelha que alumia o coração do acreano comum, o qual, desde pronto, soube ser brasileiro”[9].

“Temos nas mãos um estudo da nossa GÊNESE que contextualiza historicamente os embates político-econômicos da atualidade e nisto reside o seu mérito”

INTRODUÇÃO
- O tema central deste livro refere-se à complexa inter-relação entre classe, ideologia e estado.
“... o espaço acreano configura-se como ocupação recente e desordenada, em função de uma economia extrativista predatória... Toda aquela imensa área geográfica banhada pelos altos rios da Amazônia aparecia, nas cartas bolivianas, como tierras non descubiertas”. P. 19.
“Privilegiou-se a figura controvertida, mas fascinante de Plácido de Castro, espírito revolucionário, crítico da República Oligárquica e, conjuntamente a lúcidos patrões e destemidas seringueiros, libertador do Acre”[10] p. 20.
“... procurou-se enfatizar o papel do capital como promotor da inserção da região na divisão internacional do trabalho, à medida que a borracha tornava-se, cada vez mais, mercadoria indispensável à modernidade” p. 20.
“... se pretende demonstrar é o caráter de classe do domínio boliviano no Aquiri... Ressalta-se o caráter nada patriótico da burguesia boliviana em relação ao Bolyvian Sindicate” p. 20-21.

CAP. 1 – O CAPITAL, A MODERNIDADE E AS TIERRAS NON DESCUBIERTAS (p. 23)

- No capitalismo, tudo vira mercadoria. Esconde-se a violência e o cinismo da acumulação de capital. No Acre, não foi diferente.
- Qual era a outra face do progresso? Em Paris, capital do capital, os pobres eram silenciados em meio aos bulevares. Era a modernidade liberal.
“Entre 1873 e 1896, a deflação fez com que o nível britânico de preço declinasse em 40%, ocasionando a queda nas taxas de lucro. Estremeceram os alicerces que sustentavam os valores da livre troca” p. 24.
“O capital mobilizado politicamente exigiu do Estado proteção contra a intensa concorrência internacional... o progresso como resultado de um longo processo evolutivo já não correspondia aos novos tempos, pois a nova lógica da acumulação capitalista tinha pressa” p. 25.
“Entretanto, enquanto nos países hegemônicos do ocidente já ruíam os pilares da modernidade, euforicamente forjados nas oficinas fáusticas do livre-cambismo, do outro lado do Atlântico, no Brasil, outros pilares principiavam a desmoronar” p. 27.
“A 4 de janeiro de 1878[11], subia ao poder o Partido Liberal, inflamando os espíritos da modernidade pseudofáustica”.
- O desenvolvimento tecnológico incorporou o látex como mercadoria do progresso. “... somente no século XIX, seriam criadas as condições para o aproveitamento industrial da goma elástica” p. 30. “...A borracha inseria-se, assim, nos planos dos fomentadores da modernidade... A medida que o processo de vulcanização possibilitava um uso industrial da goma elástica, cada vez mais diversificado, cresciam os investimentos no setor, implicando a necessidade de suprimento de matéria-prima” p. 31.
- A província do amazonas foi criada em 5 de setembro de 1850. Foi desmembrada da província do Pará. “Para o desapontamento dos que se enriqueciam com o comércio regional, a criação da província amazonense não contemplaria as reivindicações de descentralização e autonomia desejada. Ao contrário , o objetivo do poder central era colocar, em circulação, sob seu controle, a moeda do progresso, sema qual os escravocratas e burocratas saquaremas[12] podiam em risco seu domínio” p. 32
- A liberação do rio Amazonas e seus afluentes à navegação e comércio de todas as bandeiras viria somente em 1868. Tavares Bastos foi um dos baluartes da causa.
- O federalismo seria bom para a comunidade mercantil do amazonas composta, quase que exclusivamente, por portugueses.
“... por ocasião do boom gumífero, ocorresse uma mudança na lógica da acumulação... a acelerada subordinação do capital comercial das Casas Aviadoras ao capital da haute-finance, representado, na Amazônia pelas Casas Exportadoras e bancos estrangeiros” p. 35.
- Até o fim dos anos 60 (XIX), correspondeu à expansão do capital mercantil rumo à Amazônia através das Casas Aviadoras.
“Nessa fazer pré-boom, como esclarece Weinstein, o volume de produção, então manipulado pelo comércio aviador, ainda não era o suficiente para inspirar confiança ou estímulo do setor creditício em operação na praça de Belém. A expansão do sistema de crédito foi característica de um outro momento...” p. 35.
“A chegada dos primeiros patrões às tierras non descubiertas ocorreu num momento em que a demanda internacional e os preços cresciam” p. 35.
“A década de 1980 já demarcava a gradativa subsunção do capital mercantil – representado pelas Casas Aviadoras – ao capital financeiro, representado pelos bancos nacionais e estrangeiros, mas, sobretudo, pelas Casas Exportadoras” p. 35-36.
- Daí por diante, haveria uma acirrada luta pelo controle da exportação do outro negro.
- Poucas casas exportadoras (VERDADEIROS PARASITAS) dominavam a maior parte da exportação da borracha, suficiente para impor preços e impedir que as Casas Aviadoras exportassem, elas próprias, a borracha aviada pelos patrões.
“A crescente interferência do capital monopolista na tradicional economia extrativista, impondo nova lógica à acumulação mercantil, foi, desta maneira, conseqüência da crescente demanda de matéria-prima por parte da indústria européia e norte-americana, estimuladoras de novas necessidades de consumo” p. 37.
- O controle das fontes abastecedoras de látex teve como conseqüência regional o investimento dos governos de Amazonas e Pará. As empresas de transporte recebiam mais investimentos. Em 1878, passou-se a cobrar em Belém “...um imposto de 3% sobre o embarque da borracha que, por cabotagem, chegava até Belém”. Manaus concorria com Belém a respeito dos portos exportadores da borracha. Ler a respeito da porcentagem de cada uma na p. 38.
“Se, em 1890, a arrecadação da receita regional (Amazonas e Pará) era de 17.745 contos de réis, em 1900 saltava para 88.962, uma diferença percentual superior a 500%” p. 38.
- A Amazônia tornou-se peça fundamental na engrenagem imperialista.
“O AQUIRI dos nativos mudaria de nome algumas vezes. Os patrões descendentes de MATUTOS CEARENSES, chamaram-no Acre” p. 38.

CAP. II – A OLIGARQUIA DO CAFÉ, OS MILITARES E A ORDEM REPUBLICANA (p. 43)

- O primeiro governo civil republicano foi tumultuado. Foi uma anarquia administrativa. Caos financeiro. Indignação dos militares. Prudente de Morais concedeu anistia aos federalistas do Rio Grande do Sul (Incluindo Plácido de Castro), o exército foi desmoralizado em canudos[13]. O presidente sofre um atentado, o clube militar é fechado. Dentro do Partido Republicano Paulista se se digladiavam pela hegemonia Campos Sales e Prudente de Morais. O grupo de Campos Sales ficou no poder nos anos 1898-1920 (política dos governadores) – representavam a nata da burguesia cafeeira. Em 1891, Rodrigues Alves era ministro de Floriano Peixoto.
“... Dessa forma, nasce a ideologia do imperialismo como superação dos velhos ideais liberais” p.45.
- A política dos governadores foi uma política baseada nos interesses de classe, a oligarquia cafeeira. Para esta, o aparelho estatal, nada mais é do que parte do sistema de poder do grupo. O Estado não era uma entidade autônoma que seria a todos.
- A oligarquia inventou uma nova ordem para abrir caminho à nova elite. O que essa nova ordem não quis ser?
1) Não quis identificar-se com a República Militar dos deodoristas[14]. A república para Deodoro era o ápice da questão militar no processo da agonia do Estado escravista. Salvou o exército da humilhação imposta pela elite imperial. “... a recusa daquele modelo justificava-se do ponto de vista da facção perrepista ‘oligárquica’, porque, ao exaltarem a figura do grande homem, o soldado herói que havia combatido na Guerra do Paraguai, os deodoristas, abriam espaço para a propagação de uma idéia de pátria e de nacionalismo consideradas perigosas e inoportunas” p. 49.
2) O oligopólio financeiro traduzira-se por um privilégio considerado não grato aos interesses do grupo em ascensão – o favorecimento da indústria carioca em expansão.
3) Era contra a República Sociocrática dos positivistas, pois eram contra a democracia representativa. Defendiam a incorporação dos proletariados e o fim dos privilégios burgueses.
4) Não seria uma República de Marianne, ou seja, uma república libertária – Jacobina.
5)Contra a qualquer tentativa de restauração monárquica, às idéias separatistas e às contestações populares.
- A nova ordem classificava os grevistas como desordeiros. O demos deveria submeter-se ao imperativo nacional. “... nossos peseudofáusticos construtores da nova ordem optariam por forjar seus próprios símbolos” p. 52. O hino nacional e Tiradentes foram os símbolos. A liberdade se daria dentro da ORDEM, ordem que se assegura à reprodução da classe no poder. A liberdade é um meio em si mesma.
“A letra do Hino Nacional[15] tornar-se-ia poderoso instrumento para a formação das almas num momento em que o governo Campos Sales desgastava-se mais ante as elites oposicionistas e o demos” p. 52-53.
“Liberdade? Autonomia? Soberania? Só se garantidas, vale dizer, legitimadas pelos novos donos do poder... Que se lixassem os que, também pseudofausticamente, pretendessem, nos altos rios amazônicos, fundar sua própria ordem ou mesmo mendigar autonomia no condomínio oligárquico em formação!” p. 56.
- Calixto se propõe fazer uma análise do discurso dessa oligarquia para “...desvendá-lo enquanto ideologia e práxis de uma facção agro-exportadora bem sucedida e que precisava de ordem...” p. 56.
- Para Campos Sales o governo deveria cuidar das finanças para cumprir os compromissos com os banqueiros internacionais, a função do governo é administrar. O parlamento teria um mínimo de força.
- Em 1900, o congresso estava dividido em dois grupos: a) Concentrados (concentrava as bancadas do sul do país), era o que restava do Partido Republicano Federal; b) Republicanos (Nordeste e sudeste).
- A “pax oligárquica” só foi possível graças à reorganização do sistema federativo: autonomia dos estados; autonomia do executivo federal. “O federalismo emergia, então como a melhor das ordens possíveis [e] a alternativa a ele seria a barbárie do unitarismo... A verdadeira opinião nacional é constituída pela soma dessas unidades autônomas. Os Estados são a nação política, logo a política dos governadores, pelos procedimentos que adota, é a única forma virtuosa capaz de estabelecer os nexos entre a polis e o governo” p. 62.
- As divergências não poderiam romper com a unidade política da república. A polis era impermeável ao demos.
POLÍTICA DOS GOVERNADORES – reativou o fenômeno do CORONELISMO. O MANDONISMO foi a forma de dominação ideológica na política local.
“Os coronéis governistas criavam todo tipo de obstáculos a quaisquer pretensões das facções oposicionistas” p. 63.
CONTEXTO: integração da Amazônia à divisão internacional do trabalho. Em 1902, diversas frações da classe dominante se uniam ao inimigo comum. Campos Sales e sua política liquidacionista dos insolváveis. Os monarquistas pregavam a luta armada, “Sempre desqualificando a ordem em vigor, apelando ao patriotismo, ao descontentamento popular e às armas para a derrubada da mesma (república)...” p. 74.
“Ao findar o quadriênio, Campos Sales podia jactar-se de ter alcançado seu principal objetivo: o saneamento financeiro do país, condição primeira, no entender do grupo da oligarquia...” p. 72.
- A Revolução Federalista no Rio Grande do Sul fora esmagada com o apoio da burguesia agrária e do coronelismo castilhista. Alguns foram desterrados na Amazônia como punição, como o coronel Jacques Ourique.
- Os bolivianos lutaram contra a burguesia regional que se sustentavam do látex.

CAPÍTULO IIITILINTAM OS CRISTAIS, SOAM OS CLARINS E AS LINHAS DANÇAM: NASCE A QUESTÃO ACREANA (p. 77).

- A eleição de Prudente de Morais foi para SAES[16] uma reação termidoriana. Não foi uma simples mudança do militar para civil, mas foi uma etapa decisiva onde a fração hegemônica da burguesia cafeeira delegou a função de direção política ao Estado.
“Se Manaus, a bela cidade de largas e bem iluminadas avenidas, elegante boulevard e fantástico teatro, era a mesma Manaus soerguida sob milhares de ossos, trágico e macabro alicerce de uma modernidade paseudofástica, era porque a necessidade do progresso assim o exigia” p. 82.
- Militar Gregório Thaumaturgo de Azevedo: nasceu em 1853, no Piauí. Bacharel em matemática, Ciências Físicas e em Direito. Em 1879, foi secretário da comissão de limites Brasil-Venezuela. Em 1885, filiou-se ao Partido Liberal. Quando da proclamação da República, foi convidado por Deodoro da Fonseca para ser governador do Piauí. Pediu demissão por discordar da fração hegemônica do Estado. O Governo Federal, então, o nomeia governador do Amazonas. Ficou no cargo apenas 5 meses, Floriano Peixoto demitiu todos os governadores críticos. Foi contra o discurso entreguista de Prudente de Moraes. Defendia uma ruptura ao defender o “uti possidets”. Quando Dionísio Cerqueira assume o ministério das Relações Exteriores, Thaumaturgo pede demissão.
- Manaus: vivia à sombra do patronato; nos rios prevalecia a truculência dos patrões. Nos seringais, prevaleciam as leis do coronel. Manaus era a cidade dos vícios: cabaré a cada esquina, terra da boemia e de aventureiros.
- Em nota de rodapé, Calixto conta que o TRONCO “... consistia em acorrentar os pés do indivíduo a um tronco de árvore... Era um castigo que se aplicava, invariavelmente, aos seringueiros em débito com barracão, ou que ousassem desafiar ordens expressamente recebidas do proprietário do seringal” p. 84.
- Tratado de Ayacucho: O tratado tinha como contexto o liberalismo do Partido Progressista que estava no poder na época (1862-1867) e a guerra contra Solano Lopes. Do lado da Bolívia, o tratado fora assinado numa época em que os indígenas estavam sendo oprimidos pela fração agro-conservadora capitaneada pelo caudilho Melgarejo[17]. O tratado foi assinado sem que ambos os países conhecesse um palmo da geografia daquela região entre o Madeira e o Javary. A linha que era considerada reta tornou-se oblíqua após 1895.
“... o Amazonas irá perder a melhor zona de seu território, a mais rica e a mais produtora... fazendo-nos perder o alto rio Acre, quase todo o Iaco e o Alto Purus, os principais afluentes do Juruá e talvez os do Jutaí e do próprio Javari; rios que dão a maior porção da borracha exportada e extraída por brasileiros... Toda essa zona perderemos, aliás explorada e povoada por nacionais e onde já existem centenas de barracas, propriedades legítimas e demarcadas e seringais cujos donos se acham de posse há alguns anos, sem reclamação da Bolívia...”. Gregório Thaumaturgo de Azevedo

“À Bolívia interessava, naquele momento, interromper a frenética dança das linhas, intensificada desde 1894 com o Relatório Pando” p. 97.
“Na Bolívia, em curso a revolução liberal desde outubro de 1897. Revolução que, protagonizada por D. José Manuel Pando[18], reivindicaria para a jovem República andina o direito ao progresso e à ordem pseudofáustica” p. 98.
“Naquele ano – 1898 – cerca de 23.108 toneladas de goma elástica eram exportadas, via portos de Belém e Manaus, ao preço altíssimo de 10.560 réis o quilo” p. 99.
- Nota de Dionísio Cerqueira, Ministro das Relações Exteriores, ao governador do Amazonas citado por Calixto na página 100: “Concordar no estabelecimento de posto aduaneiro à margem do Acre ou Aquiri, em território incontestavelmente boliviano, isto é, acima da linha tirada do Madeira à margem do Javari, na verdadeira latitude determinada pelo capitão-tenente Cunha Gomes”.
“Tal posição significava dar como encerradas as dúvidas sobre as origens do Javari, confirmando a existência de um território incontestavelmente boliviano, situada a 7° 11’ 48’’ 10, conforme mediação realizada por Cunha Gomes” p. 101.
“Entretanto, a questão acreana que, segundo palavras do próprio ministro (Dionísio Cerqueira), nascera ‘nas praças comerciais de Belém e Manaus, daí se propagando aos seringais do Acre’, era mais uma questão gestada nas entranhas do Estado escravista e vindo à luz num momento crítico da República” p. 102.
“Mobiliza-se o capital mercantil das Casas Aviadoras situadas em Manaus. Movimenta-se, na penumbra, o Estado amazonense dos Nery. Nos altos rios, os patrões clamaram pela Ordem! O Acre passava a ser, cada vez mais, uma questão republicana” p. 103.

CAP. IV – PALAVRA DE REPÚBLICA: O ACRE PODE SER BOLIVIANIZADO (P. 103).

- A política dos governadores visava a preservação e reprodução do sistema de dominação, hegemonicamente administrado pela conservadora burguesia cafeeira, ou seja, os fazendeiros.
- Por que a ordem oligárquica ficou indiferente aos brasileiros do Acre que enviavam toneladas de borracha aos portos de Manaus e Belém?
- Quando Dionísio Cerqueira afirmara que o Acre era incontestavelmente Boliviano, “A razão para a indiferença do governo federal não fora de ordem geográfica, mas de ordem política e econômica” p. 105. “A questão do Acre não deveria embaraçar a marcha da República” Cerqueira.
“Ao ratificar-se a linha Cunha-Gomes, declarando o Acre território ‘incontestavelmente boliviano’, a nova ordem, leia-se a fração oligárquica que lhe emprestava sentido, estava demonstrando seu profundo desprezo pelo capital mercantil regional, naquele contexto já profundamente comprometido e organicamente articulado à economia extrativista” p. 107.
- 1899 é o ano em que o governo boliviano decide estabelecer sua ordem no Acre. O Ministro Dionísio Cerqueira assina uma permissão para que Paravicini adentre no Acre para montar um posto aduaneiro.
- Havia um baixíssimo investimento do governo federal na Amazônia. A produção de borracha de 1902 foi menor do que a de 1901.
- Na época, a burguesia agro-exportadora comandava a Bolívia.
- SE alguém foi patriota nessa história foi Paravicini que em meios a várias adversidades levou a cabo o intento de anexar o Acre e estabelecer a ordem no Acre. O consulado de Paravicini durou 111 dias. Foi criado uma Delegacia Nacional e através dela a Bolívia regia a ordem no Acre.
“Com a chegada de Paravicini ao Aquiri, a 3 de janeiro de 1899, principia, de jure e de fato, a institucionalização do poder boliviano” p. 112.
Alfândega de Porto Acre[19]: “Aí, deveriam ser arrecadados os impostos de importação e exportação de mercadorias, produtos naturais e manufaturados, conforme as leis tratadas e regulamentos vigentes e os que forem expedidos” p. 112-113.
“Os decretos de fevereiro pretenderam, não só disciplinar as questões relativas à propriedade desde sua aquisição, coibindo o contrabando e o roubo, mas também regulamentar o regime de trabalho a ser estabelecido e, naturalmente, zelar pela questão da segurança... Ninguém poderia explorar seringais sem a devida concessão, sendo que os que não tivessem qualquer documento comprobatório de suas propriedades deveriam formalizar suas petições” p. 114.
- Decreto de 22 de fevereiro de 1899: decretava a melhor forma de fazer o corte na seringueira para extrair o látex, sem ocasionar a morte da seringueira.
- Os infratores pagariam multas em dinheiro e os que , pela terceira vez, insistissem na prática do arrocho (abatimento forçado da árvore), poderiam “perder o seringal em benefício do fisco”.
“Interessante é notar que a fundação de Puerto Alonso e a conseqüente organização da Delegacia Nacional no Aquiri se dão num contexto em que no Brasil, afirmava-se no poder o grupo da oligarquia, naquele momento articulando hegemonicamente, o pacto entre as diversas frações dominantes. Na Bolívia, logo após o golpe de 1899, ascende ao poder o Partido Liberal que, com Pando, assumiria feições nada clássicas”.
“... desde Paravicini, houve adesões, de caráter individual e coletivo, às primeiras providências emanadas da sede da Delegación”. P. 119.
“... o Ministro Paravicini receberia um documento, autêntico manifesto, assinado por vinte e sete cidadãos e firmas em operação no rio Acre, declarando: adesão ao governo... De manifesta adesão se chagaria à efetiva aliança entre as classes dominantes no Aquiri. É que três bem estabelecidos patrões – o capitão Antônio Leite Barbosa em Humaitá, o major Pedro Braga em Riozinho e Augusto Maria da Rocha Neves em Xapuri – aceitaram de bom grado sua investidura no cargo de corregedores no governo Paravicini[20]” p. 120.
SOBRINHO, Ferreira. As quatros insurreições acreanas. Manoel Ferreira Lima (tese de mestrado).
- Em plena vigência da Delegación Nacional alguns seringalistas formam a Junta Revolucionária. O que estava em jogo era os grandes interesses ligados ao comércio da borracha.
LER página 126 e avaliar o envolvimento de um amigo de Galvez na formalização do Bolívian Syndicate.

CAPÍTULO V – OS PATRÕES DIZEM NÃO À NOVA ORDEM OLIGÁRQUICA: REBELIAO NO ALTOS RIOS (139).

“Até a ocupação da Bolívia, o Aquiri encontrava-se sob a jurisdição do Município de Antimari (depois Floriano Peixoto), Estado do Amazonas, naquela ocasião administrado por um Superintendente, de nome Francisco de Souza Junior” p. 139.

“Dos altos rios, do Aquiri, só interessava a grande riqueza extraída de suas úberes seringueiras às custas, naturalmente, de extenuante jornada de trabalho do extrator de látex” p. 139.
- A ordem da qual fala Calixto é a presença do poder público. A desordem era tamanha que quando a expedição Paravicini chegou, as autoridades de Floriano Peixoto nem se quer tinha sido avisadas.
“... a historiografia regional acreana batizou como revolução acreana” p. 140.
“Durante a administração brasileira não se criou uma só escola, nem se construiu um só edifício para o serviço de culto, e o Estado do Amazonas percebia anualmente mais de 5 mil contos de impostos sobre a borracha e o Tesouro Federal o dobro, de direitos de importação de mercadorias. A vila de Antimari, ultimamente denominada Floriano Peixoto, recebia também de 40 a 50 contos de mercadorias e barraqueiros, aos quais, aos quais se obrigava a pagar de 100$000 a 500$000 por cada [sic] armazém, segundo a sua importância” Relatório Paravicini -apud TOCANTINS.
“Aos bolivianos coubera a difícil tarefa de tentar por fim ao estado de ‘barbárie’ reinante naquela região. Barbárie visível na corrupção e na fraude encobertas pelas autoridades de Antimari, onde Paravicini encontrara, em alguns papéis a prova de que se havia pago...” p. 141.
“Em Caquetá, propriedade de Joaquim Victor, organizara, desde a vigência dos primeiros decretos de Paravicini, uma Junta revolucionária, articulada, obviamente, junto aos grupos revolucionários de Belém a Manaus. De Caquetá, os revoltosos solicitariam a José Martins de Souza Brazil, então juiz de Direito na Comarca de Floriano Peixoto, oficiasse ao Delegado boliviano que se ‘estava no meio de um levante popular para depô-lo” p. 142. O boliviano respondeu dizendo que tinha um acordo assinado pelo próprio ministro brasileiro e que tudo era legalmente aceito pelo Brasil.
- A informação foi dada em 29 de abril de 1899 – “...Tendo chegado ao meu conhecimento que se preparava um grande movimento popular contra a autoridade que V.Excª está exercendo no território da Comarca de Antimary... observando o estado de exaltação patriótica em que se acham os espíritos...” p. 142.
“Inúteis os argumentos do Delegado. De Caquetá, os revoltos partiram ‘no dia 30 de abril, pelas 5 horas da manhã’, numa canoa. Destino Puerto Alonso, Missão: depor a Delegação boliviana. No dia seguinte, 1° de maio, D. Moisés Santivanez recebia uma intimação, assinada por mais de cinqüenta prestigiosos proprietários, um bacharel em Direito e um Engenheiro Civil[21]”. Negavam a bolivianização do Acre.
“O povo brasileiro representado por nós abaixo assinados, solidariamente responsáveis, no uso de suas alta vontade revoltada, vem intimar-vos para que abandoneis o governo ilegal que nos achais exercendo atualmente neste território, desbravado, habitado e hoje defendido, por milhares de brasileiros...” p. 145.
-Falavam em patriotismo para esconder os interesses puramente regionalistas.
“Em nome do Povo, em homenagem à Pátria depunha-se a Delegação Nacional da Bolívia no Aquiri”. P. 150.
“Como se explica tão trágico fim para quem, em nome da pátria, proclamava a soberania nacional naquela basta região? Não encontramos outra que não esta: José de Carvalho e seu círculo de amigos não faziam parte do entourage oligárquica dos Ramalho. Aliás, o próprio líder do primeiro e significativo movimento contra a ocupação boliviana no Aquiri revelaria, em 1904, data da publicação da obra aqui referida, seu desacordo em relação aos procedimentos da classe dominante amazonense”. P. 151.
- José de Carvalho não era confiável para o governo do Amazonas, por isso não receberia apoio. “Afinal de contas, a deposição da Delegação da Bolívia não se fizera em nome do Estado do Amazonas, mas sim em nome da pátria e da consciência nacional, valores que, naquelas circunstâncias, impunham-se como superires aos interesses regionais” p. 151.
“Para nova proclamação, que esperava fosse mais favoráveis ao interesses do Estado, o governo apoiaria um jornalista ex-diplomata e de nacionalidade espanhola: d. Luiz Galvez Rodrigues de Aria” p. 151.
- A classe dominante da região amazônica estava em nítida desvantagem na Ordem Republicana, além de manterem sérias divergências.
“Luiz Galvez encontrava-se em Belém à época em que José Carvalho entregara ao Cônsul Santivanez a célebre intimação para que abandonasse Puerto Alonso . Não era um acaso, pois, como confirma um precioso documento[22], Galvez mantinha ligações com a Junta Revolucionária do Acre, organizada desde 24 de fevereiro de 1899 e da qual era representante no Pará e Amazonas”.
-Sobre o discurso proferido por Galvez na 22° sessão da Junta Revolucionária em Puerto Alonso, Calixto diz: “De início, os revolucionários precisavam qualificar-se como ‘altivos e nobres cidadãos’, sempre ‘respeitadores das leis’ e das autoridades constituídas. Precisavam ser apresentados à opinião pública como ordeiros cidadãos...” p. 153.
JORNAL A PROVÍNCIA DO PARÁ, 7/05/1899: “...intitulados chefes políticos que, como antigos senhores de força e cutelo, decidiam do trabalho e da vida dos infelizes sem prestar a mínima atenção as autoridades brasileiras”. Dito por Paravicini.
Discurso de Galvez: “Cidadãos: Todos conhecem os motivos que nos obrigaram a organizar a Junta Revolucionária do Acre. Altivos e nobres cidadãos brasileiros, respeitadores, sempre, das leis e dos governos encarregados de interpretá-las... uma titulada Delegação Nacional da Bolívia, que, desde o dia de sua chegada, constituiu-se em governo, decretando leis draconianas, criando impostos absurdos e proibitivos e para completar tamanha audácia, nos declararam cidadãos bolivianos sem prévia consulta de nossa vontade... Aceitamos as leis, pagamos tributos e impostos e obedecemos, passivamente, todos os julgamentos de alta e baixa justiça praticados pelo Delegado Nacional da Bolívia, na esperança que nossa idolatrada Pátria e gloriosa e humanitária Nação Brasileira acudisse em nosso socorro e atendesse nossos justíssimos pedidos... O governo do Brasil não respondeu aos nossos patrióticos alarmes... querermos livrar da escravidão[23] a que nos submeteram as autoridades bolivianas; o silêncio do Brasil e esse nefasto processo (o de Carvalho) nos demonstram que os habitantes destas regiões não pertencem à livre e grande pátria brasileira... É justo, pois, que cidadãos livres, conhecedores dos seus direitos civis e políticos, não se conformem como estigma de parias... Nem podem, de forma alguma, continuar sendo escravos de uma outra nação, a Bolívia... é necessário levantar nossa honra pela Bolívia depreciada; cidadãs: escutai a proclama que o povo dos Territórios do Acre, Purus e Iaco dirige à Junta Revolucionária, manifestai vossa livre opinião que sempre respeitamos; se não aceitais a independência, continuaremos a sofrer humilhações que nos impõem uma nação estrangeira; pelo contrário, se aceitares a independência, continuaremos o Estado Independente do Acre, valoroso, forte e digno pelo patriotismo de seus filhos; poderoso pelas suas inesgotáveis riquezas que ousados estrangeiros nos querem usurpar”. Ata da 22° sessão.
“São comuns, no discurso de Galvez, o suo de expressões tais como ‘humanitária nação’, ‘pátria e liberdade’, liberdade e justiça’, ‘sentimentos humanitários e, até, o ovidiano ‘libertas quae sera tamen’, logo inseridas no ideário da Junta Revolucionária do Acre. Sempre associadas a um outro conceito – o de Ordem, ou Estado – aquelas expressões permitem-nos identificar aquele discurso ao liberalismo humanitário...” p. 154.
Calixto destaca três pontos do discurso de Galvez: “... a) o lamento de Galvez ante a indiferença do governo brasileiro.... b) o tom de crítica aos procedimentos do governo amazonense[24], penalizando com o banimento um daqueles destemidos e humanitários irmãos... c) a conclusão, ou o ressentimento de que, ante a insensibilidade do governo, sentiam-se não pertencer à livre e grande pátria brasileira” p. 156.
“O primeiro destes aspectos revela, como já apontamos, a decepção de Galvez e da Junta Revolucionária ante a indiferença da pátria, representada pelo governo brasileiro, ao que proclamavam ser uma nobre e patriótica causa” p. 156.
- A república da Galvez era formada pelos “... integrado pelos territórios do Acre, Purus e Iaco...” p. 157.
- A capital da República foi instalada no seringal Caquetá, de propriedade de Joaquim Victor da Silva: a promiscuidade do poder começou desde aí.
“Bizarra aquela República? Sem dúvida, mas os proprietários mais abastados e esclarecidos sabiam que, sem a Ordem, sem que aquela vasta região, com seus milhares de habitantes fosse política e juridicamente organizada, mais difícil se tornaria a acumulação e circulação do capital. Desde que Galvez organizasse o recém criado Estado, de modo a não obstar o fluir da riqueza advinda da exploração da força de trabalho nos seringais, eles, os patrões, também poderiam tolerar as bizarrices humanitárias de seu presidente” p. 158.
“Convivendo no reino do caos, grande número de patrões sabiam o quanto o estado de anomia representava um entrave à acumulação, uma acumulação pseudofáustica diríamos nós” p. 158.
- O que era preciso fazer: combater os regatões e a resistência dos seringueiros à exploração. A demarcação e titulação das propriedades. O principal crime sem dúvida seria o da violação de propriedade (cf.: 158).
“Nascia a região instituída por um ato político, resguardando os interesses dos proprietários de seringais” p. 159.
“Esta tão curiosa quanto contraditória miscelânea de símbolos – a estrela rubra, a liberdade com o barrete frígio, o 14 de julho, a bandeira nacional, a oleografia de Campos Sales nos escritórios da presidência – revela um dos lados do bizarro universo mental de Galvez” p. 160. Unia a figura jacobina com Campos Sales, é mole?!!!
“Mas se, por um lado, aos radicais da república, repugnaria aquela singular e bizarra representação, por outro, alguns procedimentos ‘humanitários’ de Galvez seguramente não seriam do agrado das facções locais, nem muito menos, do oficialismo regional e nacional”. P. 160.
- O Decreto de n° 10 dispõe sobre a fundação de centros agrícolas e pastoris – certamente não agradou os que viviam exclusivamente da renda da borracha. O artigo de n° 17 prevê uma Constituinte em que o povo tivesse plena participação. Neste mesmo Decreto Galvez outorga a constituição, “...o estatuto político da pátria humanitária de Galvez... Era a ordem, agora legitimada por uma Constituição... Uma república humanitária com sistema presidencialista de governo, mas com eleições indiretas” p. 161.
- Foi no governo de Galvez que os patrões “... transmudavam-se em coronéis (da Guarda Patriótica), respeitáveis cidadãos, a todo momento hipotecando grande respeito e acatamento à autoridade do Chefe do Governo Provisório” p. 162.
“De Xapuri, Galvez receberia ofício assinado por Manoel Odorico de Carvalho, auto-intitulado Prefeito de Segurança Púbica pela vontade soberana do povo, comunicando que, no Alto Acre, a população resolvia não aderir a essa revolução sem primeiro ouvir a decisão do governo brasileiro... Somava-se a este movimento dissidente do Alto Acre, um outro que, sob a denominação de Comissão Garantidora dos Direitos Brasileiros, procurava, de todas as formas, minar o governo provisório. No Baixo Acre, para completar, havia, ainda, a propaganda anti-Governo Provisório, liderado por Neutel Maia do seringal Empresa e pelo Capitão Leite Barbosa do seringal Humaitá, este último outrora ativo colaborador na administração Paravicini” p. 162.
- Calixto cita o relatório de João d’Oliveira (Chefe da Guarda Patriótica de Galvez) que diz respeito a missão que o mesmo tinha de negociar com a Comissão Garantidora dos Direitos Brasileiros:
“A comissão Garantidora dos Direitos Brasileiros não é outra coisa que uma contra-revolução[25] à realizada nestas regiões no dia 14 de julho do corrente ano... prejudicam a marcha liberal, honesta e patriótica do Governo Provisório do Estado Independente do Acre” p. 163.
- Com base nesse relatório, Galvez decreta estado de sítio, suspendendo todas as garantias constitucionais, “Em seguida expede-se sentença de prisão contra os líderes da sedição, acusados de alta traição[26]”. (Cf.: Decreto n° 21) p. 163.
- Ante essa decisão drástica de Galvez, os líderes da comissão aceitaram se vender para Galvez em troca da elevação de Xapurí a categoria de cidade e a nomeação dos mesmos à autoridade na região.
- Em relação a Neutel Maia, Galvez tomaria a seguinte decisão:
“... o Governo Provisório não aprecia os entusiasmos bolivianos do sr. Neutel Maia... torna-se inconveniente à ordem e tranqüilidade pública. Convido-vos a intimá-lo a deixar imediatamente as águas do território nacional, devendo ser escoltado pelo aviso LIBERDADE, até os limites com a República do Brasil” Ofício de Galvez a João Passos d’Oliveira, 27 de dezembro de 1899, IAHP, citado por Calixto na página 164.
“O Relato deste episódio envolvendo o Governo Provisório e figuras expressivas daquela sociedade em formação, revelam dois aspectos importantes: 1°) a ausência da unidade entre os patrões e os procedimentos da ORDEM (leia-se Ordem na concepção de Galvez) na salvaguarda de seus princípio ideológicos; 2°) a sua maneira liberal humanitária de administrar conflitos” p. 164
“No acervo GALVEZ, pertencentes ao Instituto Arqueológico e Histórico de Pernambuco encontram-se, além dos já citados, vários outros documentos que bem confirmam, não só o estado sedicioso, mas também os procedimentos do Governo Provisório para neutralizar ou esmagar a oposição” p. 164.
“Sendo a Independência do Acre realizada em nome da liberdade e com o único e humanitário intuito de sacudir o jogo de que éramos vítimas, criando uma república de homens livres e honestos...” (Galvez em ofício n° 80 em 20-11-1899, IAHP, citado por Calixto, p.165).
“O exame dos documentos do referido acervo demonstra que Galvez e seus Auxiliares mais diretos e de confiança, entendiam-se como promotores de uma autêntica revolução em substituição à desordem anteriormente existente. Uma revolução dentro da ordem, é verdade, respeitadora dos direitos de propriedade e de liberdade individual... Um estado com leis liberais, onde a educação deveria ser gratuita” p. 167.
“... naquela terra, tudo girava em torno de interesses da produção e comercialização do látex” p. 167.
- Calixto afirma que Galvez tinha uma “... consciência liberal-nacionalista-humanitária...” p. 167.
- Calixto diz que as Casas Aviadoras representavam os “... interesses egoístas do capital mercantil...” p. 167.
“Desafiando poderosas Casas Aviadoras e Exportadoras das praças de Belém e Manaus que se negavam a pagar um imposto de 10% sobre a borracha exportada pelo território acreano, Galvez providenciaria para que não se exportasse aquele produto como pagamento de direitos à Bolívia” p. 167.
“...somos solidários com a decisão de nosso governo provisório fechando estes rios à navegação e não exportaremos uma só pela de borracha, enquanto as forças brasileiras, auxiliando os bolivianos, permanecerem no território nacional. A borracha que os proprietários e negociantes do Acre possuem será empregada nas trincheiras que constituiremos em defesa de nossa dignidade”. Manifesto dos comerciantes e negociadores dos rios Acre, Xapurí e seus afluentes, ao comércio do Estado do Pará e Amazonas. IAHP. (Calixto, p. 168).
- A acumulação do capital mercantil dependia do aumento da exportação da borracha. Galvez mexeu a onça com vara curta. Por isso, “... o comerciante Antônio Souza Braga, juntando-se a outros sediciosos, resolve depor Galvez e proclamar-se Presidente do Estado Livre do Acre. Decreto n° 1 do novo governo. ‘Banimento de Luiz Galvez do Estado Livre do Acre. Decreto n° 4. ‘Resolve decretar o livre transito de vapores mercantes neste Estado pelo antigo regime comercial, sendo, portanto, livre o embarque de todos os gêneros de comércio[27]”.
- A breve estada de Braga no poder foi denominado por Galvez de “anarquia”. A República de Galvez não resistiu aos interesses do Capital representados pelas Casas Aviadoras.
“Em Manaus, o grande capital mercantil intensificava suas críticas ao governador Ramalho Junior, cobrando-lhe explicações relativas à sua provável colaboração e ligação com os insurretos”. P. 169.
“Modifica-se o tratamento dado a Galvez pela imprensa: de corajoso opositor às pretensões imperialistas na Amazônia, passara a ser o aventureiro audacioso, o estrangeiro intrometido, o extorsionário das rendas fiscais do Amazonas[28]. Ramalho Junior, que antes elogiara Galvez por sua inteligência, agora o considerava um perigoso separatista”.
- O governo federal não queria um Canudos na Amazônia, por isso enviou um flotilha de guerra chefiada pelo tenente da marinha Armando Burlamaqui. Galvez foi conduzido até Manaus onde foi expulso para a Europa.
“Após a fracassada experiência liberal humanitária de Galvez e a oportunística ‘anarquia’ de Antonio Souza Braga, a Ordem ainda seria proclamada, entre 1900 e 1903, por mais quatro vezes naqueles altos rios. Foram seus proclamadores: Orlando Lopes e demais integrantes da chamada Expedição dos Poetas; José Plácido de Castro, General Olympio da Silveira e, finalmente os próprios de governos do Brasil e da Bolívia através do Tratado de Petrópolis” p. 170.
Orlando Lopes e seus companheiros declaravam: “... não ter outro interesse material que não a reconquista de um solo ocupado pelo elemento boliviano, e outro interesse político que não a dignificação republicana para os Governos do benemérito Presidente da República Dr. Manoel Ferras de Campos Sales e do Estado do Amazonas, Dr. Silvério José Nery” (Apud. Jacques Ourique. O Amazonas e o Acre. Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 1907). Calixto p. 170-171.
“...Expedição dos poetas que, em Lábrea, aclamaria como novo presidente do Acre ‘revolucionário’ a Rodrigo de Carvalho, amigo do novo Governador Silvério Nery” p. 172.
Dois aspectos valem ressaltar: a) O envolvimento do governo, pois era impossível não notar a presença de pessoas tão importantes na Expedição. B) A presença de João Passos de Oliveira, fiel chefe de política de Galvez.
Novembro de 1901 – Rodrigo de Carvalho estabelece um Posto Fiscal do Estado do Amazonas no Seringal Caquetá[29], mesmo local onde José Carvalho partiu para expulsar os bolivianos em maio de 1899.

CAP. VI – UM GUASCA NO AQUIRI: REORDENA-SE A ORDEM NOS ALTOS RIOS (p. 175)

“Gaúcho pampeiro, acabara de completar 25 anos de idade em 9 de dezembro de 1898 e viera à Amazônia, instalado por amigos, para trabalhar como agrimensor, sem dúvida uma promissora profissão naquela ‘região de gomales’...” p. 176.
“... num movimento de resistência articulado por destacados patrões desde há muito desbravadores e exploradores de vastos e produtivos seringais... o consciente comprometimento de José Plácido de Castro com aquele movimento de contestação, encampado pelos proprietários mais abastados do Aquiri” p. 176.
- A práxis histórica é expressão do social, assim, Plácido de Castro não poder fugir a esse referencial. Calixto dividiu a trajetória do herói em quatro fases: “1°) de 1873 a 1889; 2°) de 1889 a 1895; 3°) de 1896 a 1898; 4°) de 1899 a 1908” p. 177.
1°) de 1873 a 1889: dos 9 aos 16 anos seus biógrafos encontram-no ora como aprendiz de relojoeiro, ora como empregado num cartório pertencente a um parente, ora atrás de um balcão em casa comercial. Aos 12 anos ficou órfão[30].
- No Brasil vivia-se a decadência da monarquia e de seu sustentáculo – a escravidão. Idéias novas havia invadido o país. República e Liberdade se tornaram uma coqueluche (idéias que representavam a modernidade).
- Rio Grande do Sul, por ser região de fronteira, era fortemente militarizada[31]. Desde a Segunda metade do século XIX, São Gabriel notabilizava-se como grande centro comercial. O charque era a principal manufatura. Sua população em 1872 era de quase 15 mil habitantes. Era rodeada por colônias italianas e alemães. A maçonaria era a principal instituição que propalava o pensamento liberal. Em 1884, a escravidão foi abolida no município.
- A família do herói era do grupo militar. “Seu avô paterno, de quem herdara o nome, participara, entre 1811 e 1828, das guerras platinas, chegando, antes de morrer, em 1837, ao posto de Major. Seu pai, o Capitão Prudente de Fonseca Castro; seu tio, o Capitão João Cardoso de Oliveira; e sues primos, o Tenente Antônio Marcio Martins e o Capitão Gregório Thaumaturgo Martins pertenciam todos ao grupo de oficiais militares, membros da família Castro... Seu pai ainda vivia quando, a partir de 1883, eclodia a questão militar... oficiais do exército organizaram-se para garantir seu direito à participação nos destinos do país enquanto cidadãos fardados[32]” p. 181.
2°) de 1889 a 1895: Nove dias após ter completado 16 anos entrou como praça no 1° Regimento de Artilharia de Campanha, então aquartelado em são Gabriel (1889). No ano seguinte, foi promovido a 2° Cadete (30 de julho de 1890). Neste ano freqüentou a Escola Tática de tiro de Rio Pardo. Em 1893, com 20 anos, Plácido matricula-se na Escola Militar de Porto Alegre, mesmo ano em que iniciou-se a Revolução Federalista.
“...a existência do jovem Plácido estaria irremediável e dramaticamente ligada às vicissitudes do regime republicano”. 182.
- A questão republicana dividia a todos no Brasil, principalmente no Rio Grande do Sul: Republicano histórico do positivismo não-ortodoxo: Julio de Castilhos. Republicano Dissidente: Assis Brasil.
- Em 1891, Julio de Castilho é eleito governador de Rio Grande do Sul. Foi deposto por apoiar o golpe de Deodoro, que dissolveu o Congresso. Apoiado pelo exército, volta ao governo, para depois renunciar. Seu vice ficou encarregado de organizar novas eleições que conduziria o próprio Castilho novamente ao poder.
- REVOLUÇÃO FEDERALISTA: em 1893. “Fora aquele o memento em que, instado a pronunciar-se favoravelmente ao fechamento da Escola para que alunos e professores pudessem exercer, na prática, seu ardor patriótico republicano, preferiu silenciar. Ao não assinar um documento em que a maioria de sues colegas declarava sua disposição de combater pela República positivista de Julio de Castilhos contra o que consideravam movimento pró-restauração monárquica, Plácido de Castro só poderia causar suspeita... o corajoso e digno moço – porque era preciso ser corajoso e ter dignidade para desafiar o próprio comando da instituição que resolvera fechar aquele estabelecimento de ensino militar – foi recolhido preso ao 13° Batalhão de Infantaria e em seguida recambiado para a Campanha com classificação no Corpo de Transporte aquartelado em Bagé, para onde seguiu com a nota de suspeição. Daí para o acampamento maragato e a conseqüente participação no combate de Rio Negro... ” p. 186.
- O ‘Massacre do Rio Negro’ foi um dos episódios da Revolução Federalista. Existe uma hipótese a respeito de que Plácido de Castro nesse combate tenha desertado a favor das forças revolucionárias contra Castilho (pica-pau)[33] e que tal mudança de comportamento tenha sido motivado por questões políticas. Há a certeza de que foram 16 ex-alunos do Colégio Militar, não há nomes.
- OS MARAGATOS eram contra as idéias dos pica-paus. Eram contra os ideais da Revolução Francesa[34]. Repugnância à civilização associada ao progresso, considerada egoísta e individualista. Ser patriota era ser contra a república. A violência era sinônima de República. Eram contra as idéias de Benjamim Constant que compreendia o militar como um cidadão-fardado com o dever patriótico de participar da vida política da nação. Defendia ao contrário, o militar não-partidário, neutra as paixões políticas. Deveria estar acima dos interesses particulares de uma facção. Os EUA eram considerados o construtor de um mundo egoísta, criticava a aproximação dos republicanos com esse país.
“Ao passar-se para as tropas oposicionistas, José Plácido de Castro podia não ter incorporado, plenamente, todo o ideário que se acaba de sumariar. Entretanto, não seria justo julgá-lo alheio àqueles valores, nem compreender sua decisão como impensada ou ingênua”. p. 193.
“SE sua atitude não fora motivada por madura reflexão sobre os acontecimentos políticos... também não se pode aceitar a versão de alguns de seus biógrafos, segundo a qual o jovem gabrienlense mostrava-se indiferente ou ausente ao que se passava a seu redor, quer na Escola Militar, quer na sociedade porto-alegrense, pensando em seus estudos. Nesse passo, seria melhor e de bom senso, interpretar sua atitude como expressão de uma consciência que ser forjava ao influxo da tradição”.
- Plácido é originário de uma região que gestou o movimento armado contra a República presidencialista. Sua família “...formada no respeito a valores éticos tradicionais, inclusive inequívoca e patriótica inclinação pelo ideário monárquico, não seria demasiado ousar admitir que sua razão e sua emoção em nada se coadunava com os valores da ordem e progresso inscritos na bandeira republicana e, a fero e fogo imposta pelo governo castilhista” p. 1193.
- Plácido de Castro participou como oficial do exército federalista em fins de 1893, do “...tristemente famoso combate e massacre do Rio Negro, episódio repugnante...” p. 194.
Segundo Calixto: “Sobre esta hedionda prática, eis a definição detalhada apresentada por LOVE: A mais típica consistia em matar a vítima do mesmo modo como se abatiam os carneiros. A vítima era forçada a ajoelhar-se de mãos atadas ante seu executor e a colocar sua cabeça entre as pernas de seu algoz, que rasgava suas artérias carótidas num golpe súbito de faca”[35].
- Calixto tenta amaciar dizendo que a violência “... não era primazia de nenhuma das frações em luta” p. 194.
“Participantes em muitos confrontos, não é para se duvidar que Plácido de Castro tivesse participado de semelhante carnificina...” p. 195.
“Ao findar a cruenta guerra civil, sobreveio a anistia, concedida em pleno governo civil de Prudente de morais, para descontentamento de florianistas, jacobinos e, principalmente dos vencedores republicanos gaúchos que não concordaram com o perdão total ofertado aos vencidos... Naquela oportunidade, Plácido de Castro recusou ser anistiado[36]” p. 195. Por que não a quis?
- Calixto diz que “Talvez por desejar nada dever aos vencedores, recomeçando sua trajetória por mérito próprio”. P. 195. Calixto não acredita na hipótese de que o caudilho tenha se desiludido com a vida militar[37].
- Floriano Peixoto morre em junho de 1895, mas o florianismo continuava.
3°) de 1896 a 1898: Recusada a anistia, Plácido fica por pouco tempo com seus familiares em São Gabriel e vai para o RJ e, depois, para S.P. No Rio de Janeiro, Plácido procura a Escola Militar. Estigmatizado como maragato, logo recebeu críticas dos professores – todos antigos partidários de Floriano Peixoto.
- A esse respeito, Calixto expõe a opinião do coronel Jaguaribe de Mattos, na página 196, que narra a saída de Plácido: ‘... certo dia, um inspetor de alunos deixara de apresentar ao Professor Sávio as novas listas que lhe havia encomendado, contendo nomes e especificações de estudantes da turma. O professor... repreendeu energicamente o bedel... Professor julgou que a falta se agravava por incorrência de indisciplina e expulsou o bedel do recinto da sala”[38].
- O professor de geografia era nada menos que um capitão-tenente (Themístocles Nogueira Sávio). Ao ser expulso[39], era o fim do sonho de perseguir na carreira militar.
- Em São Paulo, “... encontra emprego na Companhia Doccas de Santos. Entrou em 18 de março de 1898” p. 197. Saiu no dia 28 de fevereiro de 1899. Foi promovido para escriturário do Escritório e, depois, a ajudante fiel no armazém.
- Em nota de rodapé, Calixto diz que a melhor biografia de Plácido “... continua sendo a obra de Cláudio de Araújo Lima” p. 197.
4°) de 1899 a 1908: Quando chega na Amazônia até sua morte, no Acre.
- Foi convidado para participar da expedição Floriano Peixoto, não quis. Chamou-a de Expedição dos Poetas.
- Na Circular datada em 10 de julho de 1902, expedida no Seringal Bom Destino ao Governador Silvério Nery, Rodrigo de Carvalho diz:
“Reunida a Junta Revolucionária e vários cidadãos acreanos de reais merecimentos... o acamado escolherá quatro Secretários para as pastas da Guerra, Indústria, Justiça e Relações Exteriores e Fazenda. Notificará a formação do governo às nações americanas e pedirá ao Governo Brasileiro anexação à Pátria brasileira”. Citado por Calixto na página 199[40].
- A Independência do Acre foi proclamada no dia 6 de agosto, no entanto, a tomada de Puerto Acre se deu somente em 24 de janeiro de 1903, portanto, cinco meses depois.
- Segundo Calixto (p. 201), “Dias antes da rendição boliviana, uma circular de Rodrigo de Carvalho ao Governador Silverio Nery já registrava a falta de unidade entre os revolucionários...”:
‘Tenho a dizer a V. Exª que descobri grande quantidade de pretendentes a Governador e a causa acabaria em briga grossa... Entendi-me com os candidatos em particular e reservadamente, fazendo-lhes ver que só uma ditadura e que devido aos prestígios adquiridos nos combates, só o Plácido poderia sê-lo...’ Caquetá, 19 de janeiro de 1903.

“... esclarece também a tática do amigo de Silverio Nery para atingir o objetivo que interessava a ambos. Tal consistia em usar a inegável liderança que Plácido de Castro soubera conquistar no campo de batalha para, através dele, impor o domínio da oligarquia NERY no futuro Aquiri pacificado” p. 201.
LER JURACY, Perez. A discriminação de Terras amazônicas (O Acre). Brasília, 1977.
“... esta pesquisa se fundamentará em documentação que, uma vez interrogada, possa revelar a visão de mundo do grupo vencedor, particularmente a de seu líder, José Plácido de Castro” p. 202.
LER: I) a entrevista concedida por Plácido de Castro a Euclídes da Cunha; II) Relatório enviado ao Ministro do Interior e da Justiça em 1908, pelo prefeito interino do Alto Acre José Plácido de Castro.
Decretos do Estado Recém proclamado:
DECRETO n° 1 de 26 de janeiro de 1903: “Art. 1° - A justiça civil, a criminal e a comercial do Estado Independente do Acre ficarão sujeitas às disposições dos códigos, leis, decretos, etc, do Brasil até que seja promulgada a sua constituição. Art. 2 ° - Serão válidos os títulos de propriedade definitivos ou provisórios até o presente expedido pela Bolívia ou pelo Estado do Amazonas, antes da ocupação do Acre por esta República[41]”.
DECRETO n° 2, de 27 de janeiro de 1903: Art. 2 – A Diretoria da Fazenda abrangerá a direção de agricultura e vias terrestres e fluviais[42].
- Os limites do Estado Independente foram traçados somente no 3° Decreto, no dia 28 de janeiro de 1903.
DECRETO n° 4, de 28 de janeiro – nomeia Rodrigo de Carvalho Diretor da Fazenda.
DECRETO n° 7, de 10 de abril de 1903: “Considerando que é dever do patriotismo não embaraçar as negociações do Exterior em virtude das quais se fez a referida ocupação e tendo em vista que para reivindicação de nossos direitos conspurcados pelo Governo Boliviano a luta deve continuar como até aqui. Decreta: Fica transferida para a cidade de Xapurí a se do governo do Estado Independente do Acre” p. 206.
- General Olympio foi designado para fazer cumprir o estipulado pelo acordo entre Brasil e Bolívia – Modus Vivendi.
“Com relação à Amazônia, em especial à Questão do Acre, a estratégia do barão do Rio Branco convergiria para dois pontos capitais: 1) Não romper com os EUA em virtude de sua ambiciosa expansão em relação àquela região; 2) Manter-se atento para impedir que a soberania do país saísse mutilada em meio ao fogo cruzado dos interesses em jogo” p. 209.
- A ordem oligárquica integraria o Acre sem deixar chance para os patrões acreanos de sonharem com a autonomia.
- O General Olympio faz as coisas a sua maneira e impõe outra ordem, depondo José Plácido de Castro em 13.05.1903. Ele mesmo proclama:
“Considerando que a quase totalidade do exército acreano revoltou-se contra o coronel José Plácido de Castro e seus auxiliares... considerando que em vista... da apresentação a este governo dos oficiais e praças de quase toda a força acreana, está extinta a Revolução”.
“A desordem nas relações de trabalho, as irresponsabilidades, bem como a prática de atos de barbárie praticados por patrões inescrupulosos precisava acabar, pois tais desmandos emperravam quaisquer tentativas de progresso, liberdade e justiça” p. 212.
- Calixto defende realmente o espírito contrário de Plácido em relação aos EUA. No entanto, compreendo que não implica em uma visão antiimperialista.
- O Tratado de Petrópolis foi assinado “... para salvaguarda dos interesses das classes hegemônicas – suas frações oligárquicas, melhor dizendo – em ambos os países” p. 215.
OBS> O Tratado de Petrópolis põe fim ao Estado Independente do Acre Meridional, a que Plácido de Castro administrava. VER: Relatório de Plácido de Castro ao Chanceler Barão de Rio Branco.
- Em 1906, quando cuidava de seus negócios no seringal Capatará, Plácido foi convocado para assumir o cargo de Prefeito do Alto Acre. Cargo esse que ocupa por oito meses, até pedir afastamento e enviar um relatório ao Ministro da Justiça. Ima “... crítica contundente, não só à administração territorial, mas à própria República” p. 217. Plácido diz:
“Passando a administração do Estado para a União, todos nós esperávamos, por certo, ser recebidos como filhos extremados nos braços maternais... fôssemos carinhosamente satisfeitos em nossas palpitantes necessidades, aspirações, aliás, justíssimas para aqueles que se apresentara cheios de serviços prestados à pátria na integração de sua fronteira ocidental... Não se satisfez o governo da República com o elevar para 23% o imposto já pesado de 15% sobre o nosso único produto de exportação – a borracha”.
“Era a desilusão e o descontentamento com a ORDEM. Da qual esperara, ainda, senão acolhimento, respeito... era um clamor corajoso contra a espoliação do Governo Federal que, com uma política tributária draconiana para a região, só podia sufocar os já endividados patrões” p. 218.
- No mesmo documento, Plácido de Castro denuncia a exploração predatória da seringueira: “... a exploração bárbara e vampira da seringueira, até hoje seguidas em toda a Amazônia, a exploração revoltante e iníqua que em pouco tempo reduz e transforma ricos seringais em abandonadas florestas, como aconteceu no baixo-purus...” p. 218.
“É que, no ideário de República do ex-oficial maragato, não havia lugar para a prática de desmandos e votos de cabresto. Sua visão ética do mundo... acabaria por atritar-se, mortalmente, com outra visão de mundo (Gov. Fed)” p. 220.

JOSÉ PLÁCIDO DE CASTRO: períodos de administração.

Estado Independente do Acre
26/Jan/1903 a 10/Abril/1903
Acre Meridional
10/Abril/1903 a 13/Maio/1903
Retorno ao governo do Acre Meridional
03/Agosto/1903 a 06/abril/1904
Prefeito do Alto Acre
24/julho/1906 a 25/março/1907

CONCLUSÃO:
“Aliás, seria melhor dizer, o Aquiri era um verdadeiro reino da desordem, pois que, do município de Floriano Peixoto nada se podia esperar, a não ser a absoluta ausência de governo, conforme testemunhara José Carvalho. Assim, foram os bolivianos os primeiros a tentar o estabelecimento da ordem, vale dizer, a institucionalização do poder político na región de los gomales”. 225.
“A burguesia cafeeira e sua República Oligárquica afirmava sua hegemonia em toda a região dos altos rios. Aos patrões, restaria o consolo da continuidade da acumulação, mesmo sem a pretendida autonomia federativa, advinda somente em 1962. Aos milhares de trabalhadores, e à minoria indígena, restaria a resistência contra uma ORDEM que, autoproclamando-se progresso e civilização, na verdade legitimava a tragédia da exploração e da alienação” p. 226.
“Para o guasca de São Gabriel, portanto, nem a monarquia, nem a república oligárquica, com seus aliados regionais, nem muito menos um Acre separado da União inscreveriam-se em seu ideário político” p. 226-227.
“A análise empreendida até aqui permite-nos aventar a seguinte hipótese: Plácido de Castro era Republicano, mas seu republicanismo não se coadunava com o sistema presidencialista de governo, fosse militar ou civil. Muito menos se alinhava à República dos barões de café... personalidade de um liberal conservador, de um nacionalista não radical do tipo jacobino. Tornara-se adepto das inovações tecnológicas e do desenvolvimentismo econômico não atrelados a interesses de trustes, nem de potência estrangeiras” p. 227.
“Fora em nome de princípios liberais que Plácido de Castro combatera as oligarquias de aquém e além Andes[43]. Contrário ao liberalismo das oligarquias bolívio-brasilieras que, no resguardo de seus interesses, inclinavam-se, decididamente pelo liberalismo intervencionista – leia-se imperialismo yanke – José Plácido de Castro acabaria afrontando, inevitavelmente, interesses de grupos locais[44], regionais e nacionais adversos à sua visão de mundo” p. 227.
“... poder-se-ia concebê-lo como liberal e parlamentarista” p. 227.
“Republicano, liberal, parlamentarista, nacionalista não florianista ou jacobino, oposicionista da ordem oligárquica, particularista em relação a sua política exterior, Plácido de Castro aspirava a uma república fundamentada no respeito às leis e à justiça...” p. 227.
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[1] Um efeito de sentido, não só objetivaram a pátria como as gerações futuras... que geração heróica né?
[2] Como? Geneticamente...
[3] Amalgamou-se a ele.
[4] Amalgamou a imagem de Chico aos revolucionários.
OBS: O livro tomou como base a dissertação de doutorado defendida em 1993 na USP (orientador: Dr. Ulysses Telles Guariba Neto). “Neste sentido, a tese foi revisada, reformulando-se capítulos inteiros à luz de reverencias novos” p. 19.
OBS2: Presidente da FEM: Jorge Henrique Queiroz.
[5] Assim como os primeiros revolucionários lutaram contra os malfeitores.
[6] De 1999 até a publicação do livro, uma autopromoção.
[7] Tudo discurso, o Acre é urbano. Ninguém seria capaz de viver da política e morar na zona rural.
[8] Os anônimos somos todos nós – O Acre é composto por gente heróica.
[9] Entra aí o poder do comentário (Foucalt) que conjura o discurso para torná-lo inofensivo.
[10] Trecho usado por Tião Viana, no prefácio.
[11] Época da vinda dos nordestinos para o Acre.
[12] Políticos conservadores sob a liderança de Visconde de Uruguai.
[13] HAHNER, June E. Relações entre civis e militares no Brasil (1889-1898). São Paulo: Pioneira, 1975.
[14] CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas – o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
[15] Francisco Manuel da Silva (1795-1865) compusera uma melodia patriótica para comemorar a abdicação de D. Pedro I. Era tocada em todas as solenidades públicas. Transformada em Hino Nacional, a melodia só viria a ter uma letra em 1900, composta por Joaquim Osório Duque Estrado (1870-1927). “Letra, por sinal, bem ao gosto e manipulado pelo nacionalismo ufanista da elite conservadora” Rodapé da p. 53.
[16] SAES, Décio. A formação do Estado no Brasil (1888-1891). Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1985,p.347.
___________. Classe Média e Política na Primeira República Brasileira (1889-1930). Vozes: Própolis, 1975.
[17] FINOT, Henrique. Nuevo compêndio de Bolivia (ensaio de interpretación sociológica): de Tiawanadu al siglo XX (1930). La paz, Gisbert, 1976.
[18] ARQUEDAS, Alcides. História General de Bolívia. La Paz: Gisbert, 1975.
ACHA, José Aguirre. De los Andes al Amazonas – recuerdos de la Campaña del Acre. Bolívia, 3°ed. 1980;
[19] Lei os decretos expedidos por Paravicini.
[20] Tocantins, V.I, p. 213.
[21] A revolta foi dos patrões... os seringueiros estavam no ofício.
[22] Ata da 22° sessão da Junta Revolucionária do Acre, 24 de fevereiro de 1899. Instituto Arqueológico e Histórico de Pernambuco. (OBS: 42 pessoas assinaram a ata. Essa era a representatividade dos mais de trocentos habitantes).
[23] Cara de pau – por que não olhou a escravidão do seringueiro.
[24] Não podemos esquecer que foi o governo do amazonas que patrocinou Galvez. TOCANTINS, p. 234 e 325.
[25] Visão maniqueísta, quem não está comigo é contra mim.
[26] Essa atitude mostra a maneira como era apagada qualquer divergência. O Acre nasceu sob a insígnia da intolerância.
[27] 28 de dezembro de 1899.
[28] Leandro Tocantins. V.I, p. 315.
[29] Propriedade de Joaquim Victor.
[30] Castilho Goycochêa. Plácido de Castro. Porto Alegre: livraria Globo, 1939.
[31] Joseph Love. História geral da civilização Brasileira III, 1° Vol. O Brasil Republicano, São Paulo: DIFE, 1985.
LER o capítulo – O RIO GRANDE DO SUL como fator de instabilidade na República Velha.
[32] Segundo Calixto não há provas do envolvimento de parentes de Plácido.
[33] “Um confronto contra um ideal de República que não era o seu” p. 187. Pelo jeito Calixto tenta nos dizer que Plácido foi contra os pica-paus não por ser monarquista, mas por defender um conceito diferente de República. Acho que isso é forçar a barra, pois achar que um militar de 23 anos faria reflexões filosóficas iguais a essa consiste em anacronismo. Diz-se lutar por uma República liberal parlamentarista. Contra a República Militar nascida de uma sedição.
[34] Opiniões de Eduardo: na época o positivismo era símbolo do progresso, ser contra Conte era ser contra a modernidade. O positivismo não tinha o aspecto negativo de hoje. Portanto, Plácido era um tremendo de um conservador.
[35] Cf. GOYCOCHEA, Castilhos, op.cit, 1940, p. 101, onde se lê que Plácido de Castro declarara a José Maunel Aponte, ‘haver tomado parte em 412 combates...”.
[36] A anistia o reintegrava ao exército como oficial superior.
[37] Calixto na página 195 chama Plácido de Castro de “... ex-oficial maragato...”.
[38] Também está no livro Plácido de Castro: um caudilho contra o imperialismo.
[39] Calixto uma o termo “... exonerado do Colégio Militar do Rio de Janeiro...” p. 197.
[40] Revela que havia a classe dos cidadãos acreanos de “reais merecimentos”. Calixto dia que era os ‘grandes proprietários de seringais’.
[41] República foi o regime escolhido pelos revolucionários.
[42] Plácido pensava numa economia diversificada e não somente no extrativismo. Ou seja, esse ministério deveria cuidar da produção e circulação de mercadorias, não exclusivamente extrativistas.
[43] Vergonhosamente um marxista se curva à hipótese do idealismo.
[44] Tudo indica que não havia a tão sonhada unidade na Revolução.