quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

O PODER DO SILENCIO - Assassinato de Wilson Pinheiro (sindicalista de Xapuri)


Seu nome: Wilson Pinheiro. Um homem alto, determinado, de fala mansa e rara, mas de olhar poderoso.

Por um mês procuramos, em vão, sinais de sua voz. Nada.
Nenhum papel de pão manuscrito, nenhum documento do Sindicato, nenhuma entrevista nos jornais, nenhuma frase solta e memorizada pela multidão que instintivamente seguia os passos daquele homem de uma coragem evidente. 
Foi pelas vozes alheias que começamos a conhecer a história do Wilson. Sobram relatos do dia 21 de julho de 1980, quando três balas desferidas pelas costas puseram fim a sua vida. O primeiro dos líderes da floresta a morrer sem razão, por uma causa. Mas não o ultimo a pagar com sua vida para que outros pudessem continuar vivendo de acordo com suas tradições ancestrais. Foram esses relatos da morte, da comoção popular, do enterro, da indignação, da dor e das juras de vingança, publicadas nos jornais acreanos e repetidas nas entrevistas feitas com as pessoas que participaram dessa história, que nos fizeram começar a ouvir o som da voz daquele homem calado.
Não pudemos evitar um calafrio na espinha ao conhecer a história do homem enterrado de bruços pela multidão, com uma moeda na boca para evitar a fuga de seus assassinos. Os signos populares são poderosos. A sina de um homem pode ser sintetizada em um único gesto.
Não pudemos, tão pouco, evitar um enjôo desagradável ao ler matérias do jornal oficial que diziam que a culpa da malfadada “Tensão social” vivida pela população acreana naqueles anos terríveis era dos agitadores, dos subversivos, dos comunistas que só queriam conflagrar a multidão para destruir a ordem vigente.
Se bem entendemos essa história, era o povo que estava tentando manter a ordem das coisas de um Acre invadido por pessoas inescrupulosas, que pouco sabiam da gente que vivia do que a floresta tinha pra oferecer, que só se interessavam por tirar o máximo possível no menor tempo possivel. Quem subvertera a ordem natural das coisas havia sido o então chamado “Capitalismo Selvagem”, o Governo Militar, o Governo Biônico Estadual; para os quais só contavam índices econômicos favoráveis e um povo manso que obedecesse prontamente o que lhe era determinado. Era preciso progredir, alcançar e desenvolver as fronteiras de um país subdesenvolvido (outra palavra da moda na  época). Afinal de contas “Esse é um país que vai pra frente”. “Brasil, o país do futuro”. E o que é o progresso ? Estradas asfaltadas, bois no pasto, horizontes sem homens monotonamente preenchidos por soja para exportação. Não importa o preço a ser pago. No máximo, uma ou duas gerações de brasileiros cerceados, sem liberdade de ir e vir, falar, pensar, plantar, sonhar, buscar a felicidade, enfim. Milhões de brasileiros entre 30 e 40, anos que sabem bem o preço que foi pago por tamanha estupidez oficial encastelada nas estruturas de poder desse país.
Naquela época eram eles que falavam, o Wilson calava, mas agia. Usava sua enorme força vital para conduzir o povo em uma marcha pacífica pelo “empate” do progresso. Todos sabiam que não se podia vence-los. Eles possuíam a polícia, as forças armadas, o capital, a justiça, tudo de seu lado. E o povo o que tinha ? Somente sua determinação e coragem frente à força bruta. Mas, se não se podia vencer os opressores podia-se pelo menos “empatar” com eles. E lá iam eles, mulheres e crianças à frente, impedir mais uma derrubada. Centenas de Wilsons, anônimos, calados, transformando suas ações em uma voz que gritava.
Da culminância da dor, a vingança. Morte trocada. Para um Wilson morto, uma outra morte, um Nilão, culpado ou não, um deles. Era o mínimo que podiam fazer se quisessem sobreviver. Aceitar de braços cruzados a morte de Wilson significaria a derrota e a condenação à morte de muitos outros homens de um povo submetido ao terror instituído. Existe razão possível na guerra ?
As versões estão lá, para todos verem. Quem perder algum tempo lendo as matérias publicadas no “Varadouro”, no “Nós Irmãos”, na “Gazeta do Acre”, no “O Rio Branco” e no “O Jornal” vão poder constatar pessoalmente a mobilização popular que se espalhava por todos os vales do Acre - de Boca do Acre até Brasiléia, de Sena Madureira até Cruzeiro - contra a invasão predatória e ofensiva dos “paulistas”. Quem se detiver em ler as páginas que apenas começam a amarelar daqueles jornais ficará sabendo do descaso oficial com a captura dos assassinos de Wilson e depois a fúria com que os assassinos de Nilão foram perseguidos, presos e torturados. “Operação Pega Fazendeiro”, “Balas de Aço”, “Os sete dias de Brasiléia”. Uma sequencia de manchetes que nunca precisariam ter sido publicadas, se nossos governantes fossem homens sensatos e esse um país justo.
Anos se passaram desde então. A luta continuou e as manchetes dos jornais seguiram estampando notícias de crimes de encomenda, de conflitos eminentes, de empates vitoriosos e de ações públicas insuficientes. Outros homens tombaram antes que a floresta acreana e o modo de se viver com ela pudessem ser salvos. Poucos culpados foram presos por seus crimes. Mas o povo venceu. No que era possível, mas venceu. Reservas extrativistas foram demarcadas, o povo da floresta fez uma aliança que mostrou a todos a existência de um povo que só queria tranquilidade e justiça pra tocar sua vida. A voz de Wilson e de seu povo foi forte o suficiente para se fazer ouvir.
O Acre nunca mais seria o mesmo então. Os governantes até continuariam os mesmos, nas mesmas famílias que à décadas. Mas havia algo novo na paz que aos poucos voltava às cidades acreanas. O povo das cidades também havia assistido à chegada de milhares de famílias expulsas de suas casas, presenciado a miséria que explodia em suas invasões periféricas e ouvido as vozes que se levantaram de dentro da floresta. Os educados filhos da cidade, viram que tudo o que acontecera em Xapuri, Brasiléia, Boca do Acre, Quinari, Tarauacá, era questão de resistência de um povo. Era preciso reconhecer que nada daquilo havia sido coisa de comunista, de subversivo, de políticos cassados, de ambientalistas pós-modernos, de ativistas burgueses, de intelectuais urbanos.
Mais uma vez a voz que vinha do interior foi expressa por veículos estranhos ao povo que falava. Foi a vez das monografias acadêmicas, das dissertações de mestrado, das teses de doutorado. O que era coragem e sabedoria popular foi logo promovido à ciência, multiplicando os títulos, as abordagens, os recortes epistemológicos, as linhas teórico-metodológicas de pesquisa, economia, história, sociologia, antropologia, expressões e palavras estranhas ao povo que de sujeito se tornou objeto (de pesquisa).
Diferente daquelas manchetes de jornais que não deveriam ter sido escritas, alguns dos novos títulos revelaram o aprendizado de uma sociedade civilizada com o que havia de mais antigo e inovador em sí mesma, a voz do povo. “Ocupação recente das terras do Acre (Transferencia de capitais e disputa pela terra)” (1982); O sertanejo, o Brabo e o Posseiro (Os cem anos de andanças da população acreana)” (1985); “Conflitos pela terra no Acre” (1987); “Os ‘Imperadores do Acre’ – uma análise da recente expansão capitalista na Amazônia” (1988); “Modernização da agricultura – pecuarização e mudanças – o caso do Alto Purus” (1991); “Seringueiros e Sindicato: Um povo da floresta em busca de liberdade” (1991); “Capital e trabalho na Amazônia Ocidental” (1992); entre tantos outros publicados nos corredores das UNBs, UFACs, UFMGs, PUCs.
Isso sem falar nas prateleiras das livrarias dos shopping-centers repletos de livros sobre a devastação da Amazônia, sobre a vida e a morte de Chico Mendes, sobre ecologia, etc. Será possível que essa sociedade de consumo rápido e desenfreado tenha realmente ouvido aquela voz que silenciou na boca de um Wilson Pioneiro ? Talvez nunca saibamos ao certo.
O que parece certo é que o Acre continua no seu caminho, Tentando construir um destino próprio. Não importa se diferente das receitas caseiras ou internacionais. Aqui existe uma voz que nunca foi escrita, da qual não se registrou o timbre, da qual não restou nenhuma frase, mas que não deixa de ser repetida e ouvida por seringais e cidades dessa Amazônia Ocidental. Uma certa voz, de um certo homem alto e determinado, de fala mansa e rara, dono de um olhar e um silêncio poderosos.


PS: Este deveria ser um artigo de história, na mais pura acepção pragmática da ciência. Porém, como não sentir e escrever com o coração sobre uma tal história de dor e vida ?

 

Pesquisa: Equipe do Departamento de Patrimônio Histórico e Cultural – FEM

Texto: Marcos Vinicius Neves


sábado, 23 de fevereiro de 2013

Crítica ao Governo do Acre - "O tapa-olho do Mapinguari"


Já estávamos chegando a mais um paraíso natural do nordeste brasileiro. A empresa de turismo que contratamos oferecia um guia, um moderno micro- ônibus e uma overdose de músicas no DVD daqueles cantores que já acham que são famosos, mas que, o resto do país nunca ouviu falar.
Uma holandesa sentada ao lado voltou-se para mim e me perguntou em um espanhol engraçado: como que vocês toleram isso?
Ela se referia àquelas caras feias de meninos pobres e desnutridos que fingiam combater, com algumas enxadas “cegas”, as dunas que deixavam as estradas intransponíveis.
Olhei para cima, levemente constrangido, e mordi os lábios. Não sabia ou talvez nem quisesse respondê-la. Mas para ela, orientada em outras regiões, forjada em outra realidade, aquela pergunta tinha o maior dos sentidos. Possa ser que naquela pergunta resida uma diferença grave entre nos brasileiros e eles: educação política.
No meio de tantas carências de mais de 500 anos, imagino seja essa mais uma a nos fazer tímidos frente às questões de maior pontualidade e interesse das nossas vidas.
Minha irmã, que mora fora do Brasil, me diz que lá o cidadão naturalmente aborda o deputado na rua e busca saber quais os interesses dessa ou daquela lei aprovada. O cidadão lá se aproxima mais daqueles que ele elegeu e acompanha atento o que eles estão fazendo com o sacrifício econômico do povo.
Aqui não! Aqui as coisas gostam de ser diferente. Qualquer tentativa de querer saber mais do mundo político, já é vista com atenção e desconfiança. Qualquer artigo, opinião ou ponto de vista questionando o governo, já vem de alguém que prega a mentira contra a verdade. Qualquer crítica justaposta é armação e deve ser sufocada a bem do interesse do intocável.
O resultado disso é o desprestígio de muitos a uma área que deveria ser vista com muita responsabilidade. A abstenção das eleições municipais passadas bateu recorde, mostrando que o povo está distante, e que há razões pra isso.
Devido a certas condutas daqueles que elegemos, fazer política no Brasil tornou-se base, matéria para as piadas e casos engraçados, prato cheio para o repúdio e descrédito da população. Entre risos infindáveis a certeza: verdadeiro vômito recíproco.
Nossas autoridades não entendem que criticar o errado não é negar o que se fez e o que se faz certo. Discordar não é um tiro de rifle no que é bom para o Acre. Na verdade, aceitar essa postura, saber ouvir a diferença, mostra que ninguém é Deus, por mais que alguns possam pensar isso.
Queremos nos aproximar desse tema que marca nossa vida! Queremos educação política! Queremos entender o que é feito! Queremos saber mais de vocês. Somos nós que ficamos três horas numa fila para exercer um direito que vos sustenta. É o nosso voto que alimenta toda essa engrenagem que não pode ser reduzida a arte do se dar bem.
http://portalyah.com/bolsas/files/2012/08/cala-a-boca-ja-morreu-02-fundo-branco-300x300.jpgMostrem-se! Expliquem-se! Qual é o medo? Qual a razão para ter medo? Temos muito a perguntar.
Não queremos saber sobre os sobrenomes de vocês. Não queremos saber o que fazem quando a luz do quarto apaga. Não queremos saber em que festa estavam, em que revista sairão ou em que praia estarão no final do ano. Os vossos times do coração não nos interessa. O nosso alvo é o papel, a figura política que tem, e deve ter, a obrigação de prestar contas.
Por que não sabemos melhor quanto e como é gasto o dinheiro público dos parlamentares acrianos? O sítio da Assembleia Legislativa, por exemplo, na internete, não é tão claro e demonstrativo como o do Poder Judiciário ou do Ministério Público. Qual mistério, qual o segredo? São os intermináveis auxílios que recebem? São os altos salários pagos? Onde está a transparência. Digam-nos! O voto é secreto, os atos públicos, não.
E no executivo, por que temos de aceitar o pagamento de pensão vitalícia a ex-governador que passa quatro anos no poder e se aposenta com 48 anos, em total afronta à crua normalidade dos comuns? Justifiquem-se!
E o antecessor desse a quem me refiro, hoje vice-presidente do senado, ganhando também essa pensão “eterna”, não temos o direito de indagar isso? Temos de ficar calado, como se fôssemos fieis em uma missa rezada em latim?
Por que a TV do governo não é pública? Por que não dá voz ao contraditório e para de ser uma mera caricatura arranhada do Diário Oficial? A liberdade de expressão não pode ser o carrasco terminal.
Onde estão os líderes sindicais que espocavam suas gargantas e quaravam ao sol em prol de melhorias para suas respectivas categorias, em frente aos órgãos públicos, com jargões e desfiles gestuais altaneiros? Por que se acalmaram tanto? O Cristo já desceu?
Que diabo é essa “florestania”, implantada no papel há quase vinte anos nesse estado tão dependente das verbas federais, submisso à lógica dos repasses da União? Inovaram na semântica, mas permanecemos engessado na realidade de índices sociais vergonhosos.
Queremos saber, senhores! Isso é educação política. Não queremos rir da incompetência de vocês. Não queremos fazer piada dos escândalos rotineiros. Não queremos sacanear os condenados empossados. O que queremos é fazer parte. Parte da política, inserir-se no que tanto nos afeta. Se nos querem de olhos fechados, amordaçados e submissos, rotos aos frutos da ausência de cidadania, sinto dizer: vão pra merda. Ou melhor, venham pra ela. Seguiremos juntos.
Por FRANCISCO RODRIGUES PEDROSA - licenciado em História (UFAC) e bacharel em Direito (UFAC)   f-r-p@bol.com.br