terça-feira, 29 de novembro de 2011

ALBUQUERQUE, Gerson. Cultura, trabalho e lutas sociais entre Trabalhadores Agro-Extrativistas do rio Valparaíso na Amazônia acreana



UM ESTRANHO NO NINHO”: a luta de seringueiros por moradia na cidade de Rio Branco – Acre.

Francisco Pinheiro de Assis -Professor da UFAC;  francpinheiro@hotmail.com


Resumo



O presente artigo mostra o resultante do movimento de seringueiros provocado pela expansão pecuarista, que resultou em um contingente populacional na cidade de Rio Branco os obrigado a encontrar mecanismos, articulações, para sobreviver no meio urbano; a desorganização dos grupos familiares, o que os obrigou a redefinirem seus papéis sociais, como forma de adequação às novas condições impostas pela vida urbana. Sendo a população do estado do Acre constituída por famílias migrantes, compostas, de seringueiros e colonos residentes em bairros periféricos da cidade, fez com que os grupos fossem se definindo a partir da identificação de suas práticas coletivas nos bairros e foi por intermédio dessas pessoas que chegamos aos grupos familiares. Suas estratégias de sobrevivência no meio urbano reinventaram, a cada dia, o seu cotidiano, bem como enfrentar o desafio de tentar criar expectativas e condições de um futuro condizente com a situação de cidadãos em uma incessante luta, buscando conquistar um espaço para moradia.



Palavras-chave: Seringueiros; seringal; moradia; bairros ocupados.



ABSTRACT



The present article shows the resultant of the movement of seringueiros provoked by the pecuarista expansion, that resulted in a population contingent in the city of Rio Branco the debtor to find mechanisms, joints, to survive in the urban way; the disorganization of the familiar groups, it compelled what them to redefine its social papers, as form of adequacy to the new conditions imposed for the urban life. Being the population of the state of the Acre consisting of migrantes, composed families, of resident seringueiros and colonists in outlying areas of the city, it made with that the groups were if defining from the collective practical identification of its in the quarters and were for intermediary of these people who we arrive at the familiar groups. Its strategies of survival in the urban way reinventaram, to each day, its daily one, as well as facing the challenge to try to create expectations and conditions of a future condizente with the situation of citizens in an incessant fight, being searched to conquer a space for housing.



1. Introdução



No decorrer da década de 60, o Acre passou do anonimato a um profundo esquecimento da parte das autoridades do país. O interesse na região foi preterido. Podemos afirmar que, com o fim do 2º ciclo da borracha, ocorreu um desaquecimento da região acreana; não havia um estímulo que atraísse novos migrantes para essa região.



Mas, no início da década de 70, o isolamento da região foi profundamente alterado. O governo brasileiro, na pessoa do presidente General Garrastazu Médici, desencadeou uma política de re-ocupação da Amazônia que trazia o slogan “integrar para não entregar”. Nesse período, o governo do Acre saiu em primeiro lugar na corrida de re-ocupação do estado. O governador Francisco Wandeley Dantas quis ser o pioneiro da agropecuária na Amazônia; fez uma campanha publicitária no sul e sudeste do Brasil, colocando à venda todos os seringais acreanos, com o seguinte slogan: “Migre para o Acre, invista no Acre e exporte pelo Pacifico. Carlos Alberto afirma que;



O governo federal cortou os incentivos aos seringalistas produtores de borracha . Através da lei nº 5.227 de 18 de janeiro de 1967 os militares tiraram do banco de crédito da Amazônia S.A. de financiar a produção da borracha dos seringais acreanos… Outros fatores importantes influenciaram para que os empresários da frente agropecuária se instalassem no Acre. Os incentivos fiscais oferecidos pelo Governo Federal devem ser considerados importantes, criados com o objetivo de atrair empresários (SOUZA, 1995, p. 53).



A partir da campanha desencadeada no Brasil, os antigos proprietários iniciaram a venda de seus seringais para compradores do centro-sul, atraídos pelos baixos preços da terra, com pagamentos facilitados pelo governo Estadual e Federal. Comparando-se, à época, o preço de um hectare de terra em São Paulo, no Acre era suficiente para comprar 15 hectares. Outro fator que atraiu os novos migrantes sulistas para comprarem terras foi os incentivos fiscais disponíveis e juros subsidiados pelo governo federal, para que o Acre desenvolvesse a atividade pecuarista e elevasse a produção de carne.



2. A substituição do extrativismo pela pecuária



Com a aquisição dos seringais acreanos, um grande problema social estava prestes a emergir: a briga pela posse de terras dos seringueiros[1] que moravam nas colocações de seringa com os novos proprietários, provenientes do sul e sudeste. No início de 1971 começa a verificarem-se as transformações nos seringais. Surgiu a transferência de antigos seringais para novos donos das áreas, alcunhados, na época, de “paulistas[2]”. Esse nome foi uma denominação a todos os compradores de terras que chegaram ao Acre nos anos 70, tendo em vista a cor, estatura. Oliveira, assim, se refere;



No Acre, os grandes empresários, os grileiros e os especuladores chegaram antes e se lançaram vorazmente à compra de terras em todo estado, os “paulistas”, como passaram a ser chamados os grandes compradores de terras eram de São Paulo, Minas Gerais, Paraná ou Rio Grande do Sul, mas na maioria eram realmente de São Paulo, aumentaram em verdadeiros leilões terras por preços incrivelmente baixos (OLIVEIRA, 1982, p. 51).



Quando os novos proprietários ocuparam os seringais, aqueles que, de fato e de direito, as possuíam passaram a oferecer resistência em deixar suas colocações de seringa. Afirmavam que não deixariam suas moradias, pois, já estavam nas localidades a varias décadas e alegavam que não tinham outras casas na cidade para morar e nem dinheiro para adquirirem outras propriedades.



Nas décadas de 1970 e 1980 encontrei várias contradições entre os “paulistas” e os seringueiros dos Vales do Alto Acre e Purus; além de exprimirem as contradições gerais entre os compradores e os trabalhadores. Os seringueiros e suas famílias foram obrigados a deixar as colocações de seringa.



Pela lógica dos especuladores, seria necessário expulsar a força de trabalho residente, para que a terra não se depreciasse e, também, segundo o ponto de vista dos fazendeiros, seria necessário garantir a propriedade “de fato” e afastar as reivindicações de posse da terra dos antigos moradores. Os novos proprietários em nenhum momento externaram qualquer tipo de preocupação com o destino que teria os ocupantes de suas propriedades.



Os novos donos exigiam, dos antigos donos dos seringais, a “limpeza” da terra, que consistia em retirar todos os antigos moradores de suas localidades, para que eles, os “paulistas”, não tivessem problemas com os seringueiros.



Os seringueiros perderam suas localidades para os novos donos, sem o menor respeito pelos direitos de posse, se deveu ao fato de que os seringueiros desconheciam as leis agrárias e os direitos que lhes garantiam a posse e a permanência nas colocações de seringa.



Os novos proprietários para garantir a saída de todos os moradores adotaram medidas extremas que assegurassem, definitivamente, a saída terras, tais como:



a) O não fornecimento de mercadorias para os seringueiros, a obstrução dos varadouros [3] e a proibição de se fazerem desmatamentos e roçados;



b) Destruição de plantações, invasão de posses e derrubadas, até perto das casas dos seringueiros, deixando-os sem terra para trabalharem;



c) Compra da posse das colocações de seringa por um preço irrisório;



d) Atuação de pistoleiros, para amedrontarem os posseiros, em uma constante guerra psicológica, através de ameaças ou, mesmo, com espancamentos e outras violências contra as famílias;



e) Ameaças feitas por policiais a serviço de proprietários das terras, prisões de posseiros, por questões de terra, sem ordem judicial, sem que se tenha movido qualquer ação.



3. “Seringueiros urbanos”.



O movimento migratório dos seringais para a zona urbana aumentou substancialmente o contingente populacional urbano em Rio Branco. O fator primordial para tal crescimento desordenado deve-se à dinâmica do processo típico das migrações campo-cidade, que foi caracterizado por movimentos ou ocupações em função da falta de moradia para tais pessoas, na zona rural. Bosi afirma que;



A luta contra o desenraizamento está presente nos movimentos operários e camponeses: contra as multinacionais ou contra as monoculturas; pela autogestão na indústria ou pela reforma agrária, traduzem essas lutas o medo do desemprego e da migração (BOSI, 1987, p.20).



Ao migrar para a cidade, o seringueiro levava suas raízes em busca de novos espaços, ou seja, procurava encontrar uma forma, um meio para fixar ou incorporar modos de vida em outros locais, quebrar ou ganhar novas raízes no novo espaço urbano. Assim como nos seringais, alguns tinham conseguido pequenos avanços através da mobilização. Na cidade deveriam criar novos “atalhos” para buscarem espaços de sobrevivência, enquanto sujeitos.



Após mais de trinta anos de aceleramento do processo de expansão capitalista, cujos reflexos estão presentes nas periferias de cidades de Rio Branco, a Amazônia é considerada, pela ideologia oficial, como o espaço disponível do futuro. As famílias migrantes refletem a quebra de uma visão que alimenta, ainda, o mito desse progresso. O custo social dessa ilusão tem se mostrado muito alto, e seus efeitos devastadores. Essa população é o exemplo do que é capaz um modelo econômico que se apropriou de terras e de pessoas, provocou o rompimento da unidade de produção familiar e forçou uma migração intensa e desordenada, no sentido campo/cidade.



Os migrantes vivem uma situação de pobreza e de resignificação de valores, evidenciada pela freqüente evocação do seu cotidiano, como produtor independente e da natureza do trabalho agrícola, o que revela os conflitos e contradições impostos pela vida na cidade e pelas dimensões dos males e dilemas da sociedade contemporânea.



A expansão das relações capitalistas de produção retirou dos seringueiros e colonos a posse dos meios de subsistência e, hoje, eles constituem uma força-de-trabalho que não dispõe de alternativas de sobrevivência, situando-se, quase sempre, à margem do mercado, formalmente, institucionalizado. São famílias que passaram pela expulsão dos seringais. Esse processo não lhes deu qualquer garantia de inserção no meio urbano, como trabalhadores, já que não dispunham dos requisitos básicos e fundamentais para isso.



Aí residem os paradoxos de uma sociedade cujo alicerce se fundamenta no trabalho/emprego. Uma sociedade salarial, fruto de desigualdades e injustiças, geradas pelas profundas assimetrias nas relações sociais, que se expressam, notadamente, pela concentração de poder e de riqueza, por uma minoria, e pela pobreza e opressão da maioria dos seus membros. Uma sociedade onde imperam as políticas reducionistas/economicistas e os ajustes neoliberais que têm gerado mais complicadores do que soluções, aprofundando fraturas sociais.



Essas fraturas evidenciam forte hierarquização social, alimentada pela ausência de possibilidade desse segmento migrante de se sentir cidadão ou, mesmo, desenvolver uma identidade de grupo. É uma “bola de neve” que encadeia injustiças sociais que geram pobreza, exclusão, impossibilidade de mobilidades sociais e espaciais e que, finalmente, criam “não-pessoas”, como eram considerados os escravos e os índios, no passado. Um país que, ao invés de priorizar, estigmatiza e oculta suas populações pobres.



Todos os sujeitos sociais, aqui estudados, guardam para si o sonho de ousar conseguir um trabalho e tentam, em vão, representar isso. Mas, o que conseguem? Somente reproduzir a caricatura desse sonho; um sonho louco de querer integrar-se. Bosi afirma;



O migrante perde a paisagem natal, a roça, as águas, as matas, a caça, a lenha, os animais, a casa, os vizinhos, as festas, a sua maneira de vestir, o entoado nativo de falar, de viver, de louvar a seu Deus. Suas múltiplas raízes se partem. Na cidade, a sua fala é chamada “código restrito”, pelos lingüistas; seu jeito de viver, “carência cultural”; sua religião, crendice ou folclore…” (BOSI, 1987, p. 17).



Eis os resultados de um processo migratório que os obrigou a reordenarem os seus valores, redimensionarem a divisão sexual do trabalho e, principalmente, buscarem novas formas de solidariedade e sociabilidade, como meio de se integrarem ao mundo da vida.



Hoje, seringueiros enfrentam o desafio de tentarem criar expectativas e condições de um futuro condizente com a situação de cidadãos que tentam ser. Envolvem mulheres e crianças num cotidiano que se volta, apenas, para a luta pela sobrevivência diária, num constante malabarismo para enfrentarem uma sociedade que se organiza sem eles, desestabilizando identidades sociais e culturais consolidadas. Uma sociedade que faz com que se sintam culpados de morarem onde moram e de viverem como vivem, sem considerar que são famílias que não podem resolver, por si mesmas, as condições de pobreza em que se encontram.



Essa não é uma questão nova. Apesar de ter suas condições de vida afetadas pelas históricas decisões macroeconômicas, sociais e culturais, esses segmentos populacionais têm, na família, seu porto seguro. De fato, é ela que define o paradigma de moralidade e autoridade, centrado em um universo de representação do real, que lhes permite o exercício mínimo da subjetividade, da sociedade e, portanto, da identidade intra-grupo. Ainda, é no interior da família que esses trabalhadores, em potencial, lutam para não perderem o sentimento de componente dessa sociedade excludente e desigual; é, também, onde as relações conflituosas são resolvidas. E é nessa dinâmica de conflitos que se sobrepõem as esperanças de alcançarem a mobilidade que os habilitaria a uma integração social.



4. Conclusão



Portanto, o trabalho, para esses segmentos populacionais, adquire, claramente, uma conotação moral e ética, desde que é através dele, e somente dele, que poderão ser reconhecidos enquanto membros da sociedade ativos. A princípio, a tarefa do provedor do grupo familiar estaria sob a responsabilidade do homem “chefe” de família. Entretanto, essas fronteiras foram ultrapassadas e o trabalho da mulher deixou de ser, simplesmente, doméstico e passou, muitas vezes, a ser a fonte principal de renda, garantindo a sobrevivência da família. Além disso, o trabalho da mulher e, também, dos filhos aciona um referencial simbólico, uma espécie de código, que ultrapassa os limites dos arranjos domésticos da atribuição de papéis e da demarcação das competências e responsabilidades internas. Esse referencial simbólico é a força de sustentação dos padrões de dignidade, que servem de parâmetros na avaliação das condições de privação a que essas famílias estão sujeitas, e servem como mecanismos de enfrentamento dessa situação.



Para esses “seringueiros urbanos”, o lugar da mulher continua sendo a casa; e isso pressupõe a realização de um modelo ideológico de família, onde fica mantido o status do homem, preservando o seu papel de provedor. Como não há concordância entre o ideal e o real, o conflito aflora.



O que vale mesmo, para esses migrantes, ainda, é a lógica do trabalho que os traria de volta a uma condição humana de existência. Nas suas representações do mundo, do seu cotidiano, o que permeia, ainda, são as idealizáveis e subjetivas condições de mobilidade social, através das quais poderiam ampliar os seus direitos como cidadãos: a ideologia do sucesso.



Por outro lado, ao mesmo tempo em que idealizam um modelo de vida, têm consciência do que representa o futuro. A idéia do amanhã é vista como conseqüência do que são hoje, do reflexo de um presente pela metade. Daí, decorre a indagação deles próprios: “… o que é futuro? Amanhã é futuro?” Esses questionamentos permeiam o seu cotidiano e refletem o real de suas condições. São homens, mulheres e crianças que, ainda, lutam para encontrar o seu lugar na sociedade e que, por isso, talvez, tenham o seu futuro abolido enquanto sujeitos sociais.



5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



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BASSEGIO, Francinete Perdigão Luiz. Migrantes Amazônicos. 1ª ed. São Paulo: Loyola, 1992.



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BEZERRA, Maria José (Coord.). Dossiê – acervo: Guiomard Santos (Acre) elevação do Acre a estado. Rio Branco: Grafia Globo, 1992.



BOSI, Alfredo. Cultura brasileira: temas e situações. São Paulo, SP: Ática, 1987.



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CALVINO, Italo. As cidades invisíveis (1923 – 1985) Trad.: Diogo Mainardi. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.



CAMPELO, Valterlucio Bessa. O processo de ocupação e concentração das terras, alocação dos fatores de produção e mudanças tecnológicas no estado do Acre, 1970- 1985. Universidade Federal do Ceará. Fortaleza/CE, 1992. Dissertação (Mestrado em História Econômica) 230 p.



CASTRO, Ferreira de. A selva. Rio Branco/AC: Guimarães, 1998.



CASTRO, Plácido de. Navegação do Rio Acre. Rio de Janeiro 1978. Dossiê. Centenário da colonização do Acre. Promovido pela assessoria de comunicação social do gabinete do governador do estado do Acre..



COSTA, Craveiro. A conquista do deserto Ocidental. 2ª ed. São Paulo/SP: Companhia Editora Nacional, 1974.



COSTA SOBRINHO, Pedro Vicente. Capital e Trabalho na Amazônia Ocidental: Contribuição à história social e das lutas sindicais no Acre. São Paulo/SP: Cortez – Rio Branco/Ac: Universidade Federal do Acre, 1992.



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DURHAM, Eunice. A caminho da cidade: A vida rural e a migração para cidade. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte/MG, 1980. Dissertação (Mestrado em História) 272 p.



FORACCHI, Marialice Mencarini. A participação social dos excluídos. Universidade Federal de São Paulo. São Paulo/SP, 1982. Tese (Doutorado em Antropologia) 380 p.

IANNI, Otávio. Colonização e contra reforma agrária na Amazônia. Petrópolis/RJ: Vozes, 1979.





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[1] Seringueiro é o sujeito que extrai o látex da seringueira e realizada todo o processo de fabricação da borracha.



[2] A nomenclatura “paulista” foi cunhada por jornalistas ligados à imprensa alternativa dos anos 70 ou pelas lideranças dos Movimentos Sociais urbanos e rurais, para denominar os empresários e fazendeiros de outros estados que chegaram ao Acre a partir de 1971, adquiriram grandes áreas de terras, utilizando-se muitas vezes da violência, da grilagem e até assassinatos, para ampliar seus latifúndios. São muitos os registros do período dando conta da expulsão de seringueiros e posseiros a mando dos chamados “paulistas”. Seringueiros que estavam há vinte, trinta e até quarenta anos nos seringais. Hoje vários estudiosos do assunto reconhecem que a generalização do termo colocou em uma camisa de força, todos aqueles foram para o Acre na década de 70, incluindo pequenos e médios proprietários de terra e agricultores sem terra.



[3] Varadouro eram os caminhos usados como meio de locomoção que interligava a margem dos rios onde situava-se as sedes dos barracões sede dos seringais ao interior da floresta onde estavam as colocações de seringas, sempre distantes umas das outras o que o que interligava o centro da floresta a margem dos rios era o varadouro.

PINHEIRO, Francisco de Moura. Veiculos de comunicação de massa numa reserva extrativista no Estado do Acre (Baixar)




Esta dissertação aborda os impactos de veículos de comunicação de massa numa Reserva Extrativista ("Chico Mendes", no município de Xapuri) no Estado do Acre. Trata-se de uma abordagem comparativo/exploratória, tendo como base prática a convivência com os povos da floresta acreana e como base teórica a hipótese do "Agenda Setting". Além dos objetivos de proceder um levantamento histórico/antropológico do processo de povoamento da região, bem como de proceder um levantamento/mapeamento da incidência dos veículos de comunicação de massa na "Reserva Extrativista Chico Mendes", este estudo tem a pretensão de identificar como se dá e qual o tipo de penetração da mídia dita de massa numa comunidade ainda totalmente alheia aos modernos recursos tecnológicos a serviço da comunicação no mundo contemporâneo. Há, por fim, um breve histórico do veículo rádio, o único a alcançar a comunidade envolvida na pesquisa. Adendo considerado importante pelo autor, por duas razões: respaldar a afirmação/tese proposta e subsidiar uma eventual formulação de temas/problemas, a partir do mesmo elemento.



Palavras-chave: Mídia , Comunicação de Massa , Rádio , Ecologia.

sábado, 26 de novembro de 2011

RESUMO DO LIVRO: A Ordem do Discurso (Michel Foucault)


        HIPÓTESE: em todas as sociedades, a produção de discurso é regulada, selecionada, organizada e redistribuída a fim de conjurar seus poderes e perigos.


“... (a instituição) torna os começos solenes, cerca-os de um círculo de atenção e de silêncio, e lhes impõe formas ritualizadas, como para sinaliza-los a distâncias” p. 6-7.

 “Mas, o que há, enfim, de tão perigoso no fato de as pessoas falarem e de seus discursos proliferarem indefinidamente? Onde, afinal, está o perigo?” p. 8

 Suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por números de procedimentos que tem por função conjurar seus poderes e perigos, dominar o seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade” p. 8-9.

Procedimento de exclusão (controle exterior do discurso): interdição (palavra proibida). “Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância...” p. 9.

“... as interdições que o atingem (o discurso) revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder” p. 10

- 3° sistema de Exclusão: oposição do verdadeiro e do falso “Vontade de Verdade”.

“Essa vontade de verdade assim apoiada sobre um suporte e uma distribuição institucional tende a exercer sobre os outros discursos uma espécie de pressão e como que um poder de coerção”. P. 18.

“...na vontade de verdade, na vontade de dizer esse discurso verdadeiro, o que está em jogo, senão o desejo e o poder?” p. 20


“Só aparece aos nossos olhos uma verdade que seria riqueza, fecundidade, força doce e insidiosamente universal”, p. 20.

- Controle Interno do Discurso (ele mesmo exerce seu próprio controle – classificando, ordenando, distribuindo).

- Comentário: “muitos textos maiores se confundem e desaparecem e, por vezes, comentários vêm tomar o primeiro lugar” (p. 23). “...o comentário não tem outro papel, sejam quais forem as técnicas empregadas, o de dizer o que estava articulado silenciosamente no texto primeiro” p. 25.  (rarefação do discurso).

Outro controle do discurso que está ligado às condições de seu funcionamento: “de impor aos indivíduos que os pronunciam certo número de regras e assim de não permitir que todo mundo tenha acesso a eles... ninguém entrará na ordem do discurso se não satisfizer a certas exigências ou se não for, de início, qualificado para faze-lo”. P. 37

“o ritual define a qualificação que devem possuir os indivíduos que falam”. P. 39.

“Os discursos devem ser tratados como práticas descontínuas, que se cruzam por vezes, mas também se ignoram ou se excluem”p. 52

Descontínuo: “trata-se de cortes que rompem o instante e dispersam o sujeito em uma pluralidade de posições e de funções possíveis”. P. 58

“A análise do discurso, assim entendida, não desvenda a universalidade de um sentido; ela mostra à luz do dia o jogo da rarefação imposta, com um poder fundamental de afirmação”. P. 70.

Por: Eduardo Carneiro.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Conselhos no Acre: aparência democrática e imprudência na defesa do manejo


Movimento Anticapitalista Amazônico (MACA)

Dentre outras tantas coisas, a Carta do Acre teve o mérito de forçar a equipe do governo e seus partidários a se desdobrarem em respostas. Surgiram muitas, tão rasas quanto apologéticas. Entre elas, estava a moção conjunta do Conselho de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia (CEMACT), Conselho Florestal Estadual (CFE) e Conselho de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRFS), datada de 30 de setembro do corrente ano. Ali os conselhos se apresentam como “instâncias fundamentais na tomada de decisões e controle social [...] constituídos democraticamente por representantes da sociedade civil, das populações tradicionais, dos órgãos públicos federais, estaduais e municipais”.
Na defesa do manejo, a moção afirma que ele é “hoje uma das atividades econômicas mais importantes do Estado do Acre, sendo que de acordo com dados recentes a atividade florestal representa mais de 20 % do Valor Bruto da Produção do Estado [...] Por isso, é importante lembrar que a situação da atividade florestal no Acre, anterior a esses dados, com mais de 90% da madeira sendo suprida pela atividade de desmatamento, muitas vezes também ilegal, com enormes impactos negativos ao meio ambiente e as populações residentes nas florestas”.
Diante disso, deitamos aqui algumas palavras 1) sobre a constituição do CEMACT e sua função na constituição da política ambiental; e 2) sobre os fundamentos da defesa do manejo contidos na referida moção. Esse é mais um texto do Dossiê Acre: a batalha das ideias.
Aqueles conselhos deveriam funcionar como instâncias de participação e controle social. Porém, na prática, seu funcionamento é bem outro. É forçoso dizer que todos os conselhos gestores no Acre não foram fruto da inclinação democrática do governo nem de demandas por mais participação social originadas na sociedade. Eles foram criados em razão da necessidade de se assegurar repasses financeiros para áreas setoriais, como a de meio ambiente.
Entre outras coisas, os conselhos serviam para assegurar recursos vindos do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais (PPG7) a fundo perdido, cuja liberação apenas se dava mediante a apresentação da ata de reunião dos conselhos dos estados amazônicos. Importa destacar que o PPG7 é o marco do padrão de apropriação dos bens naturais amazônicos e da ingerência estrangeira que se consolidam na era do chamado “capitalismo verde”.
Por outro lado, cumpre dizer que o CEMACT foi instituído desprezando o “princípio de paridade” aferido pela Assembleia Legislativa do Acre (ALEAC). O princípio da paridade dispõe da necessária equivalência entre órgãos estatais e representações diversas da “sociedade civil organizada”, propiciando o aprofundamento da participação e controle social. Isso mostra, no mínimo, a impropriedade da afirmativa segundo a qual os referidos conselhos são “instâncias fundamentais de tomada de decisão e controle social, constituído democraticamente”. Um rápido olhar sobre a Moção aqui em foco mostra que entre 70% e 80% dos que a assinam são vinculados ao poder estatal. Não é preciso muito gênio para saber no interesse de quem os conselhos e a moção falam.
Com razão, um pesquisador concluiu que, ao longo de sua existência, o CEMACT “tem atuado muito mais como um instituto ratificador das políticas públicas estaduais oficiais, e não efetivamente como um instrumento legítimo da participação social, na tomada de decisões políticas”. A participação aí observada é, no geral, orientada para a ratificação e homologação dos interesses governamentais em detrimento da expressão da vontade coletiva.
Sem embargo, pode-se afirmar que os referidos conselhos têm atualmente a função de legitimar, de dar roupagem democrática às políticas governamentais. E se eles fugirem a essa função? Nesse caso, deixam de representar, para o governo, o “espírito democrático”. Foi exatamente o que acabou de acontecer com o conselho gestor da Fundação Hospitalar do Acre (Fundacre). Ao denunciar as irregularidades e problemas ali presentes, o conselho foi desqualificado. O líder do governo na ALEAC, deputado estadual Moisés Diniz (PC do B), disse que o conselho fazia denúncias porque queria mexer com recursos.  
Na moção, a defesa do manejo se assenta em dois argumentos: 1) ele é rentável e 2)90% da madeira extraída das florestas locais não são mais tiradas de forma ilegal, como antes. Quanto ao primeiro ponto não há dúvida. A prática do manejo é altamente rentável. Mas para quantos? Para quem? Para a Laminados Triunfo e outras poucas madeireiras, certamente.
Quanto ao segundo ponto, observamos que, embora a maior parte da madeira extraída das florestas locais não seja mais tirada de forma ilegal, a exploração continua e não são as populações locais urbana e rural do estado as beneficiárias do empreendimento. A agressão à floresta continua aumentando, mas agora de forma legalizada. Há algo de que possamos nos orgulhar?
Honestamente, a ideia de que a instituição do manejo salvaria a floresta ou é farsa ou é ingenuidade. Niro Higuchi, pesquisador do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa), afirma que qualquer avaliação do “manejo florestal sustentável” deveria passar pelo crivo da experiência. O especialista ressalta que a experiência mais antiga na Amazônia em termos de manejo data de 30 anos, o que, tomando em conta a especificidade amazônica, nada significa. O manejo encontra-se, portanto, em “período experimental”, não podendo, por isso, ser tratado como verdade comprovada e absoluta.
A propósito, em 20/03/2007, ocorreu na Câmara Municipal de Rio Branco uma sessão solene com o intuito de discutir a Campanha da Fraternidade de 2007 da Igreja Católica cujo tema era Fraternidade na Amazônia. Entre os convidados para o evento, estavam o Bispo da Diocese de Rio Branco, Dom Joaquim Pertinez (personagem “apolítico” por convicção), e o Superintende do IBAMA do Acre, Anselmo Forneck. Poucos nas fileiras do governo como o Sr. Forneck conhecem os efeitos reais do manejo e, por isso mesmo, poucos como ele poderiam defendê-lo.
Quando indagado pelo vereador Luis Anute sobre o que ele achava do manejo, depois de muita relutância, o Bispo disse que era “uma falácia muito bonita e se reduz à destruição de nossa floresta”. E prosseguiu: “Eu costumo andar por essas reservas e vejo muitas vezes a incoerência, pois, [...] falando com o povo, eles (relatam) que são proibidos de derrubar uma árvore para construir sua casa”. “Eu vi o desastre no Seringal Oriente, no Rio Purus, em Manoel Urbano. O desastre lá é muito sério! Com todas as leis”, continuava o Bispo. “Lá tinha placa de todos os Ministérios possíveis, de todas as leis possíveis. Mas, em nome da lei fazer tudo isso, eu acho que não está muito certo. E, além do mais, essa madeira vai para bem longe daqui, para a China ou qualquer outro lugar do mundo”.   
E o que respondeu Anselmo Forneck? “E quanto ao manejo”, dizia ele usando de honestidade, “o manejo, eu sempre digo, é uma incógnita, ainda. É uma atividade econômica em curso há muito pouco tempo e eu acho que é muito prematuro (sic) uma opinião fechada em relação a este assunto.” Com que base, então, apregoar a sustentabilidade do modelo? Como pode, com base numa incógnita, o governo acreano submeter à exploração até 6 milhões de hectares de nossas florestas? Foi com base numa incógnita que o governo brasileiro criou a Lei 11.284/2006 que vai permitir à indústria madeireira se apropriar e explorar até 50 milhões de hectares de “florestas públicas” na Amazônia?
Cônscios da importância e das fragilidades do bioma amazônico, não podemos reputar a política do manejo, na magnitude em que ela vem sendo implementada no Acre, senão como uma imprudência. Ou, para sermos mais exatos, seria melhor falar de irresponsabilidade sem tamanho?

Estudos em que esse texto se fundamentou: “O Desafio da Participação Social na Política Ambiental: um estudo sobre a atuação do Conselho Estadual de Meio Ambiente do Acre”,“Concessões de Florestas Públicas na Amazônia”, “Conselhos Gestores e as “Reformas do Estado” no Acre: da não-participação à participação autoritária” e “A política de desenvolvimento da FPA e a “metáfora” do servo e os dois senhores”.

Brasil: Por trás da imagem verde: a mercantilização da floresta e impactos sobre as comunidades locais no estado do Acre

O Estado do Acre, na Amazônia brasileira, ficou conhecido no 
mundo inteiro no final dos anos 1980 pela luta por justiça social 
e ambiental de Chico Mendes. Nos últimos anos, o estado 
novamente ganhou destaque no Brasil e em âmbito 
internacional, porém de uma forma bastante diferente. 


Trata-se da propaganda em torno de um modelo ´verde´ de
 desenvolvimento, puxado por um ´governo da floresta´, 
baseado no chamado ´manejo sustentável´ da mesma e na 
venda de serviços ambientais. Conta-se hoje uma história
 positiva e ´verde´ do Acre.

No entanto, alguns dados e fatos da realidade acreana 
sobre sua política florestal apontam para uma outra história:
 (1) a da continuação da exploração madeireira da floresta
 e outras atividades produtivas empresariais; (2) a ´floresta 
em pé´, porém degradada pelo corte seletivo de madeiras 
nobres, como uma nova fonte de lucro, ´vendendo-a´, também,
 através de ´serviços ambientais´ como o REDD+; (3) 
maiores dificuldades e mais restrições para os povos da 
floresta, em especial àqueles que lutam por liberdade e 
autonomia na conservação da mata, da qual dependem
 para continuar vivendo.

Um primeiro dado importante é que entre 2003 e 2010, 
segundo o instituto federal responsável pela reforma
 agrária, o INCRA, os pequenos proprietários no Acre 
tiveram sua ocupação do território reduzida de 27 para
 17% das terras cadastradas. Em 2003, 19.200 famílias
 ocupavam 1.100.000 ha e em 2010, 23.500 famílias
 ocupavam 1.388.000 ha de terras. Ao mesmo tempo,
 a concentração da terra aumentou (1). Em 2003, 444 
proprietários controlavam 2,8 milhões de ha de terras; 
em 2010, 583 proprietários ocuparam 6,2 milhões de 
hectares de terras, o equivalente a 78,9% do total
 das terras cadastradas nesse ano. Contribuiu para
 esse processo de reconcentração a legalização de
 terras ocupadas ilegalmente por grandes proprietários, 
através do Programa ´Terra Legal´.

Outro dado relevante é o incentivo à exploração madeireira
 nas unidades de conservação de uso direto, 
principalmente para explorar madeira para exportação, 
um negócio no Acre que tem aumentado nos últimos anos,
 chegando a cerca de 1 milhão de m3 em 2010, um
 incremento de 400% desde o início do “governo da floresta”. 
Enquanto isso, em outros estados da Amazônia, a 
exploração de madeira foi reduzida à metade. Tanto a
 atividade madeireira, quanto a criação extensiva de gado,
 que também teve um incremento colossal – o rebanho que 
em 1998 era de 800 mil cabeças, em 2010 ultrapassou
 três milhões de cabeças – são atividades comprovadamente 
destruidoras para a floresta. (2) Para piorar, um outro projeto 
de grande impacto climático como a exploração de gás e
 petróleo está entre os planos do governo.


Em segundo lugar, a atividade madeireira em expansão, 
chamado de ´sustentável´, ameaça diretamente a sobrevivência
 das populações locais. Um exemplo é a situação vivida pela
 comunidade de São Bernardo. No seu território, coberta 
de mata, a empresa ´Laminadas Triunfo´ executa os ´planos
 de manejo florestal sustentável´ associada às fazendas 
Ranchão I e II. A base legal para a exploração madeireira 
neste seringal seria uma ata que as famílias tiveram que
 assinar no Ministério Público Estadual pela qual concordam
 com o manejo ´sustentável´ da empresa. Ao mesmo tempo,
 estão sendo pressionadas para sair. Algumas famílias 
acabaram saindo, mas outras não querem sair porque
 sabem que a vida na cidade não oferece nenhuma 
perspectiva, ao contrário, significa desemprego e miséria.

As famílias que resistem na área, onde moram há muitos anos, 
denunciam a degradação dos corpos hídricos (igarapés) na região, 
o afastamento da caça, a destruição da floresta e de estradas
 pela contínua retirada de madeira pela ´Laminadas Triunfo´, 
uma empresa que tem até o selo verde do FSC, obtido
 para outras áreas de ´manejo sustentável´.


Enquanto famílias costumam ter hoje áreas de floresta de 
até 800 hectares para atividades, como a seringueira,
 a empresa oferece em troca áreas com apenas 75 hectares
 por família em lugares distantes e degradadas pela expansão 
da pecuária extensiva de corte. A luta dessas famílias é para
 implantar uma reserva extrativista com autonomia para 
que elas conservem a floresta e possam manter e fortalecer 
seu modo de vida, sem se basear na exploração da madeira. 
O processo para criar a reserva está em andamento desde 
2005, porém lentamente.

Outro elemento importante de registrar é a experiência do 
governo de estado com um projeto de venda de
 serviço ambiental que está sendo implementado, chamado
 ´Fogo Zero´. Em troca de R$ 100 (US$ 60) mensais, as
 famílias de seringueiras não podem mais fazer fogo, nem 
mesmo manter o costume do fogo controlado para fazer
 suas roças de subsistência que garantem sua segurança
 alimentar e são essenciais para a soberania alimentar. 
Trata-se de uma violação grave ao direito à alimentação 
dessas populações.

O ´Fogo Zero´ parece ser apenas um primeiro ensaio, 
se depender da Lei 2.308, aprovada em 2010 na
 Assembleia Legislativa do Acre, que cria o Sistema 
Estadual de Incentivos a Serviços Ambientais, desde o
 carbono até mesmo à chamada ´sociobiodiversidade´. 
A partir do argumento de que proteção só se faz dando 
valor à natureza, o risco real a partir deste tipo de
 legislação é que o mercado nacional, mas sobretudo
 internacional, comece a se apropriar e controlar o 
território acreano com o aval do governo estadual
 que se responsabiliza por todo um sistema de
 regulação, registro, validação, medição e controle
 de supostos serviços gerados, absorvendo 
parte significativa do dinheiro que será arrecadado.
 Trata-se de uma mercantilização detalhada da 
natureza, com linguagem e práticas apenas 
acessíveis para um grupo seleto (ONGs 
ambientalistas internacionais ´de mercado´, consultores
 e empresas), mas inacessíveis para a população em
 geral, em especial para os povos da floresta.

Para discutir esses assuntos todos, foram organizadas em
 Rio Branco, capital do Acre, entre 3 e 7 de Outubro de 2011, 
visitas de campo e um encontro chamado “Serviços 
Ambientais, REDD e Fundos Verdes do BNDES: 
Salvação da Amazônia ou Armadilha do Capitalismo Verde?”.

O encontro resultou numa carta
 (leia em http://www.wrm.org.uy/temas/REDD/Carta_do_Acre.html)
 A carta afirma, entre outros pontos, que “Os destruidores seriam 
agora os grandes defensores da natureza. E aqueles que
 historicamente garantiram a conservação natural são, agora, 
encarados como predadores e por isso mesmo são
 criminalizados. Não surpreende, portanto, que
 recentemente o Estado tenha tornado mais ostensiva
 a repressão, a perseguição e até expulsão das populações
 locais de seus territórios.”

Afirma que “No Seringal São Bernardo, pudemos
 constatar que o atendimento dos interesses das
 madeireiras se faz em detrimento dos interesses das 
populações locais e da conservação da natureza”.

Sobre programas como o `fogo zero´, a carta
 afirma que “Tais populações até podem permanecer
 na terra, mas já não podem utilizá-la segundo seu 
modo de vida. Sua sobrevivência não seria mais
 garantida pelo roçado de subsistência - convertido 
em ameaça ao bom funcionamento do clima do
 planeta -, mas por “bolsas verdes”, que, além de
 insuficientes, são pagas para a manutenção da civilização
 do petróleo.”

Sobre a Lei de serviços ambientais, acima mencionada, a
 carta afirma que “gera 'ativos ambientais‘ para negociar os
 bens naturais no mercado de 'serviços ambientais', como o 
mercado de carbono”, e que “Pela lei, a beleza natural, a
 polinização de insetos, a regulação de chuvas, a cultura, 
os valores espirituais, os saberes tradicionais, a água, 
plantas e até o próprio imaginário popular, tudo passa a ser
 mercadoria.”

“Possibilitando a compra do ‘direito de poluir', mecanismos
 como o REDD forçam as denominadas ‘populações 
tradicionais' (ribeirinhos, indígenas, quilombolas, quebradeiras 
de coco, seringueiros etc.) a renunciarem a autonomia na gestão de
 seus territórios.”

A carta também denuncia um acordo de negócios de
 carbono, envolvendo o estado da Califórnia nos EUA, que 
compraria créditos de carbono; e Chiapas, no México, 
e o estado do Acre no Brasil, que forneceriam esses créditos, 
sendo que a região de Amador Hernandéz já enfrenta 
um projeto REDD+ resultante dessa ´parceria´
 (veja www.wrm.org.uy/bulletin/165/Mexico.html): “Cientes dos
 riscos que tais projetos trazem, rechaçamos o acordo de
 REDD entre Califórnia, Chiapas, Acre que já tem causado
 sérios problemas a comunidades indígenas e tradicionais, 
como na região de Amador Hernández, em Chiapas, México.” 


Enquanto isso, comunidades em Califórnia continuam 
enfrentando os impactos sobre sua saúde para que empresas 
poluidoras na Califórnia possam continuar poluindo em
 troca da compra de créditos de carbono do projeto do 
México e futuramente do Acre.

Por último, as organizações declaram que “deixamos 
aqui nossa reivindicação pelo atendimento das seguintes
 demandas: reforma agrária, homologação de terras indígenas, 
investimentos em agroecologia e economia solidária, autonomia
 de gestão dos territórios, saúde e educação para todos, 
democratização dos meios de comunicação. Em defesa da 
Amazônia, da vida, da integridade dos povos e de seus
 territórios e contra o REDD e a mercantilização da natureza.
 Estamos em luta.”

Winfridus Overbeek, WRM, correo electrónico: winnie@wrm.org.uy

(1) Mais informações em http://www.mst.org.br/Gerson-Teixeira-
agravamento-da-concentracao-das-terras

(2) Os dados sobre exploração de madeira e incremento do rebanho foram fornecidos pelo Núcleo de Pesquisa Estado Sociedade e Desenvolvimento na Amazônia Ocidental- UFAC (Universidade Federal do Acre)


Fonte: Boletim mensual do Movimento Mundial pelas Florestas (WRM)
Número 172 - Novembre 2011

Editor en jefe: Winfridus Overbeek

Redactora responsable: Raquel Núñez Mutter
Apoyo editorial: Elizabeth Díaz, Flavio Pazos, Teresa Perez

Secretaria Internacional del WRM
Maldonado 1858 - 11200 Montevideo - Uruguay
tel: 598 2413 2989 / fax: 598 2410 0985
wrm@wrm.org.uy - http://www.wrm.org.uy

CARTA DO I SEMINARIO DE FORMAÇÃO “PROJETOS DESENVOLVIMENTISTAS: IMPACTOS NA REGIÃO DO JURUÁ”


Nós Povos Indígenas ao longo do processo de contato com a sociedade temos sido pacíficos, propositivos, inclusivos, e contribuidores determinadamente não só com a diversidade cultural, mas também econômico, social e em especial para  o desenvolvimento humano e na defesa da floresta, da fauna e da flora. 

Como prova desse conjunto de ações estão as iniciativas sobre temas indígenas em diferentes instâncias governamentais e da sociedade em níveis comunitários, municipais, estaduais, nacional e internacional.

Porém, essas ações não tem contribuído ao que se espera para o exercício de nossos valores, princípios e sistemas de cada povo indígena, visto que a pressão da aculturação tem efeito devastador. Somado a isso, os sistemas previdenciários e os interesses políticos vigentes nos conduzem a um abismo sem retorno e, a nossa inclusão à “cidadania” é baseada em "assistencialismos" e dominação.

 Como diversas situações enfrentadas por várias comunidades em diferentes ocasiões, neste caso específico sobre os Projetos Desenvolvimentistas que impactam as comunidades indigenas e não-indigenas do vale Juruá, na continuação destacamos alguns pontos para ilustração do enunciado:

Aos projetos do PAC: Programa de Aceleração do Crescimento

- A ligação da BR 364 entre Cruzeiro do Sul,  Rio Branco e ao resto do país;
- A efetivação da ação de construção da estrada que ligará Cruzeiro do Sul a Pucallpa (Perú);
- Implantação da Fabrica de Compensado, com o uso de manejo da floresta;
- Implantação de assentamentos em tornos das terras indigenas;
- O descumprimento da convenção 169 OIT (Art. 06) como exemplo REDD, Projeto IIRSA (já em processo final), Código Florestal, entre outros programas e projetos que envolvem comunidades e povos indigenas;
- Projetos de prospecção de petróleo envolvendo impactos nas terras indígenas e sem jamais haver qualquer consulta ou esclarecimento às comunidades;

O problema é que as instituições executoras destas ações, além de desrespeitarem nossos direitos, ainda nos discriminam e resulta que não temos nenhuma prioridade nos grandes projetos e programas, embora, temos sido incansáveis em busca de dialogar, orientar, incentivar, planejar, nossas propostas não são acatadas e nossas comunidades ficam cada vez mais desassistidas. 

Outro fator agravante e preocupante é o fato de que os recursos destinados para as ações dos povos e comunidades indigenas vem servindo para atender interesses corporativos inclusive para dividir os povos indígenas com cooptação, manipulação e favorecimentos para determinados “representantes” indígenas. 

Situação essa que chegou ao extremo e nós somos obrigados a buscar alternativas com o propósito de salvar o que nos resta em nossas comunidades e não podemos mais tolerar, tamanhos absurdos, sofrimento, descaso, negligência, desrespeito, abusos de poder, entre outros.

Neste sentido nós, Povos indígenas do Vale do Juruá, região Pluriétnica onde vivem 10 povos, falando distintas línguas entre si, com uma população de aproximadamente 9.540 indígenas, ocupando 16 Terras Indígenas, nem todas demarcadas, e com todos os processos de demarcação paralisados, reunidos na cidade de Cruzeiro do Sul - Acre, de 15 a 17 de Novembro de 2011, para discutir o tema “Projetos Desenvolvimentistas e seus impactos na Região do Juruá”, e na busca de nosso “Bem Viver”, apoiados pelo conselho indigenista missionário (CIMI), declaramos:

1-Que nossas florestas têm se mantido preservadas graças a “Deus” e aos nossos conhecimentos milenares;
2-Como representantes indígenas somos importantes no processo da discussão sobre o acesso à construção dos planos de desenvolvimento da nossa região com propriedade de conhecimento da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais, porque, nossas terras e territórios também contêm a maior parte da diversidade biológica no Estado, e que têm um grande valor social, cultural, espiritual e econômico.
3 - Como povos indígenas tradicionais que habitam diversas Terras Indígenas têm conhecimento sobre o uso sustentável destas nossas riquezas naturais, principalmente da medicina e rituais tradicionais. Estes conhecimentos são coletivos e, não se separam de nossas identidades, leis, instituições, sistemas de valores e da nossa visão cosmológica como povos indígenas.
4 – Por isso mesmo  exigimos do Governo brasileiro e do Estado do Acre que abracem e considerem nossas reivindicações para que nossos povos e comunidades possam participar das discussões de políticas publicas no que diz respeito aos recursos naturais dentro de nossas terras;
5 - Exigimos dos Órgãos dos Governos Municipais, Estadual e Federal Brasileiro e Internacional, o cumprimento dos artigos 231 e 232 da Constituição Feral, da Convenção 169 OIT e da Declaração das Nações Unidas Sobre os Direitos dos Povos Indigenas, que garantam o direito de participação e consulta discutindo amplamente com as comunidades e organizações indígenas representativas.
6-Nós expressamos firmemente aos Órgãos competentes e aos organismos internacionais nosso direito à participação plena nos espaços de decisões nacionais e internacionais sobre o desenvolvimento do nosso país, respeitando o valor da vida dos nossos povos;
7 - Exigimos a criação de um fundo financiador, que tenha como objetivo subsidiar as atividades dos povos indigenas no processo demarcatório de suas terras;
8 - Exigimos que seja garantido recurso para a realização do II Seminário de formação “Sobre Projetos Desenvolvimentistas e seus impactos na Região do Juruá”;
9 - Exigimos a atenção e o respeito para com a “Comissão” criada para o acompanhamento dos processos de discussão e planejamento dos projetos e programas desenvolvimentistas na região do Juruá;
10 - Propomos que se adote um sistema alternativo, um instrumento Nacional de intervenção jurídica para o acompanhamento das comunidades do vale do Juruá impactadas.

Neste encontro estão reunidos membros das comunidades indígenas com fortes tradições, bem como, líderes experientes para formular estas recomendações, exigências e as propostas em anexos com o objetivo de efetivar o Bem Viver entre os povos indígenas e sociedade envolvente. 

Preocupados com os avanços de interesses econômicos nas atividades de desenvolvimento (PAC) entre outros projetos e programas em nossa região e, com o futuro do conhecimento tradicional do nosso povo para os nossos filhos e dos nossos netos, que reafirmamos aos governos competentes que firmemente reconhecemos que somos detentores de direitos e não simplesmente interessados. Por esta razão temos certeza de que as nossas recomendações, exigências e proposições serão acatadas para o Bem Viver dos nossos povos existentes atuais e futuros.

Cruzeiro do Sul – AC, 17 de Novembro de 2011.

Atenciosamente,

Povos indígenas e participantes do I Seminário de Formação, sobre projetos desenvolvimentistas e seus impactos na Região do Juruá.