terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Rio Branco: 1882-2007 (I)

Por Marcos Vinícius
No próximo dia 28 de dezembro a capital acreana completará mais um ano de existência. Eu convidei a Cobra Grande da Gameleira (talvez a única testemunha ainda viva desde a época da fundação da cidade) para conceder uma entrevista à coluna, mas como ela não quis nem conversa conosco, nesta semana e nas duas próximas traremos uma breve história da formação de Rio Branco. É uma singela, porém sincera, maneira de homenagear essa cidade onde vivemos e a quem amamos.
Casa Comercial da Villa Rio Branco, do Sr. N. Maia e Cia. Armazéns dos Srs. Apolinário, Floquel e outros. “Álbum do Rio Acre”, 1906 – 1907, pg. 99. Porto de desembarque da Vila Rio Branco, Flotinha do comerciante Newtel Maia e diversos batelões de negociantes ambulantes. Álbum do Rio Acre” , 1906 – 1907, pg. 108
Os 125 anos de Rio Branco
Rio Branco, não é uma cidade qualquer. Além de ser o mais antigo núcleo urbano de todo o Acre, logo se constituiu como a maior e mais importante cidade da região e foi por isso escolhida como a capital do antigo Território Federal e posteriormente do Estado do Acre. Mas Rio Branco ainda aguarda a elaboração de pesquisas mais aprofundadas sobre sua história e uma melhor compreensão da importância que possui para o conhecimento da própria sociedade acreana.
Nesta breve síntese iremos abordar alguns aspectos da formação da cidade de Rio Branco com ênfase em sua história territorial, no processo de ocupação do espaço e na configuração de uma malha urbana diferenciada do meio florestal circundante. Uma história que pode ser dividida em quatro períodos bem marcados, dos quais vemos hoje o primeiro.
1882 / 1908 – de seringal a cidade (1º Período)
Este primeiro período da história urbana de Rio Branco é marcado por três características centrais. A primeira diz respeito à transformação do seringal Volta da Empreza no povoado denominado Villa Rio Branco.
A segunda característica é que foi exatamente nesta época que Rio Branco alcançou a condição de liderança política e econômica do Acre que lhe valeria posteriormente a condição de capital. Finalmente, a terceira característica fundamental da cidade nascente foi que neste período o povoado da Volta da Empreza – Villa Rio Branco esteve restrito a uma estreita faixa de terras na margem direita do rio Acre (atual 2º Distrito).
O Seringal Volta da Empreza foi fundado na margem direita do rio Acre, em 28 de dezembro1882, pelo cearense Neutel Maia. Mas logo se diferenciou dos outros seringais da região ao se tornar um porto muito freqüentado pelos vapores que transitavam pelo rio durante a época das cheias. Neutel Maia criou então, já em 1884, uma casa comercial denominada “Nemaia e Cia.” para atender aos vapores, seringais do rio Acre e realizar a intermediação do gado importado da Bolívia para o abastecimento da região.
Espontaneamente, portanto, a Volta da Empreza deixou de ser um seringal como todos os outros do Acre para se tornar um povoado, o que equivale dizer que muito cedo a Volta da Empreza deixou de ser um espaço privado (de domínio exclusivo do seringalista) para se tornar um espaço público onde outros comerciantes ou indivíduos podiam livremente atuar ou se fixar.
Por isso, além de se tornar a principal referencia comercial do médio rio Acre, o povoado da Volta da Empreza foi o principal palco de diversos movimentos da guerra entre acreanos e bolivianos que abalou a região no final do século XIX e princípio do XX. Tornou-se assim a sede do Acre Setentrional durante a ocupação militar de 1903 e, logo após a anexação das terras acreanas através do Tratado de Petrópolis, foi alçada a condição de sede do Departamento do Alto Acre no regime territorial recém implantado. Passou então a ter o nome de Villa Rio Branco (1904), em homenagem ao diplomata articulador dos Tratados de limites que tornaram o Acre parte do Brasil.
Temos, portanto, neste período de 1882 a 1908 pelo menos três fases distintas na história da cidade, a saber: 1ª Fase - 1882 / 1898 – durante a qual o seringal se torna um povoado e se consolida comercialmente na região; 2ª Fase – 1899 / 1903 – na qual os diversos acontecimentos da Revolução Acreana levam a Volta da Empreza a se tornar o centro do poder político no vale do rio Acre; 3ª Fase 1904 / 1908 – quando a agora denominada Villa Rio Branco consolida sua liderança política e econômica tornando-se a sede do Departamento do Alto Acre.
Em relação à configuração espacial de Rio Branco, durante todo este período a área urbana da cidade se restringiu a uma estreita faixa de terras na margem direita do rio Acre, que correspondia a uma parte da área pertencente à Neutel Maia.
Inicialmente foi a Casa Nemaia e Cia., situada diante da enorme gameleira que assinalava o porto da Volta da Empreza, que serviu como referencia para a construção de uma série de outros prédios seguindo o traçado da margem do rio. Formou-se assim um primeiro arruamento onde se estabeleceram hotéis, restaurantes, casas comerciais e residenciais construídos com a madeira que era abundante nos arredores desta primeira rua do povoado (atualmente chamada de Rua Eduardo Assmar).
Com a extensão e adensamento desta primeira rua organizaram-se três áreas distintas que se constituíram como os primeiros bairros do povoado. Uma pequena área residencial de trabalhadores que ocupava as terras da volta do rio Acre, acima da Gameleira, e que era denominada Canudos (área da atual Cidade Nova).
O centro do povoado da Volta da Empreza propriamente dito que era constituído pela rua ao longo da margem do rio no trecho entre a Gameleira e o local onde hoje está a cabeceira da Ponte Metálica. E, finalmente, formou-se outro pequeno bairro de trabalhadores que recebeu o sintomático nome de rua África por abrigar os negros habitantes da cidade. Este ultimo bairro era a extensão da única rua da cidade na direção do igarapé da judia e era formado quase que exclusivamente por precárias casas de palha.
Ainda surgiria um quarto “bairro” (para empregar um termo de época) no povoado da Volta da Empreza – Villa Rio Branco. Isto se deu durante a ocupação militar de 1903 quando, diante da necessidade de aquartelar tropas nesta área, o General Olimpio da Silveira decidiu faze-lo distante do centro do povoado escolhendo para tanto um local periférica, rio acima, e ali acampou o 15º Batalhão de Infantaria do Exército.
A presença dos militares atraiu pequenos comerciantes que constituíram um novo arruamento, também ao longo da margem do rio, para atender as necessidades dos soldados e deram origem ao bairro Quinze, numa referência ao numero do Batalhão ali estacionado, cuja denominação permanece até hoje.
Ou seja, ao longo deste primeiro período de formação da área urbana de Rio Branco, podemos identificar não só sua consolidação como espaço diferenciado em relação aos seringais da região como também a configuração de um primeiro ordenamento espacial que refletia a organização da própria sociedade com bairros diferenciados para os trabalhadores ou para os “negros” da cidade.

HISTÓRIA DO ACRE - Resumo de Livro

BARBOSA, Adalva. A História do Acre e suas origens. (5º série). Brasília, 1991.



- Foi fruto do planejamento anual no Colégio Acreano durante os anos de 1983-1989.
“Os jovens filhos da terra desconhecem suas origens” p. 13.
“De 1870 a 1912 marca o início da conquista efetiva da região norte para o Acre” p.13.
“Neste volume apresento os principais fatos históricos ocorridos desde o início do século XIX até os dias atuais, no Estado do Acre” p. 19.
“Conheça melhor a sua história” p. 19.
· APUD, p. 21. “Teu passado reluz na floresta inteira/no ronco soluçante das cascatas/E os heróis que por ti ergueram lanças/são as estrelas de sangue da bandeira”. “Uma encarnada flâmula de guerra/o fizeste em dessa de um direito/Onde brilhou um Plácido de Castro/E cada herói caído sobre a terra/Tinha a pátria a cantar dentro do peito” (Venceslau Costa. ODE AO ACRE)
“O Acre possui uma história das mais importantes que se insere na história do Brasil. É uma história contada por HERÓIS e HEROÍSMO até os dias de hoje. Foi traçada por bravos rústicos e nordestinos e seus descendentes, levados pela inspiração patriótica, pela necessidade de sobrevivência e pelo anseio de manterem para si o território conquistado com suor e sangue” p. 31.
“A formação do Acre originou-se através da formação dos seringais. Com a formação dos seringais, surgiu a necessidade de legitimação de posse” p. 47.
· No capítulo As Insurreições no Acre, afirma que a primeira foi a realizada por PARAVICINE, em 1899 (cf.: p.56).
“(os brasileiros) envolvidos por um interesse patriótico-mercante resolveram mover uma ação contra o governo de La Paz” p. 58.
“Não pode realizar totalmente seu principal objetivo que era arrancar dos bolivianos o poder de Puerto Alonso. Sua missão foi entregue a Luiz Galvez” p. 58.
- O que podemos perceber era que as insurreições não surgiam no Acre, eram trazidas de Manaus pelos líderes contratados.
- Após a vitória, “Plácido de Castro demonstra cavalheirismo e generosidade, garantindo tratamento merecidamente honroso aos vencidos” p. 71.
“Plácido de Castro lutou e venceu a Revolução Acreana” p. 75.
- Sobre o HINO: “Poeta, ele interpretou a natureza, o drama, o estado d’alma, a vitória, a vontade de ser brasileiro” p. 77.
“O Acre surgiu em função da economia extrativo-gomífera [...] O Acre situava-se em 2° lugar na exportação geral da República [...] A borracha não trouxe riquezas para o Acre, ele era o maior produtor de borracha e nada recebeu em troca” p.95.
“O homem só era visto como mão-de-obra ativa, força de trabalho, instrumento de fabricar borracha. O objetivo era extrair e vender ao máximo, buscando aumentar os lucros, não importando se tal intento representasse a morte lenta do seringueiro e de sua aliada: a árvore do látex” p.99.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

DE CERTEAU. Michel. A escrita da História. Tradução Maria de Lourdes Menezes. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.

A cena inaugural: “... o conquistador irá escrever o corpo do outro e nele traçar a sua própria história... é uma colonização do corpo pelo discurso do poder” p. 9. A descoberta da América vai representar um funcionamento novo da escrita ocidental. “Utilizará o Novo Mundo como uma página em branco para nela escrever o querer ocidental” p. 9-10. “A escrita da história é o estudo da escrita como prática histórica” p. 10. “... preferível tornar visível o lugar presente onde esta interrogação tomou forma...” p. 10; “A historiografia traz inscrito no próprio nome o paradoxo do relacionamento de dois termos antinômicos: o real e o discurso” p. 11. “Da relação que o discurso mantém com o real, do qual trata, nasceu este livro” p. 11. “O outro é o fantasma da historiografia. O objeto que ela busca, que ela hora e que ela sepulta” p. 14. A historiografia pretende esconder a alteridade do estranho. “A historiografia moderna ocidental começa efetivamente com a diferenciação entre o presente e o passado” p. 14. A violência do corpo não alcança a página da escrita senão através da ausência. “O corpo é um código à espera de ser decifrado” p. 15. “Inicialmente a historiografia separa seu presente de um passado... assim sendo, sua cronologia se compõe de períodos entre os quais se indica sempre a decisão de ser outro ou de não ser mais o que havia sito até então” p. 15. “Por sua vez, cada tempo novo deu lugar a um discurso que considera morto àquilo que o precedeu, recebendo um passado já marcado pelas rupturas anteriores... o corte é o postulado da interpretação (que se constrói a partir de um presente) e seu objeto (as divisões organizam as representações a serem reinterpretadas)” p. 15 “No passado, do qual se distingue, ele faz uma triagem entre o que pode ser compreendido e o que deve ser esquecido para obter a representação de uma inteligibilidade presente. Porém, aquilo que esta nova compreensão do passado considera como não pertinente – dejeto criado pela seleção dos materiais permanece negligenciado por uma explicação – apesar de tudo retorna nas franjas do discurso ou nas suas falhas... são lapsos na sintaxe construída pela lei de um lugar. Representa aí o retorno de um recalcado, quer dizer, daquilo que num momento dado se tornou impensável para que uma identidade nova se tornasse pensável” p.16. ]”A história é o privilégio que é necessário recordar para não esquecer-se a si próprio. Ela situa o povo no centro dele mesmo” p. 16. “... escrever é construir uma frase percorrendo um lugar supostamente em branco, a página” p. 17. “O fazer história se apóia num poder político...” p. 18. O passado é um lugar de interesse e de prazer. “O passado é uma ficção do presente” p. 21. “O real que se inscreve no discurso historiográfico provém das determinações de um lugar” p. 21. Dependência com relação a um poder estabelecido e domínio das técnicas caracterizam o local da escrita. “Tampouco se poderia supor, como ela às vezes leva a crer, que um começo, anterior no tempo, explicaria o presente: aliás, cada historiador situa o corte inaugural lá onde pára usa investigação, quer dizer, nas fronteiras fixadas pela sua especialidade... A atualidade é o seu começo real” p. 22. “... escrever é encontrar a morte que habita este lugar, manifestá-la por uma representação das relações do presente com seu outro e combatê-la através do trabalho de dominar intelectualmente a articulação de um querer particular com forças atuais” p. 22. A realidade deve ser apreendida enquanto atividade humana, enquanto prática. O texto reflete um lugar. Há uma relação entre o logos e a arché. O começo é o seu outro. Marx: um discurso sobre o capital. Arqueologia: o retorno de um reprimido, a voz da qual a modernidade fez ausente. PRIMEIRA PARTE: AS PRODUÇÕES DO LUGAR CAP. 1 – FAZER HISTÓRIA (p. 31) Localizar a escrita: a) período; b) objeto; c) lugar. “... lugar de onde fala, efetivamente prende-se ao assunto de que se vai tratar e a ponto de vista através do qual me proponho examiná-lo” p. 32. O discurso não está flutuando na história. O real só ganha sentido no discurso. “... entendo como história esta prática (uma disciplina), o seu resultado (o discurso) ou a relação de ambos a forma de uma produção” p. 32. “... atendo-se ao discurso e à sua fabricação, se apreenda melhor a natureza das relações que ele mantém com o seu outro, o real” p. 33. “Sem dúvida a história é o nosso mito. Ela combina o pensável e a origem, de acordo com o modo através do qual uma sociedade se compreende” p. 33. “Mesmo remontando incessantemente às fontes mais primitivas, perscrutando nos sistema s históricos e lingüísticos a experiência que escondem ao se desenvolver, o historiador nunca alcança a sua origem, mas apenas os estágios sucessivos da sua perda” p. 34. “... uma leitura do passado, por mais controlada que seja pela análise dos documentos, é sempre dirigida por uma leitura do presente” p. 34. Sentido místico: ressurgimento do imemorial. Uma essência difratada. Descobrir a essência por trás da aparência. Como se a história tivesse um fundo pontual de onde tudo partiu. Será que um determinado passado freqüenta o nosso presente? O olhar sociológico transformou as próprias crenças em fatos objetivos. Que uso uma determinada sociedade fazia deste saber? A procura da origem provoca um recuo sem fim até transformar tudo em poeira de fragmentos. A biografia confere ao sujeito uma unidade ideológica. Supõe que um homem corresponda a um pensamento bem definido. Os sistemas de interpretações dizem que o legível está no interior do texto. “A vontade de definir ideologicamente a história é particularidade de uma elite social. Ela se fundamente numa divisão entre as idéias e o trabalho” p. 40. “... o termo ideologia não mais convém para designa a forma sob a qual a significação ressurgiu na ótica ou no olhar do historiador” p. 41. “... o sentido não pode ser apreendido sob a forma de um conhecimento particular que seria extraído do sob a forma de um conhecimento particular que seria extraído do real ou que lhe seria acrescentado, é porque todo fato histórico resulta de uma práxis, porque ela já é o signo de um ato e, portanto, a afirmação de um sentido” p. 41. Não pretendemos buscar o sentido sob a “... aparência de uma ideologia...” p. 41. Os atos historiográficos organizam a historiografia em função de uma ótica particular que fundão sentidos. (atos históricos fundadores/instauradores de sentido). “... o discurso, hoje, não pode ser desligado de sua produção, tampouco o pode ser a práxis política, econômica ou religiosa...” p. 41. “Os preconceitos da história ou dos historiadores desaparecem quando se modificam as situações a que se referem... Em função de outra situação, desde então nos é possível examinar como preconceitos, ou simplesmente como os dados de um tempo, o modo de compreensão de nossos predecessores, de revelar suas relações com outros elementos da mesma época...” p. 44. “De um lado o real é o resultado da análise e, de outro, é o seu postulado” p. 45. O presente é o lugar da prática historiográfica. O historiador não tem o poder de ressuscitar o passado. Quer restaurar um esquecimento. A história “... é habitada pela estranheza que procura, e impõe às regiões longínquas que conquista, acreditando dar-lhes a vida” p. 47. O corte é para a história a construção de um limite original. A história cria forte consciência de comunidade A loucura foi excluída pela história. “Mais um passo e a história será encarada como um texto que organiza unidades de sentido e nelas será transformações cujas regras são de determináveis” p. 51. Não podemos tomar o discurso fora do gesto que o produziu. “... existe em cada história um processo de significação que visa sempre preencher o sentido da história: o historiador é aquele que reúne menos os fatos do que os significantes. Ele parece contar os fatos, enquanto efetivamente, enuncia sentidos que, aliás, remetem o notado a uma concepção do notável” p. 52. Barthes: o efeito do real consiste em esconder sob a ficção de um realismo uma maneira, necessariamente interna à linguagem, de propor sentido”. p. 52. “A atividade que produz sentido e que instaura uma inteligibilidade do passado é, também, o sintoma de uma atividade sofrida, o resultado de acontecimento e de estruturações que ela transforma em objetos pensáveis, a representação de uma gênese organizadora que lhe escapa” p. 54. O objeto tem duplo estatuto: a) é efeito do real no texto; b) o não-dito fecha o discurso. “A história tornou-se nosso mito...” p. 55. “A história supõe a ruptura que transforma uma tradição em um objeto passado... Mas essa relação com a origem, próxima ou longínqua, da qual uma sociedade se separa sem poder elimina-la é a analisada pelo historiador, que faz dela o lugar da sua ciência” p. 56. “O discurso sobre o passado tem como estatuto ser o discurso do morto... o seu sentido é o de ser uma linguagem entre o narrador e os seus leitores, quer dizer, entre presentes... O morto é a figura objetiva de uma troca entre vivos...” p. 56. “... a história se torna o mito da linguagem. Ela torna manifesta a condição do discurso: uma morte. Nasce, com efeito, da ruptura que constitui um passado distinto de seu empreendimento presente. Seu trabalho consiste em criar ausentes, em fazer, de signos dispersos na superfície de uma atualidade, vestígios de realidades históricas ausentes porque outras” p. 57. “Mas o ausente é também a forma presente da origem. Existe mito porque, através da história, a linguagem se confrontou com a sua origem... o movimento que remete esse período ao seu aquém mais primitivo, e volta, indefinidamente, até um começo imaginário, um umbral fictício, mas necessário para que se possa retornar ao longo dos tempos e classificá-los, etc” p. 57. “A origem é interna ao discurso. Ela é precisamente aquilo de que ele não pode fazer um objeto enunciado. Esse discurso se define enquanto dizer, como articulado com aquilo que aconteceu além dele; tem como particularidade um início que supõe um objeto perdido” p. 57. “O discurso histórico não é senão uma cédula a mais numa moeda que se desvaloriza. Afinal de contas não é mais do que papel” p. 58. CAP. II – A OPERAÇÃO HISTORIOGRÁFICA (p. 65) “Toda pesquisa historiográfica se articula co um lugar de produção sócio-econômico, político e cultural” p. 66. A história não reconstitui a verdade do ocorrido no passado. Vivemos no tempo da desconfiança em que “Mostrou-se que toda interpretação histórica depende de um sistema de referência; que este sistema permanece uma filosofia implícita particular; que se infiltrando no trabalho de análise, organizando-o à sua revelia, remete à subjetividade do autor” p. 67. A história é poeiras de percepções. “É, pois, impossível analisar o discurso histórico independentemente da instituição em função do qual ele se organiza silenciosamente...” p. 71. “Da reunião dos documentos à redação do livro, a prática histórica é inteiramente relativa à estrutura da sociedade” p. 74. “Uma mudança da sociedade permite ao historiador um afastamento com relação aquilo que se torna, globalmente, um passado” p. 75. “Antes de saber o que a história diz de uma sociedade, é necessário saber como funciona dentro dela” p. 76. Dupla função do lugar: permite certas pesquisas e põe dificuldades em outras. “Sem dúvida, esta combinação entre permissão e interdição é o ponto cego da pesquisa histórica... a história se define inteira por uma relação da linguagem com o corpo (social) e, portanto, também pela sua relação com os limites que o corpo impõe, seja à maneira do lugar particular de onde se fala, seja à maneira do objeto outro (passado, morto) do qual se fala” p. 77. “A articulação da história com um lugar é a condição de uma análise da sociedade” p. 77. “... cada sociedade se pensa historicamente com os instrumentos que lhe são próprios” p. 78. “A psicanálise revela no discurso a articulação de um desejo constituído diferentemente do que o diz a consciência” p. 78. O historiador trabalha em cima de uma material para transformá-lo em história. Empreende uma manipulação que obedece a regras. “Quando o historiador supõe que um passado já dado se desvenda no seu texto, ele se alinha com o comportamento do consumidor. Recebe, passivamente, os objetos distribuídos pelos produtores” p. 80. “Em história, tudo começa com o gesto de separar, de reunir, de transformar em documentos certos objetos distribuídos de outra maneira. Esta nova distribuição cultural é o primeiro trabalho” p. 81. “Não existe relato histórico no qual não esteja explicitada a relação com um corpo social e com uma instituição de saber” p. 94. “A primeira imposição do discurso consiste em prescrever como início aquilo que na realidade é um ponto de chegada, ou mesmo um ponto de fuga da pesquisa” p. 94. “... a escrita histórica – ou historiadora – permanece controlada pelas práticas da quais resulta; bem mais do que isto, ela própria é uma prática social que oferece ao ser leitor um lugar bem determinado...” p. 95. A cronologia indica um segundo aspecto do serviço que o tempo presta à história. “Ela é a condição de possibilidade do recorte em períodos” p. 97. “... o acontecimento é aquele que recorta, para que haja inteligibilidade; o fato histórico é aquele que preenche para que haja enunciados de sentido. O primeiro condiciona a organização do discurso; o segundo fornece os significantes, destinados a formar, de maneira narrativa, uma série de elementos significativos. Em suma, o primeiro articula, e o segundo soletra” p. 103. “O acontecimento é o meio pelo qual se passa da desordem à ordem... é o postulado e o ponto de partida... permite ordenar o desconhecido num compartimento vazio...” p. 103. EROSÃO DAS UNIDADES. “... o nacionalismo cresce com a consciência infeliz de uma nação ameaçada” p. 106. “A escrita não fala do passado senão para enterrá-lo. Ela é um túmulo no duplo sentido de que, através do mesmo texto, ela honra e elimina” p. 108. SEGUNDA PARTE: A Produção do tempo – uma arqueologia religiosa (p. 121) INTRODUÇÃO: Questões de Método (p. 123). “Encara-se a possibilidade de que uma mesma sociedade apresente uma pluralidade de desenvolvimentos heterogêneos, mas combinados” p. 126. CAP.III – A INVENÇÃO DO PENSÁVEL (p. 131). CAP. IV – A FORMALIDADE DAS PRÁTICAS (p. 152) Ambos os capítulos falam sobre a revolução religiosa que foi a reforma e seu impacto na escrita da história. A cultura se elabora lá onde se constrói o poder de fazer a história. TERCEIRA PARTE: OS SISTEMAS DE SENTIDO: O ESCRITO E O ORAL (p. 209). “Atravessar a história e a etnologia com algumas questões, eis aí todo o meu propósito” p. 212. CAP. VI – A LINGUAGEM ALTERADA (p. 243). CAP. VII – UMA VARIANTE: a edificação hagiográfica (p. 266). “Na extremidade da historiografia, como sua tentação e sua traição, existe um outro discurso... Os fatos são antes de tudo significantes a serviço de uma verdade que constrói a sua organização ‘edificando’ sua manifestação” p. 266. A ORIGEM SEMPRE È NOBRE PARA UM POVO QUE TEM A AMBIÇÃO DE TRAÇAR UM DESTRUIR PROMISSOR. “... para indicar no herói a fonte divina de sua ação e da heroicidade de suas virtudes, a vida de santo, freqüentemente, lhe dá uma origem nobre” p. 272. “... a hagiografia postula que tudo é dado na origem com uma vocação, com uma eleição ou como nas vidas da Antiguidade, com um ethos inicial. A história é, então, a epifania[1] progressiva deste dado, como se ela fosse também a história das relações entre o princípio gerador do texto e suas manifestações de superfície” p. 273. A respeito da hagiografia, essencialmente teofânico: “... as descontinuidades do tempo são esmagadas pela permanência daquilo que é o início, o fim e o fundamento” p. 276. “... a vida de santo se submete a um outro tempo do que a do herói: o tempo ritual da festa. O hoje litúrgico o remete a um passado que está por contar”. p. 276. “A vida de santo é uma composição de lugares. Primitivamente ela nasce num lugar fundador (túmulo de mártir, peregrinação, mosteiro, congregação, etc.) transformado em lugar litúrgico e não cessa de reconduzir para ele como para aquilo que é finalmente a prova. O percurso visa o retorno a esse ponto de partida” p. 277. “Mas o sentido é um lugar que não é um lugar. Remete os leitores a um além que não é nem um alhures, nem o próprio lugar onde a vida do santo organiza a edificação de uma comunidade. Freqüentemente se produz aí um trabalho de simbolização” p. 278 CAP. VIII – O QUE FREUD FEZ DA HISTÓRIA (p. 281) “O que nós chamamos inicialmente história não é senão um relato” p. 281. A história cria ausências. Tomamos como realidade histórica ou evidência aquilo que é tão somente uma coerência do discurso historiográfico. Ocultar – parece ser a principal função da história. Esconde os conflitos e faz que a história apareça perfeita. A história apaga os sintomas do discurso que a fez nascer. CAP. IX – A FICÇÃO DA HISTÓRIA (p. 301) Fantasias: produções do imaginário. “É necessário morrer de corpo para que nasça a escrita. Esta é a moral da história. Ela não se prova senão graças ao sistema de um saber. Ela se conta” p. 314. [1] Começo.