quinta-feira, 26 de maio de 2016

BASTOS, Abguar. História da política revolucionária do Brasil: 1900-1922. Rio de janeiro: Conquista, 1969. (Sobre o Acre)

BASTOS, Abguar. História da política revolucionária do Brasil: 1900-1922. Rio de janeiro: Conquista, 1969.          

“desde que se dissera que uma separação geodésica haveria de ser feita a nordeste do continente, através de uma linha que iria do Madeira ao Javari, começara toda uma angustiosa expectativa entre o que seria economicamente brasileiro e politicamente boliviano” p. 62
 Puerto Alonso, na parte setentrional do antigo território das colônias, no baixo Acre. P. 62
“Adiante, no rumo da foz, estava Antimari, chamado, depois, Floriano Peixoto, posto mais avançado do Estado do Amazonas, em relação ao Território. Na Boca do Acre, as autoridades amazonenses cobravam tributos da carga que descia pelo rio Acre... o Brasil havia reconhecido como incontestáveis os direitos bolivianos no rio Acre, acima do Antimari” p. 62
Os agentes do governo amazonense sediados na região receberam com verdadeiro estupor a notícia de que estavam alijados dos locais, onde, antes, sob a proteção da bandeira brasileira, exerciam domínio, como se fosse um prolongamento do território amazonense” p. 62

Era natural que as primeiras reações dos brasileiros fossem de rebeldia. P. 63.
[Os bolivianos] passaram a usufruir para o seu país as rendas aduaneiras antes recolhidas pelo Estado do Amazonas p. 63

“os brasileiros aí exilados consideravam-no parte integrante do Estado do Amazonas” p. 63.
“O governador do Amazonas, José Cardoso Ramalho Junior, não via com bons olhos a queda da receita do Estado, pelo estancamento das cobranças fiscais antes destinadas ao tesouro amazonense. Na época o Acre exportava duas mil toneladas de borracha” p. 63

Transformação do acre boliviano em acre brasileiro p. 64
“A revolução da borracha passou por três etapas bem definidas: a deposição das autoridades bolivianas, por José Carvalho; a proclamação da República do  Acre, por Luis Galvez, e a retomada da ação com a vitória de Plácido de Castro sobre as tropas bolivianas” p. 64
“Não era fácil aos amazonenses aceitarem, como fato consumado, a integração do Acre à nacionalidade boliviana” p. 64.
“Em oposição às cautelas da diplomacia, o governador Ramalho Junior agia em desconexão com o pensamento do governo federal, de onde surgiram rumores de intervenção no Estado, efeitos em seguida, após longo relatório, minucioso e ao mesmo tempo energético, do governador ao presidente [...] A imprensa do Rio, ainda que não enfaticamente, fazia côro com o noticiário passional que vinha do Amazonas” 64

OBS: o discurso patriótico foi uma justificativa para a revolução armada.
“Ao se iniciarem no Estado do Amazonas e no sul do país os ataques e as replicas verbais e escritas, entre azedas e patrióticas, estava criado o clima ideal aos que poderiam aventurar-se em manifestações armadas contra a ocupação boliviana” p. 64
“Começaram os atos sediciosos ao longo do rio disputado, José Carvalho, mancomunado com o juiz José Martins Souza Brasil, instalaram em Bom Destino um Quartel General e o juiz escreveu ao delegado boliviano, D. Santivanez, denunciando a trama. Visava o juiz, de acordo com os conspiradores, a alarmar os bolivianos, de modo a obrigá-los a medidas preventivas que justificassem a insurreição. Santivanez não mordeu a isca, tão convencido estava dos direitos de seu país e das garantias do governo brasileiro” p. 54-65.
Sobre o estado independente:
“os autênticos desbravadores julgavam-se com direitos próprios sobre o destino politico e administrativo do território” p. 66
“O novo estado se apoiava numa junta revolucionária de 41 membros” p. 66
Primeira comemoração cívica:
“O evento foi festejado com champanha Veuve  Cliequot, cerveja Guiness, vermute, genebra, vinho-do-porto,quina, cachaça e charutoss Dannemann e Villar, tudo precavidamente respaldado com pílulas  Elpídio” p. 66

“ocupação paulatina [...] de vastos territórios inóspitos e, até então, não só desertos como desconhecidos” p. 

domingo, 22 de maio de 2016

O passado acriano e a esquizofrenia coletiva. CONCLUSÃO do livro "O Discurso fundador do Acre(ano)"


CONCLUSÃO

“O que nos importa é observar esse movimento entre o real da descoberta (sem-sentido), a fantasia (imaginação), e a ideologia (imaginário), produzindo a realidade dessa história que se está fazendo. E que produz o efeito de que a ideologia sempre está fora da história (oficial). Por seu lado, essa história aproveita, do discurso fundador, o fato de que nele há ainda uma indistinção entre imaginação, imaginário e realidade”.
 (ORLANDI, 1993, p. 18, grifo nosso).

O Acre é, acima de tudo, a consagração do homem branco de nacionalidade brasileira em uma região milenarmente marcada pela presença indígena. No entanto, o apoderamento físico desse território foi precedido pelo assenhoreamento simbólico dele, uma vez que, antes mesmo da colonização, os migrantes já imaginavam aquele “fim do mundo” (JACKSON, 2011), como uma “terra de ninguém”, uma espécie de “deserto ocidental” (COSTA, 2005).
A nosogenia acriana foi inaugurada pelo apelo econômico do capital internacional em favor da produção da borracha e pela violência imagética da negação da humanidade indígena. O sangrento genocídio, o dramático culturicídio e tantas outras patologias sociais protagonizados pelos “heróis patriotas” (Cf. CARNEIRO, 2015a), base da árvore genealógica do povo acriano, foram invisibilizados pela historiografia oficial. Infelizmente o excesso de “acrEanismo” provocado por políticas simbólicas de governos com tendência ao autoritarismo populista tem afetado a sanidade mental coletiva local. Até hoje parte dos acrianos sofrem com surtos de megalomania e com delírios de grandeza, pois insistem em viver sob a égide de um passado fantasiosamente glorioso.  
Eu tive que aproximar as minhas reflexões da linguística e utilizar o conceito de discurso fundador para entender como um período tão violento e tão corrupto conseguiu transmutar-se em uma espécie de Idade de Ouro da acrianidade. Por conta disso, esse livro se preocupou mais em historicizar a emergência da verossimilhança do que em descrever os fatos propriamente ditos. A verossimilhança é a imagem através da qual as “vozes constituintes do discurso fundador” pintaram a cena inaugural do Acre(ano). É a representação ideal dos acontecimentos, de como deveriam ser imortalizados no imaginário social para posterior recordação.
Em resumo podemos dizer que o discurso fundador do Acre tem as seguintes características: a) estabelece um marco inaugural glorioso para o Acre(ano) – a “Revolução Acriana”; b) sugere o culto ao passado por meio do eterno retorno às origens; c) instaura o idealismo patriótico como motivação constituinte da “Revolução Acriana”;         d) consagra qualidades heroicas para a primeira geração de acrianos;      e) inventa uma comunhão em torno da “Revolução”.
Até hoje o período relativo à formação histórica do Acre(ano) é tratado como uma espécie de Idade de Ouro, em que os paradigmas e os arquétipos da identidade acriana se encontram em seu estado puro. É como se a ideia triunfalista da origem fosse fiadora do otimismo presente e futuro. Esse atavismo acriano precisa ser desintoxicado, pois a ideia de gênese defendida está “envenenada” com “acrEanocentrismo”. No decorrer dessas linhas mostramos que a apoteose da genealogia Acre(ana) foi o resultado de um processo de significação, qual seja, o do “embelezamento” dos fatos. A nossa missão foi justamente denunciar o caráter artificial desses sentidos enobrecedores, revelando o jogo de interesse que estava por trás deles.
O fato de o caráter “glorioso” da origem ser retratado nos documentos e textos jornalísticos da época, não garante o caráter célebre da genealogia do Acre(ano). Isso porque o discurso enobrecedor é explicado pelas condições históricas e linguísticas que permitiram a emergência dele. Consequentemente, a representação beatificada do Acre(ano) tem uma história e está eivada de “violência simbólica” e de relações de poder. A manutenção dela é puramente convencional. O gentílico “acrEano”, por exemplo, foi inventado com o propósito de causar certa união entre os “brasileiros do Acre” em torno da causa latifundiária dos seringalistas e da demanda fiscal do governo do Amazonas.
Essa disposição à heroificação do passado demonstra o conservadorismo das elites acrianas, afinal, a evocação ao heroísmo se torna uma necessidade social quando se trata de uma sociedade constituída de covardes (Cf. MICELI, 1994), e “quanto mais fracos os homens numa sociedade, tanto mais eles precisam de super-heróis. E tanto mais super-heróis eles recebem para se manterem fracos” (KOTHE, 1985, p. 72). E tudo isso não deve servir de espanto, pois a retórica da identidade é sempre mais proferida naqueles povos em que a união é mais frágil.
O debate sobre o discurso fundador do Acre(ano) está apenas começando. Há um longo caminho a ser percorrido para que essa categoria de análise seja consolidada nos estudos historiográfico e linguístico regionais. Toda a pesquisa que resultou nesse livro visou encontrar, nas “origens” do Acre(ano) fincadas pela historiografia oficial, a formação do acriano enquanto subjetividade, e a do Acre enquanto território brasileiro. No entanto, tais origens não foram encontradas, no lugar delas o que se achou foi uma rede interminável de discursos.

O passado inaugural glorioso, a identidade bem-aventurada e a anexação territorial epopeica, tudo, não passam de discursos. E se esses discursos circulam até hoje com o status de verdade, é porque existe uma política institucional para preservá-los como tal. Por isso, a história do Acre, da forma como vem sendo escrita e ensinada, mais deseduca do que educa. Ela não tem compromisso com o desenvolvimento do juízo crítico do cidadão acriano, pelo contrário, a missão dela é produzir ufanismo, alienação e pacificação social. Toda a glória desse passado imemorial pode ser resumida nisto: discursos, uma rede interminável de discursos.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

O discurso fundador do Acre(ano) - lançamento de livro, nesta sexta, dia 6, às 18h, na biblioteca da ufac



O Prof. Dr. Eduardo Carneiro, do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFAC, lançará o seu quarto livro sobre História do Acre no dia 6 de maio (sexta), às 18h, no hall da Biblioteca Central da UFAC (Rio Branco).

O Discurso Fundador do Acre(ano): História & Linguística é um estudo da emergência do discurso que significou a região banhada pelos afluentes dos rios Purus e Juruá como Acre e que inventou os migrantes brasileiros dedicados à exploração da borracha como acrianos. O autor trata o discurso fundador como a paisagem enunciativa responsável pela imaginação apoteótica da origem do Acre(ano). Através desse conceito, “é possível observar como o poder simbólico da linguagem foi empregado para ‘embelezar’ os fatos históricos ligados à violência, à corrupção e ao culturicídio” afirma Carneiro.

O livro tem cento e quarenta páginas e está dividido em três capítulos: 1) Sobre o discurso fundador, em que o autor evidencia a fundamentação teórica adotada; 2) O discurso fundador do Acre, em que é mostrado como o território foi imaginado como Acre a partir da interdição de outros sentidos reivindicados pelos nativos, bolivianos, peruanos e amazonenses; 3) O discurso fundador do Acriano, em que estuda a emergência discursiva dos dois principais traços da identidade acriana: o heroísmo e o patriotismo. O texto contou com a revisão da Profa. Dra. Paula Tatiana do Centro de Educação, Letras e Artes da UFAC.

“Houve um tempo em que os signos Acre e acreano não existiam. Eles não figuravam como opção vocabular na comunicação linguageira. Como surgiram? Como ganharam forma gráfica e semântica a partir do “sem-sentido”, “jamais-dito” e do “nunca-pensado”? Somente a história iluminada pela linguística, ou vice e versa, poderia lançar alguma luz sobre tais questões. E foi exatamente isso que tentamos fazer, por isso o subtítulo do livro” explica o escritor.


Sobre a capa do livro o autor, que também foi o editor e design gráfico do livro, diz que
“a imagem do afresco A Criação de Adão (1508-10) de Michelangelo Buonarotti (1475-1564), utilizada na capa deste livro, representa o episódio da criação do primeiro homem pelo Deus judaico-cristão, descrito no livro de Gênesis, o primeiro da bíblia. Inserimos a bandeira do Acre entre o dedo de Deus e o dedo de Adão como forma de ironizar a história oficial, que supõe a formação do Acre(ano) como um resultado da ação de heróis”.

Encerra dizendo que: “a formação do Acre não foi uma dádiva dos deuses. Ele não surgiu das mãos do Criador, portanto, a sua origem não deve ser entendida como um espetáculo do Gênesis”.


Eduardo de Araújo Carneiro é acadêmico do curso de Francês (UFAC), é licenciado em História (UFAC) e bacharel em Economia (UFAC). Tem mestrado em Linguagem e Identidade (UFAC) e doutorado em História Social (USP). Atualmente é doutorando em Estudos Linguísticos (UNESP).


OBRAS DO AUTOR:

A Formação da Sociedade Econômica do Acre: “sangue” e “lodo” no surto da borracha (1876-1914).

Amazônia, Limites & Fronteiras (Brasil, Bolívia e Peru): uma história revisada da nacionalização do Acre.

A epopeia do Acre e a manipulação da história no Movimento Autonomista & no Governo da Frente Popular.