segunda-feira, 21 de abril de 2008

CARVALHO, José. A primeira insurreição acreana. Rio Branco: Fundação Elias Mansour, 2002. 36 p

Este livro foi editado pela primeira vez no Pará em 1904, pela Typ. de Gillet e Comp. Foi reproduzido em 1978, durante o governo de Geraldo Gurgel de Mesquita, em comemoração ao centenário da colonização do Acre. A presente publicação reproduz a edição de 1978, desta vez, comemorando os cem anos do início da Revolução Acreana.
NOTA DA EDIÇÃO DE 2002 “...Aqui, no entanto, cabe um esclarecimento. Aceitamos, por tradição, que seja denominado por Revolução Acreana aquela fase da luta liderada por Plácido de Castro, com ações de guerra iniciadas em 6 de agosto de 1902 na tomada de Xapurí e encerradas em 24 de janeiro de 1903 com a rendição do exército boliviano em Porto Acre.
No entanto, o fato deste período ter sido tradicionalmente chamado de Revolução Acreana não pode nos fazer esquecer que todo o processo revolucionário começa bem antes, em 1899, com os acontecimentos narrados por José Carvalho neste livro, e só se encerra em 1904 com a batalha da foz do Amônea, no Alto Juruá.
Além do mais, os participantes desses movimentos autodenominavam-se ‘revolucionários acreanos’. Não podemos, um século depois, retirar-lhes um título que eles conquistaram às custas de suas próprias vidas[1]. A revolução Acreana, portanto, é a de José Plácido de Castro, o líder inconteste que a levou à vitória. Mas é também a de José Carvalho, Luiz Galvez, Thaumaturgo de Azevedo e outros que, antes ou depois, participaram da longa e heróica conquista do Acre. O PRETÉRITO DO FUTURO (Antonio Alves – Presidente da FEM) “A Fundação Elias Mansour inicia, com este pequeno livro, uma série de publicações destinadas a registrar o Centenário da Revolução Acreana... Por que lembrá-las agora? Porque faz cem anos, e é bom celebrar o passado, mas também porque as mudanças políticas e sociais que agora vivemos nos obrigam a projetar o futuro... Só quem conhece sua origem sabe qual é o seu destino. A origem do povo acreano é recente. Há pouco mais de cem anos iniciou-se a mistura de raças, costumes, crenças e sonhos neste caldeirão de cultura chamado Acre. Cem anos é pouco e as mudanças drásticas das últimas três décadas mostram o quanto as raízes são superficiais e com que facilidade podem ser arrancadas. A gênese ainda não está completa, o projeto ainda não se realizou”. “... há, nessa origem, um poderoso mito formado de nossa identidade: a Revolução. Feita para promover, ao mesmo tempo e contraditoriamente, a independência e o pertencimento a uma pátria, ela alimentou-se de idéias e sentimentos que, combinados, podem formar uma infinita série de paradoxos: liberdade, ordem, autonomia, nacionalismo, fartura, posse, grandeza, oportunidade, justiça, paz, guerra... A Revolução prometia tudo a todos[2]. Só assim mobilizaria os que não tinham nada para lutar ao lado dos que lhes dominavam. E assim um exército de seringueiros famintos e dispersos venceu uma guerra”. “Promoveram três insurreições. A primeira liderada por um cearense; a segunda, por um espanhol; a terceira, por um gaúcho... Agora estamos aqui, cem anos depois, diante do destino que se anuncia no início de um novo milênio” Rio Banco, 1° de maio de 1999. BIOGRAFIA José Carvalho foi processado por crime de lesa-pátria e proibido de voltar para o Acre. Tinha ido à Manaus para fazer um tratamento de saúde e em busca de apoio para a revolução. Ficou no Pará cerca de 30 anos e lá foi Deputado Estadual em 1918. - José Carvalho oferece o opúsculo aos “heróicos e malogrados companheiros da primeira insurreição do Acre”. A saber: Atto Pessôa, José Martins, Henrique de Pontes Barroso, José Nunes de Mello e Olyntho Meira. ........................................................................................................................................................................ “Em toda a velha e larga discussão sobre o Acre e, recentemente, sobre o definitivo tratado chamado de Petrópolis, ninguém aludiu à primeira insurreição acreana e todos, inclusive os congressistas que dela trataram, deram-na partindo da infeliz e vergonhosa aventura de Galvez” p. 17. “... que o seu exemplo deve ficar perpetuado como um padrão de glória nacional e como uma consoladora esperança, se não como robusta prova dos grandes destinos futuros de nossa raça” p. 17. “Será também uma coisa natural, e desde já prevista, que este opúsculo caia no marasmo da indiferença pública. Não importa! Cumpro, escrevendo-o, um dever de consciência, não deixando em esquecimento eterno o primeiro grito, o primeiro protesto, a primeira repulsa contra a invasão indébita, extemporânea, criminosa, do estrangeiro sequioso nos sagrados domínios de nossa pátria” p. 17. “No Amazonas o chefe do Município – o Superintendente – não é, como nos demais Estados, eleito – é nomeado; e, portanto, demitido ao bel prazer do governador” p. 18. “No fim do ano de 1898 para o começo de 1999, foi nomeado Superintendente de Floriano Peixoto (antigo Antimary) Francisco Monteiro de Souza Junior...” p. 18. “A comarca de Floriano Peixoto que se constituía de todo o rio, desde a foz até as últimas explorações, foi criada depois da República e tinha como sede a vila de Antimary, a qual no aludido ano, foi transferida para um planalto à margem esquerda do Purus, em gente a embocadura do Acre. Sendo o Município o mais rico do Amazonas era, no entanto, o mais pobre. Não possuia uma casa para a Intendência, não tinha cadeia era tal a desordem que nem mesmo havia um foro mais ou menos organizado; não havia cartório ou arquivo de livros e documentos pertencentes às duas administrações judiciária e municipal, reinando em tudo um absoluto caos. Nunca se reunira o Juri e os criminosos, ou eram despronunciados (os que tinham dinheiro) ou ficavam na rua aumentando o número de vagabundos” p. 18. “A grande receita do Município, orçada sempre em 600 contos de réis anuais, desaparecia como por encanto, sem que no lugar ficasse realizado o menor melhoramento” p. 18. “A nomeação do coronel Francisco Monteiro, feita a muito a contragosto do celebre Secretário da Fazenda, no governo Ramalho, e devida exclusivamente à passageira influência de um seu amigo na capital (as influências políticas no Amazonas são as coisas mais bizarras e inconstantes do mundo) foi mundo bem aceita no Acre e em todos os espíritos despertou a esperança de uma nova era de moralidade na gerência do serviço público”. P. 18. “Esta explicação é necessário, por se ver, no fim desta narração, o resultado dessas esperanças, ou antes, dos acontecimentos, aliás, coerentes com todos os atos dos governos daquele infeliz Estado” p. 19. “A chegada de um vapor, em qualquer dos rios do interior da Amazônia, é sempre um grande acontecimento, pondo em alvoroto a alma de toda a população ribeirinha” p. 19. “Era, também, a primeira vez[3] que na margem daqueles rios se ouvia falar por tantas pessoas juntas uma língua que não era a nossa... o Sr. José Parivicini, que lhe dissera ir estabelecer uma alfândega ou aduana em Caquetá, e tomar conta, em nome da Bolívia, do resto de território acreano... sabíamos que um pequeno trecho de rio estava ao Brasil, tão insignificante território que não podia constituir nem em município, nem em comarca” p. 20. “Para mim, confesso francamente, aquela tomada imprevista do Acre era um assalto arrojado de aventureiros que poderiam, em poucos dias, fazer uma fortuna numa grossa espoliação da borracha... o comandante do mesmo vapor era um brasileiro e haviam passado pelos dois Estados sem embargo nenhum” p. 20-21. “Poucos dias depois se espalhou por todo o rio a nova do estabelecimento do governo boliviano em Caquetá, num planalto à esquerda do Acre, a que deram o nome de Puerto Alonso... O Superintendente Monteiro, achava-se incidentemente em Caquetá...” p. 21. - Paravicini recusou-se falar com autoridades estatais, afirmava ser ministro plenipotenciário e só tratar da questão com o ministro do Brasil, que no caso era o Dr. Dionísio Cerqueira. “... as autoridades de Floriano Peixoto nenhuma comunicação receberam do governo do Amazonas. Pairava, por esse fato, uma dúvida intensa no espírito de todos sobre a veracidade de tal empresa. Mas o comandante do vapor e os próprios bolivianos não se cansavam de propalar as descrições das festas[4] oficiais com que foram recebidos em Manaus, tendo o governo lhes oferecido até espetáculos públicos” p. 22. “Jamais vi entre o povo (o povo rude, de pé no chão, os pobres seringueiros; e os proprietários do Acre, homens também sem instrução. Os quais, uns e outros, foram sempre os maiores heróis nessa questão) tão funda e intensa indignação e tão alto, tão nobre, tão vibrante o sentimento da Pátria!” p. 22. - O superintendente nomeou José Carvalho a Manaus para entender-se com o governo. O secretário da Fazenda Pedro Freire afirmou ter sido enganado, já que, os bolivianos disseram que iria montar uma alfândega mista entre os dois países. “...vi que o governo do Estado nada faria no caso, muito principalmente por que ... dependente da vontade do Governo Federal não ia contraria ordens emanadas do mesmo Governo” p. 23. “A imprensa manauense, como acima disse, não protestava contra o fato principal, que era o apossamento do terreno litigioso, por parte da Bolívia, e limitava-se a descompor o ministro boliviano” p. 23. - Carvalho procurou Silvério Nerí, que já estava indicado a ser o novo governador, o mesmo disse que nada podia fazer nesse caso. “... por ninguém fui atendido... resolvi ir par ao jornal Escrevi na PÁTRIA, som minha assinatura dois artigos e em nome do povo protestei contra o ato do ministro brasileiro... entregando o Acre e os seus habitantes aos domínios estrangeiros” p. 23. “Que me conste, foram estes os dois únicos protestos que por esse tempo apareceram no país” p. 24. “Vendo que o governo do Amazonas nada fazia, voltei para o Acre e lá me coloquei à frente do movimento” p. 24. “O ministro Paravicini, depois de praticar muitos atos de violência, querendo assim, implantar o seu governo sob o regime do terror, baixará, deixando encarregado dos negócios da Bolívia o Sr. Moisés Santivanez que, alias, se portará com moderação e prudência” p. 24. “Por mim o digo: jamais senti profundas sensações e nem sei se os destinos me proporcionarão ocasião de outra vez experimentar, ou seja, o sentimento do dever de cidadãos reclamado pelos sagrados interesses da Pátria” p. 24. “Dir-se-ia que ali, nós sentimos pelo resto de todos os brasileiros que sentem, que amam, que se interessam pela felicidade de, pela glória deste país... não consentiram que os governos consumassem um crime que importaria numa eterna vergonha para nossa raça. Felizmente o Acre não ficou boliviano... Que seja fecundo, para o futuro, semelhante exemplo!” p. 24. “Só um brasileiro - o capitão Leite, de Humaitá – em todo o Acre aceitou o cargo (delegado) do governo boliviano e com ele fez causa comum... foi uma questão de interesse pecuniário advindo por uma transação. Dizia-se que a Bolívia - precisando transferir para Humaitá a sede de seu governo - oferecia por este seringal a soma de três mil contos de réis, quando o seu valor intrínseco podia ascender a duzentos contos” p. 25. “Eram os bolivianos, em verdade, poucos, não chegando, talvez, a 50 pessoas, inclusive as autoridades superiores, mas estavam vem entrincheirados e municiados no ótimo ponto estratégico que era Puerto Alonso... Dizia-se que o Capitão Leite pusera à disposição dos bolivianos 300 homens de seu pessoal extrator de borracha”. P. 25. “Era-nos preciso, pois, tomar todas as providências... sem deslocamento do pessoal ocupado no fabrico da borracha” p. 25. - Para todos os efeitos, os bolivianos estavam, na comarca amazonense de Antimary. - Queriam evitar que o movimento se torna oficial. José Carvalho procurou o Juiz de Direito da Comarca de Floriano Peixoto José Martins, para que “o mesmo juiz oficiasse ao cônsul (o boliviano Santivanez), avisando-lhe de que estava no meio de um levante popular com o fim de depor o governo boliviano, e que, não tendo forças para sufocar e evitar derramamento de sangue e funestas conseqüências” p. 25. - O que de fato aconteceu em ofício emitido em Caquetá no dia 29 de abril de 1899. “A canoa que obtivemos comportava mal oito pessoas e nela, pelas cinco horas da manhã, embarcamos...” p. 27. - José Carvalho iria sozinho falar com o cônsul boliviano. Caso não voltasse, subiria o rio a revolucionaria o povo e “... com o pessoal de Joaquim Victor composto de mais de trezentos homens voltassem a Puerto Alonso” p. 28 “- Sr. Cônsul, venho encarregado de uma grave missão! Venho em nome do povo deste rio e em nome do povo brasileiro, intimar V. Exc.° para abandonar este lugar, porque não toleramos mais o governo boliviano que V. Exc. Representa!” p. 28. - Quando ao movimento falou: “... aquele ato partia diretamente de um movimento do povo em geral, cuja responsabilidade era coletiva” p. 31. “Cheguei a Puerto Alonso acompanhado de umas trinta pessoas” p. 33. “... que nós aqui defendemos a honra da pátria arrancando do domínio estrangeiro o Acre que é nosso, que nos pertence, custe, embora, o sacrifício de nossa vida!” p. 34. “A violência de nossa vontade, tão patriótica e tão justa, não nos permite um logo argumento probatório dos nossos direitos...” p. 40. “Não tememos as responsabilidades que nos possam advir... porque a fazemos na fé de patriotas... e com todo ardor do nosso patriotismo” p. 40. “As infinitas modalidades do impaludismo no Acre são um vastíssimo campo para especulações científicas. Todos os dias, pode-se afirmar, aparece um caso surpreendente da terrível endemia...” p. 42. “A vida no Acre é apreciada com um elemento nunca, até hoje, classificados pelos economistas... é apreciado como capital... Daí a ganância... daí essa pressa, esse anseio desesperado de ganhar depressa...” p. 42. “... ali, como em todo o interior da Amazônia, quem não tem pressa porque não tem direito é o pobre seringueiro, escravizado eterno, eternamente sonhando o saldo, que todos os anos lhe foge misteriosamente, sem que ele o possa explicar, porque não sabe ler a fatura pelo patrão fornecida (há, como em todas as coisas, nobres exceções) e nem ler na balança romana o número indicador dos quilos que lhe custaram o suor... no fim do ano o saldo lhe foge outra vez, porque os compromissos do patrão cresceram com outro patrão da Praça, do qual, por sua vez, o primeiro não é se não mais que um outro seringueiro” p. 42. - José Carvalho foi a Manaus em 24 de maio a tratamento de saúde. “...fiquei extraordinariamente surpreendido com a notícia de que no último vapor que ali chegara (Cachoeira), viera e já havia subido, em lancha, para o Acre, um novo Superintendente, Manoel de Oliveira Bastos, acompanhados de novas autoridades municipais e judiciárias para Floriano Peixoto e acompanhado mais de uma comissão de espanhóis, tendo à frente um de nome Galvez que ia proclamar no Acre – Uma República Independente! Eu estava acostumado a ver as monstruosas coisas que se faziam no governo do Amazonas, mas não podia acreditar naquela que, além de me parecer ultra-fantástica, julgava um atentado e um crime com o qual o governo do Estado não podia se comprometer e nem brincar...poucos dias depois, chegou de volta a lancha S. Miguel, que havia sido fretado por Galvez, para levá-lo e aos seus espanhóis e mais as autoridades de Floriano Peixoto” p. 45 “O pobre homem proprietário da lancha, volvia do Acre desesperado, arrancando os cabelos, queixando-se amargamente de Galvez, que não lhe pagara o frete da embarcação... e ainda, por cima, ameaçado de sofrer violências no Acre” p. 45. - A aventura de Galvez é chamada por Carvalho de “...escandalosa farsa” p. 45. “... Galvez, que a esse tempo geria uma casa de jogo e prostituição à estrada Epaminondas. Galvez era um simples caixeiro do sindicato em cujas mãos deviam cair todas as rendas do Acre” p. 45. “O coronel Monteiro, José Martins e mais autoridades, foram, pois, acintosamente demitidos, sob o fundamento altamente moralizador de haverem tomado parte na revolução, quando, em verdade, o Superintendente, nela não interviera de forma alguma” p. 45. “E foi assim criada a República de Galvez[5], aventura infeliz e criminosa que tanto comprometeu os destinos da questão do Acre e que depois pela pacificação – uma outra farsa – custou ao Estado do Amazonas mil e duzentos contos, e que ainda hoje, por cúmulo! É tida como ponto de partida da insurreição acreana” p. 45-46. “Os habitantes do Acre, faço-lhes justiça, aceitaram a farsa de Galvez, que lhes mandou o governo do Amazonas, não só de boa fé, se não por que aceitaram tudo, menos o domínio boliviano” p. 46. “Em Manaus, me vi sozinho, condenado por quase todos que, entusiasmado, batiam palmas a Galvez e a sua República, simplesmente porque sabiam que aquilo partira do governo, ao qual precisavam agradar e curvar-se com as mais baixas provas do servilismo” p. 46. “Não estavam, ainda, terminadas as provações do meu grande crime, Não podendo voltar para o Acre, fui exercer a minha profissão no rio Madeira, em Humaitá. Aí, pelo simples fato de ser advogado na comarca, fui, por outro advogado, envolvido indigníssimo, onde a humildade do meu nome foi coberta das mais injuriosas calunias, falou-se nas minhas carreiras do Acre! “ p. 46-47. “... sendo do Pará, um jacobino exaltado, onde muito gritou contra a situação então dominante, falando muito em República, inimigo dos galegos, cobrindo de torpes injúrias o nome do Dr, Paes de Carvalho...” p. 47. “Que este opúsculo caia ou não no marasmo da indiferença pública, pouco importa! Conheço bem os defeitos de nossa educação” p. 47. “Há no país uma opinião manifestamente contrária à obra do Barão do Rio Branco, é uma questão, parece-me, de melindre e de zelo nacional achando que cedemos muito à Bolívia. Mas a Bolívia tinha direitos a respeitar – é força reconhecer...” p. 48. “... se o Acre é realmente todo brasileiro, se os nossos patrícios ali não vão recomprar os seus seringais da Bolívia, como estavam condenados a fazer; si a nossa posse, feita à custa de milhares de vida, foi mesmo respeitada e garantida, e si não resta ao domínio estrangeiro uma só parcela de vida nacional, passando a linha redentora acima da última barraca dos nossos seringueiros, então o trabalho de nosso grande patrício (Barão de Rio Branco) é, de fato, como ele quer, a maior de todas as usas obras” p. 48. “Há um outro herói[6] que jamais deve ser esquecido – é o povo do Acre” p. 48. Belém – Ap, Março de 1904. [1] Assim como não temos o direito de chamar Golpe o que os Militares de 64 chamou de Revolução. [2] Devemos questionar a união em prol da revolução. No auge da insurreição Plácido uniu não mais que 2 mil homens, o que não representa 1% da população do Acre. E o restante? Eram não-patriotas. [3] Janeira/1989. [4] Fato comprovado nos relatos dos jornais de manaus. [5] Não aceitaram o governo boliviano, mas aceitaram a de um espanhol. [6] A Gênese do Acre é formada, por completo, de heróis – é a idade ouro.

sábado, 19 de abril de 2008

O significado da cooperação e da solidariedade internacional no capitalismo

Nazira Correia Camely é doutoranda e professora de Economia/UFAC

Os países capitalistas ricos, principalmente desde o pós II Guerra, desenvolveram uma verdadeira ‘indústria da piedade’ e da ‘cooperação’. Nos países da OCDE quase todas as administrações possuem Ministérios, Secretarias ou escritórios de ‘Solidariedade e Cooperação Internacional’.

Sobre este tema encontramos o prodigioso trabalho de Graham Hancock , Les nababs de la pauvreté. Paris: Éditions Robert Leffont. O autor é jornalista e realizou extensa e corajosa pesquisa sobre o significado da ajuda e cooperação internacional, e atinge seus objetivos ao elucidar o significado em si da ajuda aos países pobres. Trabalho de fundamental importância já que a grande maioria dos estudos voltados a esse objetivo são fortemente desencorajados e os poucos que seguem, trabalham com os dados permitidos pelas agências de ajuda.

Nos primeiros capítulos de seu livro ele demonstra que onde tem seca, inundação, terremotos e toda sorte de catástrofes, estão sempre aqueles da ajuda humanitária. Em diversos exemplos, o desperdício, a corrupção, a ineficácia e burocracia, a espionagem e contra-insurgência estão presentes no que ele chama da ‘indústria da piedade’ do capitalismo. Reproduzimos a seguir fartos exemplos da pesquisa de Hancock.

Em relação aos empregados nos países pobres das organizações de ajuda, o autor constatou, que além de seus altos salários eles são ‘mestres em catástrofes’, e demonstram, na maioria dos casos, falta de experiência e habilidades para tratar com as diversas realidades.

Os empregados da USAID na Somália ganham 25% a mais por estarem em um país muito mais pobre que os outros. Os funcionários da ONU receberam generosas quantidades de bebidas alcoólicas importadas (e sem taxas) e recebem salários em média de US$ 55.000 por ano. O mais bem pago ministro da Somália teria que trabalhar cinqüenta anos para receber a mesma soma.

Os funcionários da OXFAM habitavam as melhores casas de Mogadiscio (capital da Somália), tendo ao menos duas empregadas domésticas, situação que somente os muito ricos de seu país poderiam desfrutar. (HANCOCK, 1991, p.57). O autor entrevistou vários funcionários dessas organizações para compreender o que de fato os movia para irem trabalhar em países de condições tão adversas.

A maioria dos entrevistados admitiu que canditavam-se a esses cargos especialmente por causa dos altos soldos recebidos e em algumas profissões por conta da falta de empregos em seus países de origem. Alguns estavam com idade mais avançada e admitiam que os últimos três anos de trabalho na ativa elevariam a aposentadoria deles (idem, p. 136-137).

O autor os denomina como os ‘yuppies da beneficiência’ e o auge de suas carreiras é quando trabalham para as Nações Unidas, por serem melhores pagos e terem regalias semelhantes às do mundo diplomático (idem, p. 139). O autor culmina a expressão ‘mestres em catástrofes’ para situar aqueles que trabalham e são muito bem remunerados pelos organismos da ajuda.

Os exemplos de inoperância, desperdícios e descaso, colocam em risco a vida de milhares de pessoas muito pobres. Para a Somália foram enviados grande quantidades de remédios que as autoridades sanitárias desse país consideraram ‘lixo’. O Sudão, um dos países mais quentes do mundo, recebeu doações inúteis como cremes para rachaduras nos pés e cobertores elétricos. Países que tem na fome seu principal problema recebem sopas e chocolates dietéticos em grandes quantidades (idem, p. 37-38).

A Comunidade Econômica Européia - C.E.E. enviou toneladas de trigo radioativo, (idem p.39). A Food for Hungry (norte americana) enviou ao Camboja dezenove toneladas de alimentos que por estarem tão velhos, tinham sido recusados pelo jardim zoológico de São Francisco, e os remédios enviados estavam vencidos há mais de quinze anos ( idem, p.39). Os laxantes e remédios para indigestão estão entre os produtos favoritos das listas de doações.

Os fatos de desperdício beiram a insanidade. Foram comprados dois centros sanitários polivalentes pré-frabicados na Finlândia, ao custo de um milhão de dólares cada. Quando estes chegaram na Somália para serem transportados à Mogadiscio, constatou-se que os equipamentos não cabiam em nenhum dois caminhões disponíveis para transporte (idem, p 37).

Em algumas situações a caridade coloca em risco a vida dos pobres. A Map International Inc. (Illinois) recebeu de doação estimuladores cardíacos no valor de US$ 17 milhões do American Hospital Supply Corporation (AHS). Com essa doação o AHS teria um substancial abatimento fiscal para um setor que de qualquer forma ele havia decidido suprimir. Esses equipamentos chegaram aos países pobres e constatou-se que seus marca-passos e estimuladores possuíam graves problemas, que colocariam em risco a vida dos pacientes (idem, p. 43).

O exemplo dos desperdícios do ‘capitalismo da assistência’ envolvem também fortes emoções. No fim de 1984 um canal de TV francesa organizou a “caravana da esperança”, que fariam uma espécie de rali para levar aos países pobres do oeste africano medicamentos, alimentação e equipamentos. Foi gasto na aquisição destas doações quase o mesmo montante do que custou a comunicação por satélite com a França durante a viagem. Devido às altas velocidades da caravana a maioria da doação foi perdida no caminho (idem, p. 43-44).

Em 1971 a ONU fundou o Escritório de Coordenação dos Unidos para o Socorro em Caso de Catástrofe (UNDRO), ao custo de US$ 50 milhões, pagos com contribuições dos países ricos. Segundo relatório confidencial os próprios auditores chegaram a conclusão que a UNDRO não alcançou os objetivos de sua missão. O autor cita mais exemplos do desperdício: a compra de duas estaçõs postes de rádio para melhorar a freqüência, ao custo de US$ 90 000, onde os auditores constataram que os postes não foram utilizados; a grande parte das viagens efetuadas pela equipe da UNDRO era para efetuar contatos e representações nos países doadores (idem, p.50).

Os auditores das operações humanitárias da C.E.E. concluíram que estas não passam de um ‘catálogo de desastres’, com seus erros, incompetência e burocracia, seus desperdícios, impropriedades e atrasos imperdoáveis (idem, p.41). A ONU realizou pesquisa em 84 organizações que fazem parte de seu Programa Alimentar Mundial. As organizações responderam que levavam em média 196 dias para responder aos pedidos de assistência e entrega de alimentação aos países pobres (idem p. 52).

Hancock esteve presente como observador na reunião anual do BM e FMI no ano de 1986, ele ficou bastante impressionado com o montante de recursos que a pobreza pode render para alguns. O custo total dos setecentos eventos sociais organizados para os delegados do encontro ficaram em torno de US$ 10 milhões (idem, p.73).

Para compararmos o nível das disparidades, esta quantia seria suficiente para fornecer durante um ano comprimidos de vitamina A para 47 milhões de crianças pobres asiáticas e africanas, para livrá-las dos problemas de visão e até cegueira causada pela xérophtalmie (carência de vitamina A) (idem, p. 75). O autor constatou pompa e cerimônia, jantares de US$ 200 por pessoa, hotéis cinco estrela fazem parte integrante da vida daqueles que trabalham nas Organizações Internacionais de Assistência.

A ‘indústria da assistência’ remunera muito bem seus funcionários, todos patrícios dos financiadores das agências internacionais. O então presidente do Banco Mundial em 1986, Barber Conable, resolveu enxugar o quadro de pessoal da instituição demitindo 600 pessoas. O custo das indenizações milionárias alcançaram a cifra de US$ 175 milhões, montante suficiente para pagar a escolaridade elementar completa para sessenta e três mil crianças pobres da América Latina ou da África (idem, p.79).

Hancock utiliza o termo ‘Indústria do Desenvolvimento S.A.’ para nomear uma indústria internacional gigante, complexa, diversificada e funcionando por delegação.

Financiada pelas doações públicas dos países ricos, ela emprega milhares de pessoas no mundo para atender um grande leque de objetivos econômicos e humanitários.

Destinada a promover o desenvolvimento nos países pobres conforme as próprias palavras do presidente do BM em 1987, Barber Conable: Pensando no futuro, eu estou de fato confiante: nós vamos melhorar fortemente nossa aptidão institucional de aportar apoio sensível, eficaz e apropriado a cada um de nossos devedores e lhes oferecer uma liderança intelectual na compreensão do desenvolvimento. (HANCOCK, 1991, p. 79, tradução e itálico nosso)

Poderíamos destacar várias características boas e que almejamos de desenvolvimento, como educação, saúde e moradia satisfatórios, crescimento econômico e pleno emprego. Será que alguns países preferem serem pobres em vez de ricos ou atrasados e sub-desenvolvidos no lugar de avançados e desenvolvidos? Davis (2002) mostrou o quão avançados e ricos eram a China, a Índia, a indústria têxtil do nordeste brasileiro, antes da chegada dos colonizadores.

Hancock faz distinções importantes a respeito do caráter das doações. O conceito de Ajuda Pública ao Desenvolvimento-APD é dinheiro público coletado sob a forma de impostos e repassado para os organismos oficiais e entre os estados e governos, portanto este conceito exclui todo financiamento da parte dos organismos voluntários privados, tais como a Oxfam.

Para uma transferência de recurso ser classificada como APD tem que satisfazer a duas condições: 1) ter como objetivo principal a promoção do desenvolvimento; 2) ter o caráter de uma concessão e conter uma subvenção de 25%. Os empréstimos com juros de mercados não são APD’s.

Ao contrário, a assistência humanitária dispensada pelas organizações oficiais, o socorro de urgência e ajuda alimentar, embora nenhum fale em desenvolvimento, são considerados como Ajuda Pública ao Desenvolvimento - APD.

Os fluxos de ajuda pública realizados por dezoito países industrializados alcançou o montante de 45 a 60 bilhões de dólares por ano na década de 1980 (HANCOCK, 1991, p.81).

O autor relativiza esta cifra ao compará-la com outros dados (idem, p.82-84): a) os EUA e a então URSS gastavam US$ 1,5 bilhões por dia com gastos militares para suas defesas, ou seja, o total da ajuda mundial equivalia a um mês dos gastos dos países com despesas militares; b) cinqüenta mísseis “Peacekeeper MX” custavam US$ 4,5 bilhões, mais que a APD da Alemanha; c) o custo de um ano da “Guerra nas estrelas” foi de US$ 3,9 bilhões, mais do que a APD do Reino Unido e do Canadá; d) em 1962 os Estados Unidos gastaram quase US$ 300 milhões para treinamento de golfinhos com fins militares, mais do que o orçamento de ajuda anual da Áustria e Nova Zelândia juntos; e) em 1988 a Grã Bretanha gastou quatorze vezes mais com sua defesa do que com doações (US$ 1,8 bilhão).

As mulheres britânica gastaram US$ 480 milhões em perfumes e cosméticos, mais do que toda a ajuda da Suíça de US$ 429 milhões; f) os free shops faturaram mais de US$ 5,5 bilhões, mais do que a França despendeu em ajuda; g) os norte americanos gastavam US$ 22 bilhões com cigarros, mais do que as doações dos três maiores doadores juntos (EUA, Japão e França); h) Michael David Weill, da sociedade americana Lazaid Frères, ganhava anualmente como salário o equivalente aos orçamentos de ajuda da Nova Zelânia e Irlanda (US$ 128 milhões), i) os dez bilhões de dólares que os EUA destinavam a ajuda estrangeira, representavam menos da metade da fortuna de Yoshiaki Tsutsumi, dono do Grupo SEIBU e um dos homens mais ricos do mundo.

No ramo do ‘capitalismo da piedade’ Hancock aponta para uma estreita vinculação entre o aumento da arrecadação das receitas dos organismos da caridade e a ocorrência das catástrofes da fome, seca e inundações nos países pobres. A World Vision britânicas doou US$ 25 mil ao documentarista que realizou um curta em 1984 chamado ‘Calvário Africano” sobre a fome na Etiópia. No final do documetário há um apelo aos telespectadores para doarem recursos a World Vision para amenizarem a fome africana.

O montante de recursos da organização era de tal vulto, que eles possuíam uma frota de cinco aviões. Outras organizações como Cristian AID, Oxfam, Save The Children organizaram um Comitê de urgência das catástrofes, para evitar que a Word Vision recebesse todas as doações sozinha, por ocasião da campanha contra a fome na Etiópia. (HANCOCK, 1991, p. 45-46).

O autor cita alguns exemplos de como algumas organizações tem suas receitas aumentadas em épocas de calamidade, ele refere-se ao período da fome etíope de 1985:

a) após anos de expansão lenta de suas receitas a Oxfam dobra suas arrecadações no período de 1978-1980. Isto foi resultado da forte pressão exercida para levantamento de fundos em favor das vítimas da fome e da guerra do Camboja. Depois as doações permaneceram estacionadas até 1985, quando os apelos em favor dos famintos etíopes multiplicaram de novo as receitas da Oxfam alcançando a cifra de 51,1 milhões de libras, embora elas fossem inferiores a 20 milhões de libras em 1983-84;

b) também em 1985 a Band Aid coleta 76 milhões de libras para os famintos junto ao público britânico;

c) os norte americanos enviaram 1 bilhão de dólares às organizações benevolentes privadas engajadas no terceiro mundo;

d) as organizações War on Want, Oxfam, International Cristian AId, Care Incorporated, Project Hope, Médicos sem fronteira e Médicos do Mundo, receberam US$ 2,4 bilhões para financiarem seus projetos e programas nos países pobres. Em 1985 esta cifra chega a US$ 4 bilhões com a campanha de combate a fome etíope (idem, p. 24) .

Historicamente a perversa espoliação dos povos das Américas, África e Ásia, foi acompanhado por missões religiosas que produziram os nefastos efeitos que a história já conhece. As Ongs e organizações humanitárias têm também trabalhado neste campo e são freqüentes as denúncias contra elas também na ação de contra-insurgência e espionagem. Hancock (op.cit, p.33-34) cita a acusação contra a atuação da Word Vision em Honduras no período de 1980-1981, onde seus funcionários se recusavam a dar alimentação aos refugiados que não participassem dos auxílios religiosos da missão dos protestantes.

Os funcionários da Word Vision foram acusados de serem da polícia e de trabalharem para o serviço secreto para entregarem a localização e o nome de ativistas políticos que estavam nos campos de refugiados por eles assistidos. A denúncia mais grave foi sobre episódio ocorrido na noite de 22 de maio de 1981, quando dois refugiados salvadorenhos que estavam abrigados na cidade hondurenha de Colomoncagua foram recolhidos pela Word Vision e colocados em um veículo onde lhe disseram que estavam sendo levados ao campo de refugiados de Limones. No lugar disto eles foram entregues às forças armadas. Alguns dias mais tarde eles foram encontrados mortos na fronteira. A Word Vision negou veemente todas as acusações de envolvimento com o caso.

No aspecto da caridade estar associada ao missionarismo religioso é esclarecedora a a fala do ex-presidente da Word Vision, Ted Engstrom:”Nós analisamos cada projeto, cada programa que estamos envolvidos, para nos assegurar que a evangelização é um componente significante. Nós não vamos alimentar os indivíduos para em seguida os enviar ao inferno, citado em Hancock (op.cit, p. 33). Um dos mais bem sucedidos exemplos da atual filantropia é o ex-presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, que reuniu em Nova York, por ocasião da reunião anual da ONU, celebridades e milionários, para arrecadar fundos para combater os males da miséria, da AIDS e do aquecimento global nos países pobres. Em apenas três dias a Clinton Global Initiative arrecadou US$ 7,5 bilhões para 215 projetos ao redor do mundo, acumulando em apenas dois anos de vida, US$ 10 bilhões (Jornal O Globo, 24/09/2006).

A filantropia e sua ‘indústria da piedade’ parece pouco contribuir com a redução dos males que atingem povos do mundo inteiro. A extrema disparidade entre ricos e pobres segue em nosso país e também no mundo. Segundo dados do relatório da ONU (2006) mostram que mais de metade da riqueza mundial está nas mãos de apenas 2% dos adultos do planeta, enquanto os 50% mais pobres têm só 1%. A riqueza está distribuída de forma extremamente desigual e também sua distribuição geográfica: 90% do total da riqueza está concentrada na América do Norte, na Europa e nos países de alta renda da Ásia e do Pacífico.

O aumento da concentração da riqueza nas mãos de tão poucos, aumentou enormemente nos últimos cinqüenta anos. Para termos uma idéia o patrimônio per capta no Japão é de US$ 181 mil, nos EUA de US$ 144 mil, enquanto no Congo e na Etiópia é de menos de US$ 200.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

CABRAL, Alfredo Lustosa. Dez anos no Amazonas (1897-1907). 2° ed. Brasília: Senado Federal, 1984.

- Primeira edição em 1949, publicado no Paraíba/ João Pessoa. O subtítulo era: “Memória de um sertanejo nordestino emigrado àquelas paragens em fins do século passado”.

- O autor é Paraibano, (14/01/1883 † 31/12/1960). Depois, chegou a se formar em odontologia. “atraído pela riqueza da borracha foi com um irmão mais velho, tentar a fortuna, na Amazônia. Lá esteve dez anos, de 1897-1907, justamente no período de maior riqueza da região” José Lins do Rego (O Globo, Rio, 1950).

- Devido as mortes indígenas em função da empresa gomífera, ele diz: “Não era sem a sua ponta de razão que o povo, no nordeste, sempre via com maus olhos o dinheiro que chegava no Amazonas. Parecia-lhe um dinheiro amaldiçoado” (idem). - Ficou na Amazônia entre os 10 a 17 anos.

- O Acre como todo o Amazonas foi um grande cemitério de nordestinos.

APRESENTAÇÃO (Senador Jorge Kalume, p. 05)

- Escreveu a pedido do professor universitário Octacílio Nóbrega de Queiroz, que apresentou o livro em sua primeira edição. O autor já era de saudosa memória.

“O heroísmo dos nossos patrícios do Nordeste não pode ser aquilatado apenas pela forma como enfrentaram o fenômeno climático, obrigando muitos a abandonarem, no passado remoto ou recente, a terra mater, em busca de outras plagas, para eles totalmente desconhecidas” p. 5.

OBS: tenta dizer que o nordestino é forte e altivo por ter “escolhido” enfrentar à Amazônia.

- O autor chegou ao Acre (Vila Seabra/Tarauacá) em 1897. Segundo o senador, na época “somente os fortes dos fortes sobreviveriam” p. 6. PREFÁCIL (1° Edição) – Por Octacílio Nóbrega de Queiroz, escrito em junho de 1949.

“O Amazonas é uma torrente de sangue que corre por uma floresta: a floresta é o Brasil” (FRANK, Waldo. America Hispana, p. 165). “A agitada tragédia da borracha amazonense não tem nada que se lhe possa comparar” (NORMANDO, Evolução Econômica do Brasil, p.48).

- Foi o prefaciador que incentivou o autor a escrever o livro.

“Órfão aos quatorze anos, emigrou, acompanhando o irmão para o Amazonas, onde foi seringalista, mateiro, remador e varejador de canoa, cozinheiro, regatão, agricultor e inspetor de quarteirão... De volta à terra natal, se fez professor primário na Escola Normal da Paraíba, em 1912... depois músico, vereador, rapadureior, adjunto de promotor por duas vezes e, finalmente, vinte anos mais tarde, já aposentado no exercício do magistério público, cirurgião-dentista pela Faculdade de Medicina e Odontologia do Recife” p. 12.

“Dele (do autor) não podemos abstrair um só instante a sinceridade espontânea da narrativa” p. 12. ............................................................ O irmão, Silvino Lustosa Cabral, aos 24 anos, retornou ao Paraíba em 1897, depois de ter ficado no amazonas por cinco anos. No entanto, disse que voltaria.

“ouvia aquelas histórias bonitas, às vezes fantásticas, que ele contava, vem como, da facilidade de enriquecer em pouco tempo. Fiquei logo desejando de conhecer tudo aquilo” p. 23.

“Viajava eu, junto aos tropeiros... com o coração partido de saudade do rincão natal” p. 25. OBS: Tudo indica que a idéia de pátria, terra natal, estava mesmo vinculada ao local/região onde se nascia. No Acre, os nordestinos não tinham as terras como suas. Ali defendiam não à Pátria, que era o nordeste, mas a fonte de renda que os levaria novamente a sua terra natal.

- Quando é descoberto que um deles estava com varíola: “Como preventivo, ingerimos fortes goladas de aguardente” p. 29.

“Era um velho barco carcomido pela ação corrosiva do iodo marítimo e do tempo... Vinha cheio como lata de sardinha... A muito custo localizamos nossas redes e bagagens por cima das malas dos passageiros, pois, não havia mais espaço nos porões do navio” p. 29.

- No barco (o Pernambuco) iam “os remanescentes do 27 Batalhão da Paraíba que havia tomado parte na campanha de Canudos... vinha ali também a política do Pará, composta de rapazes moços e fortes” p. 29. Ao todo eram “mais de quinhentos, com destino àquele Estado” p. 30.

“Passamos o resto da tarde ouvindo histórias de Canudos” p. 30. - O barco ainda rumou para o Rio Grande do Norte para pegar mais pessoas. “Os seus porões não comportavam mais um grilo” p. 31.

“O comandante recebeu uma lista de quinhentos flagelados para o Amazonas” p. 31.

“As redes armadas, duas, três, por cima das outras” p. 32.

“A certa distância da cidade o navio ancorou. Em pouco tempo estávamos rodeados de botes e de catraias com seus balaios repletos de vendagens comestíveis, doces, camarões, frutas etc., para serem vendidas a bordo. Esses negociantes, compostos em maior número de mulheres, eram quase todos negros, poucos brancos viam-se ali” p. 32.

“Não se podia mais tolerar o ambiente de imundície nos porões. Entristecidos, embriagados, vomitando no fundo de redes porcas, jazia uma quarta parte dos passageiros” p. 32.

“estávamos acordados, ansiosos para nos livrar da velha e sórdida embarcação” p. 33.

- Chegado em Belém “Fomos nos hospedar no Hotel das Duas Nações que pertencia a espanhóis e portugueses, razão por que tinha esse nome” p. 33. Era outubro.

“A iluminação, à noite – maravilha fascinante especialmente no largo da Pólvora. Poucas eram as cidades do Brasil iluminadas à luz elétricas, nesse tempo” p. 33.

“O comércio estrangeiro focalizara-se na Praça de Belém atraído pela riqueza da borracha” p. 33.

- De Belém, “o navio saiu direto para Manaus. Gastamos sete dias” p. 33.

- De Belém ao Juruá: 40 dias.

OBS: Belíssima narração da viagem.

“Não existia dinheiro na região” p. 35.

“Meu irmão, guarda-livros e gerente, havia já três anos, era estimadíssimo, e teve, por isso, recepção formidável” p. 35.

“O Sr. João Marques de Oliveira, dono do seringal, bom e maneiroso, não sabia ler” p. 35.

- O mesmo, tão logo o irmão do autor chegara, foi ao nordeste atrás de mais pessoas para o trabalho gomífero. “Trouxe uma companheira de estatura regular, bonita e simpática, alegre e jovial. Contava vinte e quatro anos e chamava-se Maria Mendes Maciel. Era sobrinha de Antônio Conselheiro” p. 36.

“tinha o nome de brabos os que chegavam ali pela primeira vez” p. 36. “Na margem oposta do lago moravam dois brabos. Em um domingo, fomos visitá-los. Receberam-nos alegremente. Haviam matado dois mutuns. Estavam em festa. A panela fervia exalando um cheiro agradável, tempero com pimenta e banha do Rio Grande do Sul” p. 37.

“Não eram penas de mutum, e sim de urubu-rei. Tomamos somente uma xícara de café e voltamos à nossa residência” p. 37.

“Aos sábados dirigíamo-nos para o rio com o fim de arrancar, na areia das praias, ovos de tracajá, que havia em abundância nos meses de julho e agosto e os de tartaruga, de setembro e outubro” p. 37.

“Nas safras de tracajá e tartaruga, o seringueiro vive de pança cheio e confortado com os ovos que traz da praia quase todos os dias” p. 38.

“entramos no rio da esquerda, chegando no seringal Belmonte, de bom leite, com metade a ser explorado. A inconveniência que tinha eram duas malocas dos índios caxinauá e catuquina a pouca distância” p. 40. “Não acabamos de abrir o mato; quando soubemos que os índios tinham atacado uma barraca de quatro seringueiros. Repelidos a bala, correram” p. 40.

- os índios eram chamados de “os selvagens” p. 40; considerados “inimigos” p. 41.; “ferozes” p. 42. “Nas correrias o pessoal não se dispersa. Marcha em fileira” p. 41.

- Em 1899 “presenciamos um forte movimento sísmico, que durou uns quatro segundos com tremos de terra e prolongado gemido” p. 42.

OBS: até agora não falou de Galvez. Talvez o ano de 1899 ainda não era tão conhecido assim pelo Juruá.

- O patrão “Era um velho de sessenta anos, violento, enraivecido por qualquer futilidade. Fora capitão do Exército e renunciara à farda para se entregar à cultura da borracha. Estava ali há muito tempo. Enriqueceu...” p. 43.

“Em ajuste de conta com um seringueiro [...] mandou matá-lo e, por causa de uma melancia, tirada na praia sem a devida ordem, matou outro” p. 44.

OBS: quem ia para o Acre já estava disposto a matar ou morrer. “Morria um e chegavam cinco para substituí-lo” p. 53. A REVOLUÇÃO ACREANA (p. 53)

“Para aumento de revezes estourara no rio Acre a luta do seringueiro com a Bolívia, encabeçada por Plácido de Castro” p. 53.

“Plácido de Castro vendo as coisas um pouco turvas enviou ao Tarauacá um emissário com poderes de requisitar forças dando patente de capitão para os donos de seringal que conduzissem pelo menos vinte homens. Todo o rio acelerou-se, todo mundo queria ir” p. 53.

OBS: fica patente a forma como Plácido de Castro arregimentava os patriotas soldados que, quando designados, ficavam pulando de alegria, tudo era melhor do que a tortura da colocação.

“Fato curioso é que, naquela época, segundo ouvi dizer – não tenho certeza -, esteve também por lá o colega Getúlio Vargas (colega na idade e na espingarda) incorporado às forças do coronel Antonio Olímpio da Silveira” p. 53.

“Terminada a guerra, os combatentes proclamaram a independência do rio em República Acreana. Adotaram um pavilhão como símbolo da Pátria e outras coisas mais” p. 54.

“O Governo Federal constituía-se senhor das terras em questão, que dali por diante nem eram República Acreana nem tampouco pertenciam mais ao Estado do Amazonas, e sim ao Brasil” p. 54.

“Foi inaugurada, na foz do rio Moa, a cidade do Cruzeiro do Sul, tendo como Prefeito o General Gregório Thaumaturgo de Azevêdo, que nomeou os tenentes do Exército, Guapindaia, delegado do Juruá, e Luiz Sombra, do Tarauacá, com atribuições de resolverem todos os problemas atinentes ao policiamento e negócios dos rios. Em todos os seringais encontrava-se uma autoridade investida de poderes – o Inspetor de Quarteirão... Todas as brigas e encrencas, que surgiram, eram resolvidas pelo Inspetor que, depois, dava conta ao tenente dos ocorridos em sua circunscrição” p. 54.

“Ali não existia mulher, elemento esse indispensável em toda parte” p. 55.

“Lugar que tem índio não há caça, ele devora tudo” p. 57.

“O seringueiro chega sempre do trabalho da estrada fatigado sem encontrar o que comer” p. 57.

“A umas quinhentas braças de nossa barraca, existia um velho roçado encapoeirado, pertencente a tribo JAMINÁUA que, pressentindo nossa chegada, afugentara-se, havia alguns anos, para mais longe. Viu que nossa invasão a seus domínios era positiva, inexorável. Por esta razão, mudara-se, tornando-se qual nômade, sem um ponto certo de morada. ” p. 65.

“Só não investiam contra a civilização porque tinham a certeza que a reação era tremenda, brutal” p. 66.

“Às onze horas, estava de volta à barraca. Defumei o látex, tomei banho no igarapé, troquei de roupa, almocei... com os companheiros, segui ansioso para dançar e tomar aguardente no barracão. Não existia mulher na festa” p. 67.

“... viviam os índios nas cabeceiras dos afluentes da margem direita do Alto Juruá, inclusive o Tarauacá... A horda de invasores apoderara-se de sua habitações e roçados, enxotando-as a bala para o centro da mata bem distante das margens do rio... Evadiram-se, todavia, os selvagens, com medo, mas cautelosamente ali apareciam para abastecer-se” p. 67.

“O aborígine, como sabemos, é de índole preguiçosa e indolente, desconfiado e ciumento. Quem for a uma aldeia não faça motejo, todo cuidado é pouco... São bastante sadios. Desconhecem moléstias venéreas e seus dentes são quase imunizados da cárie dentária. Raro é o que tem ferida braba... Nunca se vê um índio aleijado. Dizem que se, ao nascer, a criança tiver defeito físico grave, o pai, ordem do chefe da taba, mata-a novinha, pela razão de não poder manter-se com seu próprio trabalho, quando crescer, nem achar quem a sustente... O índio chama o negro de TAPAIÚNA. Odeia-o e tem do mesmo grande aborrecimento... Ninguém quer nem pode trabalhar para o outro. Cada qual cuide de si” p. 68.

OBS: nas páginas seguintes, faz uma descrição pormenorizada da vida cotidiana indígena.

“Trabalhara ali já havia decorrido três anos sem poder libertar-se da conta que, dia a dia, avultava contraída com seu patrão” p. 71.

“No referido lugar morava um seringueiro de nome Paulino de Azevedo Sombra, de Aquiraz, Ceará. Trabalhador, econômico, conseguiu acumular no Contas Correntes do patrão sua meia dúzia ou mais de contos de réis. Crédito era só quem tinha” p. 71.

- O patrão propôs que se Paulinho pagasse a conta do outro, daria a mulher do inadimplente para ele.

“Não é de todo dispensável dizer que eram muito difíceis, naquela época, as relações entre os dois secos. Regiões havia, numa extensão de dez a doze propriedades, onde não se encontrava uma dona-de-casa. A aquisição de uma donzela da selva era tarefa temerária, porque raramente a índia se sujeitava ao regime doméstico. Isso inda podia acarretar o perigo de ser a moça levada pelos da tribo ou haver choques violentos, de parte a parte, transformando-se em intriga que não se acabaria mais. Sob esse aspecto, as uniões de seringueiros com selvagens eram quase nulas” p. 73-74.

“Foi por isso, atendendo a tamanha irregularidade de vida, que, certa ocasião a polícia de Manaus, de ordem do Governador do Estado, fez requisição nos hotéis e cabarés dali de umas cento e cinqüenta rameiras. Com tão estanha carga, encheu-se um navio cuja missão foi a de solta, de distribuir as mulheres em Cruzeiro do Sul, no Alto Juruá [...] não faltou pretendentes” p. 74

“De propósito, convém não esquecer ser o cearense um tipo enérgico, conquistador de terras, afável, trabalhador, valente no momento oportuno, mas divertido e de espírito crítico” p. 76.

OBS: da página 79 em diante fala de alguns mitos e lendas que assolavam os seringueiros: Curupiara, jabuti, sucuruju, boto, irapuru, mapinguari etc. - Danças (p. 97).

“Em 1906 já havia posto fiscal federal na foz do Muru” p. 107. OBS: comenta sobre a inauguração da Vila Seabra.

“Que era esse ambicionado tesouro que vim a conhecer em janeiro de 1907 tão somente em Manaus? A mais luxuosa pensão, o mais empolgante cabaré da América do Sul. Fortemente iluminado, com todas as sortes de jogos, com teatro, era lugar de lindos rostos de todas as partes do mundo – polonesas, francesas, portuguesas, peruanas, brasileiras dos vinte e um Estados, todas, enfim, ali se exibiam numa libertinagem desordenada, doida” p. 108. “Escravizado oito ou dez anos na selva, sem relações com o sexo oposto, o seringueiro que chegava à cidade, não o deixava de freqüentar. A exploração era roxa. Muitos ali deixavam todo o dinheiro que haviam arranjado com enormes sacrifícios. “Lisos” – restava-lhes ir ao escritório do patrão implorar uma passagem no gaiola e retornar ao seringal de onde saíram” p. 108.

“Ao chefe do barracão cabia o papel de resolver as questões do seu seringal. Existiam no Juruá muitos criminosos de morte, sem a menor punição, até que chegaram fortes censuras aos ouvidos do Governo” p. 120.

“Não existia roubo ou furto, porque se o indivíduo chegasse à barraca de qualquer desconhecido, sem o encontrar em casa, podia servir-se do que entendesse – alimentação, munição, contanto que deixasse um bilhete ou, se não soubesse ler, no soalho da barraca, um sinal qualquer” p. 121.

“O elemento preponderante no Juruá era o peruano e, com este, não tínhamos relações confidenciais. Vez por outra, estavam surgindo desavenças, críticas, aborrecimentos. Começavam por nos apelidar de maquiçapos ou macaquitos... O peruano trabalhava no caucho e vivia como um bicho, arredado no interior da mata, distante, sem contato com os brasileiros, enquanto que este só se enfeitiçava pela seringueira, sempre às margens dos rios ou a três ou quatro horas de viagem destas” p. 121. SOBRE A REVOLUÇÃO ACREANA p. 129.

“O nome de Acre resultou de alteração da palavra Aquire, denominação de um rio afluente do Purus, segundo o geógrafo inglês Chandless (1865), descoberto por um mulato amazonense, Manoel Urbano da Encarnação, ou de aquiri – água corrente do tupi” p. 131. - Plácido de Castro “Antes de morrer, ferido gravemente, pediu que, morto, seu coração fosse dividido, parte para sua mãe e outra para a noiva, em terras de seu distante Rio Grande” p. 132.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Che Guevara fez a barba no Acre



Por Elson Martins


Ouvi essa história na semana passada, da boca da menininha que aparece no colo da mãe na foto acima, de 1933. Ela está hoje com 74 anos, chama-se Maria Ferreira Martins e é advogada aposentada. O pai, João Martins Xavier, veio do Ceará para o Acre em 1946 com toda a família. No Quixadá (CE), trabalhava como marceneiro e chegou a ser preso e torturado como comunista.
No Acre, João Xavier trocou de profissão e montou uma barbearia no bairro Seis de Agosto, no Segundo Distrito de Rio Branco. Era um estabelecimento humilde, com apenas uma porta e uma janela de frente, mas muito freqüentado. O dono não trocou de ideologia: foi um dos fundadores do Partido Comunista Brasileiro (PCB) do Acre e quando irrompeu o golpe militar de 1964 teve que se esconder num seringal para não ser preso.

João Barbeiro, como ficou conhecido, estimado e temido, em meados dos anos sessenta (65 ou 66), recebeu a visita de um integrante do PCB, à noite, que lhe pediu para fazer a barba de um estranho. Achou esquisito quando ele, sem pedir autorização, fechou a porta e a janela do pequeno estabelecimento. E também por terem – o amigo e o estranho - permanecido calados o tempo todo. Não era essa a rotina da barbearia.
Barba feita, o cliente agradeceu com um sorriso e gestos e desceu a escadinha de três degraus, de madeira, desaparecendo na escuridão da rua da frente. O amigo (que está vivo, mas não autorizou a citação de seu nome) então voltou e cochichou ao ouvido de João Barbeiro: - Você acabou de fazer a barba do comandante Che Guevara.

Maria Tereza Martins comenta que o pai, com idade avançada na época, poderia ter morrido de emoção porque admirava o comandante Che Guevara e falava o tempo todo de sua luta como exemplo. Ao saber a identidade do cliente, tremeu todo e quase desmaiou.João era um crítico impiedoso dos governos, dos ricos, dos reacionários e corruptos, até das pessoas comuns que não reagiam contra as injustiças sociais. Com os filhos, era intolerante e ríspido:

- Se a gente mentisse, ele adivinhava!

Maria afirma, entretanto, que o pai nunca conseguiu politizá-la nem seus sete irmãos, que permaneceram anticomunistas. Até por que todos sofreram de alguma forma, discriminação por serem filhos do “comunista radical” João Barbeiro.

O velho e honrado comunista faleceu em 1984, aos 85 anos, ironicamente, atropelado por uma bicicleta.
Coincidência histórica
O líder seringueiro Chico Mendes também teria cruzado com Che Guevara na mesma época que João Barbeiro. Numa entrevista que concedeu ao sociólogo Pedro Vicente, ex-delegado do Sesc no Acre, professor da UFAC e autor do livro “Exercícios Circunstanciais”, publicado em 1997 pela editora “Coivara”, de Natal (RN), ele narra o encontro ocasional:
"Eu nunca tinha visto seu retrato (do Che) nos jornais, porque não circulavam revistas ou jornais no seringal. Tinha ouvido seu nome através da Rádio Central de Moscou. Não me recordo bem o ano, creio ter sido em meados de 65 ou 66, eu estava caminhando do seringal para a cidade (de Xapuri). As pessoas costumavam fazer longas caminhadas pela BR-317, na estrada velha, em direção a Brasiléia ou Xapuri.. Eu estava cansado e parei no bar, no entroncamento, a 12 quilômetros de Xapuri. Naquele instante chegou um cidadão vindo das bandas de Rio Branco.
Demonstrava ser uma pessoa muito educada, encostou-se no bar e puxou conversa comigo e com outros que estavam próximos. Falou que tinha interesse em conhecer a selva amazônica, principalmente, os seringais e a selva boliviana. Indagou se eu era seringueiro, respondi que sim e há muitos anos. Perguntou se eu não gostaria de acompanhá-lo até os seringais da Bolívia, pois não tinha costume de caminhar na selva. Precisava de uma pessoa que conhecesse os varadouros e o levasse na direção da fronteira. Dava para identificar que não era brasileiro, misturava um pouco de português com espanhol.

Ele conduzia uma mochila, falou que possuía jóias que aproveitava para vendê-las e sobreviver durante o percurso. Não dispunha de muito dinheiro, mas perguntou quanto eu queria por dia para ir com ele até onde pudesse. Não aceitei o convite. Alguém me disse que era perigoso, podia ser um bandido. Não acreditei, mas não podia ir. Alguns meses depois, em Xapuri, passei diante da delegacia e um retrato me chamou atenção. Dizia que Che se encontrava em território boliviano para organizar o terror na região.
Fiquei abalado. Lembrei-me que havia visto e conversado com aquela pessoa no entroncamento. Nunca pude imaginar, pensei comigo mesmo, que aquela pessoa fosse um terrorista. Olhei várias vezes a fotografia. Não tive a curiosidade de pegar uma propaganda, um cartaz e guardar comigo. Tempos depois, ao ler o livro sobre a guerrilha do Che na Bolívia, reafirmei a convicção de que cruzei com ele. Posso afirmar com certeza, era o Che!”

Essa história exige a intervenção de um historiador ou pesquisador para confirmá-la. O norte-americano Jon Lee Anderson escreveu uma completa biografia de Che Guevara, publicada em português pela editora Objetiva, em 1997. Trata-se de um calhamaço de 920 páginas que encerra com a trágica aventura do grande revolucionário na Bolívia: Che foi assassinado por militares bolivianos a 9 de outubro de 1967, aos 39 anos de idade, na região do Beni, portanto não muito distante de Xapuri.
Elson Martins é jornalista acreano.
A foto de 1933 mostra o cearense João Xavier Martins que se transformou no João Barbeiro acreano, de pé ao lado da mulher Francisca Teixeira Martins com os filhos Juarez, Maria (a entrevistada, ainda no colo) e Chico