quarta-feira, 27 de abril de 2016

CONVITE - Lançamento de livro


Este livro é o resultado de releituras da minha dissertação de mestrado, defendida no programa de pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Acre, em 2008, na qual foram acrescentadas algumas discussões e excluídas outras. A minha proposta inicial era analisar a versão epopeica da história do Acre, divulgada pelo governo do Estado, durante as comemorações cívicas do centenário da Revolução Acriana. No entanto, o meu posterior ingresso nos estudos em Análise do Discurso obrigou-me a alterar quase que completamente minha proposta inicial.
Dentre os muitos livros que li durante o mestrado, os que mais me influenciaram foram os da linguista Eni Orlandi, dois em especial, a saber: Discurso Fundador: a formação do país e a construção da identidade nacional (1993) e Terra à Vista! Discurso do Confronto (1990). Nestes livros ela trata de temas próprios do campo da história, no entanto, utiliza ferramentas linguísticas para isso. Foi então que adotei o conceito de “discurso fundador” e modifiquei o título da minha pesquisa para O Discurso Fundador do Acre nas comemorações oficiais do Centenário da Revolução Acreana (1999-2003).
Como historiador, eu já havia tido contato com o conceito de “mito fundador”, utilizado pela filósofa Marilena Chauí (2000), no entanto, considerei-o inadequado para o propósito que eu almejava. Primeiramente porque aproximaria o meu estudo da antropologia; além disso, eu não tratava com explicações “irracionais” ou “lendárias” do passado; e também porque o meu interesse não era verificar como “algo imaginário”, fixado como origem, atualizava-se no tempo presente, nem mostrar como as tensões sociais de uma época foram dissimuladas em narrativas históricas. 
O que eu queria mesmo era estudar a produção, a circulação e a recepção de sentidos na escrita da história. Por isso, a ideia de “discurso fundador” pareceu-me mais convincente. No entanto, eu ainda era um neófito nos estudos linguísticos, e considerava possível transportar um discurso de uma certa temporalidade para outra sem que ele sofresse “deslizes” de sentido. É por isso que, na época, o meu objetivo se limitava em identificar as marcas interdiscursivas existentes entre a narrativa sobre a origem do Acre, divulgada pelo governo da Frente Popular durante as comemorações cívicas do Centenário da Revolução Acriana (1999-2003) e aquela que significou o Acre como brasileiro no final do século XIX e início do século XX.
Eu ainda não me havia dado conta de que as condições de produção dos discursos são determinantes na significação deles e que, por isso, as movências de sentido seriam inevitáveis. Apesar de ambos os discursos – os do final do século XIX e os do início do século XX – adotarem a mesma versão épica da origem do Acre, isso não queria dizer que o último seria a mera reprodução do primeiro. Tivemos que deixar de lado a pretensão de estudar a circulação do discurso fundador nas comemorações cívicas do Centenário e limitar nossas reflexões apenas às condições de emergência do discurso fundador do Acre propriamente dito. Por conta disso, o título final da dissertação ficou O discurso fundador do Acre: heroísmo e patriotismo no último oeste.
Após estudarmos dezenas de materialidades discursivas da época do processo de nacionalização do território que ficou conhecido como Acre, verificamos que dois foram os princípios de regularidades enunciativas que sustentavam a versão epopeica: o heroísmo e o patriotismo dos primeiros acreanos. A partir de então, procuramos compreender por que esses princípios emergiram e tornaram-se recorrentes nos discursos da época. Para tanto, utilizamos o método de “descrição arqueológica” praticada por Michel Foucault (2005).
Para contextualizar as condições em que escrevi a primeira versão deste livro, destaco que, em 2006, eu era um historiador que realizava um mestrado na área de Letras e que, ao iniciar a escrita da dissertação, estava muito preso aos debates marxistas (a “única” coisa que os professores da graduação em História se esforçavam em ensinar). Por isso, por necessidade pessoal, por questão de consciência acadêmica e como ato de renúncia à “herança” teórica que havia adquirido, resolvi escrever uma síntese dos pressupostos da Análise do Discurso (AD) e também do debate que existia em torno da ideia de “discurso fundador” (DF). O texto sobre AD serviu como um esboço para a redação de um outro livro que pretendo publicar ainda neste ano com o título Linguística para historiadores e cientistas sociais: uma introdução à Análise do Discurso. Já o texto sobre DF tornou-se o primeiro capítulo deste livro.
O segundo capítulo deste livro equivale ao terceiro da dissertação, mas totalmente reformulado e acrescido de novos textos. Nele, tratamos da emergência dos discursos que significaram a região do Juruá e Purus como estrangeira (boliviano e peruano) e brasileira (amazonense e acriano). Também analisamos os discursos que trataram a “Revolução Acriana” como um acontecimento fundador do Acre(ano) e aqueles que significaram tal origem como gloriosa. O terceiro capítulo foi escrito tomando por base o quarto capítulo da dissertação. Nele, procuramos compreender a emergência discursiva dos dois principais traços da identidade acriana: o heroísmo e o patriotismo.
A imagem do afresco A Criação de Adão (1508-10) de Michelangelo Buonarotti (1475-1564), utilizada na capa deste livro, representa o episódio da criação do primeiro homem por Deus, descrito no livro de Gênesis, o primeiro da bíblia. Inserimos a bandeira do Acre entre o dedo de Deus e o dedo de Adão como forma de ironizar a história do Acre, que supõe a criação desse povo como fruto da realização de heróis. Desde o primeiro livro venho questionando essa história epopeica do Acre e venho recebendo muitas críticas e até acusações desrespeitosas, tudo isso porque ousei questionar uma narrativa “sagrada”.
O Acre não foi uma dádiva dos deuses. Ele não surgiu das mãos do Criador, portanto, a sua origem não deve ser entendida como um espetáculo do Gênesis. O que eu fiz nesses quatro livros que publiquei foi, simplesmente, revelar “os pecados” daqueles que fizeram a história do Acre e a manipulação “beatificadora” daqueles que a escreveram. Por conta disso, é possível que um dia eu seja mais reconhecido como um analista de discurso do que como um historiador propriamente dito.


sexta-feira, 22 de abril de 2016

Representação Política e os Interesses no STR de Xapuri: os conflitos e os desafios dos anos 90.

XXVI Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-graduação em Ciências Sociais – ANPOCS 
GT. Trabalhadores, Sindicatos e a Nova Questão Social


Mauro Rocha[1] – PESACRE , Caxambu 2002.

Este artigo resume parte de uma pesquisa maior realizada no município de Xapuri, situado no Acre, Brasil, e apresentada ao Centro de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade – CPDA/UFRRJ, em 20 de dezembro de 2001, em formato de dissertação de mestrado. O seu objetivo central é analisar as transformações pelas quais passou a política sindical (tratada como interesse no texto) do STR de Xapuri decorridos mais de vinte anos de sua criação.
A pesquisa foi realizada no município de Xapuri, localizado na região do Alto Acre, em uma área de significativa relevância dentro da historiografia acreana, uma vez que nessa região ocorreram intensos conflitos fundiários entre brasileiros e bolivianos que resultaram na transformação dessas terras, antes bolivianas, em solos da federação do Acre.
 O STR de Xapuri origina-se em meados dos anos 70, enquanto extensão e continuidade desse processo de resistência e luta contra a dominação do poder político e econômico, na qual a empresa extrativista[2], que organizava as relações produtivas no interior dos seringais[3], representava o passado mais recente.
O caminho metodológico da pesquisa de campo consistiu, num primeiro momento, no levantamento dos arquivos do STR de Xapuri. Em seguida, essas informações foram complementadas com a realização de entrevistas, abordando diretamente as lideranças sindicais, membros sindicalizados, políticos locais, prefeitos, vereadores, líderes religiosos (padre, freira, bispo) representantes de organizações não-governamentais, como o Centro dos Trabalhadores da Amazônia – CTA, Conselho Nacional dos Seringueiros – CNS, Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Chico Mendes – Amorex, Cooperativa Agroextrativista de Xapuri – Caex, Partido dos Trabalhadores – PT, Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Acre – Fetacre, Fundação Chico Mendes. Algumas fontes documentais dessas instituições foram levantadas, principalmente em jornais, cartazes, relatórios.
O marco conceitual deste estudo insere-se no debate relativo à criação de grupos sociais e de interesses e de como ambos são construídos no mundo social. O tema do sindicalismo não representa a nossa opção teórica, mas ele converge para a nossa pesquisa, na medida em que elegemos uma organização dos trabalhadores rurais, mais precisamente um sindicato rural, como objeto de análise, para entender, a partir de um estudo de caso, como se constituem os grupos e os interesses[4].
Os interesses referem-se, neste trabalho, ao conjunto de demandas, reivindicações, projetos e propostas inscritos na agenda sindical e definidos como os temas prioritários para serem negociados junto ao aparelho estatal.
Bourdieu assinala que o mundo social constitui-se de espaços sociais que são apreendidos pelos agentes, conforme a lógica da diferenciação, isto é,
“...as representações dos agentes variam segundo sua posição e os interesses que estão associados a ela e segundo seu habitus como sistema de percepção e apreciação, como estruturas cognitivas e avaliatórias que eles adquirem através da experiência durável de uma posição no mundo social. O principal fator responsável pelas variações das percepções é a posição no espaço social” (Bourdieu, 1989: 163).
Nessa perspectiva, falar de grupo social (de uma organização sindical de trabalhadores rurais, por exemplo) e de espaço social significa reconhecer que o poder varia correlativamente à posição social, assim como seus interesses. O mesmo autor afirma que: 
“falar de espaço social é dizer que não se pode juntar uma pessoa qualquer com outra pessoa qualquer, descurando as diferenças fundamentais, sobretudo econômicas e culturais” (Bourdieu, 1989: 138). 
Por sua vez, Offe (1989) considera que para algumas organizações, como os sindicatos de trabalhadores, que são mais destituídos de poder político e econômico, se comparado às organizações patronais, existem alguns princípios, sem os quais, elas não conseguiriam sobreviver por muito tempo. O primeiro deles é que ser membro dos sindicatos tem valor em si mesmo; o segundo assegura que sem “disposição de agir” dos membros sindicalizados, a organização não consegue imprimir condições reais de mudança. É através dessas condições mínimas que se torna possível explicar casos reais de mudança na relação do poder:
“...aqueles em posição de poder inferior somente podem aumentar o seu potencial de mudança por meio da superação dos custos comparativamente mais altos da ação coletiva, através da mudança dos padrões de acordo com os quais esses custos são subjetivamente avaliados dentro da sua própria coletividade” (Offe, p. 70).
Neste sentido consideramos que os interesses assim como os grupos não estão dados na realidade social, nem são, a priori, definidos, mas são construídos e, por esse motivo, por estarem sempre por fazer-se, por constituir-se, buscaremos entender como foram elaborados os interesses coletivos de uma organização sindical de trabalhadores rurais específica, enfatizando seus diferentes momentos históricos.  
Este texto foi dividido em duas partes. Na primeira, exploramos as mudanças dos interesses sindicais a partir de uma sintética caracterização histórica sobre as condições que levaram à organização dos seringueiros e a formação do sindicalismo rural. Na Segunda parte, analisaremos como os seringueiros foram tendo necessidade de expressar seus interesses, por intermédio de distintas formas de representação como o CNS, Caex, PT, Fundação Chico Mendes, Amorex, CTA.

I – O deslocamento da luta pela terra no contexto da nova ordem econômica
Só em meados dos anos 70 que os seringueiros conseguiram constituir organizações capazes de representar efetivamente seus interesses. A forma de organização da produção, bem como as relações de dominação políticas edificadas na região, tornaram-se nos principais obstáculos à organização e manifestação desse segmento social subalterno antes deste período. Essa organização dos interesses coletivos e a estruturação representativa desses interesses será acelerada na referida década, com o início da "modernização" no campo acreano.
Na década de 70, com a intensificação da crise da borracha, produto âncora da economia do Acre, iniciou-se o processo de expansão da fronteira agropecuária, que foi acelerado com a  divulgação de incentivos fiscais da União e do Governo do Acre (1970-75). A falência dos patrões seringalistas refletida na dívida contraída junto às agências financeiras, como o Banco da Amazônia – Basa, colocou o valor das terras da região a preços irrisórios. Isso gerou uma corrida acelerada, uma vez que o governo estadual  investia na divulgação para os empresários do sul do país que os interessados em aplicar capitais no Acre seriam agraciados por uma política fiscal favorável, além de linhas de financiamentos a juros facilitados.
Os conflitos no campo pela posse da terra agravaram-se, nessa época, com a chegada dos “paulistas”[5], no início daquela década, que seriam os novos proprietários dos seringais acreanos, e que após adquirirem os títulos das terras começavam a providenciar a expulsão dos seringueiros que nelas moravam. O STR de Xapuri ergue-se e consolida-se, nesse momento de forte tensão no meio rural acreano, tendo como principal bandeira/interesse política a luta pela garantia da terra. Para isso, contou inicialmente com o respaldo da Contag e da Igreja Católica, posteriormente teve apoio do governo estadual de Geraldo Mesquita (1975-79).
Em 1975, surgem os primeiros sindicatos de trabalhadores rurais[6] no Acre. Entre os anos de 1975 a 1977, foram fundados sete sindicatos[7] de trabalhadores rurais: os de Brasiléia e Sena Madureira, em 1975; em 1976, os de Rio Branco, Tarauacá e Cruzeiro do Sul e, por fim, os de Xapuri e Feijó, em 1977. Os sindicatos rurais chegaram a reunir, em 1980, aproximadamente 15.000 mil filiados conforme noticia o Jornal O Varadouro. O STR de Rio Branco, por exemplo, em 1979, representava nada menos que 3.553 sindicalizados; Xapuri apresentava, em 1984, a cifra de 4.000 mil filiados (Paula, 1991: 170).
Tendo-se garantido a terra para muitos seringueiros, com a criação das áreas extrativistas[8], os focos de conflitos fundiários reduziram-se a pequenas áreas de seringais. Com isso, os problemas deslocaram-se para questões de ordem mais econômico-produtivas, bem como infra-estrutura social. No que diz respeito a essas questões sócio-econômicas, verificamos que os seringueiros, que inicialmente cortavam seringa para a produção de borracha e coletavam castanha, nos dias atuais, praticam agricultura de subsistência, piscicultura, criação de pequenos animais, criação de gado. Implantaram sistemas agroflorestais[9], diversificaram a produção e começaram práticas de manejo florestal dos recursos madeireiros nas áreas extrativistas. Constatou-se um crescimento das áreas desmatadas, nas unidades extrativistas, acompanhadas pelo aumento da pecuária. Importa mencionar, que os dois principais produtos (castanha e borracha) sofreram uma redução média de 70% de suas produções, sendo que a borracha, principalmente, vem tornando-se cada vez mais uma atividade secundária nas unidades extrativistas como o PAE Chico Mendes. Inversamente, a pecuária bovina apresentou-se como um setor bastante dinâmico na economia da região, ofertando produtos como carne, leite e derivados para abastecer o mercado interno, sendo o excedente voltado para exportação (Paula et all, 2000). 
No PAE Chico Mendes, em 1988, existia 136 cabeças de gado distribuídas em trinta colocações. Até 1996, esse número chegou a 698 cabeças espalhadas em cinqüenta colocações.  Nesse sentido as áreas de pastagens refletiram aumento significativo no estado. Houve um incremento de 114% de 1985 para 1995/6. A produção agrícola apresentou crescimento nas culturas de milho e mandioca (15%), arroz (12%), e banana (8%). Enquanto que as culturas perenes mantiveram baixa representatividade (Paula, et allii, 2000).   
Houve, de fato, o deslocamento da luta pela terra para a sustentabilidade na terra; entretanto, passou a vigorar o seguinte questionamento: tendo sido a terra assegurada, como garantir agora a permanência desses seringueiros na mesma, como garantir a sustentabilidade dessas reservas? Nesse sentido, as principais demandas passaram a priorizar linhas de financiamentos, créditos com juros compatíveis e a baixo custo, abertura e recuperação de ramais, sistema de armazenamento para produção (como galpões e armazéns), sistema de transporte para o escoamento da produção, mercado para comercialização dos produtos, preço para os produtos, formas alternativa de produção, construção de açudes, assistência técnica, condições de saúde (postos de saúde, agentes de saúde, medicamentos, saneamento básico, melhoramento das qualidades de água, do sistema sanitário), educação (construção e recuperação de escolas, ampliação das séries, contratação e qualificação de professores), serviços previdenciários, aposentadorias, auxílio maternidade, documentos pessoais (carteiras de identidade, registros de nascimento, casamentos, dentre outros documentos).
Os cursos de capacitação foram bastante demandados pelos seringueiros, em função dessas transformações, nas quais se destacavam novamente as preocupações econômicas. Os principais cursos realizados foram de associativismo e cooperativismo, gestão administrativa e princípios de contabilidade, manejo de sementes de espécies florestais, sistemas agroflorestais, viveiros e produção de mudas, tratos culturais em plantios perenes, olericultura, piscicultura, apicultura, criação de aves e suínos, enxertia, melhoramento da farinha de mandioca, corte e costura, saúde preventiva (tratamento de água e construção de fossas), alfabetização, desenvolvimento comunitário, organização e funcionamento dos núcleos de bases da associação.

II – Quando novas organizações entram em cena
Essas transformações dos interesses do STR de Xapuri ocorreram, entretanto, concomitante à formação de um conjunto de organização de representação econômica, política, e socio-cultural, que foram criadas direta e/ou indiretamente a partir da matriz sindical para dar conta deles,  sendo que o traço mais emblemático dos anos 90 diz respeito à perda da exclusividade do STR de Xapuri no processo de representação política dos interesses dos seringueiros, em função do surgimento destas entidades de intermediação na medida em que ocorreu um processo de disputa e divisão de tarefas. Referimo-nos à criação da Cooperativa Agroextativista de Xapuri – Caex, criada em 30 de junho de 1988 para dar conta do processo de comercialização que sempre se constituiu num obstáculo para os seringueiros, pois foi nele que o patrão ancorou sua dominação; da Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Chico Mendes – Amorex em 1993 em função da necessidade de haver uma entidade para administrar e gerenciar a Reserva Chico Mendes; a Fundação Chico Mendes surgida após o assassinato de Chico Mendes em dezembro de 1988 objetivando dar continuidade à luta e memória do líder maior do movimento sindical; do Centro dos Trabalhadores da Amazônia – CTA em 1993 com vistas a atender a carência educacional dos seringueiros dado a alto índice de analfabetismo; do Conselho Nacional dos Seringueiros – CNS em 1985 pois a luta pela terra era indissociável da luta política; e do Partido dos Trabalhadores – PT em 1980 como espaço de mudança estrutural.
Isso reverteu a dinâmica do STR de Xapuri, tornando secundário, ou menor, o seu papel, ou restringindo-o aos assuntos previdenciários (também devido aos seus próprios limites jurídicos, objetivos e alcances representativos), com o surgimento de uma série de organizações que passaram a realizar as funções anteriormente desenvolvidas pela organização sindical.
Embora a maioria dessas entidades tenha surgido na década de 80, portanto, em épocas em que o sindicato ainda exercia o monopólio da representação dos seringueiros, elas somente passaram a afetar, de fato, o sindicalismo com as resoluções dos conflitos por terra, que deslocaram o eixo de resistência desses trabalhadores para questões de ordem mais econômica e social. O assassinato de Chico Mendes fragilizou a organização sindical, bem como a aproximação exacerbada ao PT, com a eleição de candidatos da FPA. Na verdade, o partido político (PT) passou a ser um dos canais privilegiados, por excelência, pelas lideranças sindicais.
Em linhas gerais, o sindicato deixou de ser o mediador principal dos seringueiros[10], porque o conjunto de organizações criadas, aos poucos, foram desempenhando as funções realizadas pela organização sindical, como ilustra bem o caso relativo à administração da Reserva Chico Mendes, que passou a ser conduzida pelas direções da Amorex, CNS e Caex[11] (Esteves, 2001).
As grandes articulações nacionais e internacionais ficaram, por exemplo, por conta do CNS, como as demandas para criação de mais reservas extrativistas, preço para a borracha, projetos e propostas alternativas de desenvolvimento "sustentáveis", linhas de financiamento. Os programas educacionais ficaram sob a responsabilidade dos dirigentes do CTA. O PT passou a exercer mais atração entre as lideranças sindicais e, através de seus núcleos de base nas áreas rurais, promoveu a organização política dos seringueiros e trabalhadores rurais, com ênfase na participação político-partidária. A Fundação Chico Mendes passou a responder pelas questões de ordem econômica como o escoamento e melhoria no sistema de transporte, por exemplo.
No entanto, os limites entre essas entidades, por serem de natureza distinta, nem sempre foram nítidos, quase sem exceção, como pudemos comprovar com a recorrência dos temas, nas atas, nas entrevistas, na prática. Houve uma concorrência pela representação dos seringueiros, sendo que havia uma diferença central entre elas e o sindicato, qual seja, a de que os cargos de diretoria das primeiras eram, quase que invariavelmente, comissionados e/ou remunerados. Muitas lideranças sindicais acostumadas com sistemas de rodízio e sem remuneração direta não se resignaram em se aproximar mais desses espaços representativos (CNS, Amorex, Caex, CTA, Fundação Chico Mendes, PT/prefeitura municipal), visto que elas lhes rendiam mais conforto econômico.
Conseqüentemente, essas lideranças ficaram mais burocráticas, ou seja, passaram a se restringir aos afazeres institucionais e à manutenção da estrutura física e financeira de suas entidades, submetendo-se, de maneira passiva, à aprovação de projetos de desenvolvimento econômico por parte dos agentes financeiros externos. Isso acarretou um maior distanciamento das lideranças sindicais das bases, até mesmo pela insuficiência de lideranças, mas sobretudo porque o trabalho de organização política, nas comunidades, na base não foram priorizados. A desestruturação das delegacias sindicais, bem como a falência dos núcleos da cooperativa refletiram um pouco esse distanciamento.
Segundo Esteves (2001), essa situação ocorreu em função das determinações econômicas que desprenderam as decisões do âmbito do seringal, das comunidades, para a cidade. E inseriram conseqüentemente as lideranças sindicais no mundo administrativo de gestão financeira e institucional, imposto pela própria necessidade trazida pelas organizações que o STR de Xapuri direta e/ou indiretamente ajudou a criar. Essas mutações incidiram no perfil da liderança sindical que hoje assemelha-se a de um administrador.
Esse processo foi influenciado pela "redemocratização" do país e a conseqüente reformulação da Constituição, em 88, que estenderam direitos sociais para os segmentos populares mais destituídos de poder; houve uma certa incorporação dos “debaixo”. Começaram, assim, a surgir canais públicos de participação política nas diferentes esferas municipais, estaduais e federais, como as comissões, os conselhos, os fóruns, que asseguraram a participação de organizações representativas dos segmentos subalternos, como os sindicatos e federações, por exemplo.
Ocorreu, então, com a criação desses espaços de participação pública, um redirecionamento das estratégias sindicais que passaram a priorizar esses canais, como locus privilegiados de intermediação dos seus interesses, de suas demandas. Em conseqüência disso, formas de luta como manifestações e ocupações de prédios e praças públicas ou mesmo como os “empates”[12] praticamente desaparecem. No caso dos "empates", a criação das áreas extrativistas explica essa condição. Desse modo, os conflitos sociais passaram a ser resolvidos não mais pelo enfrentamento "aberto" ou pela força, mas nas mesas de negociações. Logo, as concepções sobre o Estado foram sendo redefinidas. Ele passou a ser visto não mais como inimigo, como nos anos 70/80, mas como interlocutor e parceiro (Gohn, 1997).
Essa aproximação tornou-se mais evidente, no Alto Acre, no nível municipal com a eleição de uma liderança dos seringueiros, para a prefeitura de Xapuri e, no estadual, com a eleição de Jorge Viana, para o governo do Acre. O STR de Xapuri e, outros sindicatos, bem como as Ongs, com poucas exceções, passaram a estar cada vez mais próximos desses governos, através dos projetos de parcerias institucionais e programas de fomento econômico, intermediados pelas secretarias executivas estaduais e municipais. Essa relação[13] tem minado, num certo sentido, o poder de autonomia dos sindicatos, em função dos acordos financeiros e dos projetos de parcerias, que cortam rasteiro as possibilidades de críticas e contestação.
Offe (1989) considerou – e sua posição aplica-se perfeitamente para o caso em estudo – que ocorrem processos de despolitização da vida pública, redução dos conflitos sociais, a partir do momento em que os líderes sindicais, com status público, funcionarem como extensão do controle governamental. Em outras palavras, o autor sustenta que os grupos de interesses, como os sindicatos, quando assumem status públicos, têm seu poder de pressão reduzido, porque qualquer questionamento feito ao governo atingiria também os sindicatos.
“Qualquer atribuição de status significa que, por um lado, os grupos auferem vantagens e privilégios, mas por outro, têm de aceitar certas limitações e obrigações restritivas. Em um caso típico, o acesso a posições decisórias no governo é facilitado por meio do reconhecimento político de um grupo de interesse, mas a organização em questão torna-se sujeita a obrigações mais ou menos formalizadas, como por exemplo o comportamento responsável e previsível e a abstenção de demandas não-negociáveis ou táticas inaceitáveis” (Offe, 1989. p. 240-241).
Nesse contexto institucionalizado das negociações, as reuniões e os encontros tornaram-se as atividades mais freqüentes de atuação das lideranças sindicais de Xapuri. Às vezes, acontecia de ocorrer várias reuniões num mesmo dia, coincidindo, inclusive, em alguns casos, os horários das mesmas. Em função do escasso quadro de lideranças sindicais e do acúmulo de tarefas e atividades, esses mesmos dirigentes não encontravam mais tempo para voltar às bases, para ouvi-las e informá-las sobre as ações do sindicato e as decisões que deviam ser tomadas. Desse modo, as decisões passaram a ser tomadas no nível das lideranças, expressando certo nível de centralização política decorrente do baixo grau de rotatividade dos quadros sindicais. Esses aspectos sinalizam para o trabalho de organização de base que ficou relegado ao plano secundário.
Os conselhos e comissões tornaram-se os principais meios de interlocução/reivindicação dos dirigentes sindicais. O STR de Xapuri, bem como os outros porta-vozes dos seringueiros, CNS, Caex, Amorex, Fundação Chico Mendes, passaram a participar de conselhos municipais de saúde, educação, orçamento participativo; das comissões junto ao Basa para o estabelecimento de critérios relativos a financiamentos do FNO/Procera/Prodex; junto ao Incra e Ibama, na definição de áreas de conflitos a serem arrecadadas para fins de reforma agrária, na seleção dos assentados; junto ao Instituto de Meio Ambiente do Acre – Imac, para o licenciamento de queimadas e combate ao fogo; de conselhos estaduais (Conselho Estadual de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente - Consectma) e federais (Conselho Nacional do Meio Ambiente - Conama) de meio ambiente.
Nos conselhos estaduais e federais, a participação aconteceu, porém ela se deu no nível de Federação e do CNS. Esses conselhos e comissões foram criados dentro das estruturas correspondentes, ou seja, os conselhos municipais de educação ou saúde, por exemplo, foram criados pela secretaria de educação ou saúde. O mesmo aconteceu com o orçamento participativo que se consolidou na esfera da administração municipal, e assim por diante. Como dissemos, esses mecanismos institucionais foram favorecidos pela Carta Magna de 88, que ampliou os direitos políticos com espaços públicos de participação popular.
A conquista da “redemocratização”, segundo o assessor do CNS, fez com que os dirigentes sindicais se aperfeiçoassem. As lideranças sindicais têm que estar mais preparadas para a negociação política. Mas os dirigentes têm dificuldades em lidar com este momento. A participação nos espaços públicos pegou as lideranças sindicais despreparadas, porque estavam restringidas, sobretudo, pelo analfabetismo[14] e pela falta de uma “visão mais ampla” das relações políticas, pois muitas vezes as lideranças sindicais que participam dos espaços decisórios não sabem as dimensões das questões que são tratadas, não têm conhecimento dos interesses simbólicos subentendidos às mesmas.
Contudo, a ampliação dos espaços institucionais de participação pública teve repercussão no trabalho de base. As lideranças e porta-vozes sindicais, por estarem em número bem reduzido e por essas funções se darem no âmbito da cidade, não encontravam mais tempo para voltar às comunidades, no interior dos seringais. Além do mais, o envolvimento em outros espaços de representação como a Caex, Amorex, CTA, CNS, Fundação Chico Mendes, produziu um tipo de liderança sindical mais profissionalizada, quer dizer, mais burocrática. O dinheiro passou a influir na organização sindical. Então, quando havia qualquer dificuldade para ir as áreas, já tinha o rádio; os encontros passaram a ser organizados através de avisos pelo rádio, assim como os cancelamentos. Ter que andar longas distância, anteriormente costumeiras, era motivo de transferir a reunião para uma outra data, quando houvesse carro para fazer o transporte. A pauperização das delegacias sindicais, nas comunidades, juntamente com os núcleos da cooperativa refletiu um pouco desse abandono[15].
O exemplo das mulheres (não politizadas pelo sindicato), responsáveis pelo aumento do número de sindicalizados, é ilustrativo do papel que o sindicato ocupa hoje, uma vez que, ao se filiarem ao STR de Xapuri, para conseguir o auxílio-maternidade, tornaram-se as primeiras inadimplentes, passados os quatros meses de vigência do benefício. Essas mulheres procuram o STR de Xapuri somente nos momentos em que precisam dele, restringindo-o às funções de mera assistência social. Paula (1999) assemelha esse tipo de política sindical às práticas políticas clientelistas e paternalistas enraizadas na política brasileira, mas muito presente particularmente no Acre. No plano nacional esse assunto encontra eco na análise de Schwatzman (1982). Na esfera local, foi recentemente bem tratado por Silva (2001), que respalda aquela afirmação.  
O aspecto político partidário, dentro desse quadro, não tem menos relevância do que os outros elementos observados. Nesses espaços institucionalizados de participação sindical, as concepções políticas têm influência decisiva, e são lá que elas se afloram. Tanto em Xapuri, quanto no nível estadual, o PT, tem hegemonia entre as organizações sindicais, inclusive da federação. Atualmente, somente o STR de Rio Branco não está filiado a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Acre – Fetacre, porque mais aproximado do PMDB. Importa dizer que, nos períodos passados, essa situação era inversa. A influência petista na federação, e nos governos municipais e estaduais, data de meados dos anos 90. 
No entanto, apesar da fragilização política o STR de Xapuri conseguiu aumentar significativamente o número de membros sindicalizados. O STR de Xapuri reúne hoje 1.601 membros sindicalizados. Essa situação era muito mais desfavorável, nos anos anteriores, quando, em termos numéricos, o STR de Xapuri agregava menos de 500 trabalhadores rurais, todos basicamente seringueiros.
Nas unidades extrativistas, como no PAE Chico Mendes, o STR de Xapuri tem hegemonia em relação as outras formas de organização social. Quase 100% dos moradores dessa reserva são sindicalizados. A Caex vem em segundo lugar com 87% da preferência dos moradores; a associação representa 62,50%;os centros comunitários agregam 12,50%; os grupos de evangelhos reúnem 12,50%. No seringal são Miguel, ainda em processo de regularização fundiária, 60% dos moradores são sindicalizados.
É inquestionável o crescimento do índice de sindicalização do STR de Xapuri na década de 90, e indiscutível o grau de representatividade alcançado pelo sindicato na zona rural do município, inclusive existem trabalhadores de outros municípios que são filiados a esse sindicato. Todavia convém sublinhar que o poder de mobilização sindical alcançado nos períodos anteriores não se revertia em termos formais no aumento do contingente efetivo de seringueiros sindicalizados, por vários motivos, dentre os quais três deles merecem destaque. O primeiro refere-se ao fato de a mulher não ter participação formalizada no sindicato. O segundo tem a ver com o próprio momento da luta política. E o terceiro diz respeito à criação de outros espaços de mediação das lutas dos seringueiros.
Apesar do efetivo poder de mobilização do STR de Xapuri que, segundo Paula (1991), chegou a reunir cerca de 4.000 seringueiros, em 1984, esse sindicato somente conseguiu formalizar cerca de 500 membros sindicalizados. No ano de 1988, o STR de Xapuri contabilizou 411 sócios. No ano seguinte, a taxa de sindicalização decresceu para 368 filiados, sendo que, no inicio da década de 90, o índice sindical caiu ainda mais, chegando na faixa de 227 sindicalizados regularizados.
Em termos gerais, esse crescimento do número de sindicalizados pode ser explicado pelo progressivo aumento da participação da mulher na organização sindical; em segundo lugar, merecem destaque os direitos previdenciários, de aposentadorias, auxílio maternidade.
É evidente, nos últimos anos, que o aumento do número de sindicalizados no STR de Xapuri, prendeu-se aos direitos sociais previdenciários. Essa situação reflete as próprias mudanças da luta política do sindicato, com a resolução dos conflitos por terra. Houve um aumento expressivo do número de mulheres seringueiras, trabalhadoras rurais, no sindicato, como forma de assegurar o recebimento desses direitos, sendo possível considerá-los como um dos principais responsáveis pela elevação da taxa de sindicalização. Apesar desse crescimento numérico e quantitativo de sindicalizados, o STR de Xapuri amargou a perda do seu monopólio de representação dos seringueiros, conforme pontuamos anteriormente.
No entanto, nos anos 90, apesar do esvaziamento sindical ter ficado patente, o STR de Xapuri ainda conseguiu promover algumas mobilizações políticas para obtenção de créditos junto ao Fundo Constitucional do Norte-FNO/Prodex. Esta luta é que tem exercido poder de atração na base sindical. Em função dela, os seringueiros participaram, em 1993 e 1995, do Grito da Terra, movimentos liderados nacionalmente pela Cut e Contag, que na Região Norte do país, promoveram acampamentos e ocupações nas agências do Basa, em várias capitais, envolvendo milhares de trabalhadores rurais. No Acre, essas mobilizações abrangeram, em média, 800 trabalhadores rurais.
A luta contra a retirada de madeira ilegal nas áreas das RESEX tem sido motivo de encontros nacionais. Em março de 1993, os STRs juntamente com o CNS realizaram o Empate Amazônico Contra a Fome e a Devastação da Floresta com o objetivo de pressionar o governo federal para ajustar o preço da borracha. Esse movimento contou com várias manifestações, nos municípios acreanos, e com o fechamento, por duas horas, do Ministério da Fazenda, em Brasília, por uma caravana composta por 200 trabalhadores da região Norte (Holanda, 1996).
Em 1992, foi realizado o III Encontro Nacional dos Seringueiros, em Rio Branco, com a participação de 169 delegados, representando 8 estados (Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Pará Mato Grosso e Rondônia) tendo como principal bandeira a vinculação da questão ambiental à reforma agrária. Em 1995 e 1998, foram realizados o IV e V Encontro Nacional dos Seringueiros, respectivamente, com representantes de todos os estados que formam a Região Amazônica Brasileira. Neles, as reivindicações centravam-se nos temas de reforma agrária, questões de crédito, produção e mercado, organização de base e exigência dos direitos sociais básicos de saúde, educação, previdência.
Em dezembro de 1998, o Grupo Pesacre, com apoio de várias ONGs, empresas governamentais e organizações de produtores rurais extrativistas, como Fetacre, STR de Xapuri, CNS, etc., organizou a 1ª Feira dos Produtos da Floresta - Flora de Xapuri, em memória aos “Dez anos sem Chico Mendes”.
Paralelamente a este evento, o CNS promoveu o 1º Encontro dos Seringueiros da Amazônia, em Xapuri, financiado pelo Banco Mundial, nele houve a participação de mais de 250 seringueiros. Apesar da importância do evento, realizado entre os dias 17 a 22 de dezembro de 1998, ele refletiu a desorganização do movimento confirmada pela desarticulação das atividades programadas pelo CNS e pelo STR de Xapuri.
Os dirigentes e sindicalizados do STR de Xapuri ainda participaram de outros eventos organizados nacionalmente pela Contag e CUT com apoio das Fetags e STRs. As principais mobilizações foram o 7º Congresso Nacional de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, de 30 de março a 3 de abril de 1998, objetivando avançar na construção de um projeto de desenvolvimento rural sustentável (com cooperativismo, escolas, saúde, educação, etc.); o 8º Congresso Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, realizado durante os dias 14 a 17 de março, em Brasília, que tinha como objetivo avançar na construção de projetos alternativos de desenvolvimento rural sustentável; a Marcha das Margaridas, em Brasília, no dia 10 de agosto, contra a fome, a pobreza e a violência sexual feminina. Essa marcha reivindicava o fortalecimento de um projeto alternativo de desenvolvimento rural sustentável.
Também ocorreram eventos mais relacionados às lutas por igualdade de gênero das mulheres trabalhadoras rurais nos quais o STR de Xapuri se fez representado, são eles: IV Conferência Mundial da Mulher, em setembro de 1995, em Beijing - China; II Encontro Estadual de Mulheres do Acre, em abril de 1998; Encontro Internacional de Solidariedade entre Mulheres, realizado em Havana/Cuba, 1998; Seminário Saúde da Mulher e Direitos Reprodutivos, janeiro de 1998; I Encontro Interestadual de Mulheres Trabalhadoras da Floresta, em setembro de 1998, em Rio Branco; I Encontro Internacional de Mulheres da Floresta, em dezembro de 1998, em Rio Branco/Ac (Comitê 8 de Março, 1999). Nesses encontros, foram abordados temas relacionados à saúde da mulher, direitos humanos, combate à violência, trabalho, renda, combate à pobreza, educação, comunicação, participação política.
O STR de Xapuri organizou e participou de outros encontros como o Encontro Municipal Sobre Saúde: homeopatia e fitoterapia; Encontro da 3ª
A realização desses eventos políticos, sua capacidade de mobilização política, assim como a repercussão, no plano nacional, expressam por si só o grau de reconhecimento político desse segmento social. No plano material, embora as condições de vida dos seringueiros sejam muito precárias e estejam muito aquém de ideais, elas melhoraram significativamente, em termos econômicos e sociais. O conjunto de políticas públicas com a intenção de responder as demandas específicas dos seringueiros, que foram mediadas por diferentes organizações, pontuadas ao longo do texto, comprovam como os seringueiros institucionalizados conseguiram introduzir, viabilizar direitos reconhecidos nas políticas públicas.

III – Considerações finais

 Em termos gerais, a luta pela terra e a busca do reconhecimento político e autonomia econômica foram os temas que permearam amplamente todo o processo de formação e consolidação do STR de Xapuri. Nesse sentido foram criadas as unidades extrativistas em Xapuri (PAE Chico Mendes e Reserva Extrativista Chico Mendes), além de áreas municipais como os pólos municipais agro-extrativistas. Mais de 60% das terras de Xapuri foram destinadas ao uso dos seringueiros na forma desses modelos de assentamentos extrativistas que inovaram a política de reforma agrária no país. Recentemente decretaram-se mais dois projetos de assentamentos em Xapuri, PAE Equador e PA Tupá, sendo que o primeiro é agro-extrativista e o outro no modelo tradicional. Com a resolução de grande parte dos conflitos por terra no campo em Xapuri, os conflitos ficaram muito localizados, restritos a pequenas áreas. Os problemas passaram a ser de ordem econômico-produtiva, ligados a temas relacionados com a diversificação produtiva e o aumento da produtividade, ao mercado, avanço tecnológico; e de reivindicação de direitos sociais básicos como saúde, educação, saneamento, previdência social. A mediação dessas demandas foi feita por um conjunto de organizações como cooperativa, associação, fundação, partido político, Ongs, CNS.
Entretanto, essas conquistas políticas trouxeram uma série de implicações para STR de Xapuri sobre diferentes aspectos, a iniciar pela perda do monopólio da representação política dos seringueiros. O STR de Xapuri deixou de ser o mediador, por excelência, com a criação dessas organizações, na medida em que ocorreu um processo de ‘divisão de tarefas’, fragmentação das bandeiras e disputas (concorrências) políticas. Logo, ocorreu um processo de profissionalização e burocratização das lideranças sindicais ocasionado pelas exigências do mercado e pelos avanços políticos nacionais no mundo dos direitos (ampliação dos espaços públicos de participação política) que deslocou o seringueiro para o âmbito da cidade onde acontecem as transações comerciais e ocorre a participação política nos espaços públicos institucionalizados.
Mesmo sem o monopólio da representação dos seringueiros, o STR de Xapuri, conseguiu ampliar significativamente o numero de trabalhadores rurais sindicalizados. Os pedidos dos direitos sociais, junto ao INSS, como aposentadoria e auxílio maternidade foram os principais responsáveis por esse resultado.
No plano da política sindical, a organização política das bases teve papel secundário dentro da agenda sindical do STR de Xapuri. Exemplo disso são as delegacias sindicais, os cursos de formação de lideranças, que ficaram relegadas ao segundo plano. Como conseqüência disso, passou a se esboçar um quadro bastante limitado de lideranças sindicais, implicando em baixa rotatividade entre os cargos do STR de Xapuri e das outras organizações do “movimento sindical”, num contexto de forte conotação de centralização política sindical. Ademais, ficou evidente a atração política das lideranças sindicais pela via partidária. O partido passou a exercer uma posição importante dentro deste quadro político, a canalização das demandas se dariam dentro dos parlamentos, do legislativo e executivo municipal e estadual, como ficou explícito no decorrer do texto. Recentemente o atual presidente do CNS, por exemplo, declarou que concorreria ao parlamento numa candidatura para deputado estadual pelo PT, nas próximas eleições majoritárias, em outubro de 2002.   
Entretanto essa relação com o partido (PT) condicionou, o poder de mobilização e pressão sindical, minando sua autonomia política. Esse cenário se consolidou com a conquista da prefeitura de Xapuri e do governo do Estado pela FPA, onde o PT é o partido hegemônico. Através de processos políticos de cooptação, muitas lideranças sindicais foram absorvidas pela esfera estatal e municipal, assim como por outras formas de organização de mediação dos seringueiros.
Finalmente, procuramos demonstrar que foi inquestionável o papel desempenado pelo STR de Xapuri no processo de organização e "autonomia" dos seringueiros da região do Alto Acre, particularmente do município de Xapuri. Os desafios postos diante desse sindicato – no sentido de continuar, mesmo que simbolicamente – para afirmar essa posição no presente e futuramente, ainda são enormes.

IV – BIBLIOGRAFIA

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[1] O autor, sociólogo, e MSc. em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade – CPDA/UFRRJ, é pesquisador do Grupo de Pesquisa e Extensão em Sistemas Agroflorestais do Acre – PESACRE. E-mail: maurorocha@pesacre.org.br ; maurorocha@uol.com.br  . 
[2] Empresa extrativista refere-se as relações de produção que  articulavam, sob a lógica do sistema de aviamento, o seringueiro, o seringalista, o aviador e o exportador como agentes participantes de um processo que funcionava sob a dominação do capital, no estágio do capital mercantil, portanto capital mercadoria que se limita à esfera de circulação, nas formas de capital mercadoria e capital dinheiro e nunca a de capital produtivo; era o capital das grandes potências que fazia funcionar a empresa do seringal nativo isto porque as casas exportadoras estavam diretamente ligadas ao capital monopolista internacional, que em última instância, detinha o controle do sistema de aviamento (Silva, 1982).
[3] O seringal, enquanto lugar de produção, estava dividido em duas subunidades: a “margem” e o “centro”.A margem fazia referência aos lugares localizados próximos das beiras dos rios. Geralmente, ali estava centralizada a parte comercial e administrativa do seringal, dotado das seguintes instalações: barracão, depósitos auxiliares, residência do patrão e do pessoal que trabalhava nestas instalações. O “centro” localizava-se no interior do seringal (formado por extensas áreas de floresta densa), aberto por uma pequena clareira. Nele o seringueiro morava com sua família e produzia a borracha. O “tapiri” (casa do seringueiro) e a “barraca de paxiúba”  (local onde o seringueiro produzia a borracha) eram as duas instalações principais. A “margem” funcionava como unidade comercial e administrativa, onde ficava a sede chamada de “barracão”.
[4] A noção de grupos e de interesses é que orientou a base teórica desta pesquisa durante suas fases. Os interesses estavam na própria necessidade dos agentes sociais e na própria natureza do nosso “objeto de pesquisa”, o sindicato, que tem por obrigação, caso queira manter-se de pé, transformar os anseios, as necessidades, os individualismos em interesses coletivos e encaminhá-los para serem reconhecidos, pois as organizações sindicais de trabalhadores não conseguem sobreviver, se laços de solidariedade não envolverem as lideranças e as bases sindicais (Offe, 1989).
[5] O termo “paulista” tem conotação política e sentido pejorativo e foi usado para designar os fazendeiros, empresários, e especuladores do Centro-Sul do país que vieram para o Acre atraídos pelas facilidades governamentais oferecidas àqueles interessados em investir na região. Muitos entraram no mercado de terra. A crise da borracha havia deixado as terras a preços bem inferiores aos praticados no mercado. A partir desse período, o setor primário passa a ter como eixo econômico a produção da pecuária de corte e extração madeireira, em substituição ao extrativismo do látex. Inicia-se concomitantemente a esse processo, a expulsão dos seringueiros que moravam nesses seringais. O termo “paulista” surgiu, portanto, no auge dos conflitos por terra no campo, da veia do movimento sindical.
[6] Porém, antes de serem criados os sindicatos rurais existiram distintas formas organizativas dos trabalhadores que reuniam trabalhadores de diferentes atividades produtivas, do campo e da cidade. Em inícios dos anos 60 formaram-se os “núcleos socialistas” do PCB, constituído exclusivamente por trabalhadores urbanos, como estivadores, professores, trabalhadores da construção civil, dentre outras atividades citadinas; as Ligas Camponesas em 1963, lideradas por algum militante oriundo das Ligas do Nordeste, que reuniam pequenos agricultores situados nos arredores da capital Rio Branco em 1963; a Cooperativa Nossa Senhora da Conceição que agregava os colonos, da área do antigo seringal Belo Jardim, em Rio Branco; e o STR de Rio Branco em princípios de 1964, envolvendo trabalhadores rurais de atividades distintas (Costa Sobrinho, 1992). No Acre, ao contrário do que ocorreu no restante do país, o PCB não se organizou no campo para disputar a representação dos trabalhadores, limitando-se a organizar os trabalhadores urbanos (Fernandes, 1999). Sobre a atuação do PCB no contexto nacional, ver, dentre outros, Medeiros (1989); Costa (1994). No caso das Ligas Camponesas, convém salientar, que elas não tiveram a mesma expressão política que as Ligas do Nordeste, ficando restritas as áreas de colônias localizadas nos arredores da capital Rio Branco, sendo que não se têm notícias que seringueiros tenham participado delas. Essa pouca expressividade política pode encontrar explicação, no plano local, pela exacerbação do poder político do executivo, muito mais extremado nas regiões mais "atrasadas". Este traço pode ser conferido em Silva, 2002.
[7] Atualmente no Acre apenas 3 municípios dos 22 existentes não possuem sindicatos rurais formados. São eles: Rodrigues Alves, Marechal Taumaturgo e Porto Walter. Os trabalhadores rurais desses municípios ou se filiam no STR de Mâncio Lima ou no de Cruzeiro do Sul. Depois da criação do STR de Xapuri foi criado em 1983 o STR de Plácido de Castro; em 87 o STR de Assis Brasil; em 89 os STRs de Manoel Urbano, Senador Guiomard Santos e Sinpasa em Rio Branco; nos anos 90 foram criados os sindicatos de Acrelândia em 91; Capixaba, Porto Acre, Bujari e Jordão em 99.
[8] A própria peculiaridade da atividade seringueira desenvolvida por estes trabalhadores é um traço que autoriza uma valorização diferenciada da natureza visto que a manutenção da floresta significa a manutenção das suas condições de vida e trabalho. E este talvez seja o traço mais significativo da identidade seringueira, isto é, a sua vinculação com a preservação do meio ambiente. As unidades extrativistas surgem como materialização dessa relação. Mas esta identidade deve ser concebida não como fixa ou estática, muito menos linear, porém seja entendida sobretudo como dinâmica, processual e contraditória.  Essa contradição se expressa com maior evidência na medida em que  percebermos que o seringueiro que cuida e protege a floresta é o mesmo seringueiro que a derruba e explora também. A criação indiscriminada de gado associada à exploração madeireira, principalmente “madeira de lei” (cedro, mogno, cerejeira, cumaru, Angelim, etc) reflete tanto o conflito inerente dessa identidade quando repercute na atuação parcimoniosa das organizações de representação dos seringueiros de Xapuri.
Entre 1987 a 1989 foram criados quatro projetos de assentamentos extrativistas, são eles, PAE São Luis do Remanso com 39.570 hectares no município de Capixaba com acesso pela BR-317 e com cerca de 140 famílias de extrativistas; o PAE Porto Dias, no município de Acrelândia, com 22.145 hectares, envolvendo 83 famílias de trabalhadores extrativistas; o PAE Santa Quitéria, em Brasiléia, com 44.205 hectares, e capacidade para assentar 223 famílias; o PAE Chico Mendes em Epitaciolândia, mais conhecido como a Reseva do Cachoeira, com uma área de 24.898 hectares e 68 famílias assentadas; o PAE Riozinho em Sena Madureira com uma área de 35.896 hectares e 116 famílias.  No decorre dos anos 90 foram criados outros projetos de assentamentos agroextrativistas, conforme se segue: em 1991 foi criado o PAE Porto Rico no município de Epitaciolândia com 7.530 hectares e 46 famílias assentadas e em 1998 foi vez do PAE Limoeiro no município do Bujari, com 11.150 hectares e somente 8 famílias assentadas (ZEE/AC, 2000). Em 23 de janeiro de 1990 foi criada a Reserva Extrativista do Alto Juruá mediante o Decreto Lei nº 98.863 englobando uma área de 538.492 hectares. Localizada no município de Marechal Taumaturgo de Azevedo, a Reserva Alto Juruá possui aproximadamente 6 mil seringueiros sendo 2.300 pessoas com idade variável entre 5 a 15 anos de idade. A produção de borracha é hoje uma atividade secudarizada na reserva, ganhando espaço a agricultura familiar de subsistência com base em cultivos anuais e perenes e criação de pequenos animais, inclusive gado. Também iniciou-se recentemente a implantação os plantios em sistemas agroflorestais. A segunda reserva extrativista do Acre a ser criada foi a Resex Chico Mendes com uma área de 976.570 hectares através do Decreto Lei nº 99.144 do dia 12 de março de 90 e envolve os seguintes municípios, Assis Brasil, Brasiléia, Xapuri, Capixaba, Senador Guiomard Santos, Rio Branco e Sena Madureira. Nesta reserva moram cerca de 1.500 famílias (sendo destas, 714 pertencente ao município de Xapuri; 600 Brasiléia; e 150 Assis Brasil) que vivem ainda vivem do trabalho do látex, da coleta de castanha, e do extrativismos de outros produtos e resinas florestais, como óleo de copaíba, dendê etc. Estes trabalhadores também praticam agricultura de subsistência, criam pequenos animais, incluindo gado, desenvolvem os sistemas agroflorestais e a extração dos recursos madeireiro, onde se destacam as de maior valor comercial no mercado mundial como jatobá, cerejeira, cedro, aguano/mogno, etc (ZEE/AC, 2000; Ibama, 2000).
[9] Os sistemas agroflorestais são formas de produção consorciadas que se espelham na harmonia do sistema florestal. O Grupo de Pesquisa e Extensão em Sistemas Agroflorestais do Acre – PESACRE foi uma das entidades sem fins lucrativos que iniciou esse processo de implantação dos sistemas agroflorestais na região, em meados da década de 90, objetivando diminuir a pressão sobre a floresta e aumento de renda, assim como possibilitando novas formas de utilização da terra através de tecnologias alternativas “sustentáveis” para responder as demandas do sistema produtivo sob a égide da temática ambiental.
[10] Essa análise encontra ressonância pontual em Silva & Paula, 1997; Silva, 1998; Paula, 1999; Esteves, 2001a, 2001b.
[11] A publicação dos Cadernos do Cedi 20 “Sindicalismo no campo: entrevistas” (1990) oferece-nos uma idéia parcial das implicações que os outros canais de representação dos trabalhadores como as associações, por exemplo, acarretam à organização sindical sobretudo quando são criadas para serem receptoras de repasses de recursos.
[12] Os "empates" foram formas de resistência pacífica que visavam impedir que áreas em litígios fossem desmatadas e funcionava da seguinte maneira: "eles são feitos através de mutirões dos seringueiros. À medida que os seringueiros tomam conhecimento de que têm companheiros ameaçados pelo desmatamento (...) dos fazendeiros, se reúnem várias comunidades, principalmente a comunidade afetada, organizam-se assembléia no meio da mata mesmo e tiram-se lideranças, grupos de resistência que vão se colocar diante das foices e dos motosserras e de maneira pacífica, mas organizada. Tentam convencer os peões, que estão ali a serviço dos fazendeiros, a se retirarem da área. Em seguida, os seringueiros costumam desmontar os acampamentos e forçar a retirada dos peões. Muitas vezes são atacados pelas forças de segurança, porque os fazendeiros sempre recorrem judicialmente, pedem o apoio policial. Sempre contaram com esse apoio, o que ocasionou muitas prisões" (Grzybowski, 1989). Os "empates" além de serem ações pacíficas, estavam alicerçados no Código Civil de 1917, no seu artigo 502 que dispunha sobre o esforço possessório. O referido artigo defendia o direito dos posseiros contra qualquer ação que visasse o despejo dos mesmo. Então, as organizações sindicais passaram a atuar dessa forma, ou seja, impedindo as expulsões dos trabalhadores rurais de suas áreas de moradia, mas de maneira organizada e pacífica. A Contag incentivava esse tipo de prática porque era uma ação legal. Sobre os "empates" ocorridos nos seringais do Alto Acre, consultar Duarte, 1987; Paula, 1991. O último “empate” organizado pelo STR de Xapuri aconteceu no seringal Nova Esperança em 95 e resultou em fracasso. As divergências entre os próprios seringueiros envolvidos no conflito conduziram para esse resultado, demonstrando claramente como se encontra o trabalho de organização de base hoje. A Igreja também se recusou a apoiar os seringueiros quando foi chamada, alegando que muitos já tinham sido mortos nos conflitos por terra, e que a situação não era mais de luta.

[13] Importa dizer, de maneira geral, que todos os programas de desenvolvimento econômico e social, voltados para o incremento da produção rural e ‘bem-estar social’, como o Projeto de Construção de Casas de Farinhas, centrado na Regional do Juruá, o Projeto Ribeirinho, em todo o Acre, de escoamento da produção através de barcos e caminhões, o Programa de Eletrificação Rural, abertura de ramais, o Programa Centros de Florestania de infra-estrutura (construção de escolas, postos de saúde, centros de cultura e lazer, sistema de saneamento alternativo, instalação de usinas, rádios comunitárias, telefonia rural) e financiamento (Fundo de Florestania) foram mediados pela Fetacre, juntamente com os sindicatos, com exceção do STR de Rio Branco, que é o único sindicato que faz oposição ao governo estadual, porque ligado ao Movimento Democrático Acreano - MDA, frente partidária ampla de direita, com hegemonia do PMDB, que administra a prefeitura da capital, Rio Branco. Através desses programas, foram doados barcos, motores, caminhões, e construídas e entregues prontas mais de 100 casas de farinhas, todas equipadas com maquinários e instalações. Esse processo, se por um lado representa o reconhecimento das demandas dos trabalhadores do campo, por outro cerceia o poder de pressão dos sindicatos, de modo geral, porque a forte conotação política (aproximação partidária) dessa participação, reduz quase a zero o grau de autonomia política sindical.

[14] Sobre o analfabetismo e suas implicações para os seringueiros ver, dentre outros, Zanoni (1979).
[15] A questão do dinheiro, embora esta percepção mereça um maior aprofundamento, acarretou implicações no trabalho sindical. Muitas lideranças deixaram de realizar o trabalho de organização comunitária, porque o sindicato não oferecia uma remuneração e passaram a pleitear vagas nos outros canais de representação dos seringueiros, geralmente com remuneração para os diretores e envolvidos nos projetos, como o CNS, Amorex, Caex. Os trabalhos remunerados nas referidas organizações, assim como as remunerações decorrentes de ocupações temporárias dentro do seringal, realizados pelos seringueiros (pelas lideranças), como os trabalhos de professor, de agente de saúde, de agente paraflorestal, entre outras atividades de auxílio à pesquisas, foram tratados como ocupações de "interesses", em contraposição aos seringueiros que se dedicam ao movimento sindical, sem remuneração, como os delegados sindicais, como os trabalhos sindicais.