quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

ARTES PLÁSTICAS NO ACRE: SUBSÍDIOS PARA UMA REFLEXÃO CRÍTICA

Por Dalmir Ferreira - artísta plástico, ex-presidente do Conselho Estadual de Cultura do Acre, membro da Academia Acreana de Letras e funcionário aposentado da UFAC. 01 - Um possível mercado de artes em Rio Branco. Não há hoje em todo o Estado do Acre mais que cinqüenta artistas ativos produzindo com regularidade em qualquer das áreas das artes plásticas. A despeito do forte impacto inicial dessa prática há cerca de trinta anos, que chegou só na cidade de Rio Branco, a ser causa da existência de uma dezena de galerias e até de um museu de artes, nesta última década verificou-se uma brutal diminuição da produção visual, cujas causas podem ser o desaparecimento de espaços expositivos, ou a diminuição de outros incentivos como encontros, cursos, oficinas ou eventos afins com solução de continuidade, acessíveis e capazes de resultado. Nesse contexto, artistas e expectadores se afastaram e se tornaram cada vez mais estranhos entre si e claramente menos educados sobre essa coisa de arte. 02 - O setor público: indiferença, negligência e perseguição. O visível desencanto de tantos diante das perdas e da indiferença de sua comunidade de modo geral para a arte num contexto em que eventos como a Bienal de São Paulo, o projeto Rumos Visuais e outros desse porte, se tornaram de pouco significado, pois não encontram entre nós, canais de comunicação que garantam a intermediação, a participação, a relação ou o simples intercâmbio. A falta de espaço especializado na imprensa, onde até mesmo a propaganda institucional do setor de comunicação, não consegue desempenhar seu papel na relação artista-público. É uma área carente de profissionais e profissionalismo em que nem os cursos de jornalismo oferecem qualquer perspectiva. A aquisição de obras de arte pelo poder público é praticamente inexistente e de acordo com seu respeito pelo artista nativo, que é tratado com um silenciamento completo, segundo seu grau de criticidade diante do poder, ou pior, quando aparecem é como um bobo da corte rendendo vassalagem ao poder. 03 - A eficácia da negligência da educação pública O ensino de artes nas escolas não mostra resultados, a repercussão junto ao estudante é negativa, perdurando a presença de um professor leigo, despreparado, desprestigiado, sem conhecimento ou apoio, que mais prejudica do que ajuda o aluno a aprender sobre a importância da arte. Não há programa de visitação às poucas exposições, ou de encontros com artistas, enfim, nenhuma “escola-modelo” em Rio Branco ou no Acre tem uma sala de artes plásticas ou um professor especialista em artes, ou algum projeto conjunto com a cultura. Significando que de pouco adianta que sejam elaborados os referenciais curriculares, pois ninguém os observa ou cumpre, ninguém fiscaliza e ninguém se importa. 04 - A possibilidade de novas negligências na gestão pública Ora, se no setor educacional pouco se observa quanto às diretrizes curriculares, que são determinações legais para esta área, é de esperar que também na cultura, neste momento em que se instala um sistema nacional de cultura, onde novas leis buscam dar maior suporte para a cultura em todo o país, inclusive enfatizando a questão da instalação dos Conselhos de Cultura e fazendo valer determinações constitucionais, pouco ou quase nada se vê, pois fora o grande alarde de discurso. Na prática os conselhos não existem quanto a seus objetivos, prevalecendo também o velho discurso vazio e enganador. 05 - A velha política autoritária, demagógica e indiferente. Enfim, esses novos tempos estão a exigir uma cuidadosa e profunda reflexão, que reveja e discuta os problemas mais graves que se acumulam e aponte alternativas de solução possíveis, pois mesmo com a instalação de um Conselho de Cultura ou de Patrimônio Histórico, é muito pouco o que se vem fazendo pelas artes plásticas no Acre. Não há diretrizes, nem há uma política de cultura. Não há participação de quem faz ou de quem sabe de arte. Os que têm opinião ou os que pensam se tornam uma ameaça para o poder e são hostilizados. 06 - As artes visuais, a criatividade, a atualidade e os valores. Considerando ser esta, de todas as artes, a que tem hoje no mundo a maior evidência, já que vivemos uma época em que predomina a visualidade, além de que, é a arte que representa o menor custo público quanto a sua gestão, não faz sentido, a discriminação a que é submetida, pois além do mais, foi desta área que vieram os maiores retornos quanto aos destaques das artes fora do Acre. Sendo urgente, portanto, que se defina o que efetivamente queremos fazer por ela. 07 - As associações de classe, a cidadania e as iniciativas. É no associativismo que se reflete melhor a organização, a educação e o grau de cidadania das classes produtoras, bem como sua capacidade de participação do jogo democrático, num contexto em que só reunir não é bastante, devem consolidar a consciência de classe para exercer seu poder quanto ao rumo que determinarem. Nesta área, a AAPA enquanto sociedade civil organizada aparenta certo grau de organização, mas não tem proposta ou um projeto unificado, tem poucas mentes atuantes, não se reúne produtivamente, nem assume a importância que tem para o meio. Por outro lado, os arte-educadores ainda carecem dessa consciência de classe e do necessário poder de reivindicação junto ao setor educacional desempenhando com seu desconhecimento um fraco papel quanto ao que poderiam fazer. 08 - Os cursos, oficinas e raros encontros. Informalmente a cidade oferece poucos cursos e oficinas nesta área, ministradas por autodidatas que se restringem com exclusividade à técnicas de desenho e pintura, sem se aventurar na parte teórica ou crítica, limitando-se a uma condição de exercício de copistas, retratistas e nada além. As raras visitas, palestras ou encontros oferecidos pela Funarte não exercem o papel que deveria, pois são eventuais e quase sempre trazem uma proposta de um Brasil homogêneo que não conhece nem respeita as peculiaridades regionais, são acadêmicos colonizados ou são artistas europeizados, ambos pedantes com pouco poder de contribuição. As poucas “residências” oferecidas aos de fora, foram de pouca contribuição para nós. 09 - Os eventos coletivos, salões e concursos. Poucos em número, pouco representativo, pouco planejado para nossa realidade e enfim comandados por quem pouco entende disso, nossos eventos coletivos apenas mantém acesa a chama da esperança. Pouco acompanhamos e pouco participamos dos eventos coletivos no país, que quando são nacionais buscam uma homogeneização incompatível, se internacionais acompanham tendências da moda nos grandes centros, enfim é preciso reunir mais e refletir melhor sobre esse aspecto. Se quisermos um salão de artes local capaz de nos descobrir, precisamos saber melhor os diversos fatores influentes, que nos diferencia, nessa coisa de arte e de cultura, devemos buscar um caminho próprio. 10 - Poucos espaços, poucos eventos, poucas exposições. As exposições para ser mais que um simples evento, para se tornar uma prática que atraia público e se faça um hábito, que seja capaz de mexer com a consciência crítica, precisa de um planejamento, precisa ser um processo que envolva, interaja e eduque seus participantes, precisa essencialmente das adequações que uma exposição requer. Que sejam observadas todas as etapas, os investimentos e a constância de seu acontecer. Deve ser observado criteriosamente que isso não é coisa para amadores, tendo em vista principalmente que é um investimento público cujo retorno é o próprio desenvolvimento da comunidade. 11 - Pouca crítica abalizada e muito elogio vazio. É comum a repetição de elogios vazios e sem fundamento a favor de técnicas já superadas ou caducas, verdadeiras elegias a obras de rara pobreza. Num contexto em que permanece uma rejeição velada a tudo que é novo, que quase sempre incomoda mais que desperta o senso crítico, entre estes há sempre o rebanho dos que acompanham a manada, porque não tem opinião própria. Enfim, não sabemos o que é bom ou o que está fora de moda. Não sabemos o que é criativo, nem o que é uma feliz abstração decorativa e vazia, o que seria perdoável se não fosse a grave permanência nesse estado de desconhecimento. 12 - Pouco conhecimento de si, entre si e da arte. O artista acreano pouco se conhece, pouco lê e pouco conhece da arte que produz, pouco reconhece dos artistas e da história da arte local. Esse pouco conhecimento é responsável pelo pouco respeito e pela pouca admiração que tem pelos demais, que é um sentimento bem comum àquilo que não conhecemos. Um dos males que esse desconhecimento produz é a nossa fragilidade diante do poder. Não somos desunidos nem somos unidos, temos pouca admiração mútua e isso nos faz reféns mais do que senhores de decisões que teriam que ser nossas e não dos outros, pois não sabemos nem temos noção de nosso valor. Saber pensar significa possuir vocábulos, senhas da memória, ter leitura crítica mínima atualizada, significa saber se expressar com palavras e por fim saber se comunicar. A arte é muito mais discurso do que técnica, uma boa técnica sem discurso é vazia. 13 - Desatualização e despreparo diante do PNC O Plano Nacional de Cultura não é uma coisa nova e tem se configurado como o que de melhor aconteceu à cultura institucional nestes últimos tempos, embora tardio, já que a ficha poderia ter caído antes, ele tem grande importância diante da retomada do valor da cultura em todo o país. Aqui no Acre levei a público através da imprensa a importância de que o PT local reconhecesse as lições de Marilena Chauí quando à frente da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, ou mesmo do PT gaúcho, mas era uma época em que as prioridades eram outras... Não eram para a cultura, que até hoje ainda não alcançou tal status, acho que é mesmo porque não dá voto. Atualmente todo mundo, principalmente os burocratas novatos, acham que sabem de tudo, mas pouco podem fazer, porquê de fato, não sabem nem que não sabem, pois se soubessem que não sabem, poderiam ser ensinados, poderiam aprender. Mas reconhecer fraquezas é uma ameaça ao emprego e isso é a maior preocupação deles infelizmente.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

AZEVEDO, Thaumaturgo. O Acre, limites com a Bolívia (artigos publicados na imprensa 1900/1901). Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Commércio, 1901

“A questão nasceu nas Praças comerciais de Belém e Manaus, de lá subiu ao Palácio do Governo do Amazonas, dali se apregoou aos seringueiros do Acre” Dionísio Cerqueira, p. 09. - As opiniões do autor estavam embasadas no mapa de Barão Ponte Ribeiro. - Sem a migração o uti possidet não teria lógica. “Em 1834, o governo dessa República (Bolívia) enviou ao Rio de Janeiro o general Armaza, em missão especial, para negociar um tratado... pedia revalidação e ratificação do tratado preliminar entre a Espanha e Portugal, celebrado em Santo Ildefonso” p. 13. “O primeiro mapa da Bolívia, de 1843, fixa os limites no Rio Paraguai... O segundo mapa de 1859 traça os mesmos limites do tratado de 1777, levando, porém, a linha madeira até 6°52’ de latitude sul, ponto aliás, já ocupado pelo Brasil desde o tempo colonial” p. 14. “Sobreveio a guerra de 1801 e cessaram por completo as questões de limites” p. 15 “O governo imperial não aceitou esse projeto... e assim abortou a primeira negociação iniciada pela Bolívia” p. 18. “Não queremos aumento territorial da nossa pátria, em prejuízo de nações amigas: mas não podemos abrir mão do que de direito nos pertence” p. 20. “espíritos pouco escrupulosos, sob a máscara de um falso patriotismo, exploram, tergiversando os fatos, procurando servir suas ambições pessoais e angariar proventos” p. 32. - O que parece é que a primeira luta travada foi mesmo no campo diplomático, quando Azevedo impôs resistência aos reclames bolivianos. A discussão girava em torno da nascente do javari. “Não sou, portanto, o provocador da rebelião do Acre, mas sim, aquele que não soube evitá-la” p. 36. “Essa região disputada não foi, não é e não pode ser boliviana, enquanto não foi determinada para limite da fronteira com essa republica a verdadeira origem do Javary” p. 36. - Segundo ele sua tarefa foi “prestar serviços a terra do meu nascimento” p. 48.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Coincidência Intelectual é Outra Coisa

Por Gerson Rodrigues de Albuquerque - Possui graduação em História pela Universidade Federal do Acre (1988), mestrado em História do Brasil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1995) e doutorado em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2001). Ex-Diretor do Centro de Documentação Histórico da Universidade Federal do Acre. Atualmente é professor adjunto - 4 ligado ao Centro de Educação, Letras e Artes da UFAC.
“A criação vive como gênese sob a superfície do visível da obra. Para trás, todos os espíritos enxergam; à frente - no futuro – só os criadores”. (Paul Klee, 1914). A letra da canção “Inútil”, do grupo Ultraje a Rigor, muito reproduzida em meados da década de 1980, expressa uma dupla provocação à norma culta da língua portuguesa e à mente colonizada daqueles que, tratados como incapazes, se aceitam como incapazes e se promovem como incapazes, seguindo às cegas – feito horda ou rebanho - seus líderes que prometem “tomar conta de tudo”, propagandeando quimeras absurdas ou distribuindo discursos fáceis, prometendo resolver tudo.
Há poucos minutos, conclui a leitura de uma reportagem, assinada por Fábio Pontes, em que o mesmo afirma ter entrevistado a reitora da Universidade Federal do Acre. Em uma passagem de sua fala, a professora Olinda Batista lança mão do argumento de “coincidência intelectual” para justificar ou tornar irrelevantes as imoralidades que fizeram com que as provas do vestibular 2008 fossem anuladas. Tal anulação, vale ressaltar, não apenas lesou o erário e o patrimônio público, como violentou os milhares de estudantes que se inscreveram e participaram de tal concurso público.
Quem vai pagar a conta dos prejuízos materiais e financeiros que essa instituição pública teve para arcar com o vestibular? Quem vai pagar os custos dos desgastes emocionais e físicos dos milhares de jovens que apostaram suas energias, seu tempo, suas expectativas e ansiedades em tal exame? Quem vai cobrir as despesas com deslocamento/alojamento/alimentação de todos os que, provenientes de várias localidades, se submeteram às provas?
O discurso de ocasião e os dispositivos artificiais utilizados pela reitora – para justificar o injustificável - constituem-se outras formas de violência e de subestimação da opinião pública e da capacidade de reflexão daqueles que atuam nesta instituição e se esforçam para que a mesma corresponda aos anseios e expectativas de toda a sociedade com relação ao ensino superior.
Dizer, como está escrito na reportagem, que “não se sabe de quem é a autoria daquelas questões” ou “que não há uma outra pergunta a se fazer”, como ressalta a reitora é, no mínimo, estarrecedor para quem, em julho de 2008, na condição de candidata, difundia seus desejos de ser reitora, pelos quatro cantos do Estado do Acre, para “...cuidar, zelar, promover a instituição” e, mais ainda, que não carregava consigo “...um jogo de ‘faz de conta’, mas uma seriedade que [imprimiria] qualidade em todas as ações, agindo, sempre, com justeza, caráter, dignidade, compromisso ético com a função educativa”.
Sugerir que um determinado conteúdo, um nome, uma passagem, um personagem, uma localidade, ou seja lá o que for, somente pode ser “manipulado” ou “tratado” de uma maneira, que não há outra forma de fazer pergunta ou afirmar “que não há uma outra pergunta a se fazer”, é o mesmo que dizer que o conhecimento está esgotado, que nossa condição não é histórica, que não traduzimos. É, no dizer do professor espanhol Jorge Larossa, ficar restrito, condenado a uma hermenêutica tradicional, “segundo a qual o corpo das palavras opera como simples portador de seu sentido, como representante ou vicário, ou lugar-tenente de seu sentido, como o lugar que tem ou con-tém o sentido”.
Ao contrário do que tenta fazer crer a reitora, o conhecimento é infinito, porque é algo não cumulativo, porque é ampliado, rompido, retomado, abandonado, atualizado, significado ou re-significado pelos que se propõem a vivenciar tal experiência. Nesse aspecto, vale a pena retomar as considerações de Larossa: “o que o corpo das palavras revela é justamente a alteridade constitutiva da linguagem, sua distância e sua ausência com respeito a si mesma”.
Desse modo, os programas das provas do vestibular ou os conhecimentos difundidos através dos livros didáticos, a partir dos quais os estudantes se debruçaram para ficar em condições de responder às questões formuladas, jamais estarão sujeitos às mesmas formulações, ao mesmo estilo, às mesmas entonações, independentemente de quantas vezes ou por quantos professores forem manuseados.
A formulação (cópia, plágio, reprodução), em determinadas provas do vestibular da Ufac, das mesmas questões formuladas em provas de outras instituições, é fraude, é roubo ou apropriação indevida e nada tem a ver com coincidência intelectual que é uma outra coisa, bem diferente do que disse a reitora. Não se combate a farsa com arremedos, com atenuantes inconcebíveis.
“À verdade não se opõe a mentira, mas sim o erro”, afirma o professor Márcio Pugliesi na introdução à edição brasileira do livro “A origem da tragédia”, de Friedrich Nietzsche. “Para mentir é preciso conhecer-se o verdadeiro e mascará-lo. Para errar, basta desconhecer a verdade”.
Desmerecer esse debate, artificializar o problema ou torná-lo insignificante não tem nada de educativo e muito menos ético. Ao fazer isso a reitora perde uma chance ímpar de, longe de sua fantasmagórica e pirotécnica campanha, manter a indissociabilidade entre o discurso e a ação, agindo, como ela mesma fez questão de afirmar: “...com justeza, caráter, dignidade, compromisso ético com a função educativa”.
“A gente somos inúteis”, dizia a canção de Roger Moreira, e parece que nossos “dirigentes” resolveram tomar isso ao pé da letra, posto que “cuidar da gente” virou sinônimo de enganar a gente e, como “a gente não sabemos tomar da conta da gente”, nos governam do alto de seus delírios, suas crendices, seus dizeres a serem desditos em outra ocasião. Nesse caso, temos que, na contracorrente, bradar a plenos pulmões que “não somos inúteis”. Mesmo quando nos encontramos diante do grotesco. Mesmo quando vivemos sob a égide de uma mentalidade pré-política, caracterizada pela “tirania doméstica”, como ressalta Lima Barreto, em Triste Fim de Policarpo Quaresma, cujo lema é: “o bebê portou-se mal, castiga-se”.