sábado, 23 de abril de 2011

MONTEIRO, Clodomir. O PALÁCIO DE JURAMIDAN SANTO DAIME: um ritual de transcendência e despoluição (dissertação)

RESUMO

O culto do Santo Daime responde a necessidades de grupos que se situam entre populações primitivo/rústicas e rústico/urbanizadas e que também sofrem pressões do contexto macrossocial amazônico, pertencendo, pois, a uma formação sociocultural intermediária. Santo Daime identifica o ritual de consumo e a hierofanização da própria bebida, produzida por decocção da Banisteriopsis Caapi Spruce e Psychotria Spruce, duas plantas utilizadas por indígenas e caboclos bolivianos, peruanos e brasileiros. Os dois grupos (modelos socioculturais) descritos aqui funcionam na cidade e arredores de Rio Branco com raízes históricas comuns no grupo pioneiro surgido na segunda década deste século na cidade acreana de Brasiléia. Histórica e estruturalmente estão associados ao movimento migratório regional e inter-regional e à progressiva expansão da sociedade global. Os comportamentos (Cantos do Exílio e Vozes do Êxodo) caracterizam respectivamente grupos antigos já fixados e os mais recentes expulsos dos seringais ou atraídos pela frente de ocupação capitalista. Não se trata porém de oposição exclusiva entre os dois comportamentos e sim de uma dialogia (*) social. Os Sistemas de Juramidan, todavia, não se explicam apenas como resposta a crises, mas se constituem em experiências de homogeneidade onde a imprevisibilidade gerou manifestações culturais híbridas através da repetição de ritos de renovação universais. O sonho e as experiências extáticas instituem estruturas de plausibilidade e padronização de relações sociais onde a metade noturna do homem não se divorcia da metade diurna. A ponte entre o tempo onírico e o tempo da vigília ainda não se rompeu ou já foi reconstituída.



(*) Apud Mario Chamie, 1972 p.10ss,Texto Monológico e Texto Dialógico

SUMÁRIO

 

I  -  INTRODUÇÃO


Capítulo I – O Culto do Santo Daime como Objeto de Estudo.
Capítulo 2 – O Santo Daime: Aspectos Etnobotânicos e Fitoquímicos.


II – ESTRATÉGIA DE ABORDAGEM..............................................................

Capítulo 3 – Um Ritual de Passagem.....................................................................
Expansão e Concentração Demográfica na Amazônia.........................................
A penetração Capitalista e Suas Conseqüências...................................................
Concentração e Expansão Demográfica ...............................................................
Penetração  Capitalista,  Urbanização,  Desorganização  Social  e  Organização
Cultural.....................................................................................................................
Experiências de Homogeneidade...........................................................................
Duração Real, Duração Mítica e Duração em Si ..................................................
Ecologia dos Atos e Ordenações Corpóreo-temporais ..........................................
Vozes do Êxodo e Cantos do Exílio .......................................................................
Vozes do Êxodo ......................................................................................................
Cantos do Exílio ......................................................................................................
Os modelos Sócio-Culturais ...................................................................................
Centro Espírita e Culto de Oração “Casa de Jesus” Fonte de Luz ........................
Centro Espírita Fé, Luz, Amor e Caridade .............................................................
Centro Espírita Beneficente União do Vegetal .......................................................
Os sistemas de Juramidan......................................................................................
Círculo Regeneração e Fé......................................................................................
Centro de Iluminação Cristã Universal....................................................................
(Alto Santo)..............................................................................................................
Centro    de    Iluminação    Cristã     Universal    “Raimundo   Irineu    Serra”    –
CEFLURIS – Colônia 5000.....................................................................................


III – O CULTO DO SANTO DAME.....................................................................


Os sistemas de Juramidan......................................................................................
Primeiras experiências ...........................................................................................
A Legitimação dos Mestres ....................................................................................
O Santo Daime .......................................................................................................
O Caminho para o Astral ........................................................................................
A Dança ..................................................................................................................
O Ritual de Transferência e Despoluição ..............................................................
O Sonho e as Experiências Alucinatórias...............................................................
Visões de Iniciação .................................................................................................
A Prece ...................................................................................................................
O Hinário .................................................................................................................
As Santas Doutrinas................................................................................................
Os Sacramentos......................................................................................................
A Linha do Daime....................................................................................................

IV – O CULTO DO SANTO DAIME E O CONTEXTO MACROSSOCIAL.


O Projeto de Ordem................................................................................................
O Palácio de Juramidan..........................................................................................
Considerações Finais..............................................................................................

V – DEPOIMENTOS............................................................................................

VI – HINÁRIO (Antologia)...................................................................................
VII – QUADROS ...................................................................................................
VIII – PLANTAS....................................................................................................

IX – INDICE TERMINOLÓGICO........................................................................

XX – BIBLIOGRAFIA ..........................................................................................



1. O Culto do Santo Daime como objeto de estudo


O consumo ritualizado de uma beberagem considerada sagrada, o Santo Daime, por dois centros de espiritismo popular, nos arredores de Rio Branco, Acre, é o assunto principal da presente monografia.
A pesquisa realizada em três etapas, tentou reconstituir o processo histórico formativo dos grupos, a estrutura simbólica e social, bem como as partes centrais dos rituais.
Na fase preliminar, de agosto a novembro de 1978, com objetivo de apreensão simultânea da estrutura simbólica e do intenso sistema de trocas, foi feito o levantamento exploratório dos grupos através de entrevistas abertas, observação participante, fotos, registros dos cantos (hinos), danças e demais atividades predominantemente religiosas.
A presença de traços da cultura indígena na forma de preparo da bebida, no ritual de consumo, palavras nos hinos, bem como a mitificação (hierofania) do sol, da lua, na interpretação e forte influência do sonho (e das “mirações” ou visões extáticas), por um lado, e as técnicas de concentração, devoção dos santos e práticas tradicionais do cristianismo, de outro, pareciam indicar um conjunto cultural sincrético, com elementos de formações sociais rústicas e urbanizadas. Constatou-se até a estreita relação dos rituais com o dia-a-dia dos devotos, envolvendo e dinamizando esferas da vida de cada um e dos grupos. O consumo do Santo Daime sugeria não poder ser descrito como simples manifestação patológica de indivíduos ou delírio coletivo, de efeitos danosos à saúde física e mental. Referido culto e o intenso sistema de trocas inter e intragrupos pareciam apontar para uma articulação funcional e estrutural; estariam respondendo às necessidades e pressões do contexto onde concretamente existem. 
Durante os primeiros quatro meses de maio de 1980 efetuamos nova pesquisa de campo, procurando aprofundar variáveis relacionadas com as hipóteses mencionadas no parágrafo anterior. Era preciso reconstituir a história do culto a partir dos dados preliminares colhidos junto a participantes do extinto centro pioneiro, o Círculo Regeneração e Fé (CRF), Brasiléia, Acre. Por ocasião da observação participante, dessa segunda etapa, iríamos levantar informações ligadas também à hipótese fundamental de que o culto do Santo Daime seria vasto ritual de transcendência e de despoluição.
A terceira etapa desdobrada em três fases, realizada respectivamente, nos quatro primeiros meses de 1981; de maio a dezembro do mesmo ano e, finalmente, durante o primeiro semestre de 1982. Após levantamento e análise da bibliografia disponível sobre uso ritualizado da “ayahuasca”, outro nome para a bebida entre indígenas, caboclos e população urbana de Tarauacá, no Acre, voltamos a entrar em contato com os “Sistemas de Juramidan”, designação que utilizamos para os grupos pertencentes à tradição do CRF. Pretendíamos elucidar questões relacionadas ao “feitio”, rito de preparo da beberagem, e como se verificava o processo de legitimação dos novos hinos. Buscávamos estabelecer comparações entre o atual estágio do culto e as antigas manifestações mágico-religiosas associadas ao consumo desses alcalóides. Os relatos fornecidos por antropólogos e publicações especializadas acusavam a presença de um continuum: à medida que nos afastávamos dos grupos urbanos a institucionalização da função social do sonho e das experiências alucinatórias era mais acentuada. Os autores apontavam a sobrevivência do uso cerimonial como legitimação da organização social entre grupos praticantes de aldeias próximas às margens dos rios Juruá e Purus (77), em estágio de transfiguração étnica (113:454).
A primeira fase da última etapa caracterizou-se, portanto, pelo levantamento e prática participante junto aos dois mais importantes ritos ligados à idéia central da investigação. A análise dos novos dados levou-nos à ampliação da investigação pela qual elaboraríamos as conclusões. Assim, na segunda fase dessa última etapa, tratamos de relacionar os ritos de transcendência e de despoluição com um possível projeto de ordem que surgia como tentativa de explicação funcional/estrutural. Queríamos uma estratégia de interpretação que simultaneamente desse conta dos aspectos simbólicos do culto sem limitar tal interpretação a qualquer determinismo. O projeto de ordem, contudo, apresentava contornos diferentes em ambos os grupos pesquisados. Os dois, porém, poderiam ser interpretados como respostas às pressões e necessidades do contexto macrossocial, eram mais que simples manifestação de protesto ou conformismo face às mudanças social e econômicas ocorridas na região; poderiam também ser analisados como estruturas de plausibilidade, cuja visão do mundo indicava uma mudança etológica, com a incorporação dos novos padrões culturais ameríndios, sem contudo abandonar antigos valores e formas de percepção e construção da realidade. Ambicionávamos, assim, responder à perguntas de “como os grupos surgiram e porque ainda subsistiam”. Os grupos pareciam estar relacionados aos comportamentos coletivos de fixação às novas condições ambientais ou de resistência. Classificamos os dois estilos de comportamento ou atitude coletiva de “Cantos do Exílio” e “Vozes do Êxodo”, adotando como estratégia de abordagem a formulação de um “ritual de passagem”. As experiências alucinatórias[1] poderiam também ser antepostas, não de forma exclusiva ou definitiva às experiências de acomodação ou busca de uma ordem voltada para a solução de necessidades imediatas. Verificamos, por fim, que o pensamento mágico-religioso, apesar de refletir socioculturalmente as formações intermediárias, num processo de reinterpretação cultural, repetiam ritos de renovação conhecidos universalmente. Com isto conseguíamos uma interpretação abrangente que dava conta do diferente e do semelhante, sem cometer o erro do determinismo ou prender as manifestações de consciências individuais e coletivas às necessidades e pressões do ambiente.


[1] Termo substituído, há mais de vinte anos, pela expressão experiências enteogênicas. Alguns pesquisadores têm criticado o termo científico alucinógeno, por sugerir uma percepção falsa e ilusória da realidade. Uma opção adotada tem sido enteógeno, originário do grego antigo, com o significado de “Deus dentro” ou “o que leva o divino para dentro de si”. Outra, mais ligada à contracultura, é psicodélico, “aquilo que revela o espírito ou alma”.(  Todas as vezes que aparecer ou suas cognatas , como enteógenos (, deverão ser lidas conforme o registro aqui feito. Rio Branco 14 de maio de 2004 ( o autor ).


quarta-feira, 20 de abril de 2011

Vizinhos, pero no mucho, (Por Marcos Vinícius Neves)

Vizinhos, pero no mucho
(ou Notícias de além-fronteira, ou Nós não vizinhamos com eles...)

Nos últimos anos tenho tido a felicidade de conhecer grandes e variados contadores de histórias nesse Acre de meu Deus. Desde aqueles que falam sem cessar e ninguém consegue encaixar uma pergunta sequer e por isso mesmo possuem um certo encanto de alagação. Passando por aqueles que do alto de insuspeita simplicidade inundam de sabedoria cada palavra dita e cada sentido traçado. Ou, ainda, por aqueles outros que completam sua imensa profundidade de pensamento com imagens inesperadas, singulares e surpreendentes pelas ricas interpretações que oferecem acerca de seu tempo de vida nesse mundo. Tantos que nem vou tentar relacioná-los aqui, pelo risco imperdoável de esquecer alguém.
Mas entre tantos, devo confessar que um de meus preferidos é o Toinho Alves. Me lembro bem que quase todas as vezes (e foram muitas nos últimos anos) em que lhe perguntavam: Mas o que é “Florestania” mesmo? Ele sacava de seu surrado bisaco, uma história que me encantava profundamente. E que, ainda por cima, tinha enorme eficácia ao revelar um outro olhar sobre a vida na floresta que é muito pouco compreendido pelos seres “urbanos”.
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Diz Toinho que entre as famílias do Juruá é muito comum o povo dizer que “vizinha” com a casa de fulano de tal que fica a três horas de caminhada, mas não vizinha com o beltrano que mora a apenas meia hora. Ficamos sabendo que é assim porque vizinhar com alguém é muito mais do que apenas estar próximo. Vizinhar é guardar a melhor parte da caça, o quarto traseiro, para presentear seus vizinhos, mesmo que acabe sobrando só algum pedaço de quarto dianteiro para sua própria família.
O povo do Juruá, portanto, nos ensina que vizinhar é não só contar com o outro diante de alguma eventual dificuldade, mas cultivar por ele um comportamento ético, repleto de respeito e de estima verdadeira. Completamente diferente do que acontece em nossas grandes-mega-cidades onde os vizinhos de andar, de prédio ou de rua, mal se olham quando estão no mesmo elevador. Constrangedora solidão daqueles que vivem nessa massa amorfa de milhões de rostos desconhecidos.
Ou seja, o povo urbano não sabe mais o que é vizinhar, esqueceu. Mas aqui na floresta, a vida às vezes é tão difícil, tão trabalhosa, que pra se ter tranqüilidade é preciso cultivar a solidariedade e a generosidade. Afinal, nunca se sabe se um dia não será preciso tirar alguém doente numa rede durante horas de caminhada ou de navegação. Por isso, ao chegar a qualquer casa da floresta, sempre se pode pedir abrigo e um prato de comida que será certamente atendido, com o que houver de melhor. Isso é “florestania”. Viver em função de uma lógica distinta da maioria dos cidadãos deste vasto e repleto planeta em permanente estado de guerra e destruição.
Preciso admitir que muitas vezes eu mesmo contei essa história pra explicar um dos possíveis sentidos do conceito de “florestania” que tanto foi discutido nos últimos anos como explicação fundante e estrutural de um novo momento político da história do Acre. Mas, dessa vez, eu não estou contando essa história pra falar de “florestania”. É que me lembrei dela ao deparar com o absurdo silêncio da imprensa acreana, ao longo desta semana, acerca da recente eleição presidencial de nosso país vizinho: o Peru.
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Se fossemos depender apenas das informações dos jornais locais, pareceria que o Peru não está decidindo o desenrolar de sua realidade nos próximos anos. Poderíamos até achar isso normal. Outro país, outra língua. Não estivéssemos passando por um processo de interligação política e econômica completamente novo entre o Acre e o Peru. Seria completamente normal, se não estivéssemos diante de enormes problemas sociais na fronteira graças à extração madeireira indiscriminada, à exploração de hidrocarburetos e aos projetos neoliberais do presidente Alan García. Um processo recente e particularmente intenso de expropriação dos povos indígenas e tradicionais do lado de lá e de devastação das regiões de cabeceiras dos nossos principais rios, que já vem causando inúmeros conflitos e problemas ambientais, que precisam ser efetivamente encarados em toda sua gravidade.
Como se não fizesse nenhuma diferença para nós no Acre se o vencedor da eleição peruana for Humala ou Fugimori. Como se não significasse nada as diferenças entre um nacionalista - meio Cha
ávez, meio Evo, meio Lula - e uma conservadora - meio pai, meio filha, meio pior do que o atual Alan. Como se tudo isso não nos pudesse afetar de forma alguma. Mas, nesse momento em especial. Não olhar pro Peru é deixar de olhar para uma parte importante de nós, que é nossa vasta fronteira com eles, através da qual compartilhamos muito mais do que simples marcos de limites.
Impressionante a falta de perspicácia e senso de atualidade da imprensa acreana. Aqui do lado uma importante eleição presidencial rolando e não vemos nada. Mas é fácil apenas criticar a imprensa. No fundo o problema não é dela, mas da própria sociedade. Como cobrar da imprensa local uma cobertura interessante, responsável, profunda sobre um vizinho tão próximo se os próprios acreanos não tão nem aí pro que acontece acolá? Não tenho dúvida de que, se os acreanos tivessem consciência da atual situação de nossas fronteiras, a imprensa fatalmente estaria dando muito mais atenção ao outro lado das notícias...
Mas nada, nem um editorialzinho, nem uma análise mais embazada. Só recortes da grande imprensa através do - sempre mais confortável - “Ctrl+Z/Ctrl+C”. O que a gente precisa mesmo é de uma profunda mudança cultural, que nos faça observar o mundo circundante em outra perspectiva. Enquanto a integração com o Peru for traduzida apenas por obras de infraestrutura, nenhuma interrrelação será real. A ligação física entre as cidades do Acre e do Peru pode vir a ser muito importante se não estiver restrita a interesses econômicos, mas atender aos interesses e expectativas sociais dos acreanos.
Afinal, isolamento é muito mais que uma questão meramente física. Poderíamos estar mais longe uns dos outros e ainda assim estarmos mais juntos. Da mesma forma que podemos estar muito próximos uns dos outros, como vizinhos lado a lado, e nos encontrarmos completamente sós diante da tal pós-modernidade e seus paradoxos. Aqui no Acre ainda não padecemos da mesma esquizofrenia “urbana” da solidão na multidão. Mas, certamente, ainda temos outros tipos de síndromes. Como esse estranho gosto por se considerar uma ilha em relação ao mundo, a enigmática ilha Acre que alguns ainda insistem em dizer que não existe.
De um jeito ou de outro, é preciso concluir que, infelizmente, ainda não vizinhamos com los hermanos peruanos, como também nunca o fizemos com os patrícios de la Bolívia. Até quando?

quinta-feira, 14 de abril de 2011

ACRE em DATAS - (...) até a invasão e posterior anexação definitiva



EM DATAS
1493 – Bula Papal Intercoetera (o Acre fica mais próximo da Bolívia e do Peru por ambos pertencerem a mesma Metrópole – Espanha).
1494 – Tratado de Tordesilhas (de 100 passa para 370 léguas de Cabo Verde).
1542 – O padre espanhol Gaspar de Carvajal navega o Rio Amazonas.
1616 – Os portugueses começam a (des) povoar a Amazônia. Desrespeitam o Tratado de Tordesilhas e fundam o Forte do Presépio em Belém.
1750 – Tratado de Madri (passa a vigorar o UTI POSSIDETIS). O Acre ainda pertencia à Espanha. OBS: Esse tratado cria a LINHA MADEIRA-JAVARI.
1761 – Tratado de Prado (Portugal perde o que já havia conquistado, pois os limites voltam ao prescrito pelo Tratado de Tordesilhas.
1777 – Tratado de Santo Idelfonso (territórios já conquistados seriam dos Portugueses). OBS: Cria a Linha GUAPORE-MAMORÉ, indo até o ponto médio do rio Madeira e daí por uma linha até o Javarí. O Acre ficou ao Oeste da Linha. A linha não foi respeitada.
1782 - o Alto-Peru se desliga do Vice-Reino de Lima e passa a fazer parte do Vice-Reinado de LA PLATA (hoje Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia).
1809-25 – Independência da Bolívia (Desligou-se do Vice-Reino do Peru).
1822 – Independência do Brasil.
1839 – A descoberta da VULCANIZAÇÃO
1844 – A Bolívia tenta franquear o rio Amazonas à navegação internacional;
1850 – 5 de setembro (Criação da Província do Amazonas, desmembrada do Pará);
1852 – A região do Acre é anexada pelo Amazonas, fazendo parte da comarca do Rio Negro.
1852 – Manoel Nicolau de Melo tenta localizar o Purus;
1854 – João da Cunha Correia (expedição exploratória no Juruá);
1860\66 – Manuel Antônio da Encarnação (expedição exploratória no Purus, percorre o Rio Acre);
1864 – William Chandless trafega o Juruá;
1865\70 – Guerra do Paraguai.
1867 – Tratado de Ayacucho[1];
1874 – Tentativa de definição de fronteiras entre Bolívia e Peru.
1877 – Seca no Nordeste e migração para a região do Acre. (entre 1877-79 quase 13 milhões de nordestinos chegam na região amazonense).
1878 – João Gabriel de Carvalho e Melo faz o primeiro povoamento oficial na região.
1894 – Relatório de Pando sobre a ocupação das terras pelos brasileiros.
1895 - Protocolo entre Brasil e Bolívia. Depois, o Acordo Medina-Carvalho.
1896 – Crise cafeeira.
1898 – Foi traçada a Linha Cunha Gomes[2].
1898 – Protocolo entre Brasil e Bolívia (Dionísio de Cerqueira[3] x José Paravicini). 23 de setembro: uma expedição a Porto Acre foi organizada a fim de estabelecer uma alfândega boliviana.
1899 – 02 de janeiro: Os bolivianos implantam uma alfândega em Puerto Alonso.
1899 – O General Pando assume a presidência da Bolivia, que depõe Severo Alonso. Paravicini assume o Ministério das Relações Exteriores, por isso, é forçado a deixar o Acre.
1899 – 24 de fevereiro – é criada a JUNTA REVOLUCIONÁRIA.
1899 – 01 de maio (José Carvalho)
1899 – A Bolívia negocia com consórcio internacional.
1899 – 14 de julho (Galvez)
1899 – 25 de outubro (Tropa boliviana sai de La Paz em direção ao Acre, chega em 22 de agosto de 1900).
1900 – 16 de novembro – 29\12 (Revolução dos Poetas). Rodrigo de Carvalho[4] é proclamado o novo presidente do Estado do Acre Independente.
1901 – 11 de julho (assinado em Londres Bolivian Syndicate).
1902[5] - 03 de abril - Dr. Lino Romero da Bolívia chega a região para preparar a entrega aos representantes do Bolivina Syndicate.
1902 – 1º de julho - Formação da Junta Revolucionária (Joaquim Vitor, Rodrigo de Carvalho, José Galdino, Gentil Norberto e Plácido de Castro). Os três primeiros já envolvidos com atentados anteriores.
1902 03 de dezembro (Barão de Rio Branco é nomeado como Ministro das Relações Exteriores).
1903 – 21 de janeiro: Pando e o Ministro de Guerra Ismael Montes saem em direção ao Acre.
1903 - 15 a 24 de janeiro (Vitória de Plácido de Castro – conquista Porto Acre). A tropa foi formada por seringueiros do Bom Destino, São Jerônimo e Caquetá.
1903 – 28 de janeiro (Decreto Nº 03 de Plácido de Castro, define os limites do Estado Independente do Ac).
1903 – 21 de março (MODUS VIVENDI). Após a assinatura do Modus Vivendis o Acre foi dividido em ACRE MERIDIONAL (alto Acre, sede em Xapuri) e ACRE SETENTRIONAL (baixo Acre). O primeiro governado por Plácido de Castro, o segundo pelo General Olímpio.
1903 – 13 de abril (General Olimpio desorganiza o exército de Plácido de Castro em Xapuri).  Plácido de Castro não revidou, foi ao Rio de Janeiro denunciar ao Barão de Rio Branco, que o substituiu pelo Cel. Cunha Matos.
1903 – 28 de julho (1º proposta oficial feita à Bolívia sobre permutas de terras e concessões).
1903 – 17 de julho (Rui Barbosa é nomeado a fazer parte da comissão brasileira junto ao governo boliviano).
1903 – 13 de agosto (Contraproposta do Governo Boliviano).
*1903 – 17 de NOVEMBRO (Assinatura do Tratado de Petrópolis).
1903 – 27 de DEZEMBRO (A Exposições de Motivos do Barão de Rio Branco é enviada ao Presidente).
1903 – 28 de DEZEMBRO (O presidente convoca o Congresso Nacional em caráter extraordinário para aprovar o Tratado de Petrópolis).
1903 – 30 de dezembro (O Congresso se reúne para avaliar o Tratado de Petrópolis).
1904 – 13 de Janeiro (Comissão de Diplomacia e Tratados aprova o Tratado de Petrópolis)
*1904 – 25 de fevereiro (O Congresso aprova e o presidente sanciona a abertura de créditos para o pagamento das despesas oriundas do Tratado de Petrópolis e autoriza o Governo Federal a administrar provisoriamente o Acre).
1904 – 07 de abril – 1º Organização Territorial do Acre.
1904 – 12 de junho (Assinatura do Modus Vivendis. Comissão demarcatória entre Brasil e Peru). Euclides da Cunha representa o Brasil.
1908 – 11 de agosto (Morre Plácido de Castro).
1909 – 08 de setembro (Tratado com o Peru).


[1] A linha oblíqua foi de Duarte Da Ponte Ribeiro.
[2] A questão acreana não deveria prejudicar a consolidação da República.
[3] “A questão acreana surgiu nas Praças de Manaus e Belém”.
[4] Teve participação ativa nas campanhas de Gavez.
[5] Campos Sales (1898-1902). Seu grupo ficou no poder até 1920 (política dos governadores).

terça-feira, 12 de abril de 2011

A FSE da Amazônia e a gênese da cidade de Rio Branco – AC

A FSE da Amazônia e a gênese da cidade de Rio Branco – AC[1]

Ary Pinheiro Leite[2]

INTRODUÇÃO

O processo histórico de ocupação e colonização dos rios do vale amazônico se deu por questões políticas e, sobretudo econômicas visto a sua exuberância e riqueza  natural. Esta região possui uma superfície de 260 milhões de hectares (a Amazônia brasileira), formada pela bacia do Amazonas com características ímpares. Seu clima é predominantemente equatorial com altos índices pluviométricos e temperaturas elevadas. Suas matas são formadas por várias espécies de árvores como a seringueira, castanheira, copaíba, jacareúba, jacarandá, louro, maçaranduba, mogno, sucupira, entre outras.
A porção territorial que hoje corresponde ao Município de Rio Branco, capital do estado do Acre, inicialmente sede do departamento do Alto Acre, foi formada como entreposto comercial da economia mercantil da borracha. Em 1882, este entreposto foi organizado e explorado por Neutel Maia, que se instalou na região e fundou o seringal “Empreza”, situado a margem direita do Rio Acre, onde havia grande concentração de seringais e onde era extraído o melhor látex e produzida a maior quantidade de borracha do Alto Purus.
O estudo do processo de ocupação da Amazônia e a gênese da cidade de Rio Branco, que ora apresenta-se, se realiza através de uma análise histórico-geográfico e econômico-social, considerando o inter-relacionamento de diferentes escalas - local, regional, nacional e mundial. As relações entre sociedade e natureza, ou seja, os elementos físicos, biológicos e humanos, em comunhão dialética, como propõem Cholley (1964), estão presentes na apreensão das combinações geográficas da formação urbana de Rio Branco, abrangendo assim a geografia física e a humana como estudos inter-relacionados, mas distintos, Mamigonian (1996). Milton Santos (1977), tendo em mente a perspectiva conceitual acima referida, também está presente, pois explicitar o paradigma da Geografia Humana, a formação sócio-espacial, para este estudo de espaço urbano e regional, é imprescindível.
As relações de caráter físico, humano e biológico, que tanto Cholley buscou representar em seus estudos na escola francesa de Geografia, fazem-se presente no corpo desta pesquisa. O clima, predominantemente equatorial com altos índices pluviométricos e temperaturas elevadas, as matas formadas por variadas espécies de árvores, a impressionante rede hidrográfica, enfim, o exuberante quadro natural, somado à presença de uma mão-de-obra indígena adaptada ao ambiente, exerceu um condicionante na formação social da região, que reúne diversidades de espécies animais e vegetais, tão cobiçadas por organismos nacionais e internacionais.
A presença de ingleses, franceses, holandeses e de lusitanos, que lutavam pelo domínio político e econômico na região, fez surgir os primeiros núcleos de ocupação organizados pela Igreja e assumidos pela Coroa Portuguesa. A economia era voltada à coleta de produtos naturais, bastante valorizados no exterior, as “drogas do sertão”. Daí decorreu a importância da mão-de-obra gentílica, pois ela tinha o conhecimento da mata e de onde retirar a riqueza oferecida por ela. As aldeias missionárias foram responsáveis pela formação de uma rede urbana embrionária na Amazônia, a qual vai se consolidar no período do ciclo da borracha, em que as cidades de Manaus e Belém ganharam destaque no cenário econômico nacional e internacional.
Desde o início da colonização portuguesa da Amazônia, assim como com o governo imperial do Brasil, existiu uma política de defesa, evitando possíveis ameaças à soberania, seja da coroa lusitana, seja da brasileira, sobre a região. Porém sob as pressões internacionais, o governo brasileiro acabou por abrir o Amazonas à navegação estrangeira a partir da segunda metade do século XIX. Grandes empresas estrangeiras, principalmente inglesas, importadoras de bens e exportadoras de borracha, estabeleceram suas filiais em Belém e Manaus, e fixaram os preços no mercado internacional. Financiaram os seringalistas, donos ou posseiros das áreas onde se encontrava o produto extrativo, a borracha. A presença de casas de comércio é bastante forte nesse período, pois cabiam a elas o papel de exportar toda a produção de borracha dos seringais acreanos, e abastecê-los com produtos como arroz, carne seca, feijão, entre outros.
Pode-se considerar que as relações de trabalhos nos seringais se caracterizaram por um sistema semi-servil, no qual o seringueiro, através da dívida de adiantamento, ficava preso ao senhor do seringal, garantindo desta forma, a mão de obra necessária à extração e beneficiamento da borracha. A origem da cidade de Rio Branco está ligada a esse sistema econômico, visto que sua gênese remete à fundação do seringal “Empreza” por Neutel Maia. A atividade comercial desempenhou um importante papel para Empreza”, pois foi esta atividade que abriu as portas do seringal, deixando de ser um espaço particular do seringalista, para abrigar gente de diferentes ofícios e diferentes origens.

A COLONIZAÇÃO DO VALE AMAZÔNICO.

O processo histórico de ocupação dos rios do vale amazônico se deu por questões políticas e, sobretudo econômicas visto a sua exuberância e riqueza natural. Esta região possui uma superfície de 260 milhões de hectares (a Amazônia brasileira), formada pela bacia do Amazonas com características fascinantes.[3] Seu clima é predominantemente equatorial com altos índices pluviométricos e temperaturas elevadas. Suas matas são formadas por várias espécies de árvores como a seringueira, castanheira, copaíba, jacareúba, jacarandá, louro, maçaranduba, mogno, sucupira, entre outras. O solo é bastante úmido, devido às constantes chuvas ocorridas na região. Sua fertilidade é bastante reduzida estando situada na camada superior, numa profundidade de 20 a 30 centímetros. Estas características tornaram a Amazônia uma região de riqueza ímpar, que reúne diversidades de espécies animais e vegetais tão cobiçadas por organismos nacionais e internacionais, um anecúmeno do comunismo primitivo ameríndio, segundo RANGEL (1993). No processo histórico de ocupação da Amazônia, este exuberante quadro natural e uma população ameríndia adaptada a ele, exercem uma determinação particular, comparativamente a outras regiões brasileiras. O processo de conquista da Amazônia, efetivado pelos portugueses, se deu primeiramente por motivo de caráter político. No século XVII, o litoral e o baixo vale amazônico já eram conhecidos por holandeses, ingleses e franceses que penetravam pela foz do rio Amazonas para realizar trocas comerciais com índios. “As pretensões inglesas e holandesas estavam respaldadas em poderosas companhias comerciais monopolistas”. (CORRÊA, p. 192, 2006). A presença estrangeira na região fez surgir, em 1612, São Luiz, fundado por holandeses e conquistada pelos portugueses em 1615. Contudo a reação portuguesa se fez sentir, e, em 1616,  é fundado Belém,  a partir da construção do forte do Presépio com o objetivo de resguardar toda a região de invasões estrangeiras. A escolha do sítio que compreende atualmente a cidade de Belém não se deu de forma aleatória. Sua localização nas proximidades da foz do rio Amazonas, mas ao mesmo tempo protegida pela violência das águas características do estuário norte, confere à localidade uma excelente posição, garantindo um acesso e controle do litoral e do vale amazônico. A base econômica da colonização foi, a princípio, a lavoura de cana-de-açúcar, assim como foi nos demais núcleos do litoral. Porém as condições naturais não lhe foram favoráveis, devido a pouca fertilidade do solo amazônico e as constantes cheias que alagavam áreas imensas. Foi quando Portugal, ao perder as mercadorias oriundas das Índias orientais[4], organiza, em 1655, um esquema destinado à procura, coleta e comércio de especiarias, nomeadas aqui de “Drogas do Sertão”. Eram produtos valorizados na Europa, utilizados como condimentos em uso farmacêuticos, enfeites e como materiais de construção, como assinala Caio Prado Junior abaixo:

“E foi o que se verificou. Encontraram os colonos na sua floresta, um grade número de gêneros naturais aproveitáveis e utilizáveis no comércio: o cravo, a canela, a castanha, a salsaparrilha e sobretudo o cacau. Sem contar as madeiras e produtos abundantes do reino animal: peixes, caça, a tartaruga. (JÚNIOR, p. 69, 1971)

No período que se estende da metade do século XVII ao final da primeira metade do século XVIII, este sistema de coleta vegetal estava apoiado nas aldeias missionárias e na mão-de-obra indígena. Sob ordem religiosa, a teocracia jesuítica, os indígenas construíam as instalações das missões, tais como a igreja, a escola, os armazéns e depósitos. Ao lado da política adotada pelo Estado lusitano, as “Ordens Religiosas” cooperaram através da catequese, na educação e na ocidentalização do “gentio”, descrito por GUERRA (1960). Essas aldeias localizavam-se principalmente às margens dos rios e possuíam uma posição vantajosa, controlando a circulação de um vale (figura 1). Os indígenas sob o controle dos missionários, não apenas cultivavam para sua subsistência como também percorriam os vales em busca das “drogas do sertão” [5]. A produção colhida era encaminhada a Belém e de lá exportada para Europa,
“pagando-se com isto não somente a manutenção das missões (que se bastavam assim mesmas), mas deixando saldos apreciáveis que com os de outras procedências, iriam enriquecer consideravelmente as Ordens respectivas e dar-lhes, na primeira parte do século XVIII, grande poder e importância financeira”. (JÚNIOR, p. 71, 1971)

Vendo o crescente poder da influência jesuítica, a Coroa Portuguesa sentindo-se prejudicada, abre luta contra o poder dos padres na América, assim também na Amazônia, através da figura de Marquês de Pombal. A partir da segunda metade do século XVIII a situação se modifica sensivelmente sobre o tratamento da terra. Houve isenção de impostos, concessões de sesmarias, distribuição de instrumentos agrários e outros instrumentos de trabalho e, em 1755, é fundado a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão sob os desígnios de Marques de Pombal.  Este período é marcado por mudança quando se refere ao tratamento do indígena. Sua dominação foi transformada e seu trabalho pago via escambo, fiscalizado por diretores nomeados para as aldeias. Com a expulsão dos padres jesuítas, colonos leigos penetraram na região, aproveitando a ausência dos mesmos, visto a impossibilidade de sua presença sob o domínio da igreja presente anteriormente. A criação dessas companhias pombalinas teve como objetivo não somente acabar com o domínio jesuítico frente a Coroa, mas também inserir-se no mercado europeu de produtos tropicais, expandindo o cultivo de cacau, café, fumo e outros produtos, como também intensificar o extrativismo vegetal e a pecuária nos campos do Rio Branco (Roraima), no baixo Amazonas e na ilha do Marajó. Destacou-se também a ampliação das importações de produtos manufaturados europeus, os quais eram adiantados aos colonos para serem pagos mais tarde, ampliando e consolidando assim o sistema de aviamento[6] na Amazônia.
Neste momento passa a se desenvolver na Amazônia uma rede urbana embrionária, como caracteriza CORRÊA (2006), porém não derivada da incorporação de novas áreas à economia colonial, mas derivada principalmente pela  expansão das atividades produtivas nas áreas já existentes e pela política tida por Portugal nos núcleos pré-existentes, que contribuiu à elevação, entre 1755 e 1760, de 46 aldeias missionárias à categoria de vila. Essas aldeias tiveram seus nomes modificados, reproduzindo em muitos casos nomes de povoações portuguesas como Alenquer, Almerim, Aveiro, Barcelos, Borba, Ega (atual Tefé), Faro, Melgaço, Santarém, Serpa (atual Itacoatiara), Óbidos e Vila Nova Imperatriz (atual Parintins), e a criação, em 1755, da Capitania de São José do Rio Negro, base do atual estado do Amazonas, com capital em Barcelos, fazendo com que o Amazonas e, mais tarde, o estado do Grão-Pará passem a ter duas capitais distintas, a do Grão-Pará e a de São José do Rio Negro, ambas subordinadas a Belém.

 Figura 1: Conquista do Norte. Fonte: IBGE – Geografia do Brasil. Roteiros de uma viagem.

A gênese de Belém e Manaus e suas funções históricas.

Belém
Belém encontra-se situada numa região historicamente estratégica. Topograficamente seu sitio foi construído num terreno baixo e plano sendo seu núcleo inicial localizado num terraço entre 7 a 8 metros de altitude. A escolha do seu sítio volta-se a fatores históricos vivenciados então pela região Amazônica. Em 1616 foi construído um forte denominado Forte do Presépio com o intuito de conter invasões holandesas, inglesas e francesas, que penetravam pela foz dos rios amazônicos para comercializar com povos indígenas as especiarias encontradas nas matas. A escolha da construção desta fortificação adveio da importância estratégica que as vias fluviais ofereciam, facilitando a penetração e ameaçando o poder do domínio português naquela região. O Forte, em seguida, o colégio e a igreja dos jesuítas formaram o núcleo original da cidade que, posteriormente, seria denominada de Santa Maria de Belém do Grão-Pará.
O período compreendido pela busca das “drogas do sertão”, e a administração pombalina na região amazônica, proporcionou à Belém um importante centro comercial e político como descreve Corrêa:

“Os efeitos das ações da companhia pombalina, contudo, dar-se-ão espacialmente de modo desigual, introduzindo uma certa diferenciação ente os núcleos de povoamento. Primeiramente, esta diferenciação verifica-se através das funções urbanas de natureza político-administrativa: em cada uma das duas capitanias passa a existir uma capital, várias vilas e numerosos povoados, estabelecendo-se, assim, uma hierarquia político-administrativa em cujo topo situa-se Belém. Em segundo lugar, através das funções comerciais e de serviços que se ampliaram desigualmente durante o processo de inserção mais profunda da Amazônia no comércio internacional de produtos tropicais”. (CORRÊA, p.200, 2006).

A  transferência da capital do estado do Grão-Pará e Maranhão de São Luís para Belém, em 1751 e a separação desses dois estados em 1772, criando o estado do Grão-Pará e do Maranhão, fortaleceu a importância de Belém frente à Amazônia, tornando-a a capital político-administrativa de toda a Amazônia, o que trouxe à Belém um surto de desenvolvimento voltado a melhoramentos urbanos através da construção do palácio do governo e igrejas. Porém, passado quase um século, a cidade de Belém progrediu muito lentamente, somente em fins do século XIX, sofreu um grande impulso econômico e urbano durante o ciclo da borracha. Desta época data a construção do porto, assim como o Teatro da Paz, a Praça da República e a abertura de largas avenidas sombreadas por mangueiras. Assim Belém se destaca pela concentração populacional e centralização dos recursos financeiros disponíveis para investimento urbano. Esta estrutura ocasionou o surgimento de grandes contrastes entre o centro, com infra-estrutura, e a periferia com população residindo em casas de palha e madeira. GUERRA (1960) acentua este contraste quando divide a cidade em três zonas distintas no que diz respeita à urbanização: a zona elegante, a zona média e a zona pobre. A primeira constitui a parte moderna da cidade, com largas avenidas calçadas com paralelepípedos e casas residenciais melhores do que em outros bairros. A zona média encontra-se à sudeste da cidade e a zona residencial pobre constitui a periferia de Belém, predominando a presença de madeira, taipa e palha na fabricação das residências.
Em 1897 é construído, por uma empresa inglesa, La Rocque Pinto & Cia., um mercado de ferro às margens da Baía do Guajará. No local funcionava a casa do ver-o-peso de Belém, que foi erguida em 1625, com o mesmo propósito que tinham as “casas do ver-o-peso” criadas no Brasil em 1614, no Rio de Janeiro, para aferir o peso de qualquer mercadoria e cobrar sobre ela o imposto devido. A partir do Ver-o-Peso exportaram os primeiros carregamentos de borracha da Amazônia. As sementes de seringueira levadas para a Malásia, que provocariam mais tarde o colapso da economia do látex, também saíram de lá.
Atraídos pela riqueza da borracha, imigrantes sírios, libaneses, italianos e judeus marroquinos incorporaram-se, com suas casa comercias, nas proximidades do Ver-o-Peso. Ainda no fim do século XIX, no auge de riqueza da borracha, a paisagem do Ver-o-Peso sofreu novas mudanças: ampliação do antigo mercado de carne situado nas proximidades, ampliação do aterramento da baía e construção do porto pelos ingleses, além de outras construções seguindo um padrão arquitetônico europeu, de estilo eclético.

Manaus

  A gênese da cidade de Manaus remete à construção do forte de São José da Barra do Rio Negro, em 1669, para garantir o domínio da coroa portuguesa na região contra as invasões estrangeiras, principalmente holandesas e inglesas. Próximo ao forte havia vários povos indígenas (Barés, Banibas, Passés Manaós), que ajudaram na sua construção e passaram a morar à sua volta. Ao contrário do sítio de Belém, que possui níveis de terraços baixos, Manaus encontra-se sobre um baixo planalto entre 20 e 30 metros do nivel médio do rio Negro. Com a expulsão dos jesuítas da região e ao mesmo tempo as constantes invasões holandesas pelo vale do Orinoco e espanholas pelo do Solimões, o governador do Pará mandou construir uma fortaleza no “Logar da Barra”, a fim de servir de base para a defesa, tanto do rio Negro, como eventualmente do Solimões. Desta forma, contendo a invasão estrangeira, garantia o poder da região nas mãos da coroa portuguesa.
Aos poucos o Lugar da Barra passou a atrair índios da região como os manaos, que foram aldeados e incorparados ao povoado por missionários carmelitas que chegaram na localidade por volta de 1665, reorganizando a vida do aldeamento de soldados e índios. Em 1758 é fundada a Vila de Mariuá, posteriormente transformada em capital da Capitania do Rio Negro, mais tarde na cidade de Manaus. AB’SÁBER (2004) ao citar Alexandre Rodrigues Ferreira, mostra dados estatísticos acerca da população local em relação ao ano de 1786, demonstrando um lento crescimento da população, pois havia neste tempo apenas 301 habitantes (47 brancos, 243 índios e 11 negros). Relata também sobre as atividades no aldeamento, onde se produzia de tudo um pouco, visando o autoabastecimento de milho, café, algodão, tabaco, arroz e castanha. À medida que a populaçao crescia, as condições de abastecimento de alimentos tornavam-se mas difíceis e precárias. Porém esse crescimento se deu de forma lenta e, segundo AB’SÁBER (2004) , somente por volta da proclamação da República é que Manaus atingiu 10.000 habitantes, época em que Belém detinha aproximadamente 60.000 habitantes. O ciclo da borracha, a partir de  fins do século XIX,  vai  beneficiar a cidade em termos de desenvolvimento populacional e urbanístico.
Entre 1890 e 1920, Manaus sofreu transformações na sua forma urbana. Contruiu-se o porto, mercado, abriram-se avenidas e praças foram urbanizadas, igarapés na região central da cidade foram aterrados e através do modelo higienista de Oswaldo Cruz, Manaus passou por um intenso processo de saneamento urbano. A capital ganhou iluminação pública e sistema telefônico, além da construçao do Teatro Amazonas. E, de acordo com Guerra,

“Essas modificações culminaram nos dois primeiros decênios do século XX, em íntima correspondência com a prosperidade da região, resultante do monopólio conseguido pela Amazônia no comércio mundial da goma elástica. A fisionomia urbana de Manaus que se manifesta no traçado planejado, no grande cais flutuante, nos magestosos edifícios públicos, no imponente teatro de ópera, nos belos palacetes residenciais, na arquitetura bem cuidada dos prédios comerciais, largas avenidas e gandes praças, enfim, por tudo o que a cidade possui de faustoso e monumental, data daquela época afortunada de 1890 a 1920, quando ela viveu num fluxo e numa riqueza desconhecidas então por muitas grandes capitais do sul do Brasil”. (GUERRA, p. 23, 1960).

Assim, segundo AB’SÁBER (2004), Manaus se firmou como um grande entreposto comercial, de exportação dos produtos amazônicos e distribuidor de podutos de importação provindo do restante do Brasil e do exterior, como carnes, produtos manufaturados e industrializados, entre outros.

A explotação da borracha do século XIX e século XX.

O ciclo da borracha constituiu um período importante na história econômica e social do Brasil, estando relacionado com a extração e comercialização da borracha. Este ciclo teve o seu centro na região amazônica, proporcionando grande expansão da colonização, atraindo riquezas e causando transformações culturais, sociais e territoriais ao expandir a fronteira do Brasil, além de dar grande impulso às cidades de Manaus e Belém.
Na primeira metade do século XVIII o astrônomo francês Charles Marie de La Condamine, com pretensões de medir o arco do meridiano, penetrou no vale dos rios amazônicos e estudou a fundo a árvore que libera um líquido leitoso - a árvore da seringueira - que mais tarde será denomida hevea brasiliensis. Descobriu que a resina provinda da árvore era tão resistente quanto àquelas encontradas às margens do rio Marañon, servindo para os mesmos usos. Em 1770 Joseph Priestley descobriu que a borracha servia para apagar traços de lápis, contribuindo para sua primeira utilização industrial. Com a descoberta da vulcanização, quase simultaneamente por Charles Goodyear (1839) nos Estados Unidos e Hancock (1842) na Inglaterra, a borracha da Amazônia passou a ser olhada com interesse, em especial  pelos EUA e pela Inglaterra.
Foi  em meados do século XIX  que a navegação dos principais rios da bacia amazônica foi organizada pelo Império e em 1874, quando a Companhia de Navegação do Amazonas estava em pleno desenvolvimento, inclusive com sucesso financeiro, foi adquirida pelos ingleses, constituindo a Amazon River Steam Navigation Co. Neste momento, o tráfego fluvial no Amazonas já havia sido internacionalizado pelo decreto de 1866,  Inclusive sob pressão dos EUA. (VALVERDE, 1964)

Conforme Valverde (1964), a mola econômica que fez eclodir o ‘boom’ da  goma elástica foi a criação dos grandes mercados para esse produto na zona temperada: nos Estados Unidos em primeiro lugar, e secundariamente na Europa.
Certamente, a partir da invenção, patenteamento e fabricação do pneumático pelo britânico John Dunlop, entre 1887 e 1889, somada à fabricação de automóveis em série, a partir de 1893  -  fruto da inovação na organização da produção, a linha de montagem, ligada ao nome do estadunidense, Henry Ford - proporcionará a mola econômica, acima referida. 
Assim no período compreendido pelo ciclo da borracha, entre as décadas de 1880 e de 1920, países centrais do capitalismo mundial necessitavam de matérias-primas, alimentos e mercados consumidores da periferia, tendo interesse em aprofundar a divisão internacional do trabalho, bem como expandir geograficamente seu raio de atuação, inclusive incorporando novos territórios[7]. 
O Brasil, possuidor da maior reserva mundial de seringueiras nativas, entra no cenário mundial como o principal fornecedor de matéria prima, a borracha (figura 2).

Figura 2 - Balsas transportando borracha no Rio Acre em Rio Branco (AC). Fonte: IBGE Arquivo Fotográfico Ilustrativo dos Municípios Brasileiros.

A partir da segunda metade do século XIX o interesse da Província do Amazonas pela borracha era grande, devido ao grande lucro obtido na exploração do produto. Na região, compreendida pelo sul do Amazonas e o atual estado do Acre, era onde estava concentrada grande quantidade de hevea brasiliensis[8] e ali a possibilidade de maior lucro aos exploradores. Após essa descoberta, várias expedições foram organizadas pelo governo da Província do Amazonas para conhecimento da região, então vários seringais foram fundados e a economia da borracha estabelecida.
           Com o surto da borracha na Amazônia, sobretudo no Acre, o sistema de créditos, ou seja, sistema de trocas baseado no crédito sem dinheiro, adotado pelas casas comercias dos centros urbanos , as casas aviadoras, se amplia. Estas casas funcionavam exclusivamente em Belém, até que em 1900 o governo amazonense, pleiteando para seu Estado uma participação mais direta, as trouxe para Manaus.
           Para o trabalho na extração do látex nos seringais acreanos, houve um intenso fluxo migratório para a região, sobretudo de origem nordestina. Dentre os motivos para o abandono de sua terra – quando o  interesse dos industriais estrangeiros pela borracha levavam ao financiamento  da migração de grandes números de trabalhadores para o Acre – estava a  ilusão de enriquecimento fácil na região, por parte dos trabalhadores nordestinos, e a seca nordestina de 1877-1878. Com a grande migração à Amazônia houve a necessidade de organizar as explorações, sendo o custeio da expedição de responsabilidade de um comerciante, o aviador, que além de fornecer o transporte, fornecia os utensílios para a exploração e os gêneros alimentícios.  Os nordestinos migrantes, no momento em que deixavam sua terra natal, já se tornavam endividados. Ao chegar na região recebiam um adiantamento, por não terem condições de suprir com as despesas de viagem e de instalação no seringal.
            No seringal existia a mesma prática nas relações mercantis. A escrita era feita no barracão da gerência ou no armazém central. Todas as despesas realizadas no seringal eram registradas. Tanto as mercadorias fornecidas ao seringueiro quanto a borracha produzida, eram registradas em livros denominados de contas correntes que ficavam de posse dos seringalista. Ao se apresentar para o trabalho no seringal, o seringueiro recebia do seringalista um extrato, onde eram registrados todos os débitos, incluindo os gastos de viagem e ainda os utensílios e os gêneros alimentícios que viesse a precisar. Nesse momento surgia uma relação que iria manter o seringueiro numa situação de servidão, que o tornava totalmente dependente do barracão.
Segundo VALVERDE (1964) se o seringueiro tentasse fugir, era caçado a dente de cão ou pelos “capangas” do administrador. Cada seringal tinha sua “justiça própria”, com prisão, jejuns e surras com espinhas de pirarucu.
A borracha, oriunda, do Acre era desembarcada em Manaus ou Belém, onde eram pagos os direitos de exportação, que os Estados do Pará e Amazonas cobravam. Lá as casas exportadoras faziam as suas ofertas aos aviadores. As negociações operavam de acordo com os preços da véspera, e cabendo as casas exportadoras exportá-las para a Europa e Estados Unidos.
            O seringueiro produzia a borracha, as pélas, defumando o leite. Indubitavelmente, o processo de defumação do látex e a conseqüente  coagulação consiste numa importante etapa na otimização da produção.  A coagulação não dependia somente do fogo, mas também da ação de ácidos, sais, centrifugação e calor solar.
            As manipulações e a mão-de-obra, que exigia o simples transporte da borracha do defumador ao embarque para o estrangeiro, eram excessivas. Do defumador as pélas eram conduzidas para os bancos que as transportavam ao barracão do patrão; em seguida eram conduzidas pelo gaiola aos portos de Manaus e Belém, para daí, serem transportadas em navios e serem exportadas para o exterior.

A OCUPAÇÃO DO VALE DO ACRE E A GÊNESE DE RIO BRANCO, CAPITAL DO ACRE.

O Acre compreende um dos 27 estados brasileiros,  sendo o 15º em extensão territorial, com uma superfície de 164.221,36 Km², correspondente a 4,26% da Região Norte e a 1,92% do território nacional. O Estado está situado num planalto com altitude média de 200 m, localizado no sudoeste da Região Norte, entre as latitudes de -7°06´56 N e longitude - 73º 48' 05"N, latitude de - 11º 08' 41"S e longitude - 68º 42' 59"S. (figura 3) O nome Acre surgiu de “Aquiri”, que significa “rio dos jacarés” na língua nativa dos índios Apurinãs, os habitantes originais da região banhada pelo rio que empresta o nome ao estado. Os exploradores da região transcreveram o nome do dialeto indígena, dando origem ao nome Acre. Os primeiros habitantes da região eram os índios, até 1877, quando imigrantes nordestinos arregimentados por seringalistas para trabalhar na extração do látex, devido aos altos preços da borracha no mercado internacional, iniciaram a abertura de seringais. Este território, antes pertencente à Bolívia  e ao Peru, foi aos poucos sendo ocupado por brasileiros.
Buscando garantir o domínio da área, os bolivianos instituíram a cobrança de impostos sobre a extração da borracha e a fundação da cidade de Puerto Alonso. Após conflitos armados a cidade foi retomada por brasileiros e rebatizada como Porto Acre. A revolta dos brasileiros diante destas medidas resultou em conflitos que só tiveram fim com a assinatura do Tratado de Petrópolis em 17 de novembro de 1903, no qual o Brasil adquiriu o território do Acre. Na região de fronteira com o Peru também houve controvérsias quanto aos limites territoriais. Em setembro de 1903, os peruanos foram expulsos das áreas ocupadas, sendo resolvido o impasse territorial em 8 de setembro de 1909, tendo como representante nas negociações o Barão do Rio Branco, então Ministro das Relações Exteriores.
A história da origem e expansão da cidade de Rio Branco está intrinsecamente ligada aos ciclos econômico da extração da borracha nos séculos XIX e XX, que contribuíram com o forte processo de ocupação desta cidade amazônica, conseqüência da migração nordestina à procura da borracha.

Figura 3 – Croqui de localização da cidade de Rio Branco. Fonte: Plano Diretor da cidade de Rio Branco.

Com a descoberta da vulcanização da borracha,  com a invenção do pneumático e a fabricação de automóveis em série, a partir de 1890, principalmente, houve um aumento significativo do uso da industrialização da borracha e consequentemente um aumento considerável da sua cotação no mercado internacional. Com isso o aproveitamento industrial nos Estados Unidos e na Europa, fez com que na Amazônia todo o interesse se voltasse à extração da borracha, consagrando-se assim o seringal - baseado  nas figuras do seringalista (senhor dos seringais) e do seringueiro - como unidade produtiva fundamental à economia amazonense.
 Nesse contexto, pelos fins de 1882, penetraram o rio Acre os migrantes cearenses Irmãos Leite, Manuel Damasceno Girão e Neutel Maia. Os irmãos Leite resolveram se instalar no local, onde fundam a sede do Seringal Bagaço. Manuel Damasceno prossegue rio acima e na foz do rio Xapuri funda o seringal com o mesmo nome. Por sua vez, entre o seringal Bagaço e o seringal Xapury, Neutel Maia, em 28 de dezembro de 1882, funda o seringal “Empreza” na margem esquerda do rio Acre - onde atualmente se localiza a cidade de Rio Branco – que se transforma em  um importante porto e entreposto comercial e,  com o fim da Revolução Acreana,  se torna sede provisória da Prefeitura Departamental do Alto Acre.
Neste primeiro período que compreende desde a fundação até 1908, a história urbana de Rio Branco foi marcada por três principais características apontadas pelo historiador e presidente da Fundação Municipal de Cultura Garibaldi Brasil. (NEVES, 2007). A primeira diz respeito à transformação do seringal Volta da “Empreza” no povoado denominado “Villa” Rio Branco. A segunda, é que foi exatamente nesta época que Rio Branco alcançou a condição de liderança política e econômica do Acre, o que lhe valeria posteriormente a condição de capital. Finalmente, a terceira característica fundamental da cidade nascente é que neste período o povoado da Volta da “Empreza” – “Villa” Rio Branco esteve restrito a uma estreita faixa de terra na margem direita do rio Acre

A gênese da cidade de Rio Branco e o seringal “Empreza”.
O potencial econômico da região acreana, voltada à extração da borracha, promoveu um intenso fluxo migratório nordestino, impulsionado pela  ilusão de enriquecimento fácil e alimentado por incentivos governamentais para ocupação desta região. Com isso a região foi gradativamente ocupada: a) por nordestinos, que através do apossamento de terras, de grandes dimensões visavam investir em seringais e explorar a riqueza extrativista da região – os seringalistas; b) pelos nordestinos seringueiros que extraíam para os seringalistas a borracha, ou seja a riqueza. Neste contexto surge a figura do cearense Neutel Maia que nos fins de 1882 funda o seringal “Empreza” e ali desenvolve um processo, no que diz respeito à formação sócio - econômica da época, concretizando a transformação gradativa do seringal em povoado, ou seja, em porto livre para gentes e mercadorias que circulavam num dos mais ricos rios acreanos, durante o primeiro ciclo da borracha (1870-1912).
Ao chegar à região desejada, o aventureiro Neutel Maia apossou-se de terras localizadas à margem esquerda do rio Acre e ali ergueu um barracão, que seria a futura sede de seu seringal - “Empreza” - porém, logo em seguida,  a sede foi transferida para a margem direita do rio, pois esta nova localização facilitava o transporte de gado boliviano para o seringal, agora denominado Volta da “Empreza[9]”. A partir daí, um aglomerado espontâneo foi formado, seguindo o curso natural do rio, isto devido à facilidade do escoamento de toda a produção gomífera da região, do que se o povoado estivesse disposto, de forma perpendicular ao curso do rio.
As relações comerciais que Neutel Maia detinha com pecuaristas bolivianos, num período em que a economia da borracha gerava bastante lucro para os seringalistas da região, eram bem vindas visto que a carne bovina boliviana, mais especificamente da região que atualmente compreende a região do Beni (figura 4), era bastante valorizada na época. Além do mais, ir caçar na mata roubava dos seringueiros um precioso tempo para a extração da goma nas estradas de seringa e também, os seringueiros eram obrigados a se contentar com o charque que vinha do sul do Brasil, ou da Argentina, portanto, era necessário garantir um regular abastecimento de carne fresca para os seringais. Exatamente o que Neutel Maia conseguiu ao negociar com bolivianos, que traziam por varadouros o gado desde os campos ao sul do rio Beni até o seringal Volta da “Empreza”, onde, em clarões abertos na mata, eram soltos para a engorda para que depois fossem abastecer os seringais acreanos.

Acre
 
Figura 4: Croqui de Localização da Bolívia e Departamento de Beni. Fonte: http://www.paises-america.com/mapas/bolivia.htm. Acesso em: 30/11/2007.

Ao perceber que a atividade comercial constituía uma atividade rentável, o seringalista fundou, em 1884, a primeira casa comercial do seringal Volta da “Empreza”, chamada de N. Maia & Cia. (figura 5), para atender aos vapores, aos pequenos seringais e realizar intermediação do gado boliviano para o abastecimento da região. Com isso, espontaneamente, Volta da “Empreza” se diferenciou, assim como “Xapury”, de todos os outros seringais da região, se tornando um povoado, a partir da atividade comercial do seu porto. Enquanto os demais se caracterizavam pelo monopólio comercial do barracão controlado pelo seringalista, Volta da Empresa, ao contrário, se tornou uma área livre para o estabelecimento de diversos comerciantes, um porto seguro para os regatões sírio-libaneses, um lugar de trabalho para uma grande variedade de profissionais - desde advogados, médicos, barbeiros, fotógrafos, jogadores, artistas, até prostitutas que eram importadas da Europa - que também almejava enriquecer com o “ouro negro” sem ter que se aventurar nas isoladas estradas de seringa.
Por isso, ao iniciar a última década do século XIX, o seringal Boca do Acre, Volta da “Empreza”, no médio rio, e o “Xapury”, no alto rio Acre, eram movimentados portos onde os vapores podiam se abastecer de lenha, borracha e mercadorias vindas das casas comercias dos seringais e seguir transportando as pélas de borracha para Belém e Manaus, de onde eram exportadas para a Europa e Estados Unidos (figura 6). Nesse período, o povoado “Empreza” constituía urbanisticamente uma área restrita à margem direita do rio Acre, no qual residências e estabelecimentos comerciais estavam dispostos paralelamente ao curso do rio.
Aproximando-se do fim da década de 1890 e inicio da década de 1900, o povoado “Empreza” foi palco de batalhas da Revolução Acreana, liderada por Plácido de Castro. Por constituir uma região estratégica, localizada entre o povoado de “Xapury” e a cidade erguida pelas tropas bolivianas, Puerto Alonso, Empreza passou a ser alvo das tropas bolivianas, vista ao apoio político de Neutel Maia ao governo boliviano, devido aos interesses comerciais entre eles.
Assim em 1903 se deu inicio a uma ocupação militar, através da necessidade da criação de um quartel pelo Gen. Olímpio da Silveira, localizado distante do centro do povoado, rio acima, onde acampou o 15º Batalhão de Infantaria do Exército.
Logo após a criação do Território Federal do Acre em 1904 e a elevação a categoria de vila, o povoado Empreza, agora então Villa Rio Branco, já possuía a configuração de um primeiro ordenamento espacial urbano, refletido na organização social com bairros diferenciados: o bairro do Comércio, formado pelo primeiro arruamento onde se estabeleceram hotéis, restaurantes e casas comerciais, construídos com madeiras que era abundante na região; uma outra pequena área residencial de trabalhadores que ocupavam terras da volta do rio Acre, denominado Canudos; um pequeno bairro de trabalhadores na extensão da única rua da cidade em direção ao igarapé da Judia, formado por precárias casas de palha, denominado bairro África, por abrigar os negros habitantes da cidade; e por ultimo, o bairro 15, nascido a partir do acampamento do 15º Batalhão de Infantaria do Exercito, que atraiu pequenos comerciantes constituindo um novo arruamento também a margem do rio. Assim, neste primeiro período de formação do núcleo urbano da cidade de Rio Branco, pode-se perceber a consolidação de um espaço diferenciado em relação aos seringais da região. O período posterior do processo de expansão urbana de Rio Branco se dá a partir de 1909. Neste período da historia da cidade possui alguns marcos fundamentais de diferentes naturezas, seja no que diz respeito aos seus aspectos econômicos devido ao fim do ciclo da borracha a partir de 1913, seja em relação ao seu papel político, no qual Rio Branco se tornou capital do Território a partir de 1920 e seja no que se refere a ampliação de sua malha urbana pela incorporação de uma grande área de terras da margem esquerda do rio Acre, a partir de 1909.

REFERÊNCIAS E BIBLIOGRAFIAS CONSULTADAS
                                                                               
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[1] Eixo temático: Dinâmica Urbana
[2] Mestrando do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina
[3] “O vale do Amazonas, na transformação constante que vem passando, tem hoje a forma de uma lira, como se algum deus pagão e autóctone, por meio da harmonia e da beleza, tentasse amenizar as arestas cortantes dessa natureza rude. Lira deitada e ligeiramente inclinada do poente para o nascente guarda, ao fundo, a Cordilheira dos Andes; ao sul, o planalto do Sistema Brasileiro; ao norte, as montanhas do Sistema Guianense; na embocadura, os lençóis azuis do Atlântico. As reentrâncias da figura são apertadas nos relevos serranos das manchas que desdobram de Almerim à Óbidos, na margem esquerda, e nos relevos alpestres dos ondulados que sobem do Curuá a Santarém, no flanco direito. Ao centro dessa arena colossal – a gigantesca árvore hidrográfica, com a copa de tributários esgalhada para o montante, caule portentoso na seção intermédia, e as raízes incontáveis, de bancos e baixios, de ilhas e arquipélagos, cravando o rizoma no mar. Cada galho, cada ramo, cada folha, cada nó aquoso da fronde flúvia, e maravilhosa espicha-se num estirão, alastra-se numa baía, encurva-se numa enseada, isola-se num sacado” (MORAIS, p. 1, 2000)   
[4] Segundo SODRÉ (1976), a Amazônia vai proporcionar o retorno português ao comércio de especiarias. “Expulsos do Malaia e de Ceilão, guerreados de outros pontos do Oriente, cedendo o comércio de especiarias orientais ao holandês, Portugal vê na Amazônia a fonte de drogas do sertão que lhe permitirá voltar ao cenário. (...) Ora, quando isso acontece, a ocupação amazônica deve repousar sobre a rede das missões. Só elas dão sentido de povoamento e de exploração econômica ao vale. Sobre a sua estrutura funda-se o surto comercial das drogas do sertão. A Amazônia substitui o Oriente como fonte de especiarias. Mas só substitui porque o missionário organiza, nas suas aldeias, entidades produtoras de proporções relativamente grandes, protegidas pelas isenções, dominando a mão-de-obra local e aproveitando ao máximo a sua aptidão natural para a coleta florestal”. (SODRÉ p. 130, 1976).
[5] “Sem o gentio, portanto, não se dava um passo. Era ele que remava, pescava, fazia as farinhas, lavrava a terra, guiava as expedições, passava as cachoeiras, indicava os perigos e os meios de escapar a eles, apontava os tipos da flora e da fauna, construía os povoados, fazia os mil artefatos de que havia necessidade para que se pudesse prosseguir na campanha de fundação do império ocidental no ambiente exótico e hostil: Era ele nervo e vida” (REIS, apud SODRÉ, p. 29, 1976).
[6] “A estrutura de comercialização da borracha baseava-se num sistema de aviamento, que era típico da exploração da borracha e de outros produtos extrativos. Teve suas origens no período colonial quando as empresas exploradoras das drogas do sertão no Pará, trocavam com os comerciantes gêneros alimentícios por produtos de coleta”. (SILVA, apud COÊLHO, p. 31, 1982).
[7] Ver sobre o assunto da relação entre áreas temperadas e tropicais, no período em pauta o artigo de WAIBEL, Leo. O Abastecimento da Zona Temperada com Produtos Agrícolas Tropicias. In: Capítulos de Geografia Tropical e do Brasil. Rio de Janeiro:   CNG,1958. Ver  sobre ciclos econômicos  emanados do centro do sistema capitalista: Mamigonian, A. Introdução ao Pensamento de Ignácio Rangel. In: Revista GEOSUL, 3, Ano II. Florianópolis: Editora da UFSC, 1o sem. 1987.
[8] “Tanto a hevea brasiliensis, mais comum no vale do Amazonas e nos de seus afluentes meridionais, como a hevea benthamiana, típica dos vales afluentes setentrionais, ocorrem sobretudo, na mata de várzea alta; por isso, distribuem-se em faixas ao longo dos rios. Nos solos argilosos da terra firme, a seringueira também se desenvolve bem e em formação relativamente densas. Essa é a razão por que, no Acre, as seringueiras se espalham também sobre os divisores de águas. (...) A ocorrência natural da seringueira vem explicar o padrão da distribuição demográfica na Amazônia. Nos rios principais, únicas vias regulares de circulação no meio da hiléia, é onde se faz mais densa a população. A ocupação se processou  em habitat disperso ao longo de seus cursos para aproveitar ao máximo os seringais nativos. De longe em longe, avista-se uma barraca de seringueiro”. (VALVERDE p. 274, 1964).
[9] O Seringal “Empreza” dispunha-se na margem esquerda do rio Acre, enquanto o Volta da “Empreza”, na sua margem oposta. “A partir do último quartel do século passado, sob o impulso econômico do ciclo da borracha, houve uma progressiva ocupação do território acreano que, pela abundancia e qualidade das árvores lactíferas, passaram a ser preferidos por aqueles que desejavam ingressar nas lides do extrativismo da borracha. Assim é que em fins de 1882, o cearense Neutel Maia, ajudado por uns poucos homens que trouxera consigo, escolheu um ponto do rio Acre onde fundara dois seringais. Um na margem esquerda que denominou Empresa e outro na margem direita, ao qual chamou Volta da Empresa. O nome deste último está intimamente ligado a hidrografia do Rio que neste ponto, reflete-se sobre si mesmo, formando um grande meandro cujos extremos ficam a curta distancia entre si”. (SILVA, p. 12, 1986)