terça-feira, 27 de dezembro de 2011

LIVRO: A PRIVATARIA TUCANA (PSDB)... para quem gosta de debater POLÍTICA, "lavagem de dinheiro" e a futura privatização do SAERB!!!!!!







Prepare-se, leitor, porque este, infelizmente, não é um livro qualquer. Ele nos traz, de maneira chocante e até decepcionante, a dura realidade dos bastidores da política e do empresariado brasileiro, em conluio para roubar dinheiro público. Faz uma denúncia vigorosa do que foi a chamada Era das Privatizações, instaurada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso e por alguns de seus ministros e altos funcionários. Nomes imprevistos, até agora blindados pela aura da honestidade, surgirão manchados pela imprevista descoberta de seus malfeitos.


autor, famoso jornalista investigativo, que trabalhou em varios grandes jornais e revistas, faz um trabalho investigativo que começa de maneira assustadora, quando leva um tiro ao fazer reportagem sobre o narcotráfico e assassinato de adolescentes, na periferia de Brasília. Depois do trauma sofrido, refugia-se em Minas e começa a investigar uma rede de espionagem que tinha o objetivo de desacreditar um possível candidato do PSDB, o ex-governador mineiro Aécio Neves. Ao puxar o fio da meada, mergulha num novelo de proporções espantosas. livro tem 160 páginas de documentos irrefutáveis, contas no exterior, copias de cheques e contratos, fotos dos locais onde os políticos guardaram dinheiro para enriquecerem e financiarem campanhas eleitorais.

Novo Ano, Velhas práticas... mas de qualquer maneira: FELIZ 2012!!!!

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Aos amantes de livros relacionados à história acreana uma dica: LIVRO "O Ladrão no Fim do Mundo"



A história de como o inglês Henry Wickham contrabandeou 70 mil sementes de seringueiras da Floresta Amazônica para a Inglaterra no século XIX é um dos casos mais ilustrativos de biopirataria de espécies amazônicas. Movido pela ambição de crescer na indústria da borracha, à época tão importante quanto a do petróleo hoje, Wickham decide explorar a selva amazônica na Venezuela e no Brasil. Após enfrentar todos os perigos da floresta, cobras e insetos gigantes, índios Yanomami e outras experiências que quase o levaram à morte, Henry Wickham retorna à Inglaterra com milhares de raras sementes de seringueira que produzia uma borracha super resistente. Estudadas no jardim botânico de Londres, as sementes foram enviadas para plantações nas colônias inglesas tropicais, e depois de trinta anos, a Inglaterra conseguiu superar o Brasil no monopólio da borracha, dominando os suprimentos mundiais.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

"Não é festa. É Revolução!!!!" Bolivian Syndicate ou Acre Syndicate? (João Veras/ Heloy de Castro)




domingo, 4 de dezembro de 2011

DA EPOPÉIA À ELEGIA: A PRESENÇA DO CAPITALISMO NA FORMAÇÃO DO ACRE (Por Eduardo Carneiro)


“O capital ao surgir escorre-lhe sangue e lodo por todos os poros, da cabeça aos pés” (MARX, 1968, p. 879, grifo nosso).

“Um espectro ronda a Europa”, essa é a frase inaugural do Manifesto do Partido Comunista, publicado em 1848, pelos economistas Karl Marx e Friedrich Engels. O espectro a que se referiam era o comunismo. Segundo diziam, “todas as grandes potências da velha Europa unem-se numa Santa Aliança para conjurá-lo” (MARX; ENGELS, 1989, p. 29).
Um “espectro” com maior potencial de assombro se “manifestou” na Amazônia Ocidental em fins do século XIX, e não houve quem exorcizá-lo. Pelo contrário, muito mais foram aqueles que se uniram para adorá-lo, para tornarem-se procuradores dele na região. Uniram-se ao “monstro” ao ponto de se confundirem com ele. O capitalismo penetrou na Amazônia e por onde passou esse “espectro”, em seu perfil “imperialista”, gerou “horrores econômicos” (FORRESTER, 1997), “políticos” (GENEREUX, 2000) e “sociais”.
O “capital” não se instala e nem consegue sobreviver sem “desgraças”. Essa afirmação de Perrault (1999) pode ser facilmente comprovada através da observação da própria história do capitalismo. Infelizmente, o processo de ocupação do Aquiry por brasileiros e a consequente anexação dele ao Brasil fazem parte desse “flagelo”. E, por mais que a História Oficial aponte para um lado imaginariamente “belo”, “heróico” e “patriótico” da genealogia do Acre e dos acreanos, a História Econômica a partir das evidências indica o lado oposto, o do “horror” como marca da formação econômico-social do Acre.
Será preciso estar com “espírito aberto” para uma nova interpretação dos fatos históricos que marcam o “abrasileiramento” das terras que até então eram ocupadas centenariamente por povos indígenas. A imagem “positiva” da origem do Acre legitima o capitalismo na região e dissimula os seus nefastos desdobramentos econômicos, políticos e sociais, do ingresso do capital internacional.  
A narrativa épica é anualmente divulgada pelo Governo do Estado por intermédio do Departamento de Patrimônio Histórico e da Secretaria de Comunicação por ocasião da passagem do aniversário dos principais acontecimentos da dita Revolução Acreana. Geralmente os fatos são contados sem nenhuma discussão. E durante o Centenário da Revolução Acreana (1999-2003), aconteceu pior, pois todos os acontecimentos históricos foram elogiados ao ponto da quase apoteose.
Nas escolas, não há dúvidas quanto à opção da Secretaria de Educação (SEE/Ac) pelo ensino “elogioso” da história do processo de ocupação e anexação do Acre ao Brasil. A criança é ensinada desde cedo a ter orgulho da comunidade a que pertence, a reconhecer os heróis do passado e do presente e render-lhes homenagens. Enfim, a ter propensão ao civismo e ao respeito às autoridades.
Mas se analisado serialmente os fatos que fazem parte do processo de anexação das terras que hoje conhecemos como Acre ao Brasil, as conclusões são outras. E o ponto-chave para “esclarecer” a questão é relacionar todo processo migratório e toda a demanda pela atividade econômica seringueira com os interesses advindos do capital internacional, que na época patrocinou praticamente toda migração.
Vivia-se o período do chamado “imperialismo”, em que as grandes potências mundiais se expandiam, ampliando a cadeia mercantil mundial e formando aquilo que o sociólogo estadunidense Wallerstein (1999) chamou de “Economia-Mundo Capitalista”. É bom lembrar que capital nada mais é do que um processo de ampliação de valor por meio do investimento em negócios lucrativos. E quando o mercado nacional já se encontra saturado, os investimentos passam a ser feitos em “novos mercados” que garantam maiores taxas de retorno.
La region de la goma foi uma dessas oportunidades comerciais vantajosas em fins do século XIX por conta da demanda que a  indústria automobilística tinha por borracha. Em ela sendo incluída na cadeia mercantil da Economia-Mundo Capitalista, teve início a história do Acre enquanto terra habitável por homem branco, maioria de nacionalidade brasileira. A migração de nordestinos para a região, a dita Revolução Acreana e a assinatura do Tratado de Petrópolis (1903); em fim, o abrasileiramento daquelas terras, está relacionado com o “espectro” que se instalou na região e que lhe transmitiu valor econômico.
Ao nomearem de “Acre” a região onde extraiam látex por demanda internacional, os brasileiros praticavam uma “violência simbólica” sem tamanho, pois se apoderavam da região primeiramente no imaginário, considerando-a “terra de ninguém”. Não levaram em conta o vínculo e o sentimento de pertencimento que vários nativos tinham com a terra. Nem os Tratados Internacionais que demarcavam o território como não-brasileiro.
Argumenta-se aqui que o Acre só é Acre por conta, em primeiro lugar, do capital internacional na região em fins do século XIX; e, em segundo lugar, por conta da ambição dos “heróis” que seduzidos por esse capital foram capazes das mais diversas atrocidades. Do genocídio de inúmeras tribos indígenas ao conflito armado internacional. Mas não é de se estranhar, pois na história econômica do homem a violência é parte integrante. Os fins dos mais fortes sempre tendem a justificar os meios utilizados sobre os mais fracos.
O respeito e a observância dos princípios morais e éticos são sempre secundários quando objetivo é “se dar bem”. Para garantir seus interesses o homem é capaz de matar, escravizar, servilizar, assalariar, roubar, guerrear, infringir leis, praticar corrupção, invadir terra alheia e criar teorias “científicas” que justifiquem tudo isso. Não há preocupação com o próximo, pois “a guerra é quase tão antiga quanto o próprio homem e atinge os lugares mais secretos do coração humano” (KEEGAN, 1996).

Ninguém que se dedique à meditação sobre a história e a política, consegue se manter ignorante do enorme papel que a violência sempre desempenhou nas atividades humanas, e à primeira vista é bastante surpreendente que a violência tão raramente tenha sido objeto de consideração. (ARENDT, 1994, p. 7, grifo nosso).

Mais o pior de tudo foi o fato de “os heróis” terem trazido consigo, conscientemente ou não, o “espectro” do capitalismo para a região, e com ele todas as “maldições” que sempre o acompanham, desde os danos ambientais até a exclusão social. Afirmamos ser “pior” por que as consequências desse feito tem se desdobrado até hoje. Eles desbravaram o “Aquiry” indígena e as “Tierras Non Descobiertas” bolivianas para servirem de rota ao Capital Internacional. Mas isso é um fato silenciado pela historiografia oficial, pois identificar os “heróis da primeira geração de acreanos” como os responsáveis pela instalação das relações socioeconômicas de produção capitalista no Acre é fazê-los protagonistas do “império do mau” (PERRAULT, 1999, p. 12).  
Em síntese, a “genealogia” do Acre nada tem a ver com a narrativa épica da historiografia oficial repleta de “heroísmo” e “patriotismo” dos nordestinos. Mais parece uma elegia, pois, como afirma a epígrafe desse texto, o capital ao se instalar, no caso nas barrancas dos rios Juruá e Purus, produz logo “sangue” e “lodo”. O primeiro, representando o genocídio dos nativos e os assassinatos de bolivianos e brasileiros; o segundo, uma das mais opressoras e corruptas sociedades da história do Brasil – a sociedade gomífera baseada no “sistema de aviamento” e no “coronelismo” em que a “lei do cano da espingarda” era que prevalecia.
E foi justamente o maior poder de matar a que os migrantes brasileiros dispunham frente aos bolivianos e indígenas que garantiu o sucesso da posse daquelas terras e forçou todo o processo de legalização internacional do abrasileiramento definitivo delas. “Se a essência do poder é a efetividade do domínio, não existe então nenhum poder maior do que aquele que provem do cano de uma arma (ARENDT, 1994, p. 23, grifo nosso). As terras ficaram com quem tinham maior poder de violência, isso é fato. E onde há riqueza há abuso de poder. “A guerra está indiscutivelmente ligada à economia”, já dizia Keegan (1996, p. 16).
Não adianta a historiografia continuar tentando heroificar a dita Revolução Acreana. Não há motivos para aplaudir conflitos armados impulsionados por interesses econômicos de oligarquias locais. A narrativa da dita Revolução Acreana como fenômeno inaugural do Acre não tende ao paraíso, pois “[...] os fatos da guerra não são frios. Eles queimam com o calor do fogo do inferno” (idem, p. 22).
 Ela é a expressão “nua e crua” do corrosivo egoísmo humano marcado pela violência coletiva premeditada. Não há herói acreano querendo arriscar a vida por amor ao Brasil, e sim o homo economicus defendendo seus ganhos advindos da economia gomífera. Havia muito a ser dito sobre o assunto, mas o espaço concedido aqui não nos permite.
Para finalizar, é bom que se diga que a historiografia oficial sobre a anexação do Acre ao Brasil está marcada por uma narrativa produzida em função dos interesses dos “coronéis de barranco” e dos políticos e comerciantes de Manaus e Belém que, na época, tinham muito a perder com a “bolivianização” da região. A elite da nascente sociedade acreana se deu ao trabalho de reproduzir a narrativa epopeica, pois várias foram as consequências do processo de reprodução de capital internacional na última fronteira amazônica brasileira que se buscava silenciar.
Mas, se ao olhar para trás o brasileiro e, o acreano em particular, enxergar na genealogia do Acre “sangue” e “lodo” em vez de “heroísmo” e “patriotismo”, o objetivo do artigo terá sido atingido. Pois o “sangue” e “lodo” subsistem até hoje. Viva o Acre Sustentável!!!!!

Eduardo de Araújo Carneiro é professor de História Econômica da UFAC.  

BIBLIOGRAFIA

ARENDT, H. Sobre a Violência. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
FORRESTER, Viviane. O horror econômico. São Paulo: Editora da UNESP, 1997.
GENEREUX, Jacques. O Horror Político: o horror não é Econômico. Rio de janeiro: Berrand Brasil, 1998.
KEEGAN, John. Uma História da Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
MARX, Karl. O Capital. Livro 1, Vol. 2. São Paulo: Civilização Brasileira, 1968.
MARX, Karl; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Anita Garibaldi, 1989.
PERRAULT, Gilles. O Livro Negro do Capitalismo. São Paulo: Editora Record, 1999.
WALLERSTEIN, Immanuel. Análise dos Sistemas Mundiais. In: GIDDENS, Anthony. Teoria Social Hoje. São Paulo: Unesp, 1999.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

NOS RASTROS DA SUBJETIVIDADE: a produção dos sentidos no discurso histórico do filme “Batismo de Sangue” (CARNEIRO, Eduardo)



Eduardo de Araujo Carneiro[1]



O cinema reproduz a realidade? Ou é um discurso e, portanto, um discurso ideológico, sobre a realidade? Se o cinema é um discurso, os cineastas procuram mascarar este fato? Ou ao contrário, procuram revelar claramente aos espectadores a natureza do discurso cinematográfico?
(Ismail Xavier. O discurso Cinematográfico: a opacidade e a transparência).

O discurso histórico não é senão uma cédula a mais numa moeda que se desvaloriza. Afinal de contas não é mais do que papel.                                                 (Michael De Certeau. A escrita da História).





Tendo em vista que esse filme é geralmente trabalhado em sala de aula por professores de história como um relato mais ou menos fiel dos “Anos de Chumbo”, o presente artigo foi escrito com o propósito de discutir, a partir dele, a questão da subjetividade e da incompletude da linguagem enquanto uma materialidade discursiva utilizada para representar os fenômenos históricos.
Para começar, a fronteira entre as representações do real feitas por um livro de história e as feitas por uma cena cinematográfica não é tão nítida quanto parece se estudá-la a partir da linguagem e da produção de sentidos. Tanto a linguagem escrita, quer seja a científica ou a literária; quanto a audiovisual, quer seja a ficcional ou o próprio documentário; fazem uso de símbolos para comunicarem idéias. E como já se sabe (BAKHTIN, 2006), a linguagem é a principal via por onde a ideologia se manifesta.
Os fatos históricos representados chegam ao espectador de um filme por meio do poder simbólico da linguagem. E é bom que se diga que a linguagem não é limitada ao verbal, pois o “não-verbal” ou o audiovisual tem tanto poder comunicativo quanto a própria língua, que desde os fins dos anos 1960, deixa de ser estudada com a sistematicidade dos tempos “áureos” do estruturalismo saussuriano.
A afirmação de que a língua traz consigo vestígios temporais e valorativos foi duramente negada pelo linguista suíço Ferdinand Saussure (1995) e seus discípulos que a consideravam como um sistema impermeável à subjetividade humana, ou seja, era culturalmente neutra. No entanto, com a crise do estruturalismo após a segunda metade do século XX, o estudo da subjetividade alcançou a linguagem. Hoje, não há mais espaço para imparcialidade, transparência, monossemia ou invariância no campo do estudo da linguagem, seja qual área for. E é por isso que a escrita da história e a película cinematográfica fazem parte dessa discussão, pois ambas são formas diferenciadas de materialidades discursivas.   
Tanto o livro Batismo de Sangue escrito por Frei Betto, quanto o filme homônimo de Helvetio Ratton produzido a partir do livro são vistos aqui como meros efeitos de sentidos que enfocam a realidade, ou seja, são simplesmente representações de fatos históricos. É bom dizer que esse é um posicionamento teórico contrário ao daqueles que consideram o filme como um registro fiel dos fatos históricos.
Com a expressão “efeitos de sentidospretende-se dizer que ambas as materialidades discursivas foram geradas a partir de posicionamentos ideológicos, de tomadas de decisões, ou seja, que elas estão saturadas de subjetividades. E é exatamente esse fenômeno que o artigo pretende mostrar, por isso o título “Nos rastros da subjetividade”.
O linguista russo Mikhail Bakhitin (2006) afirmou que todo signo é uma arena de luta de classe. Isso talvez queira dizer que o sentido “desejado” ou “dicionarizado” do signo se estabelece mediante contestação ou alternativas. Ou seja, o sentido não é fixo, ele pode sofrer deslize mediante mudanças das relações de poder que o estabeleceu. Nesse caso, só aparentemente o signo tem uma significação imóvel.
A hipótese levantada aqui é a de que toda monossemia ou interpretação única é uma construção naturalizada ideologicamente. O jamais-dito ou os sentidos interditados fazem parte da história dela. São latentes a ela. Poderão emergir caso sejam suscitados. Assim sendo, qualquer verdade não passa de uma “vontade de verdade”. Um discurso histórico inscrito num livro ou num filme, portanto, expressa tão somente uma “vontade de verdade”, pois, embora negue, está atravessado por relações de poder e ideologias.
É o caso do nosso objeto de estudo, o filme “Batismo de Sangue”. Nele, o discurso histórico foi pasteurizado pela indústria cinematográfica com as características do gênero dramático, valorizando a visão antagônica de mundo, e narrando uma história do bem contra o mal, do herói contra o bandido. O objetivo comercial foi obvio: atingir a maior bilheteria possível no mercado, fato não alcançado a contento.  
O “pano de fundo” histórico do filme é o posicionamento político dos dominicanos com relação à Ditadura Militar e o apoio que deram ao grupo guerrilheiro do senhor Carlos Marighella, conhecido como Aliança Nacional Libertadora (ANL). Nele, os comunistas foram identificados como os “bons-mocinhos” e os ditadores como os “bandidos”. Se a intenção era conscientizar o telespectador, o maniqueísmo levado à beira do exagero acabou tendo efeito contrário.
A decisão de “heroificar” os comunistas pode ser explicada pelo fato de tanto o escritor do livro, quanto o diretor do filme homônimo, serem, na época, anticapitalistas. Ao classificar os comunistas na “luz” e os ditadores nas “trevas”, é possível que o autor dominicano estivesse querendo justificar o apoio que os religiosos deram aos ateus comunistas. Enfim, querendo ou não o discurso acabou se tornando um autoelogio.
O filme não mostrou uma realidade multifacetada onde aspectos terríveis poderiam ser encontrados nos dois lados, ou seja, na dos comunistas e na dos militares. A idéia que o filme transmite é a de que os “heróis comunistas” sofreram as perseguições dos “bandidos militares”. Os primeiros lutavam em nome do bem, do povo, da liberdade, da igualdade social, da paz; e os últimos, defendiam tudo o que não se é digno nem de mencionar.
Não teria os comunistas também assassinado? Roubado? Sequestrado? Torturado? Praticado o autoritarismo em suas estruturas políticas altamente hierarquizadas? E isso sem dizer das experiências comunistas fora do Brasil, onde a ditadura e a perseguição política também foram práticas comuns. A intenção aqui não é equalizar tudo. Mas evidenciar desejos, intenções e sentidos “sufocados” ou “possíveis” na narrativa materializada nos diálogos dos sujeitos históricos do filme.       
O filme analisado é modelar para tornar evidente a parcialidade como marca constitutiva da linguagem cinematográfica. Independente do gênero, na tela do cinema, “jorra subjetividades”. Diante dela, todos são convocados a se posicionarem. E ao fazerem assim, surge a possibilidade do “deslizamento de sentidos” com relação à “vontade de verdade” do discurso histórico da narrativa do filme. Ou seja, o telespectador pode não concordar com a versão dada pelo filme ou interpretar de uma forma diversa à da intenção original do diretor.

A história está ligada a práticas e não ao tempo em si. Ela se organiza tendo como parâmetro as relações de poder e de sentido, e não a cronologia: não é o tempo cronológico que organiza a história, mas a relação com o poder [...] Atua sobre a linguagem e opera no plano da ideologia, que não é assim mera percepção do mundo ou representação do real (ORLANDI, 1990, p. 35).

Sabendo que “a multiplicidade de sentidos é inerente à linguagem” (ORLANDI, 1988, p. 20), fica mais fácil de entender que todo o processo que estabelece uma dada interpretação como “autorizada” é ideologicamente marcado e, portanto, impregnado de subjetividades. É por isso que atualmente se diz que “a história é o reino do inexato” (LE GOFF, 1992, p. 21) e que “o passado é uma ficção do presente” (DE CERTEAU, 1982, p.21). Não há mais espaço para “verdades” nos estudos da história.

O roteiro de Batismo de Sangue condensa uma extensa pesquisa histórica realizada em documentos oficiais, nos testemunhos de quem viveu os fatos narrados, em livros sobre o período, arquivos de fotos, noticiários de TV, jornais, revistas, filmes rodados na época e documentários [...] Sem querer dar aula para ninguém, buscamos contextualizar os acontecimentos e passar informações sobre aquele momento histórico de forma orgânica, no desenrolar da narrativa [...] Embora trate de acontecimentos políticos, o roteiro de Batismo de Sangue não foi concebido para dar lições de moral ou defender certa visão do mundo. O que nos interessava era extrair da história vivida por aqueles homens um conhecimento mais profundo da vida, da condição humana e do passado recente de nosso país. (RATTON, 2008).

Não é tão difícil rastrear a subjetividade que atravessa o vídeo. O diretor e também co-roteirista do filme foi uma vítima da perseguição quando era um jovem militante de esquerda do movimento estudantil em fins dos anos 1960. O escritor do livro do qual o filme se baseou, também. O pai de Dani Patarra, roteirista do filme, foi o chefe de redação da revista em que Frei Betto teve o seu primeiro emprego como jornalista. Há uma cena no filme que, inclusive, mostra uma conversa entre os dois personagens.
Só essas informações bastariam para rastrear as imagens de si que estão no discurso histórico tanto do filme, quanto do próprio livro. Eles destacaram “o que era necessário recordar para não esquecer-se de si mesmos” (DE CERTEAU, 1982, p.16). Afinal, como característica geral de qualquer escrita da história, o autor dificilmente construirá um efeito do real contra si próprio.
O escritor do livro Frei Betto tentou criar uma imagem angelical dos dominicanos, afinal, ele era um deles. Utilizou de vários argumentos para explicar os motivos ideológicos que levaram tanto ele quanto os seus companheiros a apoiarem a guerrilha armada liderada por ateus, apoio considerado pela ortodoxia católica como uma infidelidade. Também tentou defender os dominicanos da acusação de terem “dedurado” o guerrilheiro Carlos Marighela aos agentes do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social).
Já o cineasta Helvécio Ratton pretendeu beatificar os perseguidos pela ditadura. Afinal, na época, foi um deles. Tentou provocar o imaginário dos espectadores com abundantes cenas de torturas físicas, sem, no entanto, demonstrar preocupação em historicizar tais práticas. Embora condenável hoje, a tortura era um instrumento confessional comum em diversos outros regimes políticos, mesmo que não institucionalizado oficialmente. Além do mais, a “tortura social” provocada por meio da adoção de uma política econômica geradora de miséria foi muito mais violenta e catastrófica no período da ditadura, mas que, no entanto, não foi merecedora de atenção.

A tortura é parte da estrutura dramática do roteiro, contada do ponto de vista do torturado, e usada não por sadismo, mas como instrumento de Estado para arrancar informações que mudaram o curso da História e aqui fazem avançar o filme. Suavizar a violência sofrida pelos dominicanos, torná-la mais palatável, seria uma traição à memória de Tito e ao testemunho de todos aqueles que passaram pelos porões da ditadura. Decidimos então mostrá-la de forma breve, as cenas de tortura duram poucos minutos no filme, mas com força suficiente para expressar toda a dor e humilhação sofridas. (RATTON, 2008).

O fato de a “mãe gentil” ter sido, desde a colonização, “estuprada” por brasileiros corruptos não-militares, não entrou na ordem do discurso (FOUCAULT, 2007). A participação de segmentos da sociedade civil, inclusive de muitos letrados, na legitimação do regime militar também não. Todo mal do Brasil ficou tipificado nos militares, mesmo num país em que a escravidão foi uma constante durante mais de 300 anos. Mas como já foi mencionado, o objetivo do filme não era estimular a reflexão crítica do telespectador sobre os fatos históricos ali representados. O jogo de interesses na formulação do roteiro ficou evidente ao optar-se pelo entretenimento a partir de cenas de tortura física e outras violências.
Como qualquer outro drama, o filme de ação “Batismo de Sangue”, propôs atrair a atenção do público com sensacionalismo. Não adianta procurar no roteiro um debate teórico sobre o comunismo, teoria que movia a “ação revolucionária” da maioria dos manifestantes civis da época. Muito menos da Teologia da Libertação, que embasava a práxis dos dominicanos protagonistas do filme. Tais discussões não aparecem. São interdições que “revelam logo, rapidamnte, sua ligação como o desejo e o poder” (FOUCAULT, 2007, p. 10).
O argumento defendido nesse artigo é o de que o telespectador se depara com representações do passado permeadas por subjetividades, intenções e desejos associados a uma visão de mundo pró-esquerda e não-militar. O que reforça a hipótese de que a produção de sentidos de modo geral sempre está controlada por posicionamentos políticos e ideológicos bem definidos.
Outro aspecto que merece ponderação é a genuinidade do cristianismo dos frades representados no filme. Tanto no livro, quanto no filme, os protagonistas afirmam agirem inspirados na fé cristã. Chegam a mencionar a tradição da igreja em auxiliar os pobres e perseguidos. Citam Tomás de Aquino, Paulo VI e até um certo concílio onde os bispos concluíram a favor da “violência revolucionária”. A trilha sonora “religiosa” do filme também aposta no imaginário dos protagonistas como sendo cristão. No entanto, embora pertencentes à “Ordem dos Pregadores”, eles não aparecem uma vez se quer evangelizando. Mas se destacam mobilizando pessoas para o congresso da UNE e outras atividades políticas.
Uma pergunta: estavam eles agindo em defesa dos direitos humanos ou da implantação do comunismo no Brasil? A maioria das organizações de lutas contrárias à Ditadura almejava o comunismo. Um dos grupos comunistas mais radicais era justamente o do guerrilheiro Carlos Marighella, a quem Frei Betto (1991) em seu livro defendeu tanto, e a quem os protagonistas do filme apoiavam.  
O evangelho é compatível com o comunismo e com a luta armada? A bíblia apóia a morte do opressor para livrar o oprimido? Ser cristão é mentir quando é preciso como fizeram os dominicanos no filme? Era costume entre os frades sentir deleite ao ouvir uma música “não-religiosa” como aconteceu com o Frei Tito numa das cenas em que aparece ouvindo “Noite dos Mascarados” de Chico Buarque? Ou ter o vício de fumar, como era o caso de Frei Fernando? Seria normal para um cristão arrecadar dinheiro para fomentar a guerrilha, em vez de fazê-lo a uma igreja para a expansão do cristianismo?
O certo é que o posicionamento daqueles dominicanos não foi o da maioria dos católicos e nem a dos protestantes, que preferiram adotar como padrão de normalidade de fé cristã o próprio comportamento do fundador da religião, o do judeu Jesus “o Cristo”, cuja vida foi narrada nos evangelhos. Na biografia do judeu, não se tem evidências de que o mesmo excitou o povo contra o Império Romano. Nem que tenha mentido. Nem que tenha sido ouvinte de músicas laicas.
Dizer-se seguidor ou membro de uma religião faz da pessoa um religioso? Praticar algo em nome do cristianismo faz dela uma prática cristã? Agir em nome de Deus faz da pessoa uma porta-voz de Deus? Teriam eles agido como frades ou como jovens estudantes universitários? Sofrer torturas por causas sociais seria motivo suficiente para torná-los modelos de devoção cristã? Não teriam os ateus marxistas também padecidos?
Essas indagações servem como uma boa oportunidade para o debate sobre o conceito de identidade. De acordo com os Estudos Culturais da Pós-Modernidade, a identidade do sujeito é hibrida, varia de acordo com as circunstâncias e as formas como o sujeito é interpelado pelo sistema cultural que o rodeia. Desse modo, não se acredita mais num “eu” coerente, por exemplo, hegemonicamente cristão; mais num “eu” descentrado, que muda conforme as circunstâncias. Nesse caso, defende-se aqui que a identidade assumida por aqueles frades no período da Ditadura Militar não era a de cristão.     

O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um eu coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. Se sentimos que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou uma confortadora narrativa do eu. A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. (HALL, 2204, p. 13).

A “Ordem dos Pregadores” não defendia que os fins “nobres” do comunismo justificassem os meios sanguinários da guerrilha. A ação circunstanciada de cinco frades pode ser tomada como estereótipo de todos os dominicanos? Caso a resposta for negativa, então o subtítulo do livro de Frei Betto deveria ser corrigido, já que nem todos os dominicanos compactuaram com os protagonistas do filme. E isso é mostrado discretamente quando entre uma cena e outra aparece na parede da “grande da porta” da Igreja do Convento os dizeres: “Fora padres comunistas”.
É interessante também o fato de que muitas foram as vítimas fatais da repressão e que o filme privilegia a história de uma que, após torturada, passa a ser atormentada pelos traumas, até que põe fim à própria vida por meio do suicídio.  Essa vítima era um religioso dominicano. Entre os próprios dominicanos, vários foram os torturados, em maiores ou menores proporções. Mas seguindo o exemplo do livro de Frei Betto, o diretor do filme enfoca a vida de Frei Tito, até mais que o próprio livro.
Por que Frei Tito e não outro? O que fez dele um militante merecedor de destaque? Teria sido o fato de ele ser um católico que comungava com o comunismo? Não, pois outros também o eram. Seria por ter sido mais torturado do que os outros? Não, pois houve casos em que a brutalidade utiliza foi tamanha que levava o torturado ao falecimento. Muitos sofreram e venceram os traumas, por que a escolha de um que se rendeu a eles?
Depois de solto, Frei Tito viajou exilado para o Chile, Itália e França. Onde passava recebia apoio da irmandade. Financeiramente não tinha do que se preocupar. Tantas outras vítimas com bem menos apoio sobreviveram e continuaram com suas vidas, Frei Tito que desmoronou e cometeu suicídio foi protagonizado. Não é o tipo de herói ideal. Não é o tipo a ser seguido como referência.  
Qualquer leitor superficial da Bíblia sabe que o Deus dos cristãos condena ao inferno aquele que comete suicídio. Como também sabe que a Bíblia afirma que o Deus dela se diz capaz de restaurar qualquer ferida emocional. O suicídio do frade aponta para algumas hipóteses: a) Frei Tito não fora capaz de desenvolver fé suficiente em seu Deus para receber a cura; b) ele teve fé suficiente, mas o Deus dele foi incapaz de curá-lo; c) ele não foi curado, pois o Deus dele não existe. O certo é que muitos ateus comunistas conseguiram superar os traumas, o que os tornavam melhores candidatos ao heroísmo do que Frei Tito. Então, por que Frei Tito? A resposta talvez seja pelo fado dele ter sido amigo íntimo de Frei Betto, e este ter sofrido muito com o suicídio do amigo.
É interessante, mas o filme se caracteriza mais pelas interdições que cometeu do que com as cenas que exibiu. A subjetividade que aflora dele é tão nítida quanto as imagens que é exposta na tela. Ela pode ou não se deixar enxergar, pois a recepção dos signos também é um ato de produção de sentidos. Afinal, “ler é saber que o sentido pode ser outro”, como diria Orlandi (1988, p.12).
 É possível que o espectador enxergue algo no filme que não foi da intenção do diretor mostrar. O roteiro autoriza uma interpretação; mas o espectador crítico ao perceber a opacidade da linguagem, as lacunas, as brechas, as relações de poder, a incompletude, a vontade de verdade dele, se comporta como um infiel, produzindo deslizamento de sentidos, se refugiando na polissemia da linguagem.   
Uma cena singular foi a da representação do assassinato de Carlos Marighella. Até hoje esse crime carece de explicação. Mas diante da incógnita, o roteirista teve que tomar uma decisão e optou por mesclar duas versões: a) a de que ele foi assassinado fora do carro onde estavam os dominicanos e depois posto lá dentro; b) a de que os agentes do DOPS chegaram até Carlos Marighella por informações dadas pelos frades Ivo e Fernando que, sob tortura, revelaram.
Várias são as cenas em que alguns comunistas acusam os dois frades de traidores e de “Judas”. Outro exemplo é o do próprio delegado Fleury (58 min.), quando diz que “quem entregou Marighella foram os dominicanos”. Mas em seu livro, Frei Betto esboça outra interpretação, pois afirma que “havia uma infiltração da CIA na ALN, cuja principal tarefa era liquidar Marighella” (1991, p. 177).
Esses agentes teriam envolvido os dominicanos no assassinato a fim de que eles levassem a culpa. O objetivo era desmoralizar a Igreja, instituição que, segundo o próprio Frei Tito dizia, era a única ainda não vinculada aos militares. É justificável a versão do autor do livro, não representaria a si mesmo como “traidor”. Mas o filme não a menciona esse versão. Muitos outros rastros da subjetividade autoral poderiam ser apontados, mas excederia ao espaço proposto a esse artigo.
Por fim, é preciso saber assistir ao filme, identificar sua retórica, o diálogo que pretende manter e aquele que se preferiu evitar. Os protagonistas, por exemplo, se diziam lutar pelo povo, mas o povo nem se quer os conheceu. O povo não teve vez nas cenas. Mas pelo menos naquela geração as ideologias moviam politicamente a juventude. Hoje, a alienação impera: cerveja, futebol, novela e outras coisas mais. Cadê os “Marighella”? Cadê os “Lamarca”? Cadê os “Frei Tito”? Procure, você irá encontrá-los nos cinemas! Ou nos cemitérios, caso alguém não tiver feito seus restos mortais desaparecerem.

“A resistência daqueles companheiros, utópica e romântica, ensina-nos a viver”                 (Dani Patarra , 2008).


BIBLIOGRAFIA
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[1] É professor do Departamento de História da UFAC e Doutorando no convênio USP/UFAC.