segunda-feira, 29 de junho de 2009

Relatório do Capítulo I da Dissertação de Mestrado “As Raízes Do Autoritarismo No Executivo Acreano – 1921/1964”, (do Profº Francisco Bento)

Por Laysla Bruna de Oliveira Araújo aluna do 5º período do curso de História Bacharelado Vespertino Este trabalho se encaminha como um relatório do Capítulo I da Dissertação de Mestrado “As Raízes Do Autoritarismo No Executivo Acreano – 1921/1964”, de autoria de Francisco Bento da Silva. Inicialmente o autor delimita os conceitos de estado e território usados por ele no decorrer do texto.
Para Estado, Bento se vale do sentido amplo, como corpo com amplos braços de dominação por uma classe para assim se escrever como poder hegemônico:
“Entendendo-o como o conjunto dos meios de direção e dominação, que exercidos por uma classe — ou frações de classes —, possibilitam o exercício da hegemonia18 dentro de uma determinada sociedade e a sua manifestação se dar através de equilíbrios e compromissos, que visam salvaguardar o controle e o exercício do poder político. Desta forma, o Estado é percebido como portador de um conjunto de atividades teóricas e práticas, possibilitando que a classe dirigente — ou fração dela — busque exercer uma dominação e um consenso sobre os governados através dos seus instrumentos de controle.” (P.22) Quanto a território, o conceito vem em duas partes, primeiramente como também corpo de dominação por uma classe hegemônica, semelhante ao estado, porém com algumas questões burocráticas e administrativas de diferenças e em segunda parte, como território geográfico, espaço físico.
Baseando-se nesses conceitos, Bento afirma que o Estado já está presente no Acre desde sua criação, quando após o Tratado de Petrópolis, o governo nacional tomou os deveres administrativos da nova área anexada para si através de dirigentes nomeados pelo Presidente da República. Assim se mantém por um bom tempo, principalmente pelo período analisado mais a fundo por Bento, que é de 1921, momento de unificação do Território, a 1964, quando o Acre finalmente se eleva a Estado autônomo.
A escolha do Estado Nacional pela territorialidade do Acre se deu pelo fato de que a União queria reaver os gastos da anexação do Acre ao Brasil, que eram muitos, e ainda justificativas sociais e culturais, como o fato da área ser pouco povoada, não ter acesso comunicativo, uma cultura que não seguia os “moldes” do sul, entre outros fatores que seguem essa mesma ordem. A organização do Território se dava da seguinte maneira:
“Durante este período, a administração fragmentária do Território acreano fazia jus ao famoso axioma de ―dividir para governar. O exercício do poder executivo, nos três Departamentos, era realizado pelos prefeitos departamentais, designados pelo presidente da República. Esta fórmula permaneceu inalterada até 1912, quando há uma nova reorganização administrativa.
Assim, passam a existir quatro Departamentos com a criação do Alto Tarauacá e a presença de cinco municípios, cada um com a figura dos chamados Intendentes Municipais, que tinham o status de prefeitos locais, sendo vedado a estes a implementação de quaisquer tipos de tributos. Passam também a existir em cada um deles os chamados Conselhos Municipais — espécie de câmara municipal controlada pelo intendente de plantão —, sendo seus membros escolhidos pelo presidente da República a partir de uma lista prévia enviada por cada Intendente Municipal, bem como a criação de um Tribunal de Apelação em Rio Branco.
Em 1920, é instalada a Mesa de Rendas Federais, ficando a cargo da União o controle sobre a cobrança e recolhimentos de impostos oriundos, principalmente da exploração da borracha.
Dessa forma, com os tributos centralizados pelo governo federal, o Território não tem orçamento próprio para as despesas administrativas, que são controladas pelo Ministério da Justiça, que fiscaliza os gastos através das prestações de contas oriundas dos relatórios produzidos pelos intendentes municipais e prefeitos departamentais, até o ano de 1920.
Depois desta data, pelos governadores nomeados. Isso faz com que os interesses federais sejam garantidos através dos organismos da administração pública federal que se instalam e são controlados exclusivamente pela União através dos seus prepostos locais.” (P.28 e 29) O autor reafirma mais uma vez o período sujeito a analise, delimitando início com a posse de Epaminondas Jácome, em 1921, até o ultimo governador indicado pela poder maior da República, Aníbal Miranda, em 1964.
Entre esses dois governadores, Bento nos apresenta uma rotatividade considerável, passando 41 governadores, alguns por períodos curtos, provisórios, outros por períodos de média, que era de um ano.
Dentro dessa ordem, ou melhor, desordem política, a sociedade acreana se inseria e afundava, pois carecia de uma organização legal e regida por ordens de pouca legitimidade, instáveis e com pouca dependência com o território e seus desmandos para como ele.
“A efetivação das Intendências Municipal era deficiente; as Comarcas e as Varas de Justiça estavam fora do seu local devido; ocorrência de eleições idiossincráticas, raras e inconstantes; e, partidos políticos capengas, regionais e com uma dinâmica sem correspondência com seus conteúdos programáticos. Ou seja, no território acreano as instituições ditas formais (parlamentos municipais, partidos, tribunais), basilares no tradicional modelo de democracia representativa, eram difusas, errôneas e mutáveis.” (P. 30 e 31) Dentre dessa conjuntura que Bento inicia sua análise abordando o autoritarismo nas administrações dos “estrangeiros”, vindos com o objetivo máximo de voltar. Tem como ponto de partida a administração de Epaminondas Jácome. A oposição vinha mais do Juruá, pois a região alegava que Jácome favorecia com maior intensidade os Departamentos do Acre e Purus.
Os gritos contras vieram com mais força após o governador demitir João Craveiro Costa, funcionário público, “que exercia também as atividades de jornalista e escritor. Este escreveu um artigo contra Epaminondas Jácome intitulado ‘O coveiro do Acre’, em função disto foi demitido e acusado de ‘fazer no Território uma política de prevenção ao governo constituído’. Como se percebe, liberdades de imprensa e de opinião nada valiam”. (P.32)
Os partidos políticos começam a se estruturar nessa época de unificação, inicialmente surge o “Partido Evolucionista Acreano – PEA (...) primeiro a ter uma penetração em todo Território, já que ele surge da fusão do PCA, de Rio Branco; do Partido Republicano Juruaense - PRJ, de Cruzeiro do Sul e do Partido Democrata - PD, de Tarauacá.” (P. 32 e 33)
Este partido, desde o primeiro momento, era aliado de Epaminondas Jácome, pois na solenidade de criação foi feita uma moção ao governador pelos ataques que sofria da oposição. A partir de Jácome, se tornou norma os governadores nomeados trazerem todo seu corpo administrativo:
“Este tipo de ação remonta à época do poder descentralizado, quando os prefeitos tinham a prerrogativa de exercício amplo do poder político. Era comum o conflito entre o poder judiciário e poder executivo no Acre Território, que advinha do fato de em alguns momentos o prefeito ou governador não aceitarem submeter-se aos ditames da lei. Um prefeito, segundo Craveiro Costa (1974), era no Acre uma autoridade maior do que aquela que a nomeava — o presidente da república —, ‘pois enfeixava em suas mãos os três poderes soberanos’.(P. 140)” (P. 34) E como era de se imaginar, Epaminondas Jácome também se deixou levar pelo poder que lhe haviam concedido e abusou: “Epaminondas Jácome fora acusado de desviar o dinheiro do pagamento do funcionalismo público e pagá-lo com verbas oriundas da rubrica ’socorro público’”. (P. 35)
O último governador da primeira fase, denominada por Bento de 1921 a 1930, foi o major João Câncio Fernandes. Neste período, com os acontecimentos de 1930, juntou-se um levante, que partia de Xapuri para derrubar o governador, que saio de pronto. Imediatamente formou-se uma “’Junta Revolucionária’, composta pelo juiz de direito Jayme Mendonça; Delegado de Hygiene Heitor Gomes de Almeida; Intendente em Comissão Aldeziro Leite; e, o tenente Ildefonso Araruna, comandante da Força Policial naquela cidade.
Imediatamente eles enviaram um radiograma ao então governador, intimando-o a desocupar o posto que diziam não mais lhe pertencer e delegam os poderes governativos do Território ao desembargador José Martins de Souza Ramos, presidente do Tribunal de Appellação. O desembargador assumiu imediatamente o posto, em caráter provisório (...)”. (P. 36 e 37)
De 1930 a 1937, Bento denomina período dos Interventores Federais, “chefes executivos semelhantes aos governantes anteriores”. (P.37) Esses Interventores surgem com a onda de ordem e estruturação que vem com a Revolução de 30. Em 1933 o Acre elege seu primeiro representante para a Câmara Federal, o ex-governador Hugo Carneiro.
O primeiro Interventor acreano foi Franciso de Paula Vasconcelos. O segundo, foi Martiniano Prado, que “lançou a pedra fundamental de construção do Aeroporto de Rio Branco e um ano depois, ironicamente, pousa o primeiro avião no Acre, no rio homônimo: o anfíbio Taquary. Para construir o campo de aviação (...) [Prado] dividiu uma área em 600 lotes, com cada um deles medindo 400m².” (P.38)
Esses lotes foram sorteados para que cada um fosse limpo e entregue em um prazo determinado. O discurso era que todos, todas as classes trabalhariam juntos e igualmente neste dever cívico.
“Mas em uma breve análise na listagem do sorteio dos terrenos, percebe-se que o discurso pomposo não corresponde à realidade, pois entre os militares quanto menor a patente maior o ônus: 73 lotes foram sorteados para soldados, 15 para sargentos, 09 para cabos, 02 para capitães, para um solitário major 01 lote e o coronel João Donato ficou com 11 para ‘distribuir’ aos amigos. Para os civis, foram destinados 116 lotes e 156 ficaram sem interessados, já os cerca de 30 restantes não há referência sobre o que foi feito.” (P. 38) Bento denomina uma segunda fase de governadores nomeados, que vai de 1937 a 1962, período em que ocorre o Estado Novo e em seguida a Democracia populistas, dois movimentos políticos importantes e transformadores para o cenário do Brasil. No fim do Estado Novo o Acre “ganha” dois partidos políticos fortes, de expressão nacional, o PSD, Partido Social Democrático e o PTB, Partido Trabalhista Brasileiro.
Tendo Guiomard Santos à frente do PSD e Oscar Passos ao PTB. Os dois que travam embate sobre a legitimidade e viabilidade de elevação do Acre a Estado. Estes governadores nomeados pareciam ter uma característica básica iguais a todos, patentes militares:
“Em abordagem sobre a escolha dos chefes executivos enviados para o Acre, Barros (1981) enfatiza que a listagem dos governadores acreanos parecia algo emanado a partir do Ministério do Exército, devido a constante da patente militar marcar os ombros dos governantes. O referido autor procura fazer uma referência direta ao modelo paternalista imperial, que na sua opinião se transferiu para o presidente da república, com a política dos governadores, durante a ‘Primeira República’. Segundo esse autor, em sua alusão comparativa, o titulo de nobreza imperial passou a dar lugar a patente militar no período republicano, como elemento característico das benesses do poder, outorgada a uma camarilha apta a bajular e apoiar qualquer governante. No Acre, esta característica sempre foi uma marca constante durante toda sua vida territorial, tanto entre governadores e interventores, quanto entre prefeitos e intendentes. Entre 1921 e 1964 a regra era encontrar tais homens exercendo os mais diversos cargos na vida administrativa territorial, suas ausências eram exceções”. (P.40) Para mostrar mais um lado do autoritarismo que emana do encargo de governador, do poder em mãos, Bento nos apresenta as festevidades em honra aos novos e recém-chegados governadores. Apresenta inicialmente a característica dos comerciantes e seringalistas, as oligarquias acreanas, que organizavam e patrocionavam festas e festividades, com fogos de artifício, banda e muita gente para recepcionar a comitiva, isso no intuito claro de criar e manter boas relações com aquele que vinha incumbido de administrar a terra onde eles, as oligarquias, tiravam seu sustento.
Em seguida, Bento apresenta o “pão e circo” em conjunto com uma afirmação das classes e seus lugares perante o sol:
“O médico Epaminondas Martins (37/41), primeiro governador nomeado após o período dos Interventores Federais, resolveu inovar nos festejos, realizando três grandes festas em dias alternados. O primeiro evento foi denominado de ‘Festa das Classes Laboriosas’ e aconteceu no salão de festas da Polícia Militar, quando foram distribuídos diversos brindes, gelados doces e teve seu encerramento marcado com um baile dançante para os populares. A segunda atividade foi chamada de ‘Festa da Mocidade Acreana’, onde a grande atração foi à exibição de diversos filmes na praça em frente ao Palácio Rio Branco. Por último, ocorreu a ‘Festa da Sociedade Riobranquense’, marcada pôr um baile a rigor no Palácio Rio Branco somente para o denominado ‘alto escol social local’. Um evento exclusivo para determinados segmentos sociais, onde ficava claro a delimitação dos espaços que cada um podia freqüentar: festas distintas para os populares, em ambiente da ‘ordem’, que era o clube militar; para a juventude, na praça; e, o interior do Palácio Rio Branco, somente acessível à autodenominada ‘sociedade acreana’, a ‘nobreza das selvas’”. (P. 42) Por fim, neste Capítulo I, Bento trata das forças policiais, muitas vezes a força de controle do estado: “A grande maioria dos chefes executivos — governadores, prefeitos, intendentes e interventores — acreanos do período territorial era composta de militares e juristas, ligados ao chamado Aparelho Repressivo do Estado, para usar uma expressão empregada amiúde por Louis Althusser (1989).”
Bento monta bem nestas linhas em seguida o organização política da força policial do estado:
“É de acordo com a resolução n° 59, que a FPTA começa a ser regulamentada com normas estatutárias. A partir deste momento cabia ao governador nomear o comandante da FPTA, que precisava ser oficial do Exército ou da Polícia Militar do Distrito Federal (RJ). Assim, os comandantes da FPTA, eram pessoas que vinham do Rio de Janeiro acompanhando cada novo governador indicado. Além de controlar o executivo, o governo federal mantinha ao lado deste, e controlava, a força militar.
A partir de 1926, em ato assinado pelo marechal Setembrino de Carvalho, a FPTA passou a ser considerada como força auxiliar, legalmente subordinada ao Exército brasileiro.” (P.46)

sexta-feira, 19 de junho de 2009

MORAIS, Maria de Jesus. "ACREANIDADE": invenção e reinvenção da identidade acreana.

MORAIS, Maria de Jesus. "ACREANIDADE": invenção e reinvenção da identidade acreana. (TESE DE DOUTORADO\UFF) Maria de Jesus Morais é professora vinculada ao Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFAC.
RESUMO
Esta tese discute a construção de uma certa identidade acreana, protagonizada pelo executivo estadual a partir de 1999. A acreanidade é aqui discutida, pelo seu viés geográfico, ou seja, o das identidades territoriais. As identidades territoriais são aquelas identidades construídas tendo como referencial o território. Isso significa dizer que a acreanidade é discutida em duas dimensões: a histórica e a geográfica. A dimensão histórica está ancorada em uma memória coletiva, que também é construída, na qual são encadeados três eventos históricos (a Revolução Acreana, o Movimento Autonomista e o Movimento Social de Índios e Seringueiros no Acre). Já a dimensão geográfica está ancorada nos “espaços de referência identitária” que obviamente também são construídos/selecionados. Ao longo da tese é destacado os processos discursivos que inventam e reinventam o Acre e os acreanos, ou seja, os discursos fundadores e re-fundadores. É destacado também a criação dos “espaços de e da memória” e a “escolha” de alguns espaços de referência identitária. Os “espaços de e da memória” re-construídos constituem também um discurso territorial. As intervenções territoriais são discursos em ação, “expressões materiais” de uma certa concepção de cidade. Nesse sentido se discute a patrimonialização das cidades de Rio Branco, Porto Acre e Xapuri. A identidade acreana é, portanto, discutida como constructo, aberta a múltiplas reconstruções, para a qual são sempre acionados os eventos e lugares que possam contribuir com maior sucesso para a re-afirmar a identidade em construção.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

RIO BRANCO E A EPOPÉIA DO ACRE

Por: Jeronymo Ferreira Alves Netto José Maria da Silva Paranhos Júnior, nasceu no Rio de Janeiro, na manhã do dia 20 de abril de 1845, sendo seus pais José Maria da Silva Paranhos, engenheiro militar, jornalista e destacado político do 2 º Reinado e D. Tereza de Figueiredo Rodrigues de Faria Paranhos. Estudou no Imperial Colégio Pedro II, onde, desde cedo, manifestou grande predileção por estudos de geografia, história e desenho, "chegando a compor singelas paisagens, retratos ou caricaturas, a bico de pena, em que chegou a ser bem hábil" (1). (1) BARROS E VASCONCELLOS. Mario de. O Barão do Rio Branco. Rio de Janeiro, Departamento de Imprensa Nacional, 1954, p.11 Concluídos seus estudos preparatórios, matriculou-se, em 1861, na Faculdade de Direito de São Paulo, transferindo-se já no 4 º ano para a Faculdade de Direito do Recife, "porque o pai queria que ele conhecesse também o norte do país" (2), onde bacharelou-se em 1866, aos vinte e um anos de idade. (2) RIO BRANCO, Raul do. Reminiscências do Barão do Rio Branco. Rio, 1948 Ainda estudante de Direito escreveu uma memória histórica, intitulada "Esboço biográfico do General José de Abreu, Barão do Serro Largo", um dos heróis das lutas no Prata, ensaio que lhe valeu a entrada no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, na qualidade de sócio efetivo.Foi professor interino do Imperial Colégio Pedro II, onde lecionou Geografia e História do Brasil, de 23 de abril a 18 de junho de 1868 e Promotor Público, em Nova Friburgo, de 24 de dezembro de 1868 a 12 de fevereiro de 1869, antes de tornar-se deputado geral pela Província de Mato Grosso.Na Câmara destacou-se nos debates sobre as dificuldades do Brasil no Prata e também nos debates sobre a questão abolicionista.Em 1873, adquiriu, com alguns companheiros, o jornal "A Nação", no qual escreveu magníficos artigos sobre assuntos diplomáticos, até ser nomeado, a 27 de maio de 1876, pela Princesa Isabel, então exercendo a Regência do Império, Cônsul Geral em Liverpool, tendo publicado na ocasião um "completo relatório sobre a navegação e comércio entre o Brasil e os portos de dependência do Consulado Geral do Império em Liverpool, no período de 1876-1877".Em seguida foi nomeado Delegado do Governo Brasileiro na Exposição Internacional de São Petersburgo, desincumbindo-se tão bem no desempenho desta missão, que foi distinguido pelo governo brasileiro com o título de "Conselheiro do Império" e pelo governo russo com a insígnia de Grande Oficial da Ordem Militar de Santo Estanislau. Profundo conhecedor da história política e militar do Brasil, dispondo do precioso arquivo de seu pai, "do mais alto valor histórico para a vida política do Brasil, no período de 1840 a 1880, o mais ativo do Império" (3), colaborou em várias obras estrangeiras, revendo e ampliando toda a parte referente ao Brasil. Entre essas obras destacamos: "Nouvelle Géographie Universelle", de E. Reclus; "Grande Encyclopédie", coordenada por Levasseur e "Dom Pedro II, Empereur du Brésil, de Benjamin Mossé. (3) BARROS E VASCONCELLOS. Mario de. O Barão do Rio Branco. Rio de Janeiro, Departamento de Imprensa Nacional, 1954, p.57. Como historiador publicou ainda uma biografia sobre seu pai, o Visconde do Rio Branco, as Efemérides Brasileiras e Apontamentos para a História Militar do Brasil, além de inúmeros artigos em revistas especializadas e várias obras sobre a questão de limites com os países vizinhos.Em 1898, já pertencia à Academia Brasileira de Letras e, em 1908, foi eleito Presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, sendo, no ano seguinte, consagrado Presidente perpétuo do mesmo.O governo do marechal Floriano Peixoto confiou ao Barão do Rio Branco a defesa do Brasil no litígio com a Argentina, referente ao território das Missões. O grande diplomata apresentou, na oportunidade, uma memória escrita em português e inglês, com a reprodução de inúmeros mapas antigos, conseguindo do árbitro da questão, o presidente Cleveland dos Estados Unidos, um laudo favorável ao Brasil, ganhando nosso país uma superfície territorial de mais de 36.000 quilômetros quadrados. Ao receber as felicitações do representante argentino Estanislau Zeballos, pelo êxito que acabara de obter, comenta Barros e Vasconcellos, Rio Branco respondeu: " A vitória não é minha, nem do Brasil - é dos mapas" (4). (4) BARROS E VASCONCELLOS. Mario de. O Barão do Rio Branco. Rio de Janeiro, Departamento de Imprensa Nacional, 1954, p.72 Nossos limites com a Guiana Francesa vinham sendo objeto de discussões, sem resultado positivo, desde o período colonial, acordando-se por um modus-vivendi, que o território entre a margem direita do Oiapoque e o Araguari, o Amapá, ficasse neutralizado, isto é, interditado a autoridades francesas e brasileiras.No governo de Campos Sales a questão foi retomada, concordando os dois países interessados em submetê-la ao arbitramento do Conselho Federal Suíço, presidido por Walter Hauser.Novamente indicado para advogar a causa do Brasil, Rio Branco obteve nova vitória, já que o laudo do presidente Walter Hauser, em 1 º de dezembro de 1900, foi inteiramente favorável ao Brasil.Em reconhecimento aos relevantes serviços prestados pelo Barão do Rio Branco, no desempenho destas missões, o Congresso Nacional lhe conferiu, em 31 de junho de 1900, a dotação anual de vinte e quatro contos, com transmissão a seus filhos e filhas, enquanto vivessem, além do prêmio de trezentos contos.Encontrava-se o diplomata no cargo de Ministro Plenipotenciário na Alemanha, quando, a 3 de dezembro de 1902, o presidente Rodrigues Alves o convida para ocupar a Pasta das Relações Exteriores de seu Ministério, cargo em que permaneceu até a sua morte, em 1912. Amigo da paz, queria que, para garanti-la, tivéssemos nosso Exército e nossa Marinha dotados de todos os recursos necessários. Neste sentido, ao ser homenageado pelo Clube Militar em 15 de outubro de 1911, assim se manifestou: "Toda a nossa vida como Estado Livre e soberano atesta a moderação e os sentimentos pacíficos do governo brasileiro, em perfeita consonância com a unidade e a vontade da Nação. Durante muito tempo fomos, incontestavelmente, a primeira potência militar da América Latina, sem que essa superioridade de força, tanto em terra como no mar, se houvesse mostrado nunca como um perigo para os nossos vizinhos" (5). (5) RIO BRANCO, Barão do. Discurso proferido no Clube Militar em 1911. A questão do Acre remonta a 1867, quando o governo boliviano, aproveitando-se do fato de estar o Brasil envolvido na Guerra do Paraguai, exigiu de nosso governo a demarcação da fronteira comum, já que existia uma vasta região da bacia amazônica, que nos imperfeitos mapas da época figurava com o nome de "Tierras no Descubiertas". Em conseqüência foi assinado o Tratado de Ayacucho. Apesar deste Tratado fazer várias concessões à Bolívia no sentido de lhe dar um porto, declarar livre a navegação dos rios amazônicos, não se pode dizer, conforme acentua Cassiano Ricardo "que o Brasil cedera a região do Alto Purus e do alto Juruá à Bolívia..., como depois se disse" (6). Tal tratado reconhecia como base para determinar a fronteira entre os territórios dos dois países, o princípio de uti possidetis (as terras conquistadas deveriam pertencer a quem as tivesse ocupando). (6) RICARDO, Cassiano. O Tratado de Petrópolis. Rio de Janeiro, Ministério das Relações Exteriores, 1954, vol. 1, p.73. O Tratado de Ayacucho, planejando resolver a intrincada questão de limites, “acabou dando margem a uma outra questão: a do Acre, pertencer ou não, ao Brasil” (7). (7) RICARDO, Cassiano. O Tratado de Petrópolis. Rio de Janeiro, Ministério das Relações Exteriores, 1954, vol. 1, p.80. Assim, a ocupação das "Tierras Descubiertas", por brasileiros, inicialmente pelos bandeirantes paulistas em sua marcha para Oeste, em seguida pelas expedições de reconhecimento do Alto Purus e Alto Juruá e, finalmente, pelos nordestinos, retirantes da seca, transformou-as em território litigioso.Em 23 de setembro de 1898, o Ministro do Exterior do Brasil, General Dionísio Cerqueira, e o Chanceler da Bolívia, Dr. José Paravicini, assinaram um Protocolo, do qual resultou a organização de um verdadeiro governo boliviano em Porto Alonso, na zona contestada, nela estabelecendo a alfândega e as autoridades daquele país. Em conseqüência, multiplicaram-se, por parte das autoridades bolivianas "atos de soberania, impostos, taxas e direitos de importação que vieram sobrecarregar de dificuldades a vida já tão penosa dos cearenses imigrados" (8). (8) CARVALHO, Delgado de. História diplomática do Brasil. São Paulo, Ed. Nacional, 1959, p. 222 Nos seringais, a indignação foi tão grande que o advogado cearense José de Carvalho intimou, por escrito, o governador boliviano, D. Moisés Santivañes, a retirar-se imediatamente do território, intimação que foi por este acatada.Sucedem então dois movimentos, visando libertar o Acre. O primeiro, liderado por Luiz Galvez Rodrigues de Arias, ex-secretário da Legação da Espanha junto aos governos da Sérvia e da Itália. Ocupando na ocasião um cargo no consulado boliviano, demitiu-se do mesmo e procurou demonstrar ao Governador do Amazonas, Ramalho Júnior, as graves conseqüências da perda do Acre que tanta receita alfandegária proporcionava àquele Estado.Com a ajuda militar e financeira obtida junto a Ramalho Júnior, fundou, no interior da selva, a 14 de julho de 1899, o Estado independente do Acre, de efêmera duração, já que ele acabou sendo preso pelos próprios companheiros e recambiado para Manaus.No ano seguinte, o general boliviano Pando, à frente de uma forte expedição militar ocupou o Acre, fato que provocou nova reação dos brasileiros. A Questão do Acre movimentou a opinião pública do norte. Os jovens discutiam com entusiasmo o problema acreano, surgindo, em conseqüência a idéia de se enviar nova expedição ao território em disputa, expedição esta que devido ao ardor e civismo de seus organizadores ficou conhecida como Expedição dos Poetas. Com relação a esta expedição, é justo que se reconheça, " se aos seus membros faltavam disciplina e instrução militares, sobravam amor à causa e desprendimento pessoal" (9). (9) ESTADO - MAIOR DO EXÉRCITO. História do Exército Brasileiro. Brasília, Serviço Gráfico da Fundação IBGE, vol. 2, 1972, p. 754. Logo no início da campanha, os revoltosos aprisionaram uma lancha militar boliviana, carregada de armas e munições, a que denominaram Rui Barbosa, incorporando-a a seus recursos bélicos.Liderados por Rodrigo de Carvalho e Orlando Correia Lopes, chegaram à cidade de Labréia, no Rio Purus, proclamando o Segundo Estado Independente do Acre.Faltava entretanto aos revoltosos pulso e direção militar para conduzirem a contento as operações contra as forças bolivianas estacionadas na área contestada, fato que levou Orlando Correia Lopes a tentar obter, sem êxito o apoio de Plácido de Castro, gaúcho, que tomara parte na Revolução Federalista e que sendo agrimensor, se encontrava demarcando terras, nos seringais.Filho, neto e bisneto de militares, José Plácido de Castro sentira-se desde cedo atraído pela carreira das armas, carreira esta que foi interrompida, quando cadete, pela Revolução Federalista, na qual combateu pelos maragatos, chegando ao posto de Major. Terminada a revolução, não aceitou a incorporação ao exército, preferindo tentar a fortuna, na Amazônia.Por que Plácido de Castro não quis participar da luta nesta fase? Certamente porque não vislumbrava a possibilidade de êxito num movimento, cujos líderes não tinham condições para conduzir a contento as operações militares, no que tinha toda a razão pois as forças bolivianas não tardaram a esmagar a resistência dos acreanos. Na verdade, assim procedendo, aguardava apenas uma ocasião mais favorável, que acabou surgindo quando a Bolívia assinou um contrato com uma companhia estrangeira, "The Bolivian Syndicate Of New York City in North América", para explorar a borracha na região. Algumas prerrogativas concedidas a esta Companhia, entre as quais "direitos absolutos de administração fiscal e policial e poderes para a manutenção de um Exército e uma pequena Esquadra... e ainda, a evasão de impostos que tinha dado à Bolívia um milhão de pesos bolivianos, em detrimento do Tesouro amazonense" (10), foram fatores que desencadearam nova reação. (10) CARNEIRO, Glauco. A Revolução do Acre. Rio de Janeiro, O Cruzeiro, 6 de junho de 1964. Na verdade, o contrato de arrendamento entre a Bolívia e a Companhia em questão, cuja presidência cabia a um filho do Presidente Theodoro Roosevelt, "era uma transferência de soberania, já que a Bolivian Syndicate assumia a plenitude do governo civil do Acre, com direitos soberanos que a própria administração de La Paz era incapaz de controlar" (11). (11) BELLO, José Maria. História da República. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1959, p. 218. Plácido de Castro sentiu que era chegada a hora e articulou, com Orlando Correia Lopes e Rodrigo de Carvalho, um plano de rebelião que objetivava a criação de um Estado Independente no Acre.As operações militares transcorreram com incrível rapidez: a 6 de agosto de 1902, um pequeno contingente de 33 homens tomou de assalto o posto boliviano de Xapuí, para onde convergia a produção dos grandes seringais; a 18 de setembro do mesmo ano, à frente de 63 homens, Plácido de Castro foi emboscado pelos bolivianos no lugar denominado "Clareira da Volta da Empresa" e teve que ordenar a retirada. Na ocasião foi forçado a ordenar o fuzilamento de um jovem, apelidado "Doutor", que havia sido o responsável pela deserção de vários combatentes; finalmente, a 24 de janeiro de 1903, após aguerridos combates, com a rendição das tropas bolivianas comandadas pelo Cel. José Ruiz, Plácido de Castro conquista Porto Acre.Anteriormente, o Barão do Rio Branco, tomando posse no Cargo de Chanceler, havia notificado seu colega boliviano que o governo do Brasil decidira tornar litigioso o território situado acima do paralelo 10º 20'.Todavia, a notícia da queda de Porto Acre acirrou os ânimos em La Paz e o governo boliviano, em conseqüência, organizou uma expedição militar, para invadir novamente o Acre. Diante deste fato, o barão do Rio Branco, pretendendo, como ele próprio afirmou, "evitar conflitos, durante as nossas negociações com a Bolívia, entre os acreanos em armas e as forças que o governo de La Paz expedira contra eles" (12), resolveu enviar ao Acre o couraçado "Floriano", o cruzador "Tupi" e o contra-torpedeiro "Gustavo Sampaio", sob o comando do Almirante Alexandrino de Alencar e três mil soldados comandados pelo General Olímpio da Silveira. (12) RIO BRANCO, Barão do. Relatório de 1902-1903. Procurando evitar uma provável guerra, Brasil e Bolívia assinaram em La Paz, a 21 de março de 1903, um "modus-vivendi" que regulou a situação do território até a solução da questão de limites.Com efeito, o citado "modus vivendi", permitindo ao Brasil ocupar militarmente o território litigioso, bem como administrá-lo, ficando sua porção meridional sob a jurisdição do governador aclamado pelos acreanos e sua porção setentrional sob a jurisdição do General Olímpio da Silveira, enquanto a Bolívia ocuparia o território ao sul do paralelo 10º 20', demonstra a extraordinária habilidade com que o nosso Chanceler conduziu a intrincada questão.Não desejando ser o único plenipotenciário, isto é, representante do governo com plenos poderes para negociar junto ao governo boliviano, nosso Chanceler convidou Ruy Barbosa e Assis Brasil para integrarem a delegação do Brasil. O convite a Ruy Barbosa, justificava-se, até pelo fato de que o mesmo, como Senador, já vinha participando da discussão a respeito do Acre. O Senador aceitou o honroso convite, mas logo depois renunciou segundo ele próprio afirmou: "para não ser obstáculo aos intuitos patrióticos do governo, cujos passos não hostilizarei" (13). Na realidade ele não concordara com os rumos das negociações, pois preferia o arbitramento ao acordo direto e, ao mesmo tempo, defendia uma maior compensação pecuniária em troca de qualquer concessão territorial à Bolívia. (13) RUY BARBOSA, Cit. por Cassiano Ricardo in: O Tratado de Petrópolis, Rio de Janeiro, Ministério das Relações Exteriores, 1954, p.201. Finalmente, após várias reuniões que se realizaram, ora no Rio, ora em Petrópolis, foi assinado, a 17 de novembro de 1903, o Tratado de Petrópolis, pelo qual a Bolívia reconheceu como brasileiros, não só o Território do Acre, mas também outros a oeste, que ela nominalmente possuía, mas que estavam ocupados há bastante tempo por brasileiros.Em troca, o Brasil indenizava a Bolívia com dois milhões de libras esterlinas e obrigava-se a construir a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.Todavia, o grande mérito do Tratado foi ter impedido que grupos estrangeiros, a serviço de uma organização internacional, tivessem criado uma cabeça-de-ponte na região, para futura exploração das matérias-primas da mesma.Contudo, é conveniente assinalar que o Tratado de Petrópolis assegurava apenas a posse de uma parte do Acre, a que se limitava com a Bolívia, restando a região do Juruá, que fazia fronteira com o Peru.A luta pela incorporação desta região foi igualmente gloriosa e teve início em 24 de outubro de 1904, quando uma expedição comandada pelo Capitão Francisco de Ávila e Silva, transportada pelos navios-gaiola "Moa" e "Contreiras, recebeu a incumbência de expulsar ou prender os cobradores de impostos do Peru, que extorquiam taxas dos seringueiros ali estabelecidos e que haviam chegado a fundar um lugarejo denominado "Nuevo Iguitos".As hostilidades foram iniciadas com a prisão do tenente peruano Severo Ramirez e dos praças que o acompanhavam, quando este exigiu impostos do comandante do "Contreiras".Logo em seguida, a expedição brasileira travou combate com soldados peruanos comandados pelo Coronel José Suárez, os quais capitularam após renhido combate.Em 1904, para evitar o agravamento da situação, Brasil e Peru assinaram um "modus vivendi" e as negociações duraram cinco anos, culminando com a assinatura do Tratado do Rio de Janeiro, em 8 de setembro de 1909, que estabeleceu a delimitação exata das fronteiras entre os dois países. Deste modo foi incorporada ao Brasil a outra metade do Acre, com uma superfície de 152 mil km2, o que representou outra vitória da Diplomacia Brasileira.Rio Branco, chefiando nossa chancelaria, concluiu inúmeros tratados de arbitramento; alcançou para o Brasil a criação do primeiro cardinalato da América Latina; cooperou eficazmente para o triunfo alcançado por Ruy Barbosa na conferência de Haia; e, ainda, de conformidade com sua política de cordialidade americana, celebrou com o Uruguai um tratado, concedendo ao país vizinho liberdade de navegação na lagoa Mirim e no rio Jaguarão. Em 1902, o Barão do Rio Branco chegava a Petrópolis, sendo alvo de entusiásticas manifestações populares e demonstrações oficiais de apreço. Comentando o acontecimento, assim se manifestou a Tribuna de Petrópolis: "a população lhe ofereceu em profusão o que de mais belo produz a sublime natureza de Petrópolis: flores, representando a sinceridade dos sentimentos da gratidão que neste dia de gala para a Pátria fundiram em um só os corações de todos os brasileiros" (14). (14) Tribuna de Petrópolis, 20 de abril de 1945, p.2. Em fevereiro de 1903 alugou para sua residência em nossa cidade uma casa situada na Westphália, de propriedade dos Viscondes de Cruzeiro."Naquele recanto bucólico e sossegado, distante da agitação política da capital, encontrou nosso Chanceler a tranqüilidade necessária para estudar a delicadíssima questão do Acre e chegar a assinatura do importante instrumento de paz e concórdia que foi o Tratado de Petrópolis" (15). (15) FRÓES, José Kopke. O Barão do Rio Branco em Petrópolis in: Tribuna de Petrópolis, 17 de novembro de 1953. O fato de Petrópolis ter sido o cenário de grande parte das negociações que culminaram com a assinatura do importante tratado, projetou enormemente nossa cidade no cenário internacional.Abrigando o grande brasileiro, Petrópolis, de certa forma voltava a ser a Capital Diplomática do País, como já havia sido no Império, já que aqui foram assinados importantes atos diplomáticos com outros países e recepcionados vários chefes de Estado, como o Presidente Sarmiento, o Cardeal Arcoverde e o então Presidente da República, Dr. Nilo Peçanha, entre outros.Petrópolis, comenta Barros e Vasconcelos, "era, para Rio Branco, estação de veraneio e, também, refúgio em momentos de intenso trabalho ou, então, de complicações políticas internas a que procurava, assim esquivar-se" (16). (16) BARROS E VASCONCELLOS. Mario de. O Barão do Rio Branco. Rio de Janeiro, Departamento de Imprensa Nacional, 1954, p. 148. Grande admirador de Petrópolis, de seu clima agradável, trouxe com freqüência a nossa cidade ilustres visitantes estrangeiros, como o famoso criminalista italiano Eurico Ferri, o renomado cientista francês Charles Richet e o embaixador da China, Príncipe Liou-Sue-Shun.A 23 de abril de 1904, numa demonstração de carinho para com a cidade, alistou-se como eleitor pelo nosso MunicípioO Barão do Rio branco faleceu no Rio de Janeiro, a 10 de fevereiro de 1910. Discursando à beira de seu túmulo, o Barão de Ramiz Galvão, assim se pronunciou: "Em nome da história e da civilização, permiti que proclame a superioridade do nosso benemérito compatriota, porque a obra de Rio Branco, dilatando o território, dando lustre ao nome da Pátria, não foi escrita com a espada, nem ao troar dos canhões, não se manchou com uma gota de sangue, não custou um gemido; foi obra da paz e da concórdia" (17). (17) RAMIZ GALVÃO, Barão de. In: Tribuna de Petrópolis, 14 de fevereiro de 1912, p. 1.

O PARADIGMA DA QUESTÃO DO ACRE PARA A DIPLOMACIA BRASILEIRA NA AMÉRICA LATINA.

Universidade Federal do Rio Grande do Sul Comitê Acadêmico: História e Fronteiras Cyntia Sandes Oliveira cyntiasandes@gmail.com
Palavras-Chave: diplomacia, Barão do Rio Branco, história, Brasil, Fronteiras, relações internacionais. INTRODUÇÃO A história da definição das fronteiras brasileiras é permeada de uma série de acontecimentos que datam desde a condição de Império em que outrora esteve o Brasil. O acontecimento sobre o qual se foca este artigo, versa em torna das definições da fronteira entre Brasil e Bolívia, no início de século XX, momento em que à chancelaria brasileira respondia o célebre Barão de Rio Branco. A importância do estudo desde caso, em especial, dentre tantos, reside em ter sido ele a primeira grande conquista da diplomacia brasileira em diálogos bilaterais, além de representar a mudança de paradigma da própria chancelaria brasileira. É a partir das ações do Barão de Rio Branco, que o Brasil passa a ter uma maior visibilidade e credibilidade internacional e a sua diplomacia deixa de ser de prestígio como fora até então, para passar a adotar uma postura pragmática, mais voltada para a América, em especial para os Estados Unidos, deixando as relações com os seus vizinhos latinos americanos em um plano secundário. Neste sentido, o artigo se pretende a questionar a validade da anexação do território que corresponde ao território do Acre, no Brasil, concluindo apenas parcialmente as reais implicações desta ação ao longo da argumentação do tema. Fora também importante revisitar certos autores em torno da discussão teórica de fronteira, partindo desta para uma análise voltada para o caso brasileiro em específico. Ainda, pretende-se expor as articulações da chancelaria brasileira e tentar entender os atos da mesma que por si só não ficam claros. DESENVOLVIMENTO Para a reflexão em torno do tema proposto buscou-se analisar as idéia dos principais autores em política externa e relações internacionais do Brasil, dentre eles, Amado Cervo(2002), Clodoaldo Bueno(2002), José Honório Rodrigues(1966), Bradford Burns(1960), entre outros. Além disso, buscaram-se outros instrumentais de análise como declarações oficiais e artigos referentes ao tema proposto para na busca de realizar uma nova reflexão. A corrente determinista das fronteiras, articulada no Real Politik alemão, por Ratzel, tem o território como chave para o desenvolvimento e a perenização de uma nação na figura de um Estado. Este ultrapassa a concepção meramente política de representatividade e faz valer a importância das fronteiras, de forma que o pensamento Ratzeliano acredita que “... o Estado deve procurar constantemente rearticular o todo fragmentário que constitui a sua porção territorial”, (RATZEL. F pg.38). Sob a ângulo brasileiro, era sine qua non para o Brasil no momento em questão definir seus litígios fronteiriços, o que se deu num exercício de articulação que chegou ao seu ponto máximo no sob a era do Barão do Rio Branco. Ainda, vale ressaltar que “o caráter da fronteira territorial vista como espaço de conflito, de disputa entre dois grupos ou duas culturas é normalmente conceituada como um produto histórico, resultante de forças de conflito”, o que, no quadro histórico vislumbrado encaixa-se perfeitamente, sendo a fronteira entre Brasil e Bolívia definida como produto de uma disputa que já durava algumas décadas. Como ressalva Lenz em relação ao pensamento de Frederick Jackson Turner, em seu trabalho acerca das fronteiras argentinas, "(...) nas sociedades latino-americanas a experiência não contribuía apenas para a liberdade de oportunidades, mas para o estabelecimento de hierarquias duradouras".(SILVA apud LENZ), o que veio a se constatar dada à perenidade dos acordos firmados. Em relação às aspirações brasileiras com a sua política de definição de fronteiras no final do século XIX e início do século XX, cabe a citação: “A fronteira constitui também um construto jurídico, um caráter legitimador e bélico. E é ainda, uma construção ideológica e sua maior fetichização está em toma-las como naturais. Há uma necessidade que o cidadão assimile e reproduza a identidade acional, para tanto há uma doutrinação patriótica no próprio sistema formal de ensino, segundo Weber, por isso mesmo que se reescreve continuamente a história, porque as interpretações ficam a cargo dos interesses contemporâneos, justificando a existência do Estado nacional e o exercício do seu poder legítimo.”(MORAES, 2002) Era preciso a legitimação da República que de pronto se instaurara. Neste sentido, o reconhecimento internacional e a boa relação com os países vizinhos, além da rápida aproximação com a maior país republicano da época, os Estados Unidos, conduziram as ações da diplomacia brasileira, que veio a tomar como prioridade naquele momento, a definição definitiva das fronteiras nacionais, calcada na negociação, o que legitimava não só a ação, mas mantinha e fomentava a boa relação do Brasil com seus países vizinhos. Neste sentido, cabe a citação: “Embora essa aproximação não tenha significado “alinhamento automático”e tenha servido aos propósitos do chanceler no plano sub-regional (América do Sul), marcou o movimento decisivo de um processo de aproximação que sobreviveu a lê próprio(o Barão do Rio Branco) e que afinal levaria o Brasil (...) a integrar-se no subsistema de poder liderado pelos Estados Unidos.”(CERVO e BUENO, 2002). Tal dá uma visão clara dos reais objetivos brasileiros com as suas ações de fronteira. A essa altura o Brasil já era tido por imperialista por seus vizinhos latino-americanos, e o alinhamento com os EUA só veio a potencializar tal situação, ainda que tenham havido esforços no estreitamento doa laços entre vizinhos. A questão do Acre, como é conhecida na historiografia brasileira, a disputa fronteiriça entre Brasil e Bolívia começa muito antes de 1902, ano em que assume como ministro das Relações Exteriores do Brasil, o Barão de Rio Branco. Já no século XIX, a região era alvo de disputas entre brasileiros, bolivianos e peruanos. Não por coincidência “a indústria de veículos terrestres e motor a combustão interna será o principal fator dinâmico das economias industrializadas, durante um largo período com compreende o último decênio do século passado (XIX) e os três primeiros do século XX” (FURTADO, 1920), tal contextualiza-se no fato de ser a região dotada de grande quantidade de árvores de onde se extraia a tão cobiçada borracha. A fim de apaziguar os ânimos, o Brasil lança uma proposta a fim de resolver a situação e em 1864. Neste momento o Brasil encontrava-se envolvido na Guerra do Paraguai, e os bolivianos desaprovavam as ações brasileiras no Paraguai, de forma que, o concerto de Ayacucho tinha por principal objetivo a neutralização da Bolívia e relação ao conflito, no sentido de garantir que esta não entraria na Guerra ao lado do Paraguai. Neste contexto, é assinado o Tratado de La Paz de Ayacucho, que determinava os limites entre os dois países pautando-se no princípio do uti possidetis. O segundo artigo do referido tratado definia as fronteiras entre Brasil e Bolívia da seguinte maneira: “La frontera entre el Imperio del Brazil y la República de Bolivia partirá del Río Paraguay en la latitud de 20º 10', donde desagua la Bahía Negra; seguirá por el medio de esta de esta hasta su fondo y de ahi en línea recta a la Laguna de Cáceres, cortándola por el medio; irá de aqui a la Laguna Mandioré y la cortará por el medio, así como las Lagunas Gaiba y Uberaba, en tantas rectas cuantas fueren necesarias, de modo que queden del lado del Brasil las Tierras Altas de las Piedras de Amolar y de la Insua. (trecho modificado por el Tratado de 1903) Del extremo norte de la Laguna Uberaba irá en línea recta al extremo sur de Corixa-Grande, salvando las poblaciones brasileñas y bolivianas, que permanecerán respectivamente del lado de Brasil o de Bolivia; del extremo sur de Corixa-Grande irá en líneas rectas al norte del Cerro de la Buena Vista y a los Cuatro Hermanos; de estos, también en línea recta, hasta las nacientes del Río Verde; bajará por este Río hasta su encuentro con el Guaporé y por medio de este y del Mamoré hasta el Beni, donde comienza el Río Madera. (trecho con algunas alteraciones por el Tratado de 1903 y por las Notas Reversales de 1958)De este río hacia el oeste seguirá la frontera por una paralela, salida de su margen izquierda en latitud sur 10º 20', hasta encontrar el Río Javary.Si el Javary tuviere a sus nacientes al norte aquella línea Este-Oeste, seguirá la frontera, desde la misma latitud, por una recta a buscar el origen principal del dicho Javary. (trecho modificado por el Tratado de 1903).” Contudo, o ciclo da borracha conduzira milhares de pessoas para a região, dentre as quais grande parte de seringueiros brasileiros. Além de empresas interessadas nos lucros do processo de extração, encontrando-se a Bolivian Sindicate entre elas. Ao Bolivian Syndicate “a Bolívia havia praticamente transferido a soberania do território para explorar a borracha”(RICUPERO, 2002), em outras palavras, o governo boliviano arrendara toda a área para a Bolivian Syndicate, o que gerou forte descontentamento dos seringueiros locais, os quais irromperam contra o governo boliviano. Ainda, a companhia em questão fazia forte oposição a quaisquer ações do governo brasileiro sobre o referido território , além de possuir a prerrogativa de mobilizar a ação dos governos de onde se originavam os seus investidores, em particular dos Estados Unidos, da Grã-bretanha e da França. A situação era delicada, uma vez que milhares de brasileiros instavam-se em conflito com o governo boliviano na região em decorrência das ingerências da Bolivian Sindicate, chegando até a máxima de declarar independência da região e pedir anexação ao Brasil, em 1899, segundo Burns. Dessa maneira, uma atitude por parte do governo brasileiro era fundamental, neste sentido, o governo decretou o bloqueio a navegação no rio Amazonas em direção ao Acre, o que isolou e enfraqueceu a Bolivian Syndicate e também o Peru, os quais abandonaram a região posteriormente. Dessa forma, restava apenas a resolução junto ao governo Boliviano. Em 1902, a ascensão de um novo governador na Bolívia, fez com que a situação atingisse seu ápice, pois impostos e leis severos foram impostos aos brasileiros residentes na região. A mudança de postura do Brasil na área faz parte de um processo geral de mudança sobre o qual passou a nossa diplomacia. Diferente de Olynto de Magalhães, anterior Ministro das Relações Exteriores, que advogava pelos plenos direitos na região, Rio Branco utilizou-se do princípio de uti possidetes, o mesmo do tratado anterior, mas desta vez, voltando-se para a questão do número de habitantes brasileiros na região. “A presença de milhares de brasileiros, talvez sessenta mil, constituía, de acordo com as próprias fontes de La Paz, noventa e nove por cento da população de um território, onde os bolivianos, além de raros, se sentiam, nas palavras do seu governador, Lino Romero, tão “estrangeiros aqui como se sentiriam nas mais remotas colônias da Ásia. Tanto os homens como a natureza nos são completamente adversos .”(RICUPERO, 2002) Neste sentido, pode-se dizer que princípio do uti possidetis, que sustentava o tratado anterior “caducara”, no sentido estrito de que a quase totalidade da população que residia naquela região era brasileira. Isto levou à diplomacia brasileira a declarar o seu desejo de adquirir o Acre, mediante compensações financeiras e territoriais, já que o problema era essencialmente do fundo político. Segundo o próprio Barão do Rio Branco, quando da leitura da exposição de motivos, a proposta principal, que viria a ser celebrada na assinatura do Tratado de Petrópolis, em 17 de novembro de 1903, compreendia a troca do território em litígio por: “1º O pequeno território triangular, entre o Madeira e o Abuña (...) de 3.500 quilômetros quadrados; 2º Um encravamento de dois hectares, à margem direita do Madeira, (...) para que aí se estabelecesse um posto aduaneiro; 3º Uma indenização de um milhão de libas esterlinas; 4º A construção e território brasileiro, desde a primeira cachoeira do Rio Mármore, (...), até a de Santo Antônio do Madeira, de uma ferrovia, (...)”(PARANHOS,1903) O tratado de Petrópolis defina a fronteira do Brasil segundo a ilustração a seguir, articulando mais um capítulo da história diplomática brasileira e de definição de fronteiras. Figura 1 Definição da fronteira, Tratado de Petrópolis. CONSIDERAÇÕES FINAIS O processo de ocupação do território do Brasil foi caracteristicamente lento, a Amazônia (região que abriga o Acre) foi ocupada muito lentamente, a alteração neste processo se deu com o advento do ciclo da borracha, que atraiu pessoas para essa área. Findado o ciclo a região entrou em estagnação e decadência, até a segunda metade do séc. XX, quando houve injeção de capitais e estímulos governamentais para que a ocupação se efetivasse. Vargas e Kubischek fomentaram políticas de ocupação territorial, além deles também o fizeram os militares (1964-1985), desenvolvendo uma política de expansão no intuito de construir o Brasil-potência: abriram estradas, e abriram a Amazônia a projetos de alto impacto ambiental, curvando-se aos interesses multinacionais, fazendo diversas concessões não muito benéficas ao país. “Todos esses problemas vem sendo discutidos por cientistas que estudam a Amazônia e as questões fronteiriças da bacia platina, são demonstrações de que a produção do território, e a sua integração política a um país, dependem da ideologia política dominante, do momento histórico vivido, e das disponibilidades de capital e tecnologia. Não se pode esquecer que esta transformação nem sempre é comandada pelo país que detém a soberania do espaço em transformação, havendo, naturalmente, grande interferência internacional” (ANDRADE, 1995) Assim, a anexação pelo Brasil do território que hoje corresponde ao Estado do Acre, teve toda uma carga simbólica para o ideário nacional, Rio Branco foi tido como um herói nacional, ao anexar tamanha extensão territorial sem partir para recursos bélicos. Ainda, poder-se-ia argumentar contra a indenização que fora paga pelo Brasil, todavia, “os preços continuaram sua marcha ascensional, alcançando no triênio 1909-1911, a média de 512 libras por tonelada”(FURTADO, 2003), de forma que pode-se concluir em favor da compensação de tal indenização. “A obra de Rio Branco definindo as fronteiras, defendendo o status quo territorial e o equilíbrio político na América do Sul completa-se com a deseuropeização da nossa política externa”(RODRIGUES, 1966), dessa maneira, procurou-se com este artigo vislumbrar os principais reveses da política externa brasileira no que tange as definições da fronteira brasileira com a Bolívia e as implicações, nem sempre tão evidentes, de tal ação para a articulação da diplomacia brasileira e do futuro desta. REFERÊNCIAS: ANDRADE, M. C. A questão do território no Brasil. Editora Hucitec, São Paulo-Recife, 1995 BURNS, E. Relações Internacionais do Brasil durante a Primeira República. In: História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Ed. Européia, 1960. CERVO, Amado & BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil. 2ª. Edição. Brasília: Editora UnB, 2002. FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 32º edição. São Paulo. Companhia Editora Nacional, 2003. LENZ, Maria Heloisa. Crescimento econômico e crise na Argentina de 1870 a 1930: a Belle Époque. Porto Alegre. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2001. 406 p. Mimeografado. MORAES, C. R Território e História do Brasil. São Paulo, 2002. RODRIGUES, José Honório. Interesse Nacional e política externa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966. RICUPERO, Rubens. Edição Comemorativa dos 100 anos de paz nas fronteiras do Brasil. Disponível em: http://www2.mre.gov.br/missoes_paz/port/capitulo4.html. Acesso em: 08/06/2006. Tratado de La Paz de Ayachuco. Disponível em: http://es.wikisource.org/wiki/Tratado_de_Ayacucho. Acesso em: 08/06/2006

A REPÚBLICA DE GALVEZ

ANÁLISE DA HISTÓRIA Por Francisco Matias(*) 1. D. Luiz Galvez Rodrigues y Arias é um personagem da história regional que merece estudos mais atualizados sobre sua trajetória política e importância para a formação histórica do Acre e de Rondônia. A minissérie Amazônia, por misturar romance e realidade, pode distorcer alguns fatos como por exemplo, não revelar que D. Luiz Galvez fundou um País e não um Estado. Não havia para Galvez essa simplicidade política. Ele fundou uma República e é conhecido como o “imperador do Acre”, por isso, atraiu para si o ódio de muitos “coronéis de barranco”, o desprezo de antigos aliados políticos e, sobretudo, a pressão dos EUA e da Inglaterra sobre seu governo. Ele se considerava o dono de um país e buscou reconhecimento diplomático da França, do Brasil, dos EUA, da Espanha e da Itália. Pior ainda: despertou ainda mais os interesses da Bolívia que passou a adotar novos posicionamentos pela posse do Acre, inclusive solicitando do governo brasileiro uma intervenção militar para derrubar o país da borracha fundado por D. Galvez. 2.Mas o governo brasileiro estava mais preocupado em consolidar o regime republicano do que em definir a questão acreana em favor dos brasileiros liderados por D. Galvez, um aventureiro espanhol, odiado pelos EUA, cujo secretário de governo era um italiano, Guilhermo Ulthoff, inviabilizando qualquer negociação com o Brasil. Com esta visão sobre o caso, o presidente Campos Sales autorizou ao Itamaraty a liberar a Bolívia para expulsar Galvez do Acre. E a Bolívia bem que tentou, enviando 300 soldados a Puerto Alonso, que o governo Galvez havia designado Cidade do Acre ( e não Porto Acre, como está na minissérie). Depois de alguns combates, as forças bolivianas foram rechaçadas pelo exército acreano, denominado Força Patriótica. Por conta das investidas bolivianas, D. Galvez percebeu que estava para ser derrubado do poder. Com medo de enfrentar o governo brasileiro, procurou demonstrar que seu governo era amigo do Brasil. Para externar essa posição, escolheu uma data simbólica, o 15 de novembro de 1899, quando o Brasil comemorava 10 anos da proclamação da República, para realizar uma grande festa na capital da República Independente do Acre “em patrióticas manifestações de amor e solidariedade à Pátria brasileira”. E fez mais o imperador do Acre. Mandou inscrever na bandeira acreana a mesma citação positivista contida na bandeira brasileira: “Ordem e Progresso”. 3. Mas não teve mais jeito. D.Luiz Galvez Rodrigues y Arias estava desagradando a todos, por suas decisões de governo. Imagine, sobretaxar a borracha e os suprimentos para os seringais! Não deu outra. A Inglaterra, principal financiador do Ciclo da Borracha, fomentou um levante tendo à frente alguns comandantes de navios, prejudicados pela falta de fretes e coronéis de barranco liderados pelo seringalista Antonio de Souza Braga, com o suporte do comandante do navio “Rio Afuá”. Em 1º de janeiro de 1900, Luiz Galvez sofreria sua primeira derrota e vê sua República desabar. O coronel Antonio de Souza Braga destituiu o país de Galvez e fundou o Estado Livre do Acre, anexo ao Brasil, (e não Estado Independente do Acre, como está na minissérie). Mas, o cearense Antonio de Souza Braga não era talhado para o poder e nem sabia se conduzir à frente de um governo tumultuado como era o do Acre. Em seu discurso de posse, a bordo do navio Rio Afuá, ele afirmou: “Se o Brasil mandar um só homem fardado, eu entrego tudo isso. Aos bolivianos, porém, não entrego”. Souza Braga governou apenas um mês quando renunciou em favor de ninguém menos que D. Luiz Galvez Rodriguez y Arias. 4.Galvez reassumiu o poder, mas tomou o cuidado de colocar como vice-presidente de sua reinstalada República Independente do Acre o poderoso coronel Joaquim Vitor, dono do seringal Bom Destino, conhecido revolucionário do Acre e respeitado coronel de barranco. Em menos de seis meses o Acre deixava de ser boliviano para se tornar uma República, depois um Estado Livre e novamente uma República. Mas, desta vez as pressões da Inglaterra e dos EUA sobre o Brasil foram mais contundentes. O Departamento de Estado norte-americano comunicou ao Itamaraty que se o Brasil não tomasse uma atitude contra Galvez, os EUA enviariam tropas para ocupar o Acre. O governo brasileiro resolveu agir e enviou uma força-tarefa composta pelos navios Jutaí, Juruena, Tefé e Tocantins, da Marinha de Guerra, e o vapor Belém conduzindo tropas de infantaria do Exército, para prender D. Luiz Galvez, derrubar o país da borracha e devolver o Acre à tutela boliviana. Desse modo, no dia 15 de março de 1900, uma quarta-feira, D. Luiz Galvez Rodrigues y Arias rendeu-se mais uma vez, agora a uma força tarefa do Brasil. O Acre estava novamente sobre o domínio da Bolívia, dos EUA, da França e da Inglaterra. Do livro O Tratado de Petrópolis, Diplomacia e Guerra na Fronteira Oeste do Brasil, inédito, do Historiador e Analista Político Francisco Matias Porto Velho 9.02.2007

sábado, 6 de junho de 2009

Os jornais em Xapuri(Acre)no século XX

Maria Alzenir Alves Rabelo Mendes - Professora da UFAC, Mestre em Linguagem e Identidade - UFAC. 1 - Introdução Esse trabalho visa traçar o percurso da formação da sociedade xapuriense através dos jornais que circularam na cidade de Xapuri, estado do Acre, no século XX, e averiguar as temáticas predominantes na imprensa local bem como sua relação com o tempo e o meio. Em uma primeira análise, já é possível afirmar que a sociedade em questão é formada não somente por brasileiros nordestinos, como também por sírios, libaneses, turcos, portugueses e italianos. E que estes deram suas contribuições culturais, podendo aquela população ser considerada pacífica, conservadora, de elevado religioso e moral. Quanto à efervescência das atitudes artísticas e literárias, o auge ultrapassou o primeiro declínio do ciclo da borracha iniciado em 1910. Apesar da crise, a produção textual não diminuiu logo, tendo acontecido na fase posterior à unificação do Território, em 1920, quando houve a retirada de muitas pessoas que prestavam serviços no Acre, havendo, como conseqüência, uma mudança no quadro populacional e um declino, em relação ao nível intelectual. 2 - A fundação dos jornais A fundação de jornais em Xapuri iniciou-se ainda na época em que a cidade não dispunha de nenhum outro meio de comunicação além de cartas, bilhetes ou recados que eram confiados aos comandantes dos navios cargueiros, aos regatões, comboeiros ou aos membros da antiga Guarda Nacional. Estes últimos só exerciam a função de carteiros quando a mensagem dizia respeito à comunicação oficial, isto é, entre aqueles que ocupavam postos na administração política do local, sendo que, na maioria dos casos, tais postos eram ocupados por militares em destacamento. O Major Cícero Mota, a título de exemplificação, foi o encarregado pela correspondência no local até o ano de1911, quando passou suas atribuições à esposa, Sr.ª Vicença Mota, por ocasião da instalação da Agência do Correio em Xapuri. A circulação do primeiro jornal em Xapuri, o El Acre, instalado na aduaneira de Porto Acre, em 1901 pelo governo boliviano, deu-se quando a cidade, sob o domínio boliviano, ainda se chamava Mariscal Sucre, antes da Revolução Acreana. No entanto, nos acervos consultados, constam apenas os jornais que circularam a partir da gestão do Coronel Plácido de Castro, Prefeito do Departamento do Alto Acre e líder da Revolução, que teve início em Xapuri, em 1902, e terminou em Puerto Alonso (Porto Acre), em 1903. Em 1907, surgiu o jornal O Acre e teve por redatores o Tenente-Coronel Francisco Conde e Justo Gonçalves da Justa. 1909 suas edições foram interrompidas, tendo reaparecido após um intervalo de quase quatro anos, em 1913, ano em que se deu a instalação do Município de Xapuri na Intendência do Sr. Silvino Coelho, quando o Território do Acre já sofria as conseqüências da primeira grande crise do ciclo da borracha que se acentuou em 1912, em função da concorrência dos seringais ingleses, de cultivo na África, América Central e Malásia, tirando o Acre da condição de maior produtor de borracha da Amazônia. Concomitante ao surgimento do jornal O Acre circulou também o jornal Acreano (1907 a 1910), fundado pelo Coronel Antônio Antunes de Alencar, Prefeito do Departamento do Alto Acre e um dos fundadores da cidade. O semanário era impresso sob a direção do médico Joaquim da Cunha Fontenele. Em seguida, veio O Correio do Acre (1910 a 1913), inicialmente dirigido pelo Coronel Manuel Leitão, depois pelo Juiz de Direito Bruno Barbosa e, finalmente, pelo Tenente-Coronel Francisco Conde, redator de O Acre. O surgimento dos primeiros jornais coincide com a instalação da primeira loja maçônica na cidade, a Loja Acre (1907) e a Loja Acreana em 1913. A Maçonaria e o comércio local, tendo à frente e os seringalistas foram os patrocinadores da imprensa local. Em Xapuri, o afloramento da imprensa deu-se juntamente, e pode-se dizer em função dos gloriosos tempos propiciados pelo grande volume da produção extrativista. Os jornais da época dão conta de noticiar a saída de até 20 navios cargueiros, lotados, do porto de Xapuri em um só mês (O Acreano, 04 de setembro de 1908. p. 1). Esses navios subiam o Rio Acre para deixarem mercadorias, mantimentos, roupas, calçados e munições, e retornavam às metrópoles Manaus, Belém e Rio de Janeiro, carregados de peles, castanha, e principalmente, pelas preciosas bolas de borracha, produzidas nas brenhas da floresta pelos “brabos” nordestinos que migravam para o Acre em razão do flagelo causados pelas secas em sua região de origem. Os vapores eram também o meio de transporte, tanto para os “brabos”, que vinham em terceira classe, junto aos amontoados de cargas e muares, como para os seringalistas, comerciantes, políticos militares e artistas. Embora Xapuri estivesse isolada, geograficamente, na selva amazônica, lá aportavam companhias de teatro nacionais e internacionais para se apresentarem no Teatro Variedade, onde eram representadas peças teatrais e concertos. Estes se davam sob a regência de maestros e pianistas, que pelo nome deviam ser estrangeiros, como por exemplo, o Professor Reffoli, as pianistas Emma Biari, Mile, Gerechter, que tocavam “Verdi a quatro mãos” (Jornal Acreano, 03 de maio de 1909). E pessoas que propiciavam shows musicais como a cantora Rosita de la Plata, para uma platéia que vestia “tailleur de cachimir e teissor” (Jornal Acreano, 04 de janeiro de 1908. p. 1; Jornal Correio do Acre, 1910; Jornal O Acre, 27 de março de 1913). No entanto, essas manifestações de cultura e luxo não condiziam com o quadro que a cidade apresentava: ruas sem calçadas e sem escoamento; precário serviço de iluminação à base de lampiões a querosene; falta de escolas e hospitais; ausência de meios de comunicação e transportes em que não fosse necessário o esforço de homens e animais para realizá-los, tal como se dava no uso de canoas a remo e carroças puxadas a boi. Esse paradoxo é expresso por Manoel Gouveia: Xapuri, essa grande parte do rio Acre, ainda no embryão... embora falte-lhe ainda a movimentação confortável, essas grandes regalias que transformam a choupana em palácio... A juventude revestida de maior eloquência promove festas carnavalescas, convocam reuniões para a fundação de um theatro, procurando assim, todos os meios para desenvolver a macha evolutiva, elevando o Xapuri ao conjunto das grandes cidades em nada falta para o refocilamento do espírito. (O Poder Social. O Acreano, 23 de fevereiro de 1908, p. 2) O fragmento, que trata da falta de conforto e do empenho dos jovens em nivelar Xapuri a outras cidades culturalmente desenvolvidas, é o reflexo das aspirações maiores da população de modo geral. Desde 1904, data da fundação da Vila de Xapuri, até 1913 quando foi elevada a categoria de município, a cidade não havia recebido urbanização a não ser a que foi traçada pelo engenheiro Gastão da Cunha Lobão e Aquiles Peret, que dividiram a zona urbana em quarteirões, com ruas largas e alinhadas, sendo a mais importante delas, a rua Coronel Brandão, cujo nome é uma homenagem a um de seus primeiros habitantes quando Xapuri ainda pertencia aos territórios bolivianos. O jornal O Acre de 23 de março de 1913 p. 2, no artigo A Vida Municipal, assinado por Antônio Pardo, revela o estado lastimável em que se encontrava o lugar, com ruas sem calçadas, e sem escoamento para as águas, e sem saneamento básico. Ainda que, nessa fase, Xapuri possuísse o maior centro comercial e populacional do Departamento do Alto Acre, e contribuísse com a atividade extrativista para que o Território do Acre se mantivesse na condição de terceiro maior contribuinte tributário da União, pagando o mais alto imposto cobrado no país até então (37,5%). Em 1913, o jornal O Correio do Acre cessou sua produção em 1º de junho do mesmo ano. E teve seu espaço preenchido pelo Alto Acre, que começou a ser impresso quinze dias depois, nas oficinas que imprimiam o jornal extinto. O Alto Acre circulou até março de 1914, fase em que o Território já sentia os efeitos do declínio do Ciclo da Borracha. Mesmo assim, na área urbana de Xapuri, podia se perceber melhorias como iluminação elétrica, o telégrafo, a agência de correios e a construção das escolas José de Alencar e Afonso Pena. Além disso, já possuía um centro operário, associação comercial coletoria federal, um templo católico e a sede da Comarca do Alto Acre. A Fundação do Alto Acre deu-se logo em seguida à instauração do município, em 21 de maio de 1913, após a segunda reorganização do Território (1912) no governo do Marechal Hermes da Fonseca. Com a Reforma, Xapuri teve seu primeiro Conselho Municipal composto por sete Vogais na intendência do Sr. Silvino Coelho de Souza. Esses cidadãos eram nomeados diretamente pelo presidente da República, para legislarem e decidirem sobre os destinos políticos e econômicos dos departamentos. Os representantes do povo, como muitos outros que compunham a população urbana, não somente em Xapuri, também na maioria dos municípios acreanos, eram pessoas vindas de outros Estados da Federação brasileira. No caso específico eram militares a serviço do Governo Federal. A população urbana era formada também de aventureiros, homens de negócios, seringalistas e regatões, todos atraídos pela excentricidade da selva ou pelas riquezas que poderiam adquirir explorando-a. Mesmo que para isso milhares de vidas fossem dizimadas pelas doenças ou pelas feras. Sendo que as principais vítimas eram os nordestinos-seringueiros3, morando nas brenhas em casebres de pau a pique, alheios às novidades que aconteciam às margens dos rios. Uma dessas novidades eram os jornais que, desde a redação, impressão e distribuição, só eram de conhecimento daquelas que formavam as elites, fossem de natureza econômica, política ou cultural. Os redatores e colaboradores não só do Alto Acre como dos demais jornais, quando não eram militares, eram advogados, como o Dr. Antônio Carneiro Meira, o Juiz Bruno Barbosa; ou, pessoas ligadas ao comércio (Peret. O Acreano). Estes em maioria eram cearenses, turcos, sírios ou libaneses (Chagury, Abdalan e Chaul, colaboradores do jornal Alto Acre; Baxir Chaul, do jornal Commercio do Acre), contribuindo com contos, crônicas e artigos. Ainda os portugueses com crônicas humorísticas, e os religiosos como o Pe. Joaquim Franklin Gondim que substituiu o Pe. Benedito Lima, primeiro pároco designado para servir no local (Jornal Alto Acre, 06 de fevereiro de 1913; Alto Acre 31 de agosto de 1913). O surgimento do Alto Acre ocorreu simultaneamente ao da elevação de Xapuri a Município. As mudanças ocorridas em função das reformas política, administrativa e econômica, serviram de tema para a prosa veiculada neste jornal, que criticou severamente a falta de compromisso de alguns comerciantes locais para com o crescimento e a melhoria do Município. As crônicas intituladas Fitas, de K. Listo, abordam o assunto chamando de “fiteiros” os que se diziam autonomistas (pessoas que reivindicavam a autonomia do Território do Acre), mas que se recusavam a pagar os devidos impostos, necessários para o desenvolvimento local. (Alto Acre, 24 de julho de 1913). O Alto Acre também reflete as mudanças ocorridas com o fim do monopólio da Borracha que alterou as relações internas nos seringais. Após a entrada da borracha inglesa no mercado internacional, a borracha do Brasil sofreu queda drástica nos preços; os créditos nos bancos e nas casas aviadoras também diminuíram, forçando os seringalistas a tolerarem a presença dos regatões turcos, sírios e libaneses em seus portos, uma vez que se encontravam sem mantimento para os homens do “corte” (ou da extração do látex). A agricultura que antes era expressamente proibida, (para não atrapalhar a produção de borracha), passou a ser incentivada. É para este aspecto que chamamos atenção no jornal Alto Acre nas séries de artigos “Pela Agricultura – Palestra com os nossos lavradores”, assinadas pelas iniciais A.P. Esses artigos tinham por objetivo instruir os agricultores sobre os procedimentos legais e técnicos para o uso do solo, sobre os tipos de adubos, sobre as queimadas, bem com servir de incentivo para que a agricultura no Acre não fosse depreciada. Em 1914, o Alto Acre saiu de circulação e no ano seguinte (11 de junho de 1915) surgiu o semanário Commercio do Acre sob a direção dos senhores Romeu e Rubens Taumaturgo, este último era Vogal eleito do Conselho Municipal, em 1921. O periódico contava com a ajuda dos seguintes colaboradores: Pe. Gondim, Dr. Antônio Meira (bacharel em Direito), Dr. Bruno Barbosa (Juiz de Direito), Major Cícero Mota, Stellio Amics e o Capitão Baxir Chaul. Todos com experiência no exercício do jornalismo. De 1915 a 1922, tempo em que circulou o Commercio do Acre, o mundo “civilizado” vivia sob a tribulação causada pela Primeira Guerra Mundial. Na Amazônia, particularmente no Acre, ocorriam outros tipos de dificuldades geradas pelo desinteresse do capital internacional na produção gumífera da Região, sob a alegação de que a borracha produzida nos seringais de cultivo na África e na Ásia representava menos custos do que a do Brasil, devido à distância e a dificuldade de acesso aos seringais nativos. Apesar disso, a cidade de Xapuri ainda vivenciava bons momentos, mesmo já havendo o esvaziamento de alguns setores políticos e econômicos. Muitos seringueiros estavam abandonando as colocações (lugar onde morava o seringueiro) em busca das margens dos rios ou tentando voltar à terra natal. De 1915 a 1918, houve melhorias na zona urbana: a cidade recebeu mais uma escola, um matadouro, a fonte de água, além de possuir o maior centro comercial da região, chegando ao total de quarenta e quatro casas comerciais. Sendo a maior delas a da firma Belchior Gallo, A Limitada, uma das mais importantes casas aviadoras da região, com frota própria, navios para a época de chuvas e lanchas para o período de estiagem, quando os rios não permitiam a passagem dos navios de grande porte. O jornal Commercio do Acre, como representante cultural dessa sociedade (que era mantida pelo comércio que mantinha também o Jornal) explora os assuntos de modo mais aprofundado, integrando-se aos problemas diários, informando, denunciando, e dando sugestões para solucionar, principalmente, os que diziam respeito à crise da economia extrativista, externa e interna. O exemplar de 03 de janeiro de 1915 demonstra a preocupação com a queda na exportação e com o extermínio dos seringais: As estatísticas de saídas da borracha dos portos brasileiros demonstram... que a nossa exportação... diminue inquietadoramente... por mais que eu procure não acho em que bases se assenta o nosso futuro.” E com as possíveis conseqüências da ação, ou melhor, da falta de ação do governo, no sentido de encontrar soluções para o problema:“...ainda esperamos de uma natureza cansada que só produz aleijões como os decretos do governo, para assim deixarmos se aniquilar a única indústria que nos sustém... Gama, Farias. Acreanadas) E já nesta época divulgava-se o que o autor do artigo chama de um projeto absurdo e fora de todas as humanas leis dos seres: “a idéia da plantação de seringueiras em campos”. E sugere: “o que se deve é estudar um meio de plantá-los nas florestas” O trecho que segue demonstra outros problemas, além da queda do preço e da procura pela borracha: Os nossos seringais mais novos, já estão com leite por tal forma aguado que a quebra é uma das calamidades latentes; pelos 50 quilos quebram 15 quilos ou mais. Os seringueiros em quem à luz da experiência haviam verificado que uma lata das que vêm com 2 Kilos de banha, cheia de leite, o mesmo defumado pesava em média 1300 gramas, hoje, segundo eles dizem, pesa 700 gr, quase 50% da quebra (Gama, Farias. Acreanadas. Pela Borracha). O autor fecha o texto profetizando sobre o futuro, diz que se não for feita alguma coisa, em dez anos haverá extinção da espécie. A crise com a borracha vai se agravando, e se alastrando para outras áreas, visto que todas dependiam da produção do látex: “... foram suprimidas as escolas por falta de verba da prefeitura... começaram chegar esta semana os vapores, nada mais trazendo, pois a demora da viagem consumiu tudo” (Xisto Chico. Bagatelas. In: Commercio do Acre, 14 de janeiro de 1917, p.2). De fato, o leito do rio Acre que banha Xapuri foi sendo aterrado ao longo dos anos.E o projeto de desobstrução dos rios, elaborado no governo de Afonso Pena, foi engavetado. Há também referência aos presídios do Departamento, como sendo um “acanhado quarto para mais de quarenta presos”; de crimes, de muitos réus e poucos advogados e das mudanças nos hábitos da população de Xapuri. O jornal, fundado sob os auspícios da Primeira Guerra Mundial, parece ter a intenção de exaltar a Alemanha e a guerra: “A Alemanha tanto por sua população, como por seus conhecimentos sólidos, é a mãe do resto da Europa... que pereçam todos os inimigos do povo Alemão...” (Guilherme II). No artigo “Pátria”, de autoria de Celso Afonso, a guerra não é de todo maléfica: “...Um dos possíveis benefícios da guerra atual tem sido o fortalecimento da idéia de pátria” (Commercio do Acre, 20 fevereiro de 1916, p.1), sentimento esse que, segundo o reitera várias vezes o jornal, não havia no Acre. Muitos são os artigos em que a falta de patriotismo é motivo para a escrita dos escritores: “Infelizmente o que se observa no Brasil é que as coisas da pátria afiguram-se estranhas aos brasileiros” (Simões, Castella, 11 de junho de1916, p.4) O descaso do governo brasileiro para com os problemas enfrentados pelo Acre, e desabafam: “A guerra é uma calamidade ... Porém de todas calamidades a única que deixa o ambiente expurgado... do desleixo moral... da incúria governamentais... é o que nós precisamos de uma longa é penosa guerra” (Gama, Farias. Acreanadas - A propósito da guerra. Commercio do Acre, 25 de junho de 1916). Nos anos seguintes surgiram outros periódicos como: o Gazeta do Acre (1917), da firma Taumaturgo & Cia, A Coisa, jornalzinho humorístico, Talisman (1919), de um grupo de senhoras. O Sporte (1921), A Ordem (1926). Boletim Oficial (1932) e Gazetilhas Xapuriense (1937). Ainda O Paladino, jornalzinho literário (1913 a 1915) e Fitas (1919). Esses jornais desapareceram, sendo encontrados somente alguns exemplares dos periódicos que surgiram depois da Segunda Guerra Mundial, como o Oeste (1949-1957), O Ipiranga (1961-1962) e O Bandeirantes (1984). Da época em que cessou a impressão do último jornal encontrado, O Commercio do Acre (1917), surgimento do Oeste, Xapuri passou por diversas mudanças que só foram benéficas para os que já tinham cargos com salários razoáveis no governo ou para aqueles que, tendo representatividade popular, assumiram postos na política local como prefeitos ou vereadores. A evolução política do Território e do Município é fruto dos empenhos por parte dos grupos defensores do poder econômico e cultural que, sentindo-se explorados pelos altos impostos cobrados pela União, iniciaram desde 1907, o Movimento Autonomista do Acre, o que provocou a reação do Governo Federal, unificando o Território em 1920, enfraquecendo, com essa medida o poder dos líderes departamentais, que naquele momento deviam se submeter às determinações do governo geral sediado em Rio Branco. As mudanças efetuadas refletiram de modo negativo nos municípios, uma vez que os investimentos das verbas destinadas ao Acre se centravam na Capital, fazendo com que houvesse maior fluxo de pessoas oriundas dos municípios em busca de melhoria de vida em Rio Branco. Por outro lado, o fim do “regime prefeitural”, que unificou o Território no governo de Epitácio Pessoa, trouxe benefícios quanto a dar ao povo acreano o direito de escolher seus representantes municipais. Nessa primeira eleição, em 1921, foram eleitos dois redatores do extinto jornal Commercio do Acre, Rubens Taumaturgo e Antônio Carneiro Meira. Os reflexos negativos da centralização do governo do Território atingiram a cidade de Xapuri. Pois, conforme se pode observar na entrevista da Irmã Serva de Maria Reparadora, Alfreda Patrini, concedida à pesquisadora do CNPq, Suzy Andréia, o quadro geral da cidade, em 1928, era de miséria. Segundo a freira, este foi o principal motivo pelo qual ela veio designada para servir no Colégio recém - fundado, Divina Providência. Irmã Alfreda disse que queria servir em um lugar onde houvesse maior necessidade e a mandaram para Xapuri, onde já se encontravam outros religiosos como o Pe. Felipe Galerani, Diretor do colégio, irmã Mercedes, Ester Bressan e a Madre Priscilliana Bellon. Esse grupo de Católicos europeus eram os promotores de eventos culturais, a partir de então, como representações de peças teatrais, manutenção de jornais de curta duração e agremiações estudantis. Além de propiciarem no colégio Divina Providência, aulas de piano, canto e balé, ministrados pela professora e maestrina, Elaís Meira Eluan. Ainda segundo o depoimento da irmã Alfreda, pelos idos de 1947 a 1949, quando a indústria gumífera da Amazônia tomava novo impulso em função da Segunda Guerra Mundial, havia muita pobreza em Xapuri, impondo às freiras, sob a direção de D. Júlio Mattiloli, então bispo da Prelazia Acre e Purus, fazer campanha de arrecadação de donativos junto aos seus familiares que ficaram na Europa. Assim, vinham roupas, remédios e alimentos, que eram distribuídos pela igreja à comunidade local. No momento em que entra no cenário local o jornal O Oeste, em 1949 – 1957, patrocinado pela prefeitura local na gestão de Minervino Bastos, o município recebeu alguns benefícios como: construção da escola Plácido de Castro e escolas rurais; instalação do Banco de Crédito da Amazônia; aquisição de máquinas e a compra do primeiro carro motorizado, bem como a construção da casa das estação de rádio, do posto policial, do campo de futebol e do posto de puericultura. Ainda o término do Mercado Municipal, construção de ramais, a fundação do Rotary Club, patrocinador do próximo jornal desse estudo, O Ipiranga. No setor de saúde, porém, segundo o jornal, a situação era precária. O único hospital da cidade, o Epaminondas Jácome, aos cuidados das irmãs servas de Maria, (irmã Priscila, irmã Bernadina) encontrava-se sem medicamentos, carecendo de reformas e com seringueiros batendo constantemente à porta. O jornal Ipiranga Acreano começou a circular em 1961 e desapareceu em 1962, ano em que o Acre foi elevado a Estado pela lei nº 4.070, através do projeto apresentado pelo então Deputado Federal José Guiomard dos Santos, do PSD, Partido Social Democrático Acreano. Segundo artigo publicado pelo jornal em 1961 por ocasião das festividades do 57° aniversário da elevação de Xapuri à cidade, a população urbana do município era composta por “2.000 almas e 13.000 por todo o Município”. Observa-se que, em termos numéricos, houve crescimento populacional, visto que em 1902, o povoado possuía apenas 150 habitantes, seis casas e vinte duas barracas. Mas, no que se referia ao padrão de vida e nível cultural, o fracasso era notório, facilmente deduzido até pelo fato de não ter produção textual representativa nas fases posteriores. Em 1984, numa coincidência que não surtiu os mesmos resultados, a Maçonaria (patrocinadora dos primeiros jornais de Xapuri), voltou a imprimir em sua gráfica outro jornal O Bandeirante, circulando de julho a outubro, e desaparecendo no mesmo ano de sua fundação. Desta vez, os números já não eram semanais, nem quinzenais, apenas circulavam uma vez por mês e eram distribuídos gratuitamente para as poucas pessoas que destinavam algum tempo para a leitura. Em entrevistas recentes realizadas pelo projeto de pesquisa Amazônia: os vários olhares, a maioria das informantes revelou não ter conhecimento da existência desses jornais, os mesmos dizem que não tinham o hábito de leitura. Também merecem consideração os anos que separam a atualidade da época em que Xapuri vivenciou seu auge econômico e cultural. Ao longo do tempo, todas as mudanças ocorridas na sociedade são refletidas na qualidade da produção textual, que foi perdendo em quantidade e qualidade, à medida que o Acre se esvaziava de intelectuais com o fim do ciclo extrativista. Pois, aquelas que vinham para trabalhar na sede dos seringais possuíam, no mínimo, o curso secundário. E aquelas que vinham a serviço do governo, quase todos, quando não eram militares eram advogados, médicos e professores. Não esquecendo a presença dos religiosos católicos que muito contribuíram para a disseminação da cultura. Quanto à segunda leva de migrantes que veio para o Acre, na década de 70, não se pode dizer que era formada por elementos que tivessem aptidões artísticas ou formação intelectual, pelo menos isto é o que se percebe pelo fato de já decorridos 27 anos desde que o governador Wanderley Dantas abriu as portas do Acre para os sulistas, estes quase não deram contribuições nesse sentido. 3 - A Prosa Jornalística De modo geral, o jornalismo visa à informação, mas no que se refere ao texto específico para jornal, este visa a informação imediata e trabalha com a pesquisa sobre a realidade numa perspectiva de consumo rápido, dando primazia aos conteúdos sem grande variedade de forma. Quanto ao texto literário, seja ele veiculado em jornais ou não, o que se observa é o privilégio dado ao efeito estético, sugerindo mais que informando. No entanto, nem a liberdade da criação na literatura, nem a restrição do texto jornalístico trabalham com as formas congeladas da comunicação comercial. Forma e linguagem diferem um texto do outro, mas a diferença maior fica por conta da linguagem, se a do jornalismo precisa ser atualizada, e objetiva, a da literatura permite arcaísmos, estrangeirismos e neologismos, que garantem maior expressividade aos valores transmitidos por ela. Nilson Lage, em A Linguagem Jornalística, define-a como sendo a conciliação entre comunicação eficiente e comunicação de aceitação social, composta de combinação de regras, possíveis no registro coloquial e aceitas no registro formal. Já a literatura na definição de Alceu Amoroso Lima é a expressão do homem e da vida. Nela, o mais interessante não é o que se diz, mas o modo como se diz. Não devendo esquecer que tanto o jornalismo quanto a literatura dispõem de restrições quando se faz necessário uma classificação dos gêneros e das espécies. Assim, nos textos de caráter puramente informativo, ou do gênero literário jornalístico, têm-se artigos, notas, lembretes, cartas, anúncios e homenagens. E nos textos de natureza literária, o conto, a crônica e a prosa poética e ainda, no gênero satírico, a anedota e a piada. Sabe-se que a função do jornalismo tem caráter predominante informativo. Nilson Lage corrobora essa afirmação quando discorre sobre a retórica do jornalismo, definindo-a como uma em que os fatores mais importantes são a elevada taxa de informação, de identificação ou de empatia que ocorrem em notícias sobre pessoas importantes, que correspondem a estereótipos sociais, ou que se articulem em torno daquelas que estejam de acordo com as aspirações coletivas. Diz ainda que o sistema de comunicação de massa montado no Ocidente, ao utilizar a identificação constrói mitos, como por exemplo, a invenção de um falso passado num universo de ficção onde não há envelhecimento, numa luta pela sobrevivência, além da escolha dos heróis que se cultuam. E esta forte identificação, segundo o autor interfere em critérios jornalísticos. Nos jornais em estudo, no diz respeito ao texto meramente comunicativo, a informação muitas vezes aparece com forte carga dessa identificação. Tem-se, por exemplo, o discurso cívico, a exaltações dos heróis, dos homens que participaram da Revolução Acreana e daqueles que se empenharam na construção do povoado e, posteriormente, da cidade de Xapuri. Do jornal O Acreano, com o texto do dia 10 de novembro de 1907, intitulado “Tratado de Petrópoles”, passando ao Correio do Acre, com o texto “23 anos da Proclamação da República”, de 24 de novembro de 1912, ao jornal Commercio do Acre, com o texto “Plácido de Castro”, de 15 de agosto de1915, até chegar ao último jornal de Xapuri, O Bandeirante (1984), com o texto “Retalhos da Vida Xapuriense”, o que se percebe é a idealização de um passado glorioso e de seus heróis quase sobre-humanos em uma cidade harmônica, regida pelos princípios da boa moral e inspirada no mais alto espírito patriótico. Destaca-se a figura do herói da Revolução Acreana, Plácido de Castro, que segundo a visão oferecida pela maioria dos jornais, não é o caudilho, o aventureiro, tampouco o dissidente do exército gaúcho, conforme disseram alguns. De modo geral, ele representa a imagem do: ... grande compatriota acreano ... tragicamente emboscado por uma quadrilha de bandidos... o mais distinto acreano, o mais insulto guerreiro... de caráter altivo e nobre... não morreu incontinente, sobreviveu três dias [que] valeram por séculos de agonias, por acerbas dores morais e físicas que pouco a pouco iam exterminando a existência (Filho, Antonio Alves. Plácido de Castro. Commercio do Acre, 15 de agosto de 1915). Nesse tipo de discurso o que é atualizado não é a informação, mas a criação e perpetuação de mitos nacionais. E é exatamente por este aspecto que a função do jornalismo é sobrepujada. Considerando que os jornais visam sempre aos anseios do público consumidor, dentro de um determinado tempo histórico, é provável que a evocação da figura de um homem de atitudes determinadas e severas como Plácido de Castro, servisse a um propósito: reacender na sociedade xapuriense o desejo de luta, de reagir com firmeza ao descaso do governo para com o Acre naquele momento de crise. No entanto, a comunicação jornalística de Xapuri não se manifesta somente nos momentos de crise. Manifestou-se também durante os tempos de “pompa” no fervor dos movimentos pela autonomia do Território. A insatisfação gerada pela falta de estruturas nas cidades e os poucos recursos enviados pela União aos Departamentos, foi o que motivou o Movimento Autonomista de 1910. Nesse e em outros movimentos, Xapuri sempre esteve à frente com a participação de seus representantes dos setores econômicos e intelectuais. A posição dos intelectuais, muitas vezes, constitui-se na verbalização dos anseios dos representantes econômicos que custeavam os jornais. O jornal O Acreano (1907), fundado pelo coronel Antônio Antunes Alencar, um dos participantes da Revolução Acreana, funciona como instrumento polarizador dos propósitos do coronel e do grupo representado por ele: o grupo dos mandantes que enriqueceram com a exploração dos seringais, e que tendo outros objetivos, além do extrativista, propiciavam a fundação de veículos capazes de disseminar e causar efeitos positivos em benefícios próprios. A criação desse jornal deu-se sob o propósito autonomista que se disfarçava em sentimento patriótico e beneficiavam os interesses políticos de determinados elementos. Fica patente que a comunicação veiculada atende à ideologia dos que estão na parte superior da pirâmide, formada na parte inferior pelos seringueiros e na parte superior, pelos donos de seringais, das casas aviadoras, enfim, pelos financiadores do sistema. Um fragmento do que deveria ser apenas uma notícia sobre o regresso do Coronel Antônio Antunes de Alencar à cidade de Xapuri, mas que se tornou um meio para promover a imagem do mesmo, exemplifica um momento em que o critério jornalístico foi interferido: ... em regresso de sua longa excursão ao sul do país o nosso distinto amigo e prestimoso Cel. Antônio Antunes de Alencar ... seus amigos aguardavam com ansiedade justa ... Foi um bravo, portou-se com heroísmo ... na gestão interina da Prefeitura desse Departamento... tendo manancial de fecundo civismo, compenetra-se dos deveres que nos assistem e nunca furtou-se às suas obrigações à Pátria. (Acreano, 31 de dezembro de 1908, p.2) A instigação ao patriotismo é marca constante, seja motivada em datas do passado como “Sete de Setembro Perante a História” (O Acre, 1907) ou “Tratado de Petrópolis” (O Acreano, 1907), “Mytologia” (Pró Acre, 1910), “Almirante Barroso” (Correio do Acre, 1911) e outros textos que se continuam, nesse sentido, nos jornais posteriores. Informações obtidas junto ao IBGE apontam os sírios como sendo o povo estrangeiro que mais influência exerceu na formação dos xapurienses, com sua língua, religião e os costumes de origem, bem como as práticas comerciais. Aspectos da vida desse povo são apreendidos nos contos e das lendas árabes, publicadas nos jornais. O “Conto Árabe”, assinado por Baxir Chaul, trata de um libanês que matou a esposa ao ouvir dela que amava um homem já falecido e queria encontrar-se com ele no além mundo. Tal confissão foi ouvida pelo marido, enquanto a mesma a jovem esposa chorava sobre o túmulo do dito homem. O marido “traído”, antes de matá-la, disse que esqueceria tudo se ela concordasse em ir com ele para sempre para uma das Repúblicas da América do Sul. Não tendo ela concordado, ele resolveu tirar-lhe a vida, numa atitude que revela machismo e sentimento de posse em relação à mulher. Fica a indagação sobre se este conto que, tendo sido publicado em um jornal de Xapuri, logo em umas das Repúblicas da América do Sul (Brasil), seja mesmo ficção, ou se o autor lançou mão da forma literária para contar um fato verídico, que trata do modo de apropriação do gênero masculino, da relação de dominação para com o gênero feminino na cultura oriental. O título do conto é sugestivo de veracidade e revela a submissão das moças aos pais nos casamentos arranjados: “Fiz calar o coração... aceitando-te como esposo para não contrariar as ordens do meu pai”. E o machismo do marido que “apontou-lhe o revólver ao peito e disparou.” (“Conto Árabe – Mas não é simbólico”. Alto Acre, 1913) Outros textos literários de temática universal aparecem com freqüência como: “Alma Geométrica” (adaptação de A Iliada de Homero), pertencente à literatura clássica. (Acreano, 15 de dezembro de 1907). E adaptações de fábulas de fundo moral (inspirado em La Fontaine), como “A Prisão de um Leão”, que fala sobre uma mucura que logrou o leão na selva, e um coatipuru que o libertou. Esta adaptação ilustra como ficam as pessoas fora do seu lugar de origem, desorientadas, pasmas pelas singularidades do ambiente em que estão resolvem voltar. (Alto Acre, 12 de outubro de 1913), e ainda textos sobre as várias lendas do sol e da lua, de acordo com cada povo (Alto Acre, 07 de dezembro de 1913). A grande preferência dos escritores/jornalistas fica por conta da prosa poética e da crônica. A primeira classificação se deve ao fato destes textos comportarem uma forte carga de lirismo e subjetividade, sem preocupação com o espaço, e sim com aspirações e as ansiedades do espírito. A comunicação que se faz através da prosa poética, ou seja, o que estes textos sugerem, é que os povoadores do Norte em geral são saudosistas. No primeiro momento, Saudosistas da terra natal, da amada e da família. No segundo momento, o da evasão e do retorno de muitos às suas origens, o saudosismo se faz em função da ausência da atividade gumífera e de tudo que ela proporcionava à população. Esse fragmento de “A Imagem”, assinado por A.S.C., representa o exemplo clássico de uma série de outros textos que foram sendo publicados desde o início da formação de Xapuri: ”É o meu coração mergulha-se no infinito com a dor da saudade, e pleno crepúsculo, soledade plena... ouvindo a rugir monótono do vento que roja-se na floresta, quando hei procurado o vulto amado de alguém” (Acreano, 16 de setembro de1908). Em “Hora da Saudade”: ”O mundo ainda tem a luz suavíssima da lua e o brilho trêmulo e meigo das estrelas que o iluminam e nós temos apenas a amarga e cruel saudade” (Correio do Acre. Fleury, 1911). O sentimento de ausência é transformado em saudade dos antepassados, nos Mais os textos dos últimos jornais escritos e impressos em Xapuri: Evocá-los me vem à memória os vultos de (cita o nome dos fundadores da cidade)... meu corpo franzino de menino vindo do Ceará... meus olhos curiosos se arregalaram expiando a flotilha do Pará e Manaus...E ainda quando os nomes das gaiolas...traziam completo carregamento e voltavam carregados, “bebendo água”, como se dizia na nossa gíria marítima... (Oeste, 1949). O carro chefe que conduz o texto literário nos jornais são as crônicas de fundo histórico, filosófico, especialmente, as humorísticas. Na definição de Hênio Tavares, a crônica é uma espécie de conto curto que capta flagrante da vida, pitoresco, atual, real ou imaginário com ampla variedade temática, num tom poético e coloquial da linguagem oral. Já o professor Massaud Moisés, em seu Dicionário de Termos Literários, refere-se à crônica como sendo uma modalidade literária sujeita ao transitório e à leveza do jornalismo. Provavelmente são por estes aspectos que o jornalismo xapuriense tenha dado-lhe preferência. Quanto ao humor ou gênero satírico e humorístico, tem sido usado em muitas sociedades, (e muito no Brasil) para ridicularizar governantes ou para denunciar abusos. Henri Bergson, em seu ensaio O riso, defende que o humor pode ter intuito moralizante, que o riso provocado pelo humor adquire função social e se torna convite para corrigir defeitos, castigando certos excessos. É interessante, analisando dessa ótica, que as crônicas humorísticas nos jornais de Xapuri, tiveram seu ponto alto em 1913, ano em que ocorreram reformas políticas, administrativas e judiciárias em todo o Território do Acre. Entretanto, estas não atenderam às expectativas locais, visto que os representantes políticos continuaram sendo nomeados pelo Governo Federal. Uma carta enviada ao jornal Alto Acre serve de indício dos problemas que surgiram com relação a esse fato: “Já passou o vento da anarquia sobre este município, turbilhou um instante por esta zona, desorientando alguns espíritos, produzindo algum efeito dissolvente...” (Alto Acre, 1913). Nesta mesma carta há referência à uma outra carta, enviada pelo senador Arthur Lemos, em que ele esclarece ao Coronel Rodrigo de Carvalho o “falso conceito” sobre a Inconstitucionalidade das Intendências nomeadas no Acre. A reação dos contrários às reformas no Acre servem de motivo para a série de crônicas intituladas “Fitas”, assinadas por K. Listo. Nelas há um misto de informação com boa dose de ironia e humorl: ... Os seringueiros do nosso Departamento estavam organizando um abaixo-assinado a fim de pedirem ao muito ilustre vogal Coronel José Soares para não por em prática a idéia de que o mesmo ilustre Coronel está possuído de representá-los perante os altos poderes do País... Parece que os seringueiros acreanos, vão queimar o “Fitão” do muito ilustre vogal. (Alto Acre, 22 de junho de 1913, p.2) E na outra série intitulada “Nossos Antigos Bons, Burros e Bravos”, de J. Brígido, o autor satiriza os coronéis do sertão, as gafes, os erros de pronúncia deles e a quase total ignorância sobre assuntos que não fossem do dia- a- dia das brenhas: Os Feitosas sempre tinham sido grandes chefes, quando aparecia um deles no Aracaty ou no Forte faziam-se acompanhar de música como só iam os potentados do tempo... Uma estada do Capitão - Mor, José Alves, No Forte, era um sucesso e uma derrama de Patacões – O dinheiro dele andava diante de tudo ... (Alto Acre, 15 de fevereiro de 1914). No último fragmento pode-se estabelecer um paralelo entre os “grandes” do sertão e os “grandes” do Acre: ricos, poderosos, esbanjadores e sem instrução. No jornal O Acre, do mesmo ano, na série de crônicas “Riscados”, de Zé do Barranco, o humor declarado é feito sobre os seringalistas viajando de primeira classe nos navios da Iloyd: “ ... reclamavam de tudo porque tudo pagavam com seu dinheiro. Supunham que isso era chic e constituía um aprova de civilidade...” (O Acre, 1913, p.2) 2.2 - Peculiaridades dos jornais A evolução do aspecto formal do jornal foi ocorrendo, em termos de mundo, gradativamente durante o século XVII e XVIII: os jornais aumentaram em tamanho em número de colunas. Após a Revolução Industrial, com a invenção da rotativa, ocorreu a padronização da lauda por causa da largura da bobina do papel. E em meados do século, XX as laudas começaram a ter cálculo gráfico, as vinhetas, fios e enfeites foram sendo eliminados, havendo maior valorização dos espaços em branco. No Brasil foi adotado o modelo saxônico que dá preferência à verticalidade da composição e às regras rígidas de divisão do espaço, além da liberdade de colocar, ou não, as manchetes no alto da página. Mas nem sempre esse modelo foi acatado por todos os jornais brasileiros. E compreensível que os jornais em estudo não estejam de acordo com o modelo surgido no mundo após a Revolução Industrial, e nem com os livros de normas de redação, os Stylebooks, lembrando que tais livros surgiram no Brasil (no sul do país) somente depois de 1950. Não chegando a serem divulgados nas regiões mais longínquas, como é o caso do Acre, o que favorece a forma singular dos jornais confeccionados em Xapuri. Os cadernos, em geral, apresentam-se em formato de tablóides. O projeto gráfico obedece a um padrão estético próprio, agrupando, conforme a necessidade, as versais, caixa-baixa, redondas e itálicas hierarquicamente, organizadas em colunas, ora no sentido vertical, ora no horizontal, com preferência pelo sentido vertical, antecipando-se ao modelo adotado no Brasil depois de 1950. Outro aspecto comum, observado nos jornais em estudo, é a ausência dos recursos gráficos utilizados pela imprensa no restante do mundo e do país, como por exemplo: fotografias, ilustrações, charges e cartoons. E considerando que o projeto gráfico guarda relação com o meio social e identifica os leitores a quem se destina, justifica-se que o mesmo se apresente irregular nos jornais de Xapuri, pelo fato desta cidade estar localizada no seio da selva, a milhares de quilômetros dos centros que dispõem de recursos tecnológicos avançados. No que diz respeito ao editorial, coluna em que é manifestada implícita, ou explicitamente a posição do jornal perante a sociedade (filosofia/ideologia), este tem sua função desempenhada na coluna preenchida pelos artigos que nem sempre a ocupam as primeiras páginas. Muitas vezes, a primazia é dada às crônicas. Por ser o artigo um texto pertinente ao jornalismo, é através dele que os editores dos jornais xapurienses interpretam e opinam sobre os fatos relacionados à comunidade local, à vida nacional e aos assuntos de interesse universal, como ciência, política, economia, educação e religião. No que se refere à linguagem, já foi dito que a linguagem do jornal objetiva a informação precisa sem circunlóquios, excessos de adjetivos ou definições vagas. Porém, os artigos, dos jornais coletados, são redigidos em estilo e linguagem que, muitas vezes, aproximam-se da que é usada pela literatura, havendo fusão da notícia com a crônica e a prosa poética. No jornal Alto Acre de 27 de julho de 1913, no texto assinado por E. Vellaz, as três espécies encontram-se entremeadas em um artigo que teria como função principal informar a morte do Major Wenceslau Salinas, que foi vítima de um equívoco: Já havia passado a hora sinistra da meia noite ... subia as águas do Acre um pequeno Batelão ... Nesse instante partiu da margem do rio um tiro... era a intimação costumeira nessas passagens... uma sentinela... ordenava que o barco encostasse... o motor tinha desobedecido a intimação da sentinela maldita... Foram disparados dois tiros, indo num projétil vitimar, o major Salinas, herói da Revolução Acreana...(Extranha Saudação) Pela maneira como a notícia foi dada parece remeter a um fato em um passado já distante, mas no mesmo jornal, em outro número, é dada a informação das medidas adotadas pela polícia para apurar a responsabilidade do crime, fato que permite inferir que o fato era ainda recente. A adjetivação também é freqüente, principalmente, quando a notícia diz respeito a pessoas ilustres. Todavia, ressalte-se que o jornalismo de Xapuri, no geral, não é sensacionalista, nem dá primazia às notícias sobre crimes nos seringais, nem sobre as brigas entre seringueiros alcoolizados que ocorriam sempre aos domingos quando eles iam ao barracão se “aviarem” e tomavam uma pinga ou “mata bicho”. Também não fala sobre fuga de moças ou de mulheres casadas entre os seringueiros com família9. O enfoque principal fica por conta dos eventos sociais como: festas, encontros no Ponto Chic, na Casa Branca, do teatro, das novenas, quermesses e procissões. Nos demais assuntos, os temas mais freqüentes ficam por conta da tristeza e da saudade dos “exilados” em Xapuri, do aportamento de vapores carregados, das lanchas naufragadas, nos períodos de estiagem, do excesso de chuvas nos meses de Janeiro à Março, com relevância para os textos que se relacionam ao ciclo da borracha. Considerações finais Os jornais de Xapuri mantinham-se em nível bastante elevado para a época e o espaço. Apresentam-se com características semelhantes às revistas periódicas, englobando assuntos variados, em seções específicas como: “Missiva”, destinado a cartas de leitores, e “Riscados”, destinado a crônicas sobre o lugar, ambas as colunas do jornal O Acre; “Nossos antigos bons, burros e bravos”, “Fitas”, seção de crônicas, e “Pela Agricultura”, destinada a artigos científicos, no jornal Alto Acre; ou ainda a seção “Acreanadas” do jornal Commercio do Acre, voltadas para questões regionais, especialmente, as que dizem respeito ao extrativismo gumífero e seus problemas. O Extrativismo é tema constante nas crônicas, nos artigos, nas notas, nos lembretes e nas cartas, abordado ora com seriedade, ora com humor. Às vezes satirizando os seringueiros, às vezes os seringalistas. Mas também falando por eles para reivindicar assuntos de seus interesses como: as dificuldades junto aos Bancos financiadores, problemas jurídicos causados por dívidas, falta de mercadoria, ou perda delas em acidentes nos rios. Até sobre seringalistas desesperados, entregando os seringais a preços baixíssimos para os credores, no fim do segundo ciclo da borracha, depois da Segunda Guerra Mundial. Outros temas como: a saudade, a sensação de estar no degredo e a falta de atenção do Governo Federal para com o Acre, ocupam os espaços principais das páginas, demonstrando a autenticidade e originalidade dessa produção textual, que consiste em material riquíssimo para outras pesquisas, por revelar dados históricos, lingüísticos e culturais de uma sociedade que se formou em função da atividade extrativista, no início do século XX no seio da selva amazônica. Nos textos de comunicação dos jornais em estudo há uma diversidade de formas como: artigos, cartas, notas e anúncios. Cada espécie preenchendo os requisitos que lhes são atribuídos: os artigos, levando ao público informações mais de interesse regional e local, com alguns poucos espaços para textos científicos; as cartas comunicando e esclarecendo alguns fatos ou episódios obscuros entre moradores da localidade; as notas e anúncios, tornando de conhecimento da sociedade a chegada e ou saída de pessoas ilustres; mais as novidades do teatro e do cinema. Enfim, o que de melhor Xapuri oferecia, desde remédios, lazer a artigos de luxo, tanto no diz respeito ao texto jornalístico de comunicação, quanto o texto literário, os jornais de Xapuri preenchem duas funções pertinentes ao jornalismo: prestar serviço a comunidade e estimular o gosto pela arte e pela literatura.