domingo, 27 de janeiro de 2008

História do Acre - versão boliviana

LA EXPLORACIÓN Y OCUPACIÓN DEL ACRE (1850-1900)

Revista de Indias, 2001, vol. LXI, núm. 223, R. I., 2001, n.º 223.
POR: CLARA LÓPEZ BELTRÁN UMSA, (La Paz, Bolivia).

Entre 1850 y 1900 hay un proceso cada vez más rápido de exploración y asentamiento en la región del Acre como consecuencia de la rápida expansión de la explotación de goma elástica, producto abundante en la zona. La magnitud del fenómeno y el abandono de esas alejadas tierras
preocupó al gobierno que vio la inminente necesidad de incorporar esos territorios al control estatal. Para ejemplificar el proceso de nacionalización del territorio, se analizará el proceso desde la perspectiva boliviana.

PALABRAS CLAVES: Bolivia, Brasil, Amazonía, exploraciones, goma elástica, frontera interna.

«Las hoyas del Madre de Dios y el Acre que antes
eran el terror de los exploradores y de los habitantes de
las montañas, hoy son vistas por los hombres de trabajo
y por los estadistas de nuestra patria, como fuentes
de riqueza y de prosperidad»

La región del Acre, históricamente ligada a la goma elástica, fue un territorio desconocido, ignorado e inexplorado hasta principios del siglo XX o poco antes. Este espacio geográfico está situado en el corazón del continente sudamericano dentro de la cuenca amazónica2; hoy es parte de los territorios nacionales de [...]

Pré-história Acreana I (O caso dos sítios geométricos)

Por Marcos Vinícius Neves Fonte: Jornal Página 20/ Coluna Miolo de Pote Muito tem se dito através da imprensa, e outros meios, acerca da presença no Acre de “sítios arqueológicos com estruturas de terra”, muitas vezes formando grandes figuras geométricas. Entre afirmações sensacionalistas e postulados insensatos estes sítios se tornaram conhecidos do grande publico como “geoglífos”. Afinal de contas o que se sabe mesmo acerca destes sítios? O que as pesquisas desenvolvidas nos últimos trinta anos já descobriram e o que ainda falta pesquisar? São essas e outras questões que começaremos a ver hoje em uma nova série de artigos. Geoglifos? Mentiras e verdades Desde o início da polêmica sobre os sítios arqueológicos acreanos me posicionei contra a utilização do termo geoglífos para designar esta original ocorrência da pré-história acreana. Mas como já me referi a esse assunto diversas vezes antes nesta mesma coluna, não vou ficar repetindo o que já disse. Apenas vou pontuar rapidamente os principais fatores que me levam a discordar firmemente dessa nomenclatura para o esclarecimento dos leitores que ainda não tiveram conhecimento das informações básicas a esse respeito. 1 – O termo “Geoglífos” foi tomado de empréstimo do espetacular conjunto de sítios arqueológicos conhecido como “as Linhas de Nazca” localizados próximo ao litoral peruano. Estas “linhas” formam grandes figuras naturalistas ou não que retratam animais, objetos ou formas geométricas diversas que nada tem em comum (nem em sua construção, nem em suas formas e nem em suas relações culturais) com os sítios do Acre. Assim, correlacionar o Acre e Nazca não traz nenhuma vantagem à compreensão da arqueologia acreana, pelo contrário provoca, isso sim, uma grande desinformação. 2 – Considerando o termo “Geoglífos” por sua etimologia teremos o seguinte significado: geo = terra, glífos = símbolos (e por derivação = escrita, grafia, sinais codificados pela cultura que os produziu). Ou seja, toda vez que chamamos estes sítios arqueológicos acreanos de Geoglífos estamos dizendo que se tratam de grandes símbolos construídos com terra para transmitirem a outros indivíduos, ou comunidades, uma mensagem que só é compreensível para aqueles que conhecem o código em questão. O problema é que no atual estágio das pesquisas científicas, não há nada que confirme ou, pelo menos, sugira que tal abordagem tenha algum sentido. Pelo contrário, as informações até aqui obtidas, de forma séria e responsável, revela que esses sítios podem ter desempenhado funções de defesa contra grupos inimigos, agrícolas ou mesmo mágico-simbólicas com um sentido totalmente distinto do acima descrito (por exemplo como proteção espiritual, entre outras possibilidades). É por fatores como esses que os arqueólogos são sempre muito cuidadosos (pelo menos aqueles que prezam mais pela correção científica do que pela auto-promoção) ao denominar ocorrências arqueológicas. E vem da pesquisa sobre os sinais pintados ou gravados em pedras e cavernas o melhor exemplo sobre essa questão. Os arqueólogos há muito abandonaram o uso do termo “Petroglífos” para denominar essas ocorrências e empregam o nome “Arte Rupestre” para designá-los. Do mesmo modo arqueólogos estrangeiros que já se dedicaram a estudar os sítios do Acre ou outras ocorrências similares os denominam como “Earthworks”. Ou seja, “trabalhos (construções, estruturas) em terra”, em uma livre tradução. Na bibliografia corrente só uma arqueóloga vem empregando o termo “geoglífos”, mas como ela possui relações com os divulgadores deste equivocado termo, coloca sob suspeita (de que seu critério não seja exatamente de caráter científico) sua opção. 3 – O único objetivo plausível para o emprego do nome “Geoglífos” nos sítios arqueológicos acreanos é o da simplificação de seu tratamento para fins de divulgação. Há que se reconhecer que é muito mais fácil chamá-los de “Geoglífos” do que de “Sítios arqueológicos com estruturas de terra”, ou mesmo “Sítios geométricos”. Entretanto como essa utilização implica numa distorção que dificulta a compreensão da pré-história acreana, traz mais prejuízos do que vantagens, sendo por isso amplamente inadequada. 4 – Com a comparação forçada entre os sítios arqueológicos acreanos e as famosas “Linhas de Nazca” não só se ganha “glamour” para a divulgação do caso acreano (devido às notórias teorias de Eric Von Daniken difundidas pelo livro “E Eram os Deuses Astronautas?”), como se tenta também alcançar a mídia internacional. Porém, com essa atitude se estabelecem, subliminarmente, outras informações que não passam de mera distorção sensacionalista. Como, por exemplo, a noção de que os sítios geométricos acreanos só podem ser observados completamente através de sobrevôo. Como se seus construtores, que habitaram no Acre a milhares de anos atrás estivessem deliberadamente construindo mensagens que deveriam ser vista por “alguém” de cima. Estas teorias fantasiosas, além de extemporâneas (foram um grande sucesso de público nos anos 70), levam a uma compreensão equivocada da nossa pré-história. Por isso, é preciso deixar muito claro que as estruturas de terra dos sítios acreanos foram feitas por povos indígenas para serem utilizadas ou observadas do próprio nível do chão e qualquer outra afirmação neste sentido não passa de especulação midiática. 5 – Finalmente, é importante considerar que o emprego do termo “Geoglífos” também tem sido utilizado como forma de divulgar a atuação de “novos descobridores” dos sítios geométricos acreanos e ao mesmo tempo obscurecer o trabalho daqueles que nos últimos trinta anos se dedicaram ao estudo desses sítios. Infelizmente, isso ainda acontece com muito mais freqüência do que deveria. Felizmente uma forte reação contra essa atitude tem obrigado aos “neo-descobridores de geoglífos” a divulgar também as pesquisas anteriormente realizadas, apesar de terem sempre sua importância minimizada. Mas de tão desagradável, esse assunto não merece maiores considerações nesta nova série de artigos, até porque já fiz esses esclarecimentos na série “Memória da Arqueologia Acreana” que publiquei aqui nesta mesma coluna, no ano passado, cujos artigos podem ser acessados através da internet. Conclusão Enfim, nada disso desqualifica as ocorrências arqueológicas do Acre como uma fonte extraordinária de informações imprescindíveis para a compreensão da Pré-história Amazônica, bem como de suas conexões com a Pré-história Andina. Mas como esta nova série de artigos será dedicada a divulgar as informações até aqui disponíveis acerca dos sítios geométricos (acompanhadas, é claro, dos créditos aos que obtiveram essas informações) e como a mídia tem massificado o termo “Geoglífos” como se este fosse um nome correto para os sítios do Acre, o que não é o caso, era necessário, mais uma vez, esclarecer os leitores da coluna “Miolo de Pote” acerca dessa questão. Até semana que vem.

A Pré-história Acreana III (O caso dos sítios geométricos ou pseudogeoglífos)

Por: Marcos Vinícius Neves
Fonte: Jornal Página 20/ Coluna Miolo de Pote
3ª Fase – Pesquisa intensiva – de 1992 a 2002; Depois da descoberta, em 1977, de diversos sítios com estruturas de terras e da publicação de diversas questões e hipóteses de pesquisa, em 1988, pelo Prof. Ondemar Dias, ficou evidente a importância desta ocorrência para a compreensão da pré-história acreana. Impunha-se então o aprofundamento das pesquisas através da realização de novos trabalhos de campo. Para tanto foram organizados diversos projetos ao longo dos dez anos que caracterizam esta fase. Projetos que tiveram caráter complementar e acumulativo uma vez que foram todos coordenados e orientados pelo Dr. Ondemar Dias. Sem detalhá-los, esclareço apenas que foram dois projetos (1992 e 1994) financiados pelo Smithsonian Institution e dois outros desenvolvidos (1996 e 1999) para elaboração de duas teses de doutorado no Departamento de Geoquímica da Universidade Federal Fluminense (para maiores informações ver “Memória da Arqueologia Acreana VIII a XII). Graças à execução destes projetos começamos a responder inúmeras questões, tais como: área de ocorrência destes sítios no estado do Acre, características culturais dos povos que os construíram, período em que viveram estes grupos pré-históricos, entre outras. Questões que veremos em detalhes nos próximos artigos desta série. Cabe ressaltar apenas que durante todo este período as pesquisas realizadas foram divulgadas normalmente pela imprensa local, como pode ser facilmente atestado através da consulta aos jornais nos anos correspondentes às pesquisas, mas sem nenhum sensacionalismo, já que uma divulgação equivocada pode causar conseqüências nefastas à preservação dos sítios arqueológicos. Além disso, começaram a ser divulgados os resultados das pesquisas desse período através das duas teses de doutorado já citadas e dos artigos “As Estruturas Arqueológicas de Terra no Estado do Acre - Amazônia Ocidental, Brasil. Um caso de resiliência?” de Ondemar Dias, que foi apresentado no Congresso de História Argentina em 2001 e “História Nativa do Acre” escrito por mim na Revista Povos do Acre – História indígena da Amazônia Ocidental da Fundação Elias Mansour em 2002. 4ª Fase – Sensacionalista – a partir de 2000; Nos anos de 1999 e 2000 a observação aérea de áreas desmatadas revelou uma nova face dos sítios arqueológicos com estruturas de terra. Suas grandes dimensões e, em muitos casos, suas formas geométricas perfeitas atiçaram a imaginação dos observadores que passaram a divulgar a ocorrência destes sítios com uma abordagem não científica e de grande apelo popular. Um tratamento bem ao gosto da mídia que logo se interessou por essa nova abordagem. Talvez possamos considerar que o marco inicial desta fase seja a matéria publicada pela revista “Isto É”, em 2000, que apesar de ter um conteúdo correto anunciava já em seu titulo de duplo sentido: “Outros Deuses Astronautas?” o que estava por vir. Assim, essa mesma matéria correlacionou os sítios acreanos com as famosas “Linhas de Nazca”, a que já nos referimos diversas vezes antes, e definiu o rumo dos acontecimentos posteriores. O extraordinário potencial demonstrado então por estes sítios para chamar a atenção da grande mídia a partir de uma abordagem sensacionalista, levou a intensa massificação das imagens e das fantasiosas teorias acerca destes sítios, que culminaram com a aplicação da mesma nomenclatura utilizada para Nazca (que nunca é demais ressaltar, não possui nada em comum com o caso acreano): “geoglífos”. Se por um lado esta nova realidade teve o mérito de difundir e popularizar o conhecimento destes sítios, por outro se mostrou extremamente perigosa por insistir na abordagem fantasiosa e sensacionalista, levando a uma grave distorção na compreensão que a sociedade acreana tem sobre o assunto. Ainda mais porque os neo-descobridores de geoglífos tentaram de todas as formas minimizar a importância das pesquisas anteriores de modo a dar maior destaque às suas próprias atividades. 5ª Fase – Novas pesquisas Todo o barulho que tem sido feito nos últimos anos sobre os “geoglífos” atraiu a atenção de diversos outros pesquisadores sobre o tema. O que é bom. Não se pode deixar de considerar muito interessante que outras equipes desenvolvam pesquisas com métodos e interpretações distintas daquelas que foram empregadas nos primeiros trinta anos de estudos sobre estes sítios arqueológicos. Até porque existe um intenso debate entre os seguidores da Dra. Betty Meggers (pioneira da arqueologia amazônica) e os seguidores da Dra. Anna Roosevelt (que tentam destruir tudo o que foi feito antes) acerca da interpretação da pré-história amazônica (para ver mais sobre o tema ver o artigo “Dos sonhos da ciência - ou, nos incluam fora dessa” de 2 de setembro de 2007 publicado nesta mesma coluna). Entretanto, também nesse campo é preciso muita atenção. É preciso discernir claramente quais os pesquisadores que estão seriamente interessados em estudar os sítios acreanos - como me parece ser o caso do Dr. Martti Parssinen da Universidade de Helsinki, que vem desenvolvendo uma série de pesquisas também na Bolívia – e quais aqueles que apenas estão interessados no que a pesquisa pode lhes render em termos de autopromoção. Além, é claro, de inconfessados interesses sobre o rico filão da arqueologia de contrato, especialmente depois que o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) anunciou uma série de grandes obras de infra-estrutura na região. Ou seja, hoje é muito fácil fazer um enorme barulho sobre esta ou aquela iniciativa econômica em andamento no Acre, pelo que pode causar de destruição de sítios arqueológicos, para depois atuar junto a estas empresas ou instituições nos trabalhos de diagnóstico e salvamento de vestígios arqueológicos, desde que muito bem remunerados, é claro. Uma ameaça indireta aos sítios e que nem sempre é percebida pelo grande publico ou pelos órgãos públicos envolvidos com a questão. Enfim, é extremamente necessário divulgar não só a existência dos extraordinários sítios geométricos acreanos, mas também a importância de sua preservação. Mas é preciso fazê-lo da forma e com a intenção correta. Ao contrário do que tem acontecido ultimamente. Por isso, nos próximos artigos desta série traremos a publico tudo o que até aqui se conhece sobre estes sítios acreanos, até porque as novas pesquisas que estão começando agora ainda vão demorar alguns anos para apresentarem resultados concretos, além da mera especulação.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

O DISCURSO FUNDADOR DO ACRE: A NARRATIVA DO EU ACREANO



“Todo ato de tomar a palavra implica a construção de uma imagem de si”
(AMOSSY, 2005).

“Se sentimos que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou uma confortadora narrativa do eu.”
(HALL, 1994).

OBS: (ensaio provisório: não corrigido, não revisado),

Comecemos esse ensaio abordando um trecho da apresentação do livro Plácido de Castro e a Construção da Ordem no Aquiri, do Profº Dr. Valdir Calixto, publicado em 2003: “A Revolução Acreana foi muito mais que uma guerra [...] foi, na verdade, um momento singular onde foram estabelecidos os signos que ainda hoje trazemos em nossa identidade mais essencial [...] antes da Revolução não havia acreanos”.


O enunciado acima nos diz muita coisa. Primeiro, fala sobre a existência de um marco fundador do Acre enquanto comunidade: a revolução acreana. Segundo, cerca de áurea esse momento, considerando-o singular. Terceiro, confirma a existência de uma identidade “essencial”. Quarto, afirma ser esse episódio inaugural capaz de projetar à posteridade “signos” identitários sem os quais, não haveria acreanos. Quinto, ao empregar os verbos no pretérito perfeito do indicativo, o sujeito do discurso mostra uma vontade de verdade.


Esse enunciado acima foi selecionado pelo fato de conseguir transmitir de modo bastante simples algumas características do discurso fundador do Acre. Mas além dessas características, podemos enumerar pelo menos mais três delas: a fomentação do culto ao passado, na medida em que exige o eterno retorno à origem semântica (comemorações, festas cívicas, etc); o estabelecimento dos arquétipos, personagens que encarnam a perfeição identitária da comunidade; instaura o patriotismo como o motivo da revolução acreana; etc.

Podemos dizer que o discurso fundador do Acre é a paisagem enunciativa responsável pela imaginação do Acre enquanto comunidade de acreanos e enquanto território pertencente ao Brasil. Nessa dissertação, não trataremos do discurso fundador que nomeou como brasileiras, o Madidi peruano, o Aquiri indígena e as “tierras non descobiertas” bolivianas. Mas unicamente do discurso fundador do Acre enquanto comunidade imaginária.


A diferença é bem sutil e pode se mostrar de difícil compreensão. Isso porque a história da anexação dessas terras ao Brasil é a mesma que constituiu os vários tipos humanos que ali viviam em acreanos. A fundação da comunidade acreana aparece no universo discursivo entremeada pela narrativa da revolução acreana, que pode ser considerado o archè do discurso fundador do Acre, enquanto território brasileiro.


Vejamos o que diz Bezerra (2005, p. 65): “A revolução acreana transforma-se no discurso fundador do Acre e a construção da identidade do Acre como território brasileiro se insere no universo da tradição inventada, tendo como simbologia de maior expressão o hino acreano”. Já Horácio Antunes (2004, p. 244) se refere à revolução acreana como “mito de origem do Estado do Acre e de seu povo”.


Esse fenômeno social funciona para a sociedade acreana como um semióforo. Para Marilena Chaui (2004, p. 12), semióforo é “um signo vindo do passado [...] é um signo trazido à frente ou empunhado para indicar algo que significa alguma coisa e cujo valor não é medido por sua materialidade e sim por sua força simbólica [...] é um objeto de celebração”. A guerra contra a Bolívia torna-se um distintivo dessa comunidade, deixa de ser tão somente um fato histórico para ser portador do paradigma identitário da comunidade.


A revolução acreana, a que foi liderada por Plácido de Castro, é considerada pela história oficial como a parteira do Acre. Da comunidade imaginada, pois teria unido todos os migrantes em torno da “questão acreana”. Da nacionalização das terras, pois teria sido a responsável pela anexação do Acre ao Brasil. Mas a “questão acreana” nunca foi um consenso entre os migrantes; e a revolução acreana pode não ter sido a responsável pelo desfecho da anexação do Acre ao Brasil.


O discurso histórico fez da revolução o exemplo constituinte da unidade do povo acreano, no entanto, é inegável que durante todo período revolucionário, de José Carvalho a Plácido de Castro, sempre houve os dissidentes - aqueles que apoiavam o governo boliviano; os opositores – aqueles que desejavam esperar a intervenção direta do governo brasileiro na questão; os indiferentes – aqueles que, mesmo sabendo da insurreição, preferiram não tomar parte dela; e os desinformados, aqueles que nem ao menos souberam que estava acontecendo uma “revolução”.


Não seria uma incoerência afirmar que a famosa “questão do Acre” careceu da participação efetiva da coletividade local. O discurso histórico é polissêmico como qualquer outro, pois a natureza opaca da linguagem trai constantemente sua vontade de verdade. A história oficial em vez de ser admirada como monumento, pode ser questionada à luz dos próprios documentos que a sustentam.


José de Carvalho, o líder da chamada “primeira insurreição acreana" (REIS, 1936, p.15) em maio de 1899, se dispôs a colher o máximo de assinaturas num Manifesto a favor da expulsão do governo boliviano da região. No entanto, apesar de todo o esforço do revolucionário, não conseguiu nem sessenta rubricas. Por que o restante do “povo” não assinou? O motivo não pode ser explicado simplesmente pelo analfabetismo.


Com Galvez não foi diferente. O Estado Independente nunca foi consenso, até porque se tratou de um projeto “partejado” (cf.: BARROS, 193, p. 39) com o apoio de alguns poucos seringalistas de expressão da região do baixo Acre. Desde os primeiros meses de seu governo, o espanhol teve que combater “energicamente todos os focos de agitação” (TOCANTINS, 2001, p.349).


Vários grupos se insurgiram: o liderado pelo coronel Neutel Maia, do seringal Empresa; o do Capitão Leite Barbosa, de Humaitá; e a da Comissão Garantidora dos Direitos Brasileiros; do Alto Acre. Além do mais, segundo Tocantins, “as pessoas de maior destaque [de Xapuri] não haviam aderido ao Estado Independente” (idem, p. 350). Isso sem dizer do Juruá, que nem se quer tomou conhecimento dos decretos expedidos por Galvez.

"De Xapuri, Galvez receberia ofício assinado por Manoel Odorico de Carvalho, auto-intitulado Prefeito de Segurança Pública pela vontade soberana do povo, comunicando que, no alto Acre, a população resolvia não aderir a essa revolução sem primeiro ouvir a decisão do governo brasileiro [...] Somava-se a este movimento dissidente do Alto Acre, um outro que, sob a denominação de Comissão Garantidora dos Direitos Brasileiros, procurava, de todas as formas, minar o governo provisório. No baixo Acre, para completar, havia, ainda, a propaganda anti-governo provisório, liderado por Neutel Maia do seringal Empresa e pelo Capitão Leite Barbosa, do seringal Humaitá, este último outrora ativo colaborador na administração Paravicini". (CALIXTO, 2003, p. 162) [grifo nosso].

A famosa Expedição dos Poetas é o exemplo clássico da desunião. Ela partiu de Manaus, em fins de 1900, com o objetivo de expulsar os bolivianos que haviam voltados após a derrocada do governo de Galvez. “As divergências sempre surgiam, a toda hora, por falta de unidade de comando” (MEIRA, 1974, p. 57).


O próprio Plácido de Castro sempre se queixou da dificuldade em arregimentar voluntários. Segundo Benjamin Azcui (1925) isso foi devido ao fato do Acre já estar pacificado. Castro disse que “todos declaravam que empenhariam o melhor da vida, mas ninguém queria ser o primeiro” (CASTRO, 2002, p.55); “os proprietários tudo prometiam, mas em verdade mostravam-se receosos” (idem, p.57).

"Al estalhar la conflagración separatista, el Acre contaba con más de treinta mil habitantes, mostrándose case la totalidad indiferente a lo que ocurría, de tal modo que los promotores de la revueta, para hacer consentir en su popularidad expedían despachos de coroneles a granel, sin que por ello lograsen el concurso de los agraciados, porque el ideal de los acreanos era el de continuar como hasta entonces, sin freno a sus desmanes ni autoridade que los gobernase, imperando entre ellos los de mayor fuerza física o institinos sanguinarios más deprazados" (AZCUI, 1925, p. 45). [grifo nosso].


"No tenían la suficiente preparación, ni combatían en defensa de un sagrado derecho, conscientes de la justicia que les asistiera; mercenarios recolectados en los antros del vicio y la miseria, trabajandores obligados por sus patrones a batirse y perder la vida pro una causa ignorada por ellos, lógicamente, debían perder la moral ante individuos patriotas que abandonaron las fruiciones del hogar por acudir en amparo de nuestra integridad territorial” (idem, p. 97) [grifo nosso].

A inconstância de seu pessoal não era negada nem pelo próprio caudilho. Depois do “assalto” à Intendência boliviana ocorrido em 6 de agosto de 1902 e proclamada no mesmo dia o Estado Independente do Acre, Plácido de Castro resolveu documentar tudo, “com esta medida, se alguém franqueasse, não pudesse recuar, visto se haver comprometido com a assinatura da ata” (CASTRO, 2002, p.58).


Não bastaram alguns dias para que acontecesse o que tanto temia, em Liberdade, dizia ele: “em minha ausência o pessoal se revoltara sob a direção de um rapaz muito moço” (idem, p.61). Em outra ocasião explicou Plácido de Castro que “a autoridade do chefe teve de ser mantida pela espada e pelo revolver” (idem, p. 60).


Plácido de Castro iniciou sua campanha com apenas 33 seringueiros-soldados (cf.: idem, p. 56), número esse que no auge da guerra não ultrapassou a casa dos 2.000 (cf.: GOYCOCHÊA, 1973, p. 118). A população “branca” da região era estimada em 15.000 habitantes, segundo Tocantins (2001, p.191); em 25.000, de acordo com os próprios “chefes da Revolução” (BRAGA, 2002, p.15. Cf.: CABRAL, 1986, p.35); e em 100.000, segundo Craveiro Costa (2005, p.219).


Se levarmos em consideração este último número, um tanto exagerado por sinal, podemos chegar à conclusão que não mais de 2% da população local verdadeiramente empunharam armas contra os bolivianos. E os que assim o fizeram, pode ser que não tinham os mesmos motivos.


A “questão acreana” era sustentada por múltiplos interesses. O governo do Amazonas queria garantir a arrecadação dos impostos. Os seringalistas queriam garantir suas propriedades privadas e a manutenção do lucro gomífero. Os profissionais liberais sonhavam em assumir importantes cargos públicos. E os seringueiros, pretendiam quitar suas dívidas e quem sabe ter saldo para voltar à terra natal ou comprar um pedaço de terra.


Falamos em interesse hegemônico de cada segmento da sociedade gomífera e não da única motivação de cada grupo. Por exemplo, o desejo de conquistar prestígio social certamente atravessou a maioria dos “revolucionários”, no entanto, não se pode afirmar que isso foi determinante.


O patriotismo não figura como determinante em nenhum dos grupos citados, apesar da historiografia oficial tê-lo como determinante em todos eles. A revolução acreana não significou a mesma coisa para os diversos segmentos sociais nela envolvidos. Como diria Paul Veyne (1982, p. 12) em relação à revolução francesa: “Waterloo não foi a mesma coisa para um soldado e um marechal”.


A função da história é fazer com que os cidadãos amem e sintam orgulho da comunidade a que pertencem. Nada melhor para alcançar esse objetivo do que organizar o passado da comunidade a partir de um evento inaugural glorioso, marcado pela unidade, patriotismo e heroísmo de seus primeiros membros.

"No fundo, o que a nova história quer mostrar é que o poder, os poderosos, os reis, as leis esconderam que nasceram no acaso e na injustiça das batalhas [...] Portanto, o papel da história será o de mostrar que as leis enganam, que os reis se mascaram, que o poder ilude e que os historiadores mentem" (FOUCAULT, 1999, p.84).

O discurso histórico inventou a revolução acreana como início de tudo. Mas o Acre é uma função do capital internacional e das reservas naturais de haveas brasilienses. “No rush da borracha, o capital estrangeiro correu para a Amazônia e foi investido de mil maneiras” (REIS, 182, p.127). Sem esses dois fatores o Acre não existiria, pois para lá não teria se dirigido o capital humano que o devassou economicamente. “A conquista da região efetuou-se por motivos econômicos” (REIS, 1982, p.17)

"A marcha para o oeste, o chamado deserto ocidental, na busca da seringueira, extrapolou os limites territoriais, implicando uma guerra não declarada entre o Brasil e a vizinha República da Bolívia, cujo resultado foi a incorporação de mais de 150 mil quilômetros quadrados de superfície ao país, área na qual, atualmente, localiza-se o Estado do Acre" (SOBRINHO, 192, p. 24).


"A ocupação do Acre não deve ser entendida como resposta à seca ou resultado do espírito aventureiro do nordestino. A análise da migração para o Acre mostra, no seu contexto econômico e político, que neste primeiro momento foi o grande capital industrial que levou o trabalho para as áreas remotas onde se encontrava a matéria-prima necessária à sua expansão" (CEDEPLAR/MG, 1979, p.39).

A revolução acreana fez parte de uma conjuntura internacional em que a busca pelo lucro foi levada ao extremo pela política imperialista dos países “centrais”. A “encarniçada” disputa levou-os a controlar as fontes de matérias-primas que suas respectivas indústrias tanto precisavam. Tais fontes geralmente se encontravam em países de tradição extrativista.


No final do século XIX, as terras que hoje representam o Acre se tornaram um dos principais alvos do capital financeiro internacional. Isso por que elas eram a maior fonte natural de látex, elemento essencial à indústria pneumática. Foi o capital quem abriu as veias amazônicas e alojou nelas o migrante brasileiro. Foi ele quem patrocinou todo o sistema de aviamento, que permitiu a integração daquelas terras ao mercado econômico mundial.


Portanto, tudo começou com causa do capital, e inerente a ele pode-se encontrar a ambição humana. A valorização econômica daquelas terras seduziu ambos os lados a lutarem pelas “migalhas” dos gigantescos lucros que fluíam da havea brasiliensis rumo à Europa e aos EUA. Como disse Cardoso (1977): “Entre o trabalho e o produto obtidos mediante relações econômicas quase escravas e o financiamento e a comercialização realizados por capitais estrangeiros, situavam-se os ganhos dos empresários nacionais” (CARDOSO, 1977, p. 25).


É na guerra que os mais mesquinhos apetites humanos são expostos à consagração da história, que tudo faz tornar justificável - a violência vira espetáculo de patriotismo e os assassinatos, cenas de heroísmo. “Todos os movimentos armados ou diplomáticos pela posse do Acre [...] foram motivados pela riqueza” (SOUZA, 2002, p. 148).


O Acre enquanto comunidade carecia de unidade. A “questão do Acre” não integrou a coletividade, pelo contrário, em muitos casos, ela a dividiu. Mas toda comunidade é imaginada como sendo composta por pessoas que de certa forma têm alguma coisa em comum. Seria o território? Não, as fronteiras só foram plenamente consolidadas em 1909. A língua? Não, ali existia de tudo: do espanhol aos dialetos indígenas. A cultura? Não, as mais diversas tradições estavam ali representadas pelos nordestinos, gaúchos, turcos, sírios, libaneses, franceses, etc.


A unidade foi uma construção póstuma, apesar de todo esforço discursivo e até coercitivo dos chefes da revolução. Não havia nada entre os membros da comunidade que os unia, a não ser a ambição pelo “outro negro”. O indivíduo não é igual a si mesmo, todos somos uma miríade “eus” situacionais, um verdadeiro “fluído” (BAUMAN, 2001).


Até hoje essa unidade é buscada, no entanto, ela continua no campo da imaginação. A imaginação só é possível a partir da linguagem e esta, é uma errância que ninguém pode confiar. “Manter os fluídos em uma forma requer muita atenção, vigilância constante e esforço perpétuo – e mesmo assim o sucesso do esforço é tudo menos inevitável” (idem, p. 15).

A origem pontuada pelo discurso também não é digna de crédito. A história poderia ter consagrado a gênese do Acre a partir da chegada de seus “descobridores” brancos ou, tempos mais tarde, pelos desbravadores nordestinos. A operação simbólica mudaria apenas de região discursiva. “O verdadeiro sentido histórico reconhece que nós vivemos sem referência ou sem coordenadas originárias, em miríades de acontecimentos perdidos” (FOUCAULT, 2001, p.29).


Dessa forma, o passado funciona como o “espelho de narciso” que ao ser posto de fronte à comunidade, reflete a imagem ideal dela, configurada nos genes de seus pais fundadores, considerados arquétipos de devoção à causa coletiva.


A elite se beneficia dessa história épica, pois constantemente busca nessa origem apoteótica o exemplo para convencer a sociedade de deixar-se conduzir como outrora. Consagra-se uma matriz aureolar para depois se filiar a ela, herdando, com isso, suas pompas.


O discurso fundador pontua o nascimento das coisas, fazendo negar as múltiplas origens dela, a descontinuidade que lhe satura e lhe faz ser outra todas as vezes que é retirada de suas condições de produção. O Acre de ontem não é o de hoje. A comunidade que se tentou forjar no início do século não pode ser considerada o berço da atual, pelo contrário, nossos ancestrais são estrangeiros para nós.


Quando o discurso que significou o Acre no início do século XX é desarraigado das condições que possibilitaram a sua produção é como se ele tivesse perdido o “fôlego” que havia lhe dado vida. Ao colocá-lo em circulação em no início do século XXI, por exemplo, ele já não é mais o mesmo, apesar do poder simbólico que lhe é atribuído.

"[...] discursos fundadores, aqueles que vão nos inventando um passado inequívoco e empurrando um futuro pela frente e que nos dão a sensação de estarmos dentro de uma história de um mundo conhecido [...] são enunciados que ecoam e reverberam efeitos de nossa história em nosso dia-a-dia, em nossa reconstrução cotidiana de nossos laços sociais, em nossa identidade histórica" (ORLANDI, 2003, p. 12).

Não podemos esquecer que o Acre, enquanto terra habitável, já havia sido inventado no nordeste, em fins do século passado, pelas campanhas publicitárias realizadas a fim arregimentar mão-de-obra para a economia gomífera.


Quando aquelas terras foram invadidas pelos migrantes, elas foram apropriadas simbolicamente ao patrimônio nacional mesmo antes da assinatura dos tratados internacionais. Ao nomearem de “Acre” aquelas terras, não há apenas operaram uma mudança de significante em relação aos vocábulos bolivianos, peruanos e indígenas.


O termo esvaziou o espaço de qualquer valoração que o outro havia atribuiu àquele local. Não se invadiu as “tierras non descobiertas” da Bolívia, nem o Aquiri indígena, muito menos o Madidi Peruano, mas se ocupou o Acre, terra destinada aos brasileiros.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

História do Acre vista pela Maçonaria

O ACRE E SUAS ORIGENS
A\G\D\G\A\D\U\ CONFEDERAÇÃO DA MAÇONARIA SIMBÓLICA DO BRASIL XII ASSEMBLÉIA GERAL Fortaleza – 16 a 22 de Julho de 1983 GRANDE LOJA DO ESTADO DO ACRE Tema: “O ACRE E SUAS ORIGENS” Expositor: Adonay Barbosa dos Santos - RIO BRANCO - ACRE
Para nós acreanos, é sempre motivo de muita alegria quando somos premiados pela feliz oportunidade, como a que ora nos é dada pela Confederação da Maçonaria Simbólica do Brasil, na sua XIII Assembléia Geral, de podermos falar sobre o nosso Estado, - o Acre hoje brasileiro pela opção de seus bravos conquistadores que, com coragem e audácia, alargaram as fronteiras de nosso solo pátrio. E, como por feliz coincidência, aqui estamos para falar-lhes sobre o Acre, na própria terra que lhe emprestou seus filhos para conquista-lo. E rendemos pois nosso mais justo preito de gratidão e reconhecimento ao bravo povo cearense. O atual Estado do Acre, a penúltima das unidades federativas incorporadas ao Brasil, é a única parcela do território nacional não incluída na área de colonização portuguesa, pois sua anexação foi efetuada já na vigência da República. “A sociedade acreana formou-se e organizou-se através de um processo de luta contra um meio, onde a borracha funcionou como elemento de atração, para o qual a seca fora o fator de expulsão do elemento nordestino nele estabelecido”. Assim sendo, a sua organização apresenta caracteres próprios, ligados as condições geográficas e econômicas e, também quanto a origem do elemento povoador, resultando daí um tipo de estruturação social distinta, assinalada em razão social da ausência de influencias diversas, comuns às demais regiões brasileiras.
O ACRE E SUAS ORIGENS A própria origem de um povo que escreveu a sua história quando tangido pela seca desoladora, buscava em outras paragens a esperança de continuar a existir, embora que para tal, tivesse que enfrentar o desconhecido, mesmo com os pés ainda sangrando das pedras. Cheiro de mar nas carnes queimadas pelo sol impiedoso, caminhava do estorricamento para o dilúvio. Da seca para o afogamento. E o historiador Craveiro Costa, autor da obra “A Conquista do Deserto Ocidental”, complementava dizendo que “eram dois desertos tremendamente antagônicos, esses donde vinha e para onde ia tão estranho viajante!” “O cearense e o Acre dois destinos ainda sem comunicação com a vinda: o primeiro a procura de uma terra, que o recebesse, o segundo a procura de um povo que o tomasse. Ambos pareciam providencialmente, preparados para encontrar-se um dia”. Era, pois a fibra nordestina que se punha em marcha em busca do desconhecido. Era na maioria originaria da terra cearense que esperava encontrar nas “tierras non descobiertas” aquilo que seu berço natal já não lhe podia dar. Era atraída pelas notícias de que uma terra sem dono, desocupada e livre estaria de braços abertos a espera de quem quisesse cultiva-la ou para sangrar as suas arvores ricas em seiva branca e recolhendo o latexouro, enriquecer e voltar à terra para cumprir as promessas feitas aos familiares e ao santo protetor. Para falar sobre as origens acreanas, teremos que retroceder muito e dizer que a conquista do então espaço desconhecido, formador das terras hoje acreanas, teve seu inicio já ao raiar do século XIX, quando seus vales ocasionalmente começaram a ser percorridos pelos homens de outras paragens ávidos de aventuras ou de interesses outros, inclusive, o comercial. E podemos estabelecer então os idos de 1850, através dos catequizadores de índios, com maior participação nos rios Purus, Acre e Juruá. E algumas controvérsias existem sobre quem chegou primeiro às terras hoje acreanas, independentes das mesmas pertencerem de direito, através de tratados, a bolivianos e peruanos. E é fazendo justiça que mencionamos o pioneirismo de João da Cunha Correia, desbravador de Juruá e Manoel Urbano da Encarnação, desbravador do Purus, percorrendo os rios do vale do Juruá e Purus. Muitas outras investidas colonizadoras prosseguiram, já não só em caráter geográfico-político, mas também em maior escala pelo povoamento e exploração da borracha, terminando o seu primeiro ciclo em 1866. E o espírito de colonização era cada vez maior, e coube ao cearense João Gabriel de Carvalho e Mello iniciar a marcha para o oeste, fazendo-se acompanhar de grande parte de seus familiares e amigos, com o objetivo maior da exploração da borracha a que chamavam a época de “ouro negro”. E aí já se formavam as grandes caravanas migratórias, tangidas pela terrível seca de 1877 em busca do “ouro extraído das arvores” – a borracha que somente – era encontrada em terras acreanas. E João Gabriel foi cognominado muita justiça, o símbolo do pioneirismo nordestino na organização do primeiro seringal no Acre, cujo registro ficou assentado em gigantesca árvore às margens do rio Acre: “ANAJÁS, 3 de março de 1878”. Admite-se assim o binômio seca-borracha, como responsáveis pelo desbravamento e ocupação de nossas terras para o atendimento da grande demanda. Dessa forma, a região do Acre tornou-se alvo maior dos imigrantes desesperados, que foram chegando em quantidades sempre maiores, que formada as bases de uma nova sociedade, que formada em função da atividade econômica extrativista, foi responsável pelo desenvolvimento e ampliação de novos limites territoriais ao País. E é do Cel. Lebre, datada de 1887 esta afirmativa “Este rio (rio acre) é um dos afluentes mais populosos do Purus, exporta hoja em goma elástica, 500.000 quilos. Em pouco tempo aumentará sua produção. A sua população é de 10.000 almas, sem incluir os aborígines, que sobem ao duplo. O seu comércio é feito por mais de 15 grandes vapores (navios de caldeiras movidas a lenha) que durante a cheia (dezembro a março), fazem a navegação do rio, levando anualmente, novos trabalhadores e mercadorias. Mais tarde, Roberto Santos dizia “a marcha povoadora”, em verdadeiras ondas humanas, dilatou-se, precipitou-se em 1899 quando os bolivianos se instalaram em Puerto Alonso, o povoamento no Rio Aquiry, ao que informa o relatório da primeira autoridade estrangeira, era realizado quase unicamente por brasileiros. Só ali, numeravam-se 80 seringais, concentrando-se a maior parte no Purus com 37 e 38 no láco. O Tratado de Ayacucho, fixando as fronteiras brasileiro-bolivianas (27.03.1867) delimitadas “desde o Bení, na sua confluência com o Madeira para o oeste, seguindo a fronteira por uma paralela tirada da sua margem esquerda na latitude 10º20”, até encontrar as nascentes do Javari,” já não era obedecido e culminou então com a nomeação de uma comissão inter-países, representando o Brasil, o General Taumaturgo de Azevedo e a Bolívia, o General José Maria Pando, que mais tarde, como Presidente da nação vizinha tivera participação ativa no processo revolucionário acreano. Era imperiosa a necessidade de se rever o Tratado, pois o seu original deixava dúvidas “sobre os limites estabelecidos, pois iam muito ao sul do paralelo de 10º20”, e que no Rio Acre, ao sul da linha ideal do Bení e Jaquirana, já existiam concedidos lotes de terra com títulos definitivos, fornecidos pelo Governo do Amazonas” e ainda porque a região tida como boliviana estava sendo trabalhada e ocupada exclusivamente por brasileiros e a revisão do Tratado objetivava assegurar aos nossos patrícios ali radicados, os direitos de nela permaneceram. A proposta de Taumaturgo de Azevedo recebeu apoio integral de organismo credenciados no assunto, como o Instituto Politécnico Brasileiro, além de pessoas ilustres como: Rui Barbosa e tantos outros, somente não conseguindo sensibilizar o Governo Brasileiro, a época o Presidente Campos Sales e ao Ministro das Relações Exteriores, Dionísio Cerqueira que, por completo desconhecimento da situação local, numa medida insensata e sem atentar para as sugestões dos controvertidos limites, autorizou a instalação de postos alfandegários bolivianos, nas áreas discutidas. E o Governo Brasileiro entregava assim de fato à Bolívia o território ao norte do paralelo 10º20”, em virtude da autorização contida no protocolo de 23 de setembro de 1898. Assim, a “Bolívia, através da missão organizada por seu ministro plenipotenciário no Brasil, assegurou oficialmente seu domínio sobre o Acre, a 3 de janeiro de 1899, fazendo cessar a ação e autoridade dos funcionários brasileiros ali representados, pelo Superintendente e pelo Juiz de Direito da Comarca da Vila amazonense de Floriano Peixoto, nomeados pelo governo daquele Estado”. O protesto destas autoridades foi veemente, porém sem nenhuma ressonância a seu favor, uma vez que o representante boliviano tinha o direito de soberania sobre o território, assegurado oficialmente pelo governo brasileiro. A despeito dessas resistências, o ministro boliviano Paravacini conseguiu impor-se de forma sensível, modificando a administração e os métodos de trabalho, bem como organizando um sistema fiscal e policial caracterizado pela força. A posição do governo brasileiro de fixar exclusivamente um critério jurídico, desprezando os aspectos sociais e econômicos, era inaceitável e atribuída a uma lastimável e evidente despreocupação dos interesses nacionais brasileiros que lá viviam e trabalhavam. E Craveiro Costa baseando-se na produção gomífera estimou em um número aproximado de 40 mil extratores (seringueiros) além de trabalhadores de outros setores, cuja mão de obra já se oferecia. O brasileiro nordestino era mais uma vez perseguido pela sorte negra. E desta vez não era mais a seca impiedosa que lhe substituía o verde dos campos pelo solo estorricado sem árvores e sem sombras e onde somente o mandacaru valente continuava lutando para não tombar. Não era mais a febre doida, o beri-beri, o impaludismo e tantos males que foram os seus recepcionistas e anfitriões quando aportaram nas “tierras non descobiertas”. Eram desta feita, os pesados tributos a eles impostos pela Bolívia o que jamais poderiam aceitar, pois entendiam que a terra acreana havia sido uma conquista sua, descobrindo-a, domesticando-a e tornando-a produtiva. “Aqueles homens que o governo do Brasil esquecia, abandonando-os às durezas do próprio destino e ao regime de jurisdição estranha, não quiseram admitir que a Bolívia viesse assim, de momento, abroquelada num simples ato ministerial, colher a imensa riqueza que não semeara e dominar a região que só eles haviam desvirginado, ignorando todo o complicado mecanismo diplomático, expondo a face do continente, tesouros inexauríveis, convictos de que aquela floresta portentosa, aquelas terras onde haviam construído os seus novos lares, aqueles rios de longos e majestosos cursos, eram prolongamento naturais da pátria, veias formidáveis por onde a nação hauria o sangue novo de uma riqueza que eles haviam fundado e garantido na sua exploração, abrindo nos barrancos paludosos milhares de sepulturas, onde tantos outros companheiros de heroísmo anônimo finalizaram a sua ânsia de prosperidade”. Muitos eram os motivos que levavam os habitantes do Acre a não aceitarem o domínio boliviano, não aceitaram as exigências alfandegárias que impunham 15% “ad valorem”, sobre a importância em geral, havendo porém gêneros que pagavam 30 e 40%. Era o encarecimento exorbitante da vida, que também, já naquela época era difícil. E tudo isso contribuía para a conspiração. Conspirava-se nos seringais e em toda a parte. Decorridos seis meses do julgo boliviano, os acreanos liderados pelo cearense, advogado e jornalista José Carvalho, entregavam ao Ministro Santivanez uma intimação para retirar-se imediatamente com suas forças do território “desbravado, habitado e hoje defendido por milhares de brasileiros” que até a invasão boliviana “viviam a sombra das leis de seu país e nela confiavam”. O Ministro boliviano, percebendo a gravidade da situação que se criara, e a impotência de seu país em resolvê-la através de sua missão ali instalada e por ele chefiada, resolveu sem reação alguma, acatar a exigência e retirar-se com seus comandados do território, buscando na Bolívia, a solução e os reforços necessários. E o Acre, voltava à jurisdição amazonense quando entra em cena a figura controvertida do espanhol Luiz Galvez Rodrigues de Arias, que em 14 de julho de 1899, no lugar denominado Empresa, proclamou o “Estado Independente do Acre”, e fez-se ditador, adotando o lema: “Pátria e Liberdade”, elaborando normas e decretos, muitos dos quais, avançados em relação ao meio ambiente a que se destinava servir, como observou Tocantins. A ação de Galvez, conforme Rancy, embora em muitos aspectos contestada, principalmente por contrariar os interesses políticos e econômicos, foi favorável ao Acre e ao Brasil na medida em que estimulou o sentimento patriótico dos brasileiros ali radicados, levando-os a lutar pela conquista efetiva de seus direitos e pela posterior anexação ao Brasil, lançando desta forma, as bases para que a posição do Governo Central passasse da indiferença ao apoio, quando do desequilíbrio de sua república e a conseqüente reinvestida dos bolivianos. Mas o Governo Federal teimava em continuar ignorando a luta que se travava no Acre e em todas as suas ações impunha a sua autoridade em favor dos bolivianos, “impondo à população do território o domínio oriundo do critério de sua interpretação ao texto dos tratados”. Mais uma vez o comportamento do governo brasileiro tinha o repúdio dos acreanos e, em março de 1900 Rodrigo de Carvalho lançou em Belém, o manifesto que transcrevemos dele o trecho que achamos mais importante: “Os revolucionários acreanos não pediram ainda um ceitil ou soldado ao Brasil para defender a integridade da Pátria. Apenas lhe rogaram e lhe rogam que se mantenha neutral, porque eles arrostando com todos os sacrifícios, saberão couraçar os seus domicílios e as suas fortunas, contra a invasão boliviano. Nada carecem os rebeldes da mãe pátria, senão justiça às suas honradas intenções”. E o manifesto acreano repercutira em todo o país e ganhava admiradores e adeptos em todos os quadrantes de nossa pátria. Esta situação de repúdio da população local à denominação boliviana agravou-se ainda mais, quando a Bolívia diante da fraqueza e da inoperância de sua ação, resolveu em 1901, arrendar o grande e rico território ao “Bolivian Sindicate”, empresa formada por capitais norte-americano e inglês com amplos poderes administrativo-econômico sobre a região, podendo, inclusive, manter exercito para assegurar a defesa de suas posições. Caríssimos irmãos, pedimos-lhes desculpas se a empolgação de que nos sentimos possuídos quando falamos sobre a história de nossa terra, possa parecer-lhes que estamos nos afastando do tema que tão gentilmente nos convidaram à discorrer nessa XIII Assembléia. Sinceramente garantimos-lhes que não. Falamos-lhes na verdade do ACRE E DE SUAS ORIGENS e é que, para faze-lo, naturalmente devemos trazer a cena os seus lances mais corajosos e emocionantes e apresentar-lhes os seus protagonistas principais e os seus heróis mais destemidos. E como já dissemos-lhes da bravura nordestina como preito de gratidão e profundo respeito aos seus naturais que nos deram a grande honra de podermos aqui estar como patrícios, permitam-nos apresentar-lhes agora outros bravos, destacando o sul, na pessoa do seu filho ilustre e valente soldado, o gaúcho José Plácido de Castro, o grande herói da Revolução Acreana que assumira o seu comando e com os conhecimentos militares anteriormente adquiridos, pois chegara até o posto de major, quando abandonara a sua terra para trabalhar no Acre como demarcador de terras. Ali o destino lhe reservara a grande missão, que soube cumprir com heroísmo e bravura. O ex-aluno da Escola Militar de Porto Alegre, com conhecimento teórico de estratégias de guerra e participação em vários movimentos, logo se faz líder do movimento armado. “E num trabalho incansável de entendimento reivindicatório, de apoio humano e material, entre líderes econômicos representados pelos seringalistas, foram estabelecidos, também, as alternativas políticas autônomas, necessárias à segura investida de conquista”. Foi através desse entendimento preliminar que se estipulou a criação de um organismo político-administrativo independente, com o fim de dirigir a região contestada e evitar ao Brasil o envolvimento militar com a Bolívia. “E como afirma Rancy, assim estabeleceu-se o Estado Independente do Acre, chefiado por uma junta revolucionária composta por proprietários locais engajados no movimento e que objetivavam apoiar, de forma integral e decidida, Plácido de Castro, diretor das operações militares”. “Com as providencias iniciais satisfeitas, foi desencadeado o movimento armado libertador do Acre, célebre na História como REVOLUÇÃO ACREANA que, liderada por Plácido de Castro, perdurou de 06 de agosto de 1902 a 24 de janeiro de 1903, sendo que todo o seu desenrolar fora marcado por dificuldades intensas e de toda ordem caracterizadas pelas imposições adversas do meio selvagem e de suas condições primitivas e hostis de transporte e comunicações que aliadas ao despreparo militar e de arsenal bélico, à carência de recursos materiais e humanos, oriundo basicamente da disponibilidade material dos seringalistas, e do recrutamento exclusivo de seringueiros voluntários, exigiu luta árdua e destemida de seus soldados para, assim assegurar, através da conquista militar, o domínio de direito do território que de fato já era brasileiro”. O quadro acreano adquiria diante do poder central brasileiro uma nova fisionomia justificada, principalmente pela necessidade de se evitarem reinvestidas militares bolivianas sobre os territórios conquistados, além de, também, afastar a concretização do perigoso contrato de arrendamento, bem como a defesa dos interesses dos brasileiros que vitoriosos, tinham o domínio efetivo sobre a região. A diplomacia brasileira representada, neste caso, pela ação sábia e eficiente do Barão do Rio Branco, então Ministro das Relações Exteriores, nomeando em 1902, deu início a uma série de entendimentos com a Bolívia, visando a oficializar o domínio efetivo e brasileiro sobre o Acre. Pelos resultados positivos alcançados nas negociações, a possessão brasileira sobre o referido Território foi sancionada pelos dois países através do Tratado de Petrópolis, firmado a 17 de novembro de 1903, assinalando, com o ato, uma nova fase na sua formação político-social. Com tais eventos, o Brasil assumia de forma integral, os novos limites territoriais do Acre-Boliviano, que modificaram oficialmente os limites geográficos da soberania nacional brasileira. E a citação que transcrevemos abaixo bem exprime a ação diplomática do Barão do Rio Branco e o heroísmo de Plácido de Castro e seus comandados na participação laboriosa e patriótica de suas ações. “Rio Branco, nume tutelar, como Deus terminus da nossa integridade nacional” no dizer lapidar de Rui Barbosa, foi ao encontro desses heróis, amparando-os numa ânsia generosa de reparação e justiça, que lhe eram devidas, com o poder incomparável de sua ampla visão política. Plácido de Castro foi combatente sem tréguas, o auxiliar principal dessa grande conquista nacional. Completam-se. A alma de um é conseqüência do outro. Deve-lhes o Brasil a incorporação do território acreano ao patrimônio nacional. Terminava a luta armada que sob o comando de Plácido de Castro, compreendeu o período de 06 de agosto de 1902 a 24 de janeiro de 1903. Epopéia marcada pelos lances inesquecíveis que bem traduzem a bravura dos que se digladiaram em defesa de suas cores e que numa demonstração de profundo respeito à vizinha república irmã, repetimos: Era o dia 25 de janeiro de 1903. Um dia apenas se passara do término da sangrenta batalha e começava então, como de praxe, a comovedora cerimônia de entrega da praça e armamento. Foi um momento tocante. Plácido de Castro nessa hora, revelou-se em toda sua grandeza de alma, traçando o mais belo e empolgante episódio da Revolução. A força boliviana vencida, formou diante dos acreanos-brasileiros vencedores. Prestadas as continências militares à Plácido de Castro, um soldado boliviano dá um passo a frente e recebe de seu comandante D. Lino Romero a ordem dolorosa para arriar a bandeira de seu país. Um grande silêncio envolvia aquela cena observada pela floresta densa testemunha ocular de todo o episódio que chegava ao fim. Havia lágrimas nos olhos dos vencidos e dos vencedores. Arriada a bandeira, D. Lino Romero desembainha a sua espada e entrega-a cabisbaixo e mudo, ao caudilho triunfante. Aquela contingência cruel de guerra, que humilhava a um povo inteiro emocionou Plácido de Castro. Sua grande alma eterneceu-se, e, com os olhos molhados de lágrimas falou: “Senhor Coronel, não fazemos a guerra senão para conquistar o que é nosso: aos vencidos abrimos os braços de amigos. Não infligiremos uma humilhação aos adversários, depois de derrotados. Não receberemos de vossas mãos as armas com que bravamente nos hostilizaram e arrancaram a vida de tantos companheiros, cuja perda choramos. Guardai a vossa espada como premio de guerra. E o Coronel vencido fita-o perturbado e passados alguns instantes pode articular uma resposta, pedindo ao Coronel vencedor que aceitasse, senão como um troféu, ao menos como lembrança de um amigo”. Obras consultadas: Sociedade Acreana: Elementos Formadores de CLEUZA MARIA DAMO RANCY A Conquista do Deserto Ocidental de CRAVEIRO COSTA Formação Histórica do Acre de LEANDRO TOCANTINS O Seringal e o Seringueiro de ARTHUR CÉSAR FERREIRA REIS Descobrimento das Terras da Região Acreana de JOSÉ MOREIRA BRANDÃO CASTELO BRANCO História Econômica da Amazônia de ROBERTO ARAÚJO DE OLIVEIRA SANTOS. O Acre de TAUMATURGO DE AZEVEDO O Cearense na Amazônia de SAMUEL BENCHIMOL

domingo, 13 de janeiro de 2008

RESUMO DE LIVRO - A identidade cultural na pós-modernidade, de Suart Hall

Por: Eduardo Carneiro

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. ed. 9°. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.


CAP. 1 – A IDENTIDADE EM QUESTÃO (p. 7).

- A globalização tem contribuído para o surgimento de novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno. Mudanças no sentimento de pertencimento.

- Tese do livro: as identidades estão passando por um processo de descentralização ou fragmentação. As identidades modernas estão entrando em colapso.

- Objetivo: analisar as conseqüências dessa fragmentação.

- Este duplo deslocamento ocasiona a crise da identidade: deslocamento do indivíduo no mundo social em que vive e deslocamento de si mesmo.

- Três concepções de identidade: ILIMINISTA: concepção individualista do sujeito; indivíduo centrado, dotado de razão, consciente de sua ação; é o centro do “eu”. SOCIOLÓGICO: o centro do “eu” passou a ser formado na relação com outras pessoas. A identidade é formada através da interação entre o eu e a sociedade.

- O eu projeta a si mesmo na identidade cultural, ao mesmo tempo em que a internaliza. O sujeito fica preso a estrutura. PÓS-MODERNO: não tem uma identidade fixa. Varia de acordo com as formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. O sujeito assume identidades de acordo com a ocasião e o momento. Não há um “eu” coerente, nossa identidade é contraditória.

- A multiplicidade de sistemas de representação possibilitou a multiplicação das identidades possíveis. “O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornado fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades... O próprio processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático” p. 12.

“A identidade torna-se uma celebração móvel: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas cultuais que nos rodeiam. É definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um eu coerente.

- Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. Se sentimos que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou uma confortadora narrativa do eu. A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia” (HALL, p. 13).

 - SOCIEDADES TRADICIONAIS: o passado é venerado e os símbolos valorizados, pois perpetuam a experiência de gerações passadas. - SOCIEDADES MODERNAS: mudanças rápidas e contínuas. “As sociedades modernas são, portanto, por definição, sociedades de mudanças constantes rápidas e permanentes” p. 14.

- MODERNIDADE: rompimento com o passado, processo sem fim de rupturas e fragmentação internas no seu próprio interior. A sociedade não é um todo unificado, uma totalidade evolutiva. Ela está em constante descentramento. Cada antagonismo é uma identidade. “Uma vez que a identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou representado, a identificação não é automática, mas pode ser ganhada ou perdida” p. 21.

- A identidade cultural moderna é formada através do pertencimento a uma cultura nacional e como os processos de mudanças. CAP. 2 – NASCIMENTO E MORTE DO SUJEITO MODERNO (p. 23).

- Como o sujeito se tornou centrado em si mesmo? Cada concepção de sujeito tem sua própria história.

- A modernidade libertou o homem das tradições que eram divinamente estabelecidas. O homem passou a ser soberano. O sujeito moderno surgiu como fruto do ceticismo.

“A idéia de que as identidades eram plenamente unificadas e coerentes e que agora se tornaram totalmente deslocadas é uma forma altamente simplista de contar a estória do sujeito moderno” p. 24.

- Concepção iluminista e sociológica (p. 31).

- FASE DA MODERNIDADE TARDIA, cinco acontecimentos: a) Pensamento marxista, b) Inconsciente de Freud, c) lingüística de Saussure, d) Filosofia de Foucault, e) Feminismo.

- O inconsciente formulado por Freud arrasou com o eu iluminista.

“A Identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento. Existe sempre algo imaginário ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, está sempre em processo, sempre sendo formada” p. 38.

“Em vez de falar da identidade como uma coisa acabada, devemos falar de identificação, e vê-la como um processo em andamento. A identidade surge não tanto da plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é preenchida a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos, por outros” p. 39.

- O significado é instável, procura por identidades. O falante nunca pode sozinho fixar o significado.

“O significado das palavras não são fixos... as palavras são multimoduladas. Elas sempre carregam ecos de outros significados que elas colocam em movimento, apesar de nossos melhores esforços para cerrar o significado... o significado é inerentemente instável: ele procura o fechamento (a identidade), mas ele é constantemente perturbado (pela diferença). Ele está constantemente escapulindo de nós” p. 40.

 - Existe uma política da identidade, surge nos anos 60. “O sujeito do iluminismo visto como tendo uma identidade fixa e estável, foi descentrado, resultando nas identidades abertas, contraditórias, inacabadas, fragmentadas, do sujeito pós-moderno”.

 CAP. 3 – AS CULTURAS NACIONAIS COMO COMUNIDADES IMAGINADAS (p. 47)

 “No mundo moderno, as culturas nacionais em que nascemos se constituem em uma das principais fontes de identidade cultural... [ingleses, franceses...] Essas identidades não estão literalmente impressas em nossos genes. Entretanto, nós efetivamente pensamos nelas como se fossem parte de nossa natureza essencial” p. 47.

“As identidades nacionais não são coisas com as quais nós nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da representação” p. 48.

“Nós só sabemos o que significa ser inglês devido ao modo como a inglesidade veio a ser representada – como um conjunto de significados – pela cultura nacional inglesa. Uma nação é uma comunidade simbólica e é isso que explica seu poder para gerar um sentimento de identidade e lealdade” p. 49.

LER. “As culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas também de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um discurso, um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos” p. 50.

“As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre a nação, sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades. Esses sentidos estão contidos nas estórias que são contadas sobre a ação, memórias que conectam seu presente com seu passado e imagens que dela são construídas” p. 51.

“COMO É CONTADA A NARRATIVA DA CULTURA NACIONAL?” p. 51.

Resp.: História, literatura, mídia e cultura popular.

- A história representa a experiência partilhada que dá sentido a nação.

“Como membros de tal comunidade imaginada, nos vemos, no olho de nossa mente, como compartilhando dessa narrativa. Ela dá significado e importância à nossa monótona existência, conectando nossas vidas cotidianas com um destino nacional que preenche a nos e continua existindo após nossa morte” p. 52.

“Há a ênfase nas origens, na continuidade, na tradição e na intemporalidade. A identidade nacional é representada como primordial... Os elementos essências do caráter nacional permanecem imutáveis, apesar de todas as vicissitudes da história” p. 53.

HOBSBAWM: “ Tradição inventada significa um conjunto de práticas... de natureza ritual ou simbólica, que buscam inculcar certos valores e normas de comportamentos através de repetição, a qual, automaticamente, implica continuidade com um passado histórico adequado” p. 54.

- O MITO FUNDACIONAL é uma forma de narrativa da cultura nacional.

- A identidade nacional é também muitas vezes simbolicamente baseada na idéia de um povo puro, original. Discurso da cultura nacional. “Esse mesmo retorno ao passado oculta uma luta para mobilizar as pessoas para que purifiquem suas fileiras, para que expulsem os outros que ameaçam sua identidade” p. 56.

- A cultura nacional é fonte de significados culturais, um foco de identificação e um sistema de representação.

“Devemos ter em mente esses três conceitos, ressonantes daquilo que constitui uma cultura nacional como uma COMUNIDADE IMAGINADA: as memórias do passado; o desejo por viver em conjunto, a perpetuação da herança” p. 58.

- Nação pode significar também uma comunidade local, um domicílio, uma condição de pertencimento.

“Não importa quão diferente seus membros possam ser em termo de classe, gênero ou raça, uma cultura nacional busca unificá-los numa identidade cultural, para representá-los todos como pertencendo à mesma e grande família nacional” p. 59.

- As culturas se unificaram por meio de um longo processo de conquista violenta. Suprimiu-se a diferença. A violência da origem da identidade é apagada.

- A nação não pode ser homogênea pois é composta por diferentes classes sociais, grupos étnicos e de gênero.

“Em vez de pensar as culturas nacionais como unificadas, deveríamos pensá-las como constituindo um dispositivo discursivo que representa a diferença como unidade ou identidade. Elas são atravessadas por profundas divisões e diferenças internas, sendo unificas apenas através do exercício de diferentes formas de poder cultural” 62.

“As identidades nacionais continuam a ser representadas como unificadas. Uma forma de unificá-la tem sido a de representá-la como a expressão da cultura subjacente de um único povo” p. 60.

- A etnia é o termo que utilizamos para nos referimos às características culturas que são compartilhadas por um povo. “A Europa Ocidental não tem qualquer nação que seja composta de apenas um único povo, uma única cultura ou etnia” p. 62.

 - Mais difícil ainda é associá-la a raça, pois esse termo “não é uma categoria biológica ou genética válida cientificamente” p. 62.

“A RAÇA é uma categoria discursiva e não uma categoria biológica” p. 63.

“Esse breve exame solapa a idéia da nação como uma identidade cultural unificada”

 CAP. 4 – GLOBALIZAÇÃO (p. 67) 

- A globalização pode ocasionar o efeito inverso, ou seja, algumas comunidades regionais estão reforçando suas identidades para resistirem ao processo de globalização.

“Todas as identidades estão localizadas no espaço e nos tempos simbólicos” p. 71.

- Os mitos de origem projetam o presente de volta ao passado, em narrativas de nação que conectam o indivíduo a eventos históricos nacionais mais amplos, mais importantes, p. 72.

GIDDENS: a modernidade separa o espaço e lugar. Os espaços são simbólicos, os lugares são reais. Por serem fixos, é nele que se desenvolve a identidade.

- NORDESTINOS: dispersos de sua terra natal, mantém o vínculo com o lugar de origem, no entanto, mas sem a ilusão do retorno ao passado.


 CAP. 5 – O GLOBAL, O LOCAL E O REOTORNO DA ETNIA (p. 77). 

CAP. 6 – FUNDAMENTALISMO DIÁSPORA E HIBRIDISMO (p. 91). 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (p. 99).

Resumo de livros - HONRA E PÁTRIA, de Lucien Febvre

FEBVRE, Lucien. Honra e Pátria.
Trad. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
- Honra e Pátria foi o tema de dois cursos ministrados pelo autor no Collége de France em 1945-47; - Honra e Pátria são as duas fontes do sentimento nacional na França; “Honra, Pátria, estes dois termos que o tempo, soldou como solda lentamente, no fundo das fossas úmidas da pré-história, tantos objetos separados que a ferrugem transformou em um só bloco” p. 26. “Aqui, ao longo de todo o livro, falaremos de Estados e Nações” p. 28. - O historiador não consegue definir essas palavras. “Porque se este rio, a linguagem, não cessa de erodir suas margens e de carregar para o fundo de seu leito os mais diversos aluviões, como pretender fixá-lo?” p. 28. - Os juristas se orgulham por definir Estado e Nação. Os sentidos mudam. “Nada do que é matéria de história escapa às exigências do tempo que tudo desloca; do meio que se modifica sem trégua; do ser humano que jamais permanece idêntico a si mesmo” p. 28. “Quando pronunciamos a palavra Pátria e esta palavra evoca em nós o objeto de uma das múltiplas formas de amor” p. 29. “O que vale para nós é a história da palavra” p. 29. “Toda língua conta com palavras, numerosas e importantes, que precisaram de décadas, senão de séculos, para carregar-se de sentido” p. 29. - A palavra pátria tem origem no latim. “Mas foi somente antes do século XVIII que este vocábulo douto alcançou sua extensão e seu sentido verdadeiro: refiro-me àquele que lhe damos ainda hoje, ao final de uma longa evolução. Foi então que ele nasceu para a História, embora tenha nascido dos séculos antes para a filologia” p. 30. “Uma palavra não tem valor para o historiador isolada das outras palavras que atrai e que a atraem ou que repele e que a repelem... cronologicamente falando, por onde começar nossa pesquisa? Quero dizer: até onde remontar em nossas investigações? Aos tempos sem história?” p. 30. OBS: Os revolucionários utilizaram o termo “pátria” para significar Brasil, País ou Nação? Do seringueiro nada sabemos. Suas idéias, seus sentimentos, suas concepções só tomamos ciência através do que o seringalista deixou escrito sobre eles. Só sabemos o discurso da elite gomífera. “A fidelidade é para com o solo ou para com o chefe de guerra?” p. 32. “César compõe uma narrativa em seu louvor” p. 33. CAP 2 – Honra ou Pátria (Aula 1945-46). - Idade Média: estudar os laços de fidelidade que ligava o vassalo ao senhor. - Durante a revolução francesa: há emigrados fiéis ao REI; há patriotas, fiéis à nação. “Napoleão que de início restabeleceu em proveito próprio os sentimentos de fidelidade que outrora eram exigidos pelo rei, mas que finalmente beneficiou-se dos sentimentos de nacionalidade ao mesmo tempo explorado(s) e encarnado(s) por ele. - A França entre os anos 1940-44 estava profundamente dividida. Esse fato foi a origem dessa aula. - Os franceses morriam na áfrica ao lado dos ingleses naquilo que sabiam ser a salvação da pátria. - As palavras chegam aos nossos ouvidos carregadas de histórias, pesadas de histórias. - Nenhuma definição é eternamente válida. “A linguagem não cessa de roer suas próprias margens” p. 53. “Pois o tempo tudo desloca, o meio tudo muda e o homem não é jamais o mesmo” p. 54. “Quando dizemos PÁTRIA, isto é, quando nos referimos a um sentimento, quando evocamos através dessa palavra o objeto de uma das múltiplas formas de amor, que participa desses sentimentos elementares que jogam um homem nos braços de uma mulher, que ligam o filho à mãe... quando dizemos NAÇÃO, isto é, quando evocamos a tomada de consciência de grupos reunidos em assembléia em um mesmo quadro,de grupos que sofrem ação incessante, a modelagem de uma vida em comum; quando dizemos NAÇÃO, isto é, quando evocamos a tomada de consciência coletiva de um passado tradicional e de um futura que se torna claro à luz do passado que é, ele mesmo, colorido pelas luzes do presente; quando dizemos ESTADO, esta armadura, esta máquina concebida, forjada tendo em vista resultado que, em parte, obtém pela força ...” p. 54. - A nacionalidade faz da pessoa, sem que ela peça, um francês. - Qual o conceito de pátria e patriotismo no Acre em fins do século XIX? - ESTADO é uma palavra do século XVI. Mas o sentido político é moderno. - NAÇÃO é uma “palavra que só adquire seu valor, seu sentido pleno e sua eficácia no século XVIII” p. 55. - PAÍS é uma palavra mais antiga, “que vai ser traduzida pelos doutos como PÁTRIA. - HONRA é uma palavra medieval que traduziu a força dos homens daquela época. - PÁTRIA “é uma palavra muito mais recente, uma palavra de formação erudita, uma palavra do século XVI que só começou a assumir seu verdadeiro sentido lentamente junto às elites; que durante muito tempo manteve seu caráter de palavra para eruditos... que assumiu um sentido mais forte, mais rico, mais amplo no século XIX, apoiando-se sobre a realidade da nação” p.56. “Essas palavras formam pares. Não se pode estudá-las apenas em si e por si mesmas... Ora, uma palavra não é o bastante para o historiador: ele precisa de palavras ligadas, seja para opor-se, seja para apoiar” p. 56. - A honra é típica das monarquias, baseadas nos privilégios, preferências, distinções e desigualdades. “Sacrifícios gratuitamente oferecidos a um ideal mais forte a que chamamos honra” p. 61. “A honra tem como raiz a imitação, o alinhamento com os membros do grupo diante do qual nos sentimos responsáveis” p. 63. “A honra é um sentimento pessoal interior? Não, a honra é o resultado de uma pressão, aceita, do grupo, da coletividade sobre uma ou várias consciências individuais” p. 65. “A honra é antes de tudo uma recusa, uma recusa a pactuar com aquilo que é feio, baixo, vulgar, interessado, não-gratuito; uma recusa a inclinar-se diante da força só porque ela é a força; diante da paz, porque é a paz; diante da felicidade, porque é a felicidade... a honra, enfim, é uma força de ação e uma força que se afirma na ação e não na especulação. A honra engaja o homem na ação... A honra não espera. A honra não hesita”. P. 66. - A honra é um “sentimento reanimado pela força do passado, pela autoridade do passado, fonte de uma força tradicional tão venerável que não pode ser discutida, cujos comandos se obedece às cegas, imediata, total e mecanicamente” p. 67. “Tal sentimento, não brota; constrói-se lentamente” p. 84. “Todos alimentamos em nós mesmos a idéia de que nada é mais forte que esses laços que unem os homens aos lugares que os viram nascer, às paragens que contemplaram quando eram jovens nos campos cultivados pela família e por eles mesmos... naquele tempo os laços que uniam o homem à terra não eram laços fortes, porque as sociedades não eram sociedades antigas e fortemente enraizadas” p.88. “Quando o senhor entra em uma batalha e, bruscamente o perigo se apresenta seu pensamento não se dirige para a terra, para o país, a pátria, terra pátria. Seu pensamento se vai pela linhagem” p. 89. “Não havia pátrias, no sentido atual, em um tempo em que não havia nações” p.94. “Não havia pátrias, no sentido atual, em um tempo em que as formações políticas, os Estados faziam-se e desfaziam-se com uma espantosa facilidade, o que dava à Europa uma aparência caleidoscópica” p. 93. “Não havia pátrias, no sentido atual, em um tempo em que os homens não tinham se fixado ao solo de maneira verdadeiramente estável, em que mitos dos recém-chegados ainda buscavam um lugar melhor, prontos para abandonar o posto a sorte que lhes destinara... um incêndio que destruísse, por exemplo, a cabana em que o trabalhador tinha guardado seus bens, o libertaria do solo fazendo dele um nômade” p. 95. “A pátria do nômade, ou melhor, aquilo que ocupa seu lugar, não é uma pátria de terra, de campos, de bosques; é uma pátria de homens, de companheiros, de camaradas. É ao bando ao qual ele se anexa, do qual se faz soldado ou bandido; é a tribo, se, sob outros céus, ele vive empurrando os rebanhos diante de si; é um grupo de homens, não é uma extensão de terreno. Eis o que explica que não são as vozes da terra, mas antes as vozes do sangue que falam a essas almas. Vozes do grupo familiar, vozes da parentela, vozes da linhagem” p. 94. “A fidelidade estabelecida pelo laço de vassalagem. A fidelidade do vassalo em relação ao senhor implanta-se naturalmente sobre o sentido da solidariedade de linguagem” p. 95. - O ritual da homenagem, ler pág. 97. “A homenagem criava um casal, o casal senhor-vassalo que somente a morte podia desfazer” p. 98. “A honra era não trair, permanecer fiel” p. 104. “A vassalagem sobrevive, bem mais que através de gestos cerimoniais já em estado de rito vazio, através de um estado de espírito muito forte, que não para de renascer das cinzas” p. 105. - A honra, sentimento desconhecido da antiguidade e criado pela cavalaria, a honra é o resumo de todas as virtudes cavaleirescas (cf.p.107). - A fidelidade da vassalagem é o devotamento cego, a obediência incondicional ao chefe. “No século XII, o verdadeiro sentimento referencial, o sentimento que tem poder o espírito dos homens é sempre o sentimento de fidelidade” p. 115. “Eis que chegamos ao século XVIII. E a idéia de honra vai entrar em colisão com outras idéias, que nada tem a ver com ela, mas que disputam com ela as consciências. É preciso apresentar brevemente estas idéias. Quais são elas: a idéia de PÁTRIA, a idéia de NAÇÃO, estreitamente ligadas desde o início” p. 150. “A palavra pátria não é muito antiga. É uma palavra do século XVI. É falso que trata-se de uma palavra do século XV” p. 150. “Portanto: pátria aparece pela primeira vez entre 1540 e 1550, através do italiano PATRIA. Torna-se de uso corrente a partir de 1550. - O humanismo restaura o patriotismo antigo para aplicá-lo à França. Houve patriotismo na Grécia? “É preciso ver com clareza que o PATRIOTISMO do século XVI resta profundamente e antes de tudo um patriotismo camponês local” p.151. - A pátria que invocam é a pequena pátria. “É que Pátria, a palavra tem ressonâncias carnais e sentimentais profundas. Ela evoca a terra, os mortos; a terra, esse grande ossuário dos mortos” p. 152. “Terra pátria: terra dos ancestrais, a terra que os nutriu antes de nutrir aos vivos” p. 152. “Parece que o desenvolvimento da idéia de Pátria sofreu uma parada no século XVII. Não que a palavra tenha desaparecido... Ela esvazia-se de sentido concreto” p.154. “A nação é uma realidade psicológica” p. 155. “Ela (a nação) representa a transferência para uma comunidade mais vasta, dotada de um território próprio, o território nacional, de simpatias estreitas que funcionam livremente no interior dos grupos elementares. Ela cria uma mentalidade entre seus aderentes, uma consciência nacional” p. 156. “Não existe consciência estatal. Existe uma consciência patriótica, uma consciência nacional que é feita em parte de história, em parte de ideal” p. 156. “A nação é a tomada de consciência de uma história que age perpetuamente sobre um ideal, de um ideal que age perpetuamente sobre a história. A história vivida em comum determina a tomada de consciência. E esta tomada de consciência marca a representação da história, o sentido da história, o curso mesmo da história” p. 156. - O autor fala da noção de pátria da França. O autor nas página 158-159 tenta explicar porque o termo PÁTRIA desapareceu no séc. XVII. - Não há pátria no despotismo. Pois não se servia à França, mais ao Rei Sol. - No dicionário de filosófica, a definição do vocábulo PÁTRIA, escrita por Voltaire, diz: “Um pátria é um composto de várias famílias e como, de ordinário, apoiamos nossa família por amor-próprio, quando não temos nenhum interesse em contrário, apoiamos pelo mesmo amor-próprio nossa cidade ou nosso povoado a que chamamos pátria” p. 163. - Século XVIII, somente aquele que tem um pedaço de terra tem uma pátria. O estado de Voltaire é uma coletividade de proprietários. “Não são nem os homens nem as paredes que fazem a pátria; são as leis, os hábitos, os costumes, o governo, a constituição, a maneira de ser que resulta de tudo isso” Rousseau, apud, p. 165. - O que faz a pátria é a república. “O que é a pátria sem o país onde se é cidadão e membro do soberano?” Robespierra, apud, p. 165. - Na França, a palavra nação ganhou forma no século XVIII. - Honra e pátria são as duas fontes do sentimento nacional na França em 1945. “Essas duas palavras entraram casadas em fórmula única” p. 169. - Foi no século XVIII que o sentimento nacional e o sentimento patriótico se firmam. “A nação torna-se uma realidade familiar para seus membros em meados do século XVIII... mas é no curso da segunda metade do século XVIII que o epíteto nacional instala-se por toda parte, para continuar a triunfar sob a revolução” p.172. “Assim, a Pátria é uma noção do século XVI. O que não quer dizer que o sentimento da pátria é desconhecido dos homens do século XV” p. 183. - Na idade média a unidade era feita pela religião cristã. O século XVI representou o despertar das nacionalidades. - O século XVI foi o quando o francês se firmou como língua escrita. No entanto, O SENTIMENTO PROVINCIAL persistia. PÁTRIA: a) aspecto carnal e afetivo: ligação com o solo, os ancestrais. “terra pátria, terra dos pais, dos ancestrais, do povo; terra dos mortos; terra também dos vivos que nascem dos mortos, terra que nutre o solo dos mortos” p. 227. b) intermediário entre família e humanidade: pátria transporta força e calor das afeições familiares ao domínio do social público, transfere a afeição familiar a todos os homens de um mesmo país. “pátria fixa e enraíza as famílias como as famílias enraízam os indivíduos” p. 228. - A nação unifica as escolas, igrejas, famílias, ofícios, corpos do Estado e os subordina à tarefa comum. “Donde o sentimento de pertencer a uma coletividade, e nasce a solidariedade” p. 229. “A nação realiza a extensão das simpatias que constituem o cimento dos grupos a uma comunidade não apenas mais vasta, mas concebida como dotada de um território próprio, de um território natural” p. 229. “A nação harmoniza as tendências divergentes dos grupos. Ela une com um laço único as ligações sociais múltiplas que reúnem, em seu próprio interior, os membros dos grupos” p. 229. - Pertencemos a uma nação pelo nascimento. - A nação “é uma realidade psicológica profunda. E que modela rigorosamente todos os indivíduos” p. 230. - Nação é um querer viver comum. NAÇÃO é vontade de criar em comum um certo futuro. É um ideal a realizar. - A nação é anterior ao estado. As revoluções nacionais geralmente são feitas contra o Estado.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

O TRATADO DE PETRÓPOLIS E A QUESTÃO DO ACRE - Baixar

http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/495/4/R166-08.pdf

ESTUDOS GEOGRÁFICOS DO TERRITÓRIO DO ACRE - Baixar/DOWNLOADS

O ACRE E A VIDA DRAMÁTICA DE EUCLIDES DA CUNHA - Baixar/DOWNLOADS

O TRATADO DE PETRÓPOLIS E O CONGRESSO NACIONAL - Baixar/DOWNLOADS

A CONQUISTA DO DESERTO OCIDENTAL (CRAVEIRO) - Baixar/DOWNLOADS

O BARÃO DE RIO BRANCO E AS FRONTEIRAS DO BRASIL - Baixar/DOWNLOADS

Um paraíso perdido (Euclides da Cunha) - BAIXAR/DOWNLOADS

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

A EPOPÉIA DO ACRE

Por: Roberto Gama e Filho Relembrando o passado Na manhã do dia 3 de fevereiro de 1878 o "gaiola" ANAJÁS, pertencente à "Companhia de Navegação do Amazonas", cruzou a foz e atracou no barranco do rio Aquiri, assim chamado pelos "Apurinãs", habitantes primitivos daquela região. O sítio, hoje denominado Boca do Acre, dista 2.422 milhas marítimas do porto de Belém, local de início da longa singradura fluvial. A distância em relação até Manaus, capital do estado do Amazonas, é de 1.497 milhas, sendo de 1.380 milhas o caminho percorrido desde a foz do rio Purus. Embarcado no "ANAJÁS", como afretador do navio, estava o bem sucedido seringalista João Gabriel de Carvalho e Melo, natural de Uruburetama, estado do Ceará, acompanhado de vários familiares, recentemente recrutados pelo parente próspero, e muitos trabalhadores, também cearenses, contratados pelo mesmo João Gabriel, para a extração do látex das seringueiras existentes na nova "colocação", selecionada desde 1874, por este cearense que pioneiramente se estabeleceu no importante afluente do Purus. No ano de 1857, João Gabriel, recém-chegado ao Purus, selecionara uma área vizinha a alguns lagos, em cujas margens viviam os "Jamamadís", que batizaram o local com o nome de "Tauariá" (409 milhas, rio acima, da foz do Purus). Durante anos a fio João Gabriel explorou os seringais nativos de Tauariá e prosperou muito, principalmente devido ao fato de lá permanecer ininterruptamente, sem "baixar" a Belém no "inverno". Nesse meio tempo teve como vizinhos o célebre Manoel Urbano da Encarnação, que antes de 1865 já havia subido por quatro vezes o Purus, em viagens de exploração, e o não menos famoso Antônio Labre, o primeiro a atravessar os "Campos Gerais do Puciarí", entre o Madeira e o Purus, para depois se fixar no trecho vizinho à boca do Ituxí, onde hoje se situa a cidade de Lábrea (786 milhas da foz do Purus). Agora, percebendo a fertilidade das terras a montante de "Tauariá", João Gabriel decidira mudar de pouso e, para tanto, já avisara à firma aviadora do Visconde de Santo Elias, para alterar o destino das suas mercadorias, antes despachadas para "Tauariá", agora para a nova exploração do Aquiri. Com a determinação para alterar o destino das suas cargas, João Gabriel de Carvalho e Melo foi o responsável, involuntário, pelo "batismo" das novas terras, situadas a sudoeste do estado do Amazonas, com o nome de "Acre". Os portugueses da firma aviadora, devido ao sotaque peculiar dos lusitanos, transformaram, por síncope, Aquiri em Acre. Vinte e quatro anos decorridos, no fim do primeiro semestre de 1902, chegou aos seringais do Acre a notícia de que a Bolívia arrendara para uma empresa estrangeira, companhia de carta do tipo usado para a "colonização da África", aqui denominada "Bolivian Syndicate", todas as terras que figuravam nos seus mapas antigos como "tierras non descubiertas". No seringal de João Galdino de Assis Marinho, aonde vinha demarcando as posses, o fato novo chegou aos ouvidos de José Plácido de Castro, que registrou no seu diário o seguinte comentário: "Veio-me à mente a idéia de que a pátria brasileira se ia desmembrar, pois a meu ver, aquilo não era mais do que um caminho que os Estados Unidos abriam para futuros planos, forçando desde então a lhes franquear a navegação dos nossos rios, inclusive o Acre. Qualquer resistência por parte do Brasil ensejaria aos poderosos Estados Unidos o emprego da força e a nossa desgraça em breve estaria consumada. Guardei apressadamente a bússola de Casella, de que me estava servindo, abandonei as balisas e demais utensílios e saí no mesmo dia (23 de junho de 1902) para as margens do Acre". Imediatamente, dirigiram-se José Galdino de Assis Marinho e Plácido de Castro para "Bom Destino", seringal explorado por Joaquim Vitor da Silva, situado a 94 milhas a montante da Boca do Acre, já nos limites do atual estado do Acre. Joaquim Vitor da Silva, personagem esquecido pela História, foi, nada mais nada menos, o líder civil de um movimento, já em curso, que contestava a soberania boliviana sobre as terras ocupadas pelos brasileiros, na sua maioria cearenses retirantes da grande seca de 1877-1879. Aquele momento histórico, chegada de Plácido de Castro a "Bom Destino", marcou o encontro do chefe civil com o futuro chefe militar da bem sucedida "Revolução Acreana!". Origens Históricas. A questão acreana remontou ao "Tratado de Madrid", firmado em 13 de janeiro de 1750, quando portugueses e espanhóis acertaram algumas linhas gerais de procedimento para delimitar os limites das suas possessões na América do Sul, sendo de grande relevância a preferência que concederiam aos limites naturais. No texto do Tratado, contudo, foi combinado o lançamento de duas grandes retas para definir, de uma maneira geral, os limites na região amazônica: a primeira, ligando a foz do rio Jaurú à confluência dos rios Guaporé e Mamoré, a segunda da junção dos dois caudais até as nascentes do Javari, por cujas águas devia continuar a mesma fronteira até o Japurá e outros rios, de modo que todas as comunicações fluviais e lacustres do Amazonas com o Negro fossem asseguradas a Portugal. A simples leitura desses acertos retrata o desconhecimento da região, na época em que os dois países com eles concordaram. Em 1º de outubro de 1777, deu-se a assinatura de outro tratado entre Portugal e Espanha, o de "Santo Ildefonso", que muito bem justificou a disputa fronteiriça, ainda acirrada, entre os Estados do Brasil e da Bolívia. A fronteira, descreveu o Tratado, seria delimitada "pelos rios Guaporé e Mamoré até o ponto médio do Madeira e daí por uma linha leste-oeste, até encontrar a margem oriental do Javari". Já naquela ocasião, o conhecimento da região era bem maior do que na época do Tratado de Madrid. O rio Madeira fora explorado, com certo detalhe, por Francisco de Mello Palheta, em 1723. Nove anos depois, em 1742, Félix da Gama completou a extraordinária viagem do Mato Grosso até Belém, pesquisando os rios Mamoré, Guaporé e Madeira. Apesar dos dados recolhidos nessas expedições, e outras mais de menor relevância, persistia a mais completa ignorância sobre o espaço físico entre o Madeira e o Javari. Como o próprio texto do ajuste diplomático de "Santo Ildefonso" declarava a provisoriedade do traçado proposto, tanto portugueses, quanto espanhóis, trataram de torná-lo efetivo. Para tanto, os demarcadores espanhóis chegaram mesmo a fazer concessões aos portugueses, propondo o recuo do dito ponto médio do Madeira para a origem do mesmo rio, isto é, na confluência do Mamoré e do Beni. Todavia, os portugueses recusaram a proposta, por saberem de antemão que a linha geodésica lançada na direção leste-oeste jamais atingiria as nascentes do Javari. Depois de um arrefecimento das disputas fronteiriças, a Bolívia voltou à carga, em plena Guerra do Paraguai, insistindo no cumprimento das normas do Tratado de "Santo Ildefonso". Embora na defensiva, devido à delicadeza do momento, o governo brasileiro procurou conduzir as negociações com cautela, assinando em 27 de março de 1867, três meses antes da tomada da Fortaleza de Humaitá, pelo então Marquês de Caxias, o "Acordo de Ayacucho" que definiu a fronteira da seguinte maneira: "da foz do Beni para oeste, por uma reta tirada da margem esquerda, na latitude de 10º 20´ S, até encontrar as nascentes do rio Javari; se este tivesse as suas nascentes ao norte daquela linha leste-oeste, seguirá a fronteira deste mesmo ponto por uma reta a buscar a nascente principal do mesmo rio". Essa linha demarcatória, na realidade, soou como uma derrota para o Brasil, pois na mesma ocasião, aproveitando a frágil posição brasileira, o Peru também insistira na fixação dos seus limites com o Brasil e a comissão demarcadora fixou a posição da nascente do Javari no ponto determinado pelas coordenadas de 7º 01´ 17´´ S e 074º 08´27,7´´ W, considerando como manancial principal do Javari o rio Jaquirana e abandonando, a priori, os dois outros afluentes, Galvez e Paissandu. À vista desse precedente, o General José Pando, então chefe do lado boliviano da comissão mista instituída para a demarcação, insistiu para que fosse adotada a mesma posição geográfica acertada com o Peru, para a nascente do Javari. Contra essa proposta, aceita preliminarmente pela diplomacia brasileira, insurgiu-se o General Taumaturgo de Azevedo, por considerar que a aceitação dos termos bolivianos sancionaria oficialmente erros geográficos que subtrairiam parte do território nacional. Baseava-se a argumentação do General Taumaturgo tanto no fato de não ter sido devidamente determinada a nascente do Javari, como também pela imprecisão constatada na posição do marco do Madeira, cuja latitude correta era 10º 21´13,63´´ S. O competente General Taumaturgo, pois, zelava pela integridade territorial da pátria. O Ministro Carlos de Carvalho, das Relações Exteriores, admitiu a argumentação e propôs a sua aceitação à Bolívia. Com a recusa do governo boliviano, então, conformou-se com a situação! Se, por acaso, prosseguissem as demarcações, mediante o lançamento da linha geodésica que uniria a boca do Beni ao ponto determinado como nascente do Javari, essa delimitação, bem inclinada para o norte, transferiria para a Bolívia as terras mais nobres da Amazônia, eis que os solos da região ao sul do estado do Amazonas e os do estado do Acre são do tipo cambissolo eutrófico, de grande fertilidade natural. Daí a razão pela qual os seringais nativos da área produziam muito mais do que aqueles encontrados em outras paragens. Carlos de Carvalho foi substituído por Dionísio de Cerqueira que, embora provocando a saída do General Taumaturgo de Azevedo da Comissão Demarcadora, foi pressionado pelos elementos mais representativos do país, inclusive por membros proeminentes do Congresso Nacional, para adotar as ações por ele recomendadas. Em 25 de abril de 1898, o Ministério das Relações Exteriores expediu nota ao governo boliviano que decidira suspender os trabalhos em curso, provada como ficou a necessidade de retificação da nascente principal do Javari. Brecadas, pelo patriotismo do General Taumaturgo de Azevedo, as pretensões bolivianas, partiu o governo do país vizinho para outro tipo de ofensiva: pleiteou a instalação de repartições fiscais no Acre, em regiões sobre as quais alegava estarem definidos os seus direitos, não obstante a suspensão dos trabalhos de demarcação. Demonstrando posição vacilante, principalmente por desconhecer o que se passava na região em disputa, o Chanceler Dionísio Cerqueira concordou, em 23 de outubro de 1898, com a instalação de um posto alfandegário boliviano no rio Acre. Enquanto se desenrolavam tais episódios na área diplomática, a Bolívia, sorrateiramente, despachou para Londres o diplomata Felix Aramayo para tratar do arrendamento da área em disputa para uma "companhia de carta", com amplos poderes para explorar esses territórios, inclusive o de armar um Exército e uma Marinha! O contrato de arrendamento foi assinado em 11 de junho de 1901, data de criação do "Bolivian Syndicate", que começaria suas atividades com o capital de 5 milhões de dólares, incluindo entre os seus acionistas a "United States Rubber Company". O Congresso da Bolívia aprovou o contrato de arrendamento no dia 21 de dezembro de 1901. Ignorados pelo Governo do seu próprio país, entretanto, os acreanos já haviam iniciado a sua guerra particular! A OCUPAÇÃO DO SUDOESTE DA AMAZÔNIA. Uma observação de suma importância deve preceder qualquer relato sobre a ocupação do sudoeste da Amazônia: os bolivianos, que denominavam a região como "tierras non descubiertas", só apareceram no sudoeste da Amazônia a partir de 1899, depois da infeliz decisão do Chanceler Dionísio Cerqueira, Ministro das Relações Exteriores do Brasil, permitindo que a Bolívia instalasse repartições alfandegárias no rio Acre. Escolheram eles, para iniciar a ocupação da região, o lugar hoje conhecido como Porto Acre, 85 milhas a montante da boca do rio Acre e 11 milhas a montante de Bom Destino, sede do seringal de Joaquim Vitor da Silva. Imediatamente, o lugar, localizado a umas 5 milhas da atual divisa entre o Acre e o Amazonas, foi batizado como "Puerto Alonso", referência ao Presidente da Bolívia, Don Severo Alonso. Embora despontando como pólo das atividades da Amazônia Ocidental, em 1879 Manaus ainda não atingira a ordem dos cinco mil habitantes. Entretanto, já em 1871 a riqueza vegetal das margens do Purus havia atraído para a bacia mais de 2.000 seringueiros. Fenômeno idêntico repetia-se na bacia do Juruá. Com a ocorrência de uma seca anormal no Ceará, ao longo dos anos de 1877, 1878 e 1879, o interior do Amazonas foi invadido pelos flagelados. Logo no ano de 1877, há registros da chegada de cerca de 15.000 cearenses à Amazônia, grande parte deles orientados para as bacias do Purus e do Juruá. No ano de 1878, a corrente emigratória superou a casa dos 50.000, mantendo-se constante nos anos seguintes, de modo tal que ainda em 1900 contou-se mais de 40.000 retirantes da seca recém-chegados à Amazônia.. O fluxo migratório, quase todo dirigido para o Amazonas povoou a região, principalmente aquelas áreas de solos férteis do sudoeste do estado. Embora não se tenha tido o cuidado de executar um recenseamento da população que vivia nos limites atuais de Acre, era fato sobejamente conhecido através das estatísticas oficiais do Amazonas, que de lá eram despachadas, no final do século, mais de 12 toneladas de borracha por safra, produção que sugere uma população de seringueiros, no mínimo, igual a 40.000, uma vez que a produção média "per capita" girava em torno de 300 quilogramas. Como nos seringais não viviam apenas os homens engajados na extração do "látex", mas ainda os seus familiares e pessoas engajadas em outros afazeres, pode-se muito bem estimar em 80.000 pessoas a população do Acre na época da instalação do posto alfandegário boliviano em "Puerto Alonso". Embora as autoridades do governo federal não se tenham apercebido da real situação das terras em disputa, ocupadas e exploradas por brasileiros, tudo indica que os bolivianos avaliaram bem o valor daquelas "tierras non descubiertas" e tomaram as devidas precauções para não perdê-las. Até aquela época, as mudas da "Hevea brasiliensis", selecionadas cuidadosamente pelo botânico inglês Richard Spruce, nos cinco anos que passou na Amazônia, e depois remetidas às escondidas para o "Jardim Botânico de Kew" da Inglaterra, no ano de 1876, por outro botânico inglês de nome Henry Wickman, ainda não tinham sido plantadas no sudeste da Ásia. Por esse motivo, a borracha proporcionou rendas excepcionais à Amazônia brasileira durante quatro décadas, de 1881 a 1920, tendo sido exportadas no período cerca de 1 milhão de toneladas de "pelas", em troca de uma receita superior a 300 milhões de libras esterlinas. Pois bem, mais de dois terços da produção de borracha da Amazônia, era proveniente das áreas de terras férteis do sudoeste da região, principalmente dos seringais acreanos. Então, a preocupação dos bolivianos não era infundada! Infundada, sim, era a despreocupação do governo federal, habitualmente desatento em relação à maior região natural do Brasil. O MANIFESTO ACREANO Os bolivianos chegaram a "Puerto Alonso", sob o comando de Don Jose Paravincini, Plenipotenciário da Bolívia no Rio de Janeiro, impondo logo uma série de tributos aos moradores do Acre: "imposto de importação de mercadorias", o imposto chamado de "capitação", e, um outro, incidente sobre a exportação de borracha. Instituídas as primeiras medidas de afirmação da nova soberania, retirou-se Paravincini para o Rio de Janeiro, deixando no seu lugar Don Moises Santivanez. Enquanto isso, a casa sede do seringal de Joaquim Vitor da Silva era palco de constantes reuniões, nas quais se discutia , não só, as medidas a adotar contra a invasão boliviana, mas, também, o procedimento em relação ao governo brasileiro, que vinha acolhendo as pretensões dos vizinhos. A primeira ação planejada pelo grupo ocorreu em 1º de maio de 1899, quando os conspiradores escalaram o advogado José Carvalho para comparecer perante o delegado da Bolívia, a fim de intimá-lo verbalmente a se retirar do território brasileiro. O teste funcionou, pois Don Moises Santivanez aceitou pacificamente a intimação, pedindo apenas que fosse ela feita por escrito. Foi atendido sem demora, sendo-lhe entregue um documento subscrito por todos os que acompanhavam o advogado, inclusive o seringalista Joaquim Vitor da Silva. Esse documento histórico, que marca o início da reação dos brasileiros radicados no Acre, terminava com a seguinte frase: "Estais intimado a retirardes o vosso governo desse território, o mais breve possível, porque esta é a vontade soberana e geral do povo deste município e de todo o povo brasileiro". Após a entrega da intimação escrita foi arriada a bandeira boliviana, do prédio da Alfândega, e, em seguida, os agentes da Bolívia de lá se retiraram, sem qualquer incidente. Evidente que, tanto os insurretos quanto a população acreana, passaram a aguardar o revide da Bolívia. Foi nessa ocasião, de nervosa expectativa, que apareceu no Acre o espanhol Luiz Galvez Rodrigues Arias acompanhado de vinte e quatro subalternos, todos a serviço do governador José Ramalho, do estado do Amazonas. No dia 14 de julho de 1889, na sede do seringal "Empresa", um pouco acima de "Puerto Alonso", Galvez proclamou o "Estado Independente do Acre", assumindo a chefia do governo. A aventura ousada de Galvez, todavia, durou pouco, pois o governo brasileiro, atendendo reclamação dos bolivianos, despachou um contingente do Exército para o Acre, para prendê-lo e conduzí-lo de volta a Manaus. Frustrada essa proclamação da independência do Acre, não se lhe pode negar a utilidade, seja para a divulgação nacional da questão acreana, seja pela nova dimensão política que conferiu à luta dos acreanos. Mais adiante, como será visto, foi o caminho trilhado para justificação jurídica da luta armada contra os bolivianos. Em seguida a este episódio, os acreanos, tendo sempre na vanguarda o seringalista Joaquim Vitor da Silva, prepararam um manifesto, lido em março de 1900, em Belém, por Rodrigo de Carvalho, funcionário do estado do Amazonas e um dos mais prestigiados lideres do movimento. O auditório repleto da "Associação Comercial", onde foi lido o "Manifesto Acreano", garantiu a divulgação por todo o território nacional do seu teor, do qual se reproduz a seguir, um trecho muito importante: "Os rebeldes acreanos, ao enfrentarem os prós e contras do seu patriótico movimento, conheciam minudentemente os convênios realizados e os fatos pretéritos e contemporâneos do Brasil colonial e do Brasil império. O seu patriotismo não podia admitir, portanto, que o Brasil republicano abandonasse sem-cerimoniosamente a área mais produtiva da federação no atual momento. Preferiram os revolucionários acreditar que o governo federal desconhece a questão, como consignou a "Província do Pará", ignorando tudo quanto respeitava ao mesmo pedaço requestado, superior em extensão a numerosos Estados da União. Creram nesta hipótese e aguardaram o ensejo de esclarecer os poderes públicos da República. É agora ocasião de declarar que os insurretos, a cujos esforços se deve o desbravamento das plagas acreanas, prepararam aberta e francamente a revolução contra as prepotências da Bolívia, a fim de reintegrarem à mãe-pátria a pérola que queria soterrar por insciência da riqueza que perdia. (...) Os revolucionários não pediram ainda um ceitil ou soldado ao Brasil para defender a integridade da pátria. Apenas lhe rogaram e lhe rogam que se mantenha neutral, porque eles, arrostando com todos os sacrifícios, saberão couraçar os seus domicílios e as suas fortunas contra a invasão boliviana. Nada carecem os rebeldes da mãe-pátria, senão justiça às suas honradas intenções". Embora tenha repercutido intensamente em todo o país, o manifesto não surtiu o efeito desejado, isto é, não mudou a postura do governo brasileiro que, por intermédio do Ministério das Relações Exteriores, continuou apoiando as pretensões bolivianas. Destarte, seis meses depois, em setembro de 1900, novecentos soldados do Exército da Bolívia, sob o comando do Coronel Ismael Monte, chegaram de surpresa em "Puerto Alonso". Acompanhava a tropa o próprio Vice-Presidente do país vizinho, Don Lucio Velasco, com o propósito claro de confirmar a soberania boliviana sobre a região. O ambiente de conspiração voltou a dominar os seringais acreanos, enquanto em Manaus o Governador Silvério Néri reiterava a sua posição contrária à entrega das terras aos bolivianos, entre outras razões devido ao fato da ocupação resultar em grande queda na renda estadual. Além de declarar-se ostensivamente contra a posição do Governo Federal, o Governador do Amazonas ainda encarregou um funcionário graduado da administração estadual, Rodrigo de Carvalho, de organizar uma expedição armada para dar combate aos bolivianos. No dia 2 de dezembro de 1900, o gaiola "Solimões" chegou a Lábrea, transportando o "Batalhão Floriano Peixoto", comandado, segundo as crônicas por "poetas e letrados" da sociedade amazonense. Sem orientação militar, o "Batalhão Floriano Peixoto" entrou em choque com as tropas bolivianas, sofrendo humilhante derrota. Com a vitória sobre "os poetas e letrados" do Amazonas, conseguiram os bolivianos um bom período de trégua, até o final de março de 1902. No dia 2 de abril de 1902, chegou a "Puerto Alonso" Don Lino Romero, pouco antes nomeado "Delegado Nacional en el Territorio del Acre y Alto Purus". A chegada da nova autoridade da Bolívia, no entanto, exacerbou a rebeldia dos brasileiros radicados no Acre, pois o seu primeiro ato foi determinar um prazo máximo para que todos os proprietários do Acre legalizassem a posse das terras que vinham ocupando. Além disso, Don Lino Romero se faz acompanhar de um representante da "Sociedad Gomera Boliviana", que propalou na região a intenção de alienar terras para a empresa. Agora, além da mudança da soberania dos territórios, que afrontava o patriotismo, entrou em jogo o direito de propriedade dos brasileiros. Chegou-se, assim, ao final do primeiro semestre de 1900, quando se espalhou a notícia de que a Bolívia arrendara todas as terras do Acre para o "Bolivian Syndicate", companhia de carta anglo-saxônica. Aí então, entrou em cena a figura ímpar de José Plácido de Castro, ex-aluno da Escola Militar de Porto Alegre, voluntário, a partir de 1893, do "Batalhão Antônio Vargas", dos maragatos de Gumercindo Saraiva, aonde chegou ao posto de major. Com a derrota dos revolucionários, interrompeu-se a carreira militar de Plácido de Castro. Em 1899, depois de breve período de atividade na iniciativa privada, dirigiu-se para o Acre, onde começou a trabalhar por conta própria, como agrimensor, demarcando os seringais da região. No dia 23 de junho de 1902 abandonou os trabalhos de campo, como já foi mencionado, para apresentar-se ao seringalista José Galdino de Assis Marinho, dono da propriedade que estava demarcando, de lá partindo os dois para a casa de Joaquim Vitor da Silva, em "Bom Destino", onde chegaram no dia 30 do mesmo mês. PLÁCIDO DE CASTRO NO COMANDO Logo após o encontro com Joaquim Vitor, partiram todos para "Caquetá", 11 milhas a jusante de "Bom Destino", local onde Rodrigo de Carvalho armazenara boa quantidade de armas e munições fornecidas pelo Governador do Amazonas. No dia 1º de julho de 1902, reuniram-se naquela localidade o intrépido gaúcho de São Gabriel, o líder civil Joaquim Vitor da Silva, Rodrigo de Carvalho, Domingos Leitão, Domingos Carneiro, Antônio Carvalho e José Galdino da Assis Marinho, para juntos decidirem sobre as ações a empreender. Decidiu-se, preliminarmente, pela proclamação do "Estado Independente do Acre", devido à postura adotada pelo governo federal, apoiando sistematicamente as pretensões bolivianas. Como o território já não era mais administrado pelo Brasil e a população não desejava permanecer sob o domínio boliviano, a única solução, que não comprometeria o governo brasileiro, seria a proclamação da independência. A idéia dos insurretos, aliás muito bem posta, incluía a vitória da revolução, a eleição de um chefe de governo, a notificação externa da existência de um novo Estado e, em seguida, a solicitação ao governo brasileiro para que aceitasse a anexação do novo Estado aos seus domínios. Na mesma reunião, foi montada uma "Junta Revolucionária", integrada por Joaquim Vitor da Silva, José Galdino de Assis Marinho e Rodrigo de Carvalho, ficando todas as operações militares sob o comando de José Plácido de Castro. Outra decisão muito importante para conferir ao movimento unidade de comando: acertou-se que logo depois do início das hostilidades a "Junta" se encolheria nas suas atribuições, entregando a direção geral do movimento ao chefe militar. Plácido de Castro ali mesmo decidiu que as operações começariam em Xapuri, centro de convergência da produção de inúmeros seringais, localizado na confluência do rio Acre com o Xapuri, 1.850 milhas a montante da boca do Acre e 259 milhas a montante de "Bom Destino". Plácido de Castro, acompanhado por José Galdino e por Antônio Moreira de Souza, além de 33 homens, recrutados no seringal do seu mais chegado lugar-tenente, partiram, em pequenas embarcações, para burlar a vigilância dos bolivianos, chegando a Xapuri na madrugada do dia 6 de agosto, data nacional da Bolívia. Um audacioso golpe de surpresa, preparado com detalhe por Plácido de Castro, foi o suficiente para conquistar o lugarejo e, já no dia seguinte, dia 7 de agosto, foi proclamada a independência do Acre, notícia rapidamente difundida em todos os seringais dispostos às margens do rio do mesmo nome. O comando de Xapuri foi entregue a José Galdino e, no dia 14 de agosto, Plácido de Castro, acompanhado de pequena escolta, iniciou a viagem de regresso à base, mas desta vez por terra, para iludir a vigilância boliviana e, ao mesmo tempo, preparar a defesa dos seringais localizados em pontos estratégicos. Plácido só regressou a Caquetá no dia 8 de setembro, depois de 25 dias de marcha. Logo no dia seguinte partiu para "Bom Destino" para conferenciar com Joaquim Vitor da Silva, ocasião em que ficou decidido que o próximo golpe seria desfechado contra "Puerto Alonso" entre os dias 20 e 23 de setembro. Enquanto fazia os preparativos para o ataque, arregimentando mais voluntários para as suas forças terrestres, Plácido foi informado de que o Coronel Rozendo Rojas, à frente de tropa regular, deixara o seringal "Gavião", onde estava acampado, e já estava marchando para reforçar "Puerto Alonso". Disposto a acelerar as operações, Plácido tomou a decisão de interceptá-lo no caminho, surpreendendo-o em local adequado. Ocorre que o competente militar boliviano surpreendeu uns emissários de Plácido, que saíram à frente da sua tropa, para colocar os seringais de prontidão. Aprisionados, os seringueiros revelaram os movimentos das tropas acreanas, dando condições para Rojas aguardá-las na "Volta da Empresa", local situado apenas uma milha acima da atual cidade de Rio Branco. No dia 18 de setembro, ao amanhecer, a tropa acreana foi surpreendida por intenso tiroteio, que resultou na morte de 21 soldados e mais 16 feridos. No lado boliviano só morreram 9 soldados. Esgotada a munição da sua tropa, e tendo em vista o número de mortos e feridos, Plácido ordenou a retirada, saindo derrotado nesse primeiro confronto com o Coronel Rozendo Rojas. No seringal "Bagaço", 26 milhas a jusante, Plácido recompôs as suas forças e armou 400 homens, municiando-os com 60 tiros cada um. Agora, tratava-se de derrotar o Coronel Rozendo Rojas, que estacionara suas forças no seringal "Nova Empresa", 3 milhas a montante da "Volta da Empresa", portanto 29 milhas distante do acampamento acreano. No dia 5 de dezembro, depois de receber o reforço de mais de cem homens trazidos pelo seringalista Antônio Antunes de Alencar, e tendo sob seu comando outras figuras de destaque como Hipólito Moreira, Antônio Coelho e Gastão de Oliveira, Plácido atacou "Nova Empresa" pelo flanco direito e pela retaguarda. O combate durou nada menos do que 11 dias, rendendo-se, afinal, os bolivianos devido à sede que assolava as suas fileiras, uma vez que o terreno conquistado na primeira escaramuça concedeu aos acreanos a vantagem de impedir que os adversários tivessem acesso ao rio, embora distantes dele apenas umas poucas centenas de metros. Plácido de Castro obteve, então, a sua desforra, derrotando por completo as forças do Coronel Rozendo Rojas, que foi feito prisioneiro, junto com mais de cem soldados. A vitória dos seringueiros nordestinos contra forças regulares da Bolívia repercutiu intensamente no Acre e no país inteiro, animando a resistência dos brasileiros contra os invasores bolivianos. Pelas mesmas razões que levaram os seringalistas do Acre a se rebelar contra o domínio boliviano, os proprietários prósperos, exploradores do "caucho" nas bacias do Beni e dos seus tributários Madre de Diós, Orton, Manuripi e Tahuamanu, todos localizados indiscutivelmente em território da Bolívia, começaram a se armar contra os acreanos, pois vislumbravam na vitória destes a frustração do arrendamento da área para o "Bolivian Syndicate", que prometia fazer a região prosperar. Chegaram notícias a Caquetá de que numeroso contingente de "caucheros", armados pelos proprietários de terras, ameaçava Xapuri. Lá em Xapuri, o chefe militar José Galdino de Assis Marinho, antecipava-se ao ataque despachando uma coluna para o povoado de "Carmem", situado a 1.903 milhas da boca do Acre e apenas 14 milhas da atual cidade de Brasiléia, para interromper o caminho que chegava ao rio Tahuamanu, de onde viriam os "caucheros". Essa providência resultou em desastre, pois os bolivianos, comandados por um tal Miguel Roca, auxiliado por um brasileiro traidor, dizimaram os acreanos. Imediatamente, Plácido de Castro, mesmo enfermo, atacado que fora pelo impaludismo, alterou os seu plano de atacar "Puerto Alonso", para acudir o seu fiel amigo José Galdino. O novo objetivo, agora, era levar a guerra ao próprio território boliviano, para evitar ataques de lá desfechados. À frente de 400 homens iniciou o deslocamento até o rio Orton, afluente do Beni, onde pretendia submeter os povoados de Palestina e Mercedes, locais de concentração dos "caucheros". Ao mesmo tempo, despachou diretamente para Xapuri, todas as forças arregimentadas em "Capatará" e "Amélia" (141 milhas e 113 milhas a jusante de Xapuri, respectivamente). Na sua marcha para o Orton, Plácido de Castro, à frente de um destacamento de 70 homens, atacou os "caucheros" em Santa Rosa, povoado à margem direita do rio Abunã, onde dizimou a força inimiga. Seguiu depois até o rio Orton, em marcha forçada, destruiu a ponte existente na localidade denominada Coricohu Vial, de onde regressou por insistência dos seus comandados, tendo como interprete o já Coronel Alexandrino Silva. Retornando ao Acre, as forças de Plácido passaram por Iqueri, ás margens do rio do mesmo nome, ultrapassaram Capatará, até alcançarem Itu, 6 milhas a jusante. De Itu seguiu a tropa para Xapuri, agora bem protegida, de onde Plácido de Castro, à frente de 300 homens, no dia 4 de dezembro, seguiu para o rio Tahuamanu, para atacar Costa Rica, onde derrotou as tropas lá estacionadas em combate que durou apenas 35 minutos. No dia 10 de dezembro retornou Plácido de Castro a Xapuri, transportando armas, munições e até arquivos da guarnição derrotada. De Xapuri, para consolidar as vitórias alcançadas, partiu novamente o chefe-guerrilheiro dos acreanos para vasculhar o alto Acre, numa marcha de 14 dias, livrando-o da presença inimiga. Após essa campanha, bem ao sul, Plácido decide retornar à sede, para desfechar o golpe de misericórdia nos invasores: a conquista de Porto Acre, rebatizada como "Puerto Alonso" pelos bolivianos. Naquele momento, o sonho acalentado pelas Bolívia, de fincar pé no Acre, achava-se praticamente desvanecido, pois nada mais restava sob domínio boliviano senão o povoado de Porto Acre, com o representante do país vizinho praticamente sitiado, embora dispondo de força considerável. Os acreanos, por seu turno, já contavam com uma tropa razoavelmente treinada e bem numerosa, pois acrescida numericamente, a cada dia que passava, pelo ingresso voluntário de seringueiros estimulado pelos donos dos seringais. As forças de Plácido de Castro já dispunham até de um navio a vapor, o antigo "Rio Afuá", rebatizado "Independência". O ataque a "Porto Acre" foi marcado para o dia 15 de janeiro de 1903 e no dia previsto as forças acreanas iniciaram as hostilidades às 9 horas da manhã. A resistência foi vigorosa e ao anoitecer as tropas de Plácido de Castro já estavam com mais de 50 baixas, entre mortos e feridos. No dia 24 de janeiro, nove dias depois do início do ataque, o representante da Bolívia, Don Lino Romero, sob a proteção de uma bandeira branca, dirigiu-se ao acampamento de Plácido de Castro para apresentar a capitulação da praça, aceitando todas as condições estipuladas pelos acreanos. A exigência foi seca: retirada imediata das tropas bolivianas para Manaus e entrega do povoado com todo o armamento disponível. Interessante realçar a nobreza com que Plácido de Castro tratava os inimigos derrotados. No ato de rendição de Puerto Alonso, agora Porto Acre, quando Don Lino Romero desembainha sua espada para entregá-la a Plácido de Castro, este falou o seguinte: "Senhor Coronel, não fazemos guerra senão para conquistar o que é nosso; aos vencidos abrimos os braços de amigos. Não infligiremos uma humilhação aos adversários, depois de derrotados. Não receberemos de suas mãos as armas com que, bravamente, nos hostilizaram e arrancaram a vida de tantos companheiros, cuja perda hoje choramos. Guardai a vossa espada e fazei depositar o armamento nas arrecadações". Gesto como esse, aliás, Plácido de Castro tivera em relação ao Coronel Rozendo Rojas, depois da vitória dos acreanos no seringal "Nova Empresa". Terminou, assim, a presença da Bolívia nas plagas acreanas, depois de 171 dias de inteligente campanha militar, conduzida pelo patriotismo ardente de José Plácido de Castro, agora dirigente máximo do Estado Independente do Acre! A notícia da capitulação de Porto Acre causou impacto profundo na Bolívia, a ponto do próprio Presidente da República, o general Manuel Pando, tomar a decisão de comandar uma força boliviana para retomar as posições perdidas. Todavia, Plácido de Castro não dormiu sobre os louros da vitória. Logo que soube dos planos do General Pando, despachou para Xapuri o "Batalhão Independência", a tropa mais bem adestrada dos revolucionários acreanos, para enfrentá-lo. Naquela altura, o Exército sob o comando de Plácido de Castro tinha um efetivo de 2.000 homens, "sadios e bem dispostos" no dizer do próprio chefe. Delineavam-se, assim, no horizonte dias tempestuosos para os acreanos e para o Brasil, uma vez que o nosso bravo combatente, logo após chegar com a sua tropa em Xapuri, internou-se no território boliviano para dar combate à vanguarda da tropa do General Pando. Plácido de Castro achava-se no quarto dia de peleja, em Porto Rico, levando nítida vantagem sobre os bolivianos, quando recebeu, na linha de frente, o Major Gomes de Castro, do Exército Brasileiro, que lhe transmitiu o texto do acordo preliminar de La Paz, por ordem do General Olimpio da Fonseca, recém-chegado ao Acre. A INTERVENÇÃO DO BARÃO DO RIO BRANCO Felizmente para o Brasil, o comando da diplomacia brasileira havia mudado, agora com a presença de um patriota de fé, o Barão do Rio Branco, à frente do nosso Ministério das Relações Exteriores. Os tempos de dirigentes alienados como Carlos de Carvalho, Dionísio Cerqueira e Olinto de Magalhães passaram a ser coisa do passado. O primeiro nome citado, convém recordar foi o responsável pelo protocolo Carvalho-Medina que aceitou uma posição geográfica para a nascente do rio Javari, sem que tivesse sido ela devidamente reconhecida no terreno, decisão contra a qual se insurgiu o patriota General Taumaturgo de Azevedo. O segundo, Dionísio Cerqueira, teve a infelicidade de autorizar a Bolívia a instalar um posto alfandegário no rio Acre, em zona totalmente ocupada por brasileiros. O terceiro, continuador, da política infeliz dos dois antecessores imediatos, ainda teve a petulância de menosprezar os habitantes do Acre, quando afirmou publicamente: "O seu território é habitado, não por bolivianos, por brasileiros, que nem um interesse real têm na sua independência, porque não lhes muda a sorte. Eles são, como antes, simples instrumentos na exploração dos seringais, mais sujeitos à fatal conseqüência da insalubridade do clima que enriquecidos pelo seu trabalho". Quando assumiu o Ministério das Relações Exteriores, em 1902, a questão do Acre assumira proporções inaceitáveis para o Brasil, não só pela seqüência das operações militares sob o comando de Plácido de Castro, mas, sobretudo, pelo arrendamento das terras acreanas e bolivianas para uma companhia de carta estrangeira, que se fixaria no coração da América do Sul. Na sua primeira aparição perante a Comissão de Diplomacia da Câmara de Deputados, numa clara demonstração de competência e patriotismo, assim se pronunciou o Barão do Rio Branco: "Os nossos limites com a Bolívia foram fixados pelo Tratado de 1867, ao qual até hoje não se deu execução, e sem essa execução não é possível determinar definitivamente a qual das potências confinantes pertence a região do Acre. As divergências manifestadas pelos comissários brasileiros sobre as nascentes do Javari, estavam impondo a necessidade de uma comissão mista internacional. Em vez desse processo regular para execução do tratado, preferiu-se, arbitrariamente, o infeliz protocolo de 1895; o errado marco Tefé, aliás plantado em demarcação com o Peru e não com a Bolívia. Reconhecido o erro, o protocolo de 1895 foi substituído pelo não mais feliz protocolo de 1898, que adotou provisoriamente a linha Cunha Gomes por fronteira. Felizmente tais protocolos não se continham no tratado, virtualmente sequer, não criavam nem suprimiam direitos contra ou além do tratado de 1867, por cuja execução somente se poderá demarcar definitivamente a linha divisória que, partindo do Madeira, vá ter às nascentes do Javari, onde se acharem. Menos podem criá-los ou suprimí-los notas ministeriais infelicíssimas, como foram as duas famosas da chancelaria brasileira, uma relativa à alfândega de Puerto Alonso, outra em resposta à nota de 7 de março, do Ministro boliviano nesta cidade". Coerentemente com o ponto de vista de um patriota, o novo Chanceler, no dia 9 de março de 1903, em correspondência enviada ao representante do Brasil junto ao Governo da Bolívia, bem definiu a nova postura do país em relação ao Acre e aos acreanos: "Informa-me Vossa Excelência do desejo manifestado por esse governo de que as forças bolivianas subjuguem de vez os acreanos. Responda terminantemente que nisso não podemos concordar. Já declarei, que, se desejamos adquirir todo o território, mediante compensações, é unicamente por ser brasileira a sua população e para acabar de uma vez com as desinteligências e complicações que entre Brasil e Bolívia têm ocasionado as revoltas desses brasileiros contra a dominação estrangeira. Sendo esse o nosso pensamento e tendo sido iniciadas negociações para que o possamos realizar, não há utilidade alguma em que o governo boliviano se empenhe em, previamente, subjugar os nossos compatriotas, que queremos proteger, livrando-os de vingança e evitando conflitos entre eles e as tropas bolivianas". Mesmo com a disposição demonstrada pelo Barão do Rio Branco a expedição do General Pando iniciou a marcha para o Acre. Contudo, não chegou a atingir o seu objetivo porque, no dia 21 de março, foi assinado em La Paz um acordo harmonizador, que faria cessar as atividades bélicas, até que fossem concluídas as negociações diplomáticas. No acordo preliminar Brasil declarava litigiosa uma zona de 142.900 quilômetros quadrados, localizada ao norte do paralelo de 10º 20´´ S, atitude esta que "correspondia ao intuito diplomático de regularizar a ocupação da área pelo Brasil, condição indispensável para a manutenção da paz e para o estabelecimento das negociações em vista de um acordo direto". Depois de prolongadas negociações, cuja maior dificuldade adveio do precipitado arrendamento de terras ao "Bolivian Syndicate", em 17 de novembro de 1903, foi assinado em Petrópolis o tratado de limites definitivo entre os dois países. Pelo "Tratado de Petrópolis", a Bolívia abria mão de 191.000 quilômetros quadrados do território que vinha disputando, pelo estabelecimento de limites determinados, na maior parte da extensão, por acidentes geográficos naturais. Como compensação, o Brasil transferia para a Bolívia uma área de 2.295 quilômetros quadrados, não habitada, entre o Madeira e o Abunã; 723 quilômetros quadrados na margem direita do rio Paraguai, dentro de terrenos alagados conhecidos como Baia Negra; 116 quilômetros quadrados sobre a Lagoa de Cáceres; 20,3 quilômetros quadrados sobre a Lagoa de Mandioré e 8,2 quilômetros sobre a margem meridional da lagoa Gaíba. Além da troca de áreas, desvantajosa para a Bolívia, o Brasil ainda pagaria uma indenização ao país vizinho, no valor de 2 milhões de libras esterlinas e comprometia-se a construir uma ferrovia desde o porto de Santo Antônio, no Madeira, até Guajará-Mirim, no Mamoré, com um ramal que , passando por Vila Murtinho, no Mato Grosso, chegasse a Vila Bela, na confluência do Beni com o Mamoré. Ao mesmo tempo, comprometiam-se as partes a celebrar um tratado de navegação e comércio, baseado no princípio de ampla liberdade de trânsito terrestre e navegação fluvial. Sobre os termos desse tratado, que acabou com a guerra no sudoeste da Amazônia brasileira, nada melhor do que o depoimento do próprio Barão do Rio Branco: "Pelo presente tratado o Brasil incorpora ao seu patrimônio um território mais extenso que o de qualquer dos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Santa Catarina, território que produz renda anual superior a mais da metade dos vinte estados da nossa União. Não foram, porém, vantagens de qualquer ordem o móvel que nos inspirou. Desde muito que se conheciam as riquezas do Acre, que eram os nossos compatriotas os únicos a explorar; entretanto o governo persistia em considerar boliviano aquele território e dar à Bolívia as possíveis facilidades para o utilizar. Foi preciso que a segurança deste continente fosse ameaçada pela tentativa de introdução do sistema perturbador das "Chartered Companies" e que nos convencêssemos da impossibilidade de conservar as boas relações, que tanto prezamos com a nação boliviana, enquanto existisse sob sua jurisdição um território exclusivamente habitado por brasileiros, para que se produzisse a nossa ação em busca dos resultados agora obtidos ". Releva acrescentar, em reforço à validade do tratado, que até o primeiro semestre de 1917 o Brasil já havia arrecadado, com as exportações da borracha procedente do Território Federal do Acre, importância superior a 130 mil contos de réis, enquanto que as despesas com a aquisição das terras e demais obrigações previstas, só atingiram o montante de 63 mil contos de réis. Então, de 1904 a 1917, a produção gomífera do Acre já compensara, por larga margem, as despesas da União decorrentes da sua anexação ao patrimônio dos brasileiros. Embora a presença do Barão do Rio Branco, à frente da nossa diplomacia, tenha sido oportuna e providencial, não se pode negar a Plácido de Castro e ao seu exército de seringueiros nordestinos, a glória de ter possibilitado tal feito. Muito equivocados estavam aqueles brasileiros complacentes, que viam a luta heróica sustentada pelos acreanos como conseqüência exclusiva de interesses econômicos prejudicados. José Plácido de Castro, por exemplo, não foi movido por qualquer interesse subalterno, senão pelo amor à pátria. Basta reler o texto que se extraiu do seu diário, reproduzido logo no início desta narração. Aliás, depois do cumprimento da sua nobre missão, Plácido de Castro recolheu-se à vida privada, não sem antes provar o sabor da injustiça e do desrespeito. A bravura com que se bateram os seus soldados, cearenses na maioria, retirantes da seca de 1877-1879, não foi estimulada por quaisquer vantagens pessoais. Seringueiros eram, seringueiros continuaram a ser, depois da vitória! EPÍLOGO Obtida a vitória final, com a assinatura do Tratado de Petrópolis, não faltaram aqueles que apregoavam participação decisiva no processo de inclusão do espaço acreano no âmbito da soberania brasileira. Oportunistas de vários ofícios lançaram-se em campo, não só para detrair os combatentes, mas também para exaltar os próprios feitos fantasiosos. Encerrado o ciclo militar da campanha do Acre, Plácido de Castro assumiu o cargo de Governador do "Estado Independente do Acre", para o qual fora escolhido, na Convenção de Caquetá, em 6 de agosto de 1902. Imediatamente, entregou o Acre Setentrional aos cuidados do General Antônio Olímpio da Silveira e iniciou a administração do Acre Meridional, com a legitimidade reconhecida pelo Governo Federal, conforme ficou estabelecido no Acordo preliminar de La Paz.. Surpreendentemente, na segunda metade do mês de maio de 1903, o General Antônio Olímpio da Silveira lançou uma proclamação em que considerava extinta a revolução do Acre e, em conseqüência, declarando que todo o território do Acre ficaria sob sua jurisdição única. A mesma proclamação licenciou todos os oficiais e praças do exército revolucionário. A seguir, o General avançou sobre o Acre Meridional, apoderou-se do almoxarifado do Estado Independente, declarando presa de guerra todos os volumes lá estocados, além de todas as armas e munições em poder do exército revolucionário. Plácido de Castro, embora com mais forças à disposição, preferiu não resistir, uma vez que não admitia combater os seus compatriotas. Todavia protestou veementemente e, em seguida, retirou-se do Acre. O General Olímpio da Silveira foi exonerado "por ter cometido o delito de assaltar uma praça de guerra livre, onde o Brasil não tinha soberania, mas apenas intervenção diplomática". Foi substituído pelo Coronel Rafael Augusto da Cunha Matos, que recebeu ordens expressas para reparar os danos causados pela inoportuna intervenção e providenciar a recomposição do exército revolucionário. O Governo Federal, ademais, apresentou as desculpas oficiais ao líder Plácido de Castro, instando-o a retornar ao seu posto no Acre Meridional. Em 25 de fevereiro de 1904, deu-se a promulgação da Lei nº 181, que autorizou o Poder Executivo a organizar o Território do Acre. O Decreto nº 5.181, de 7 de abril do mesmo ano dividiu o território em três departamentos , ou prefeituras, que seriam governados por pessoas da confiança do Presidente da República. A divisão em três zonas administrativas foi um erro palmar, demonstrando quão pouco conhecimento tinham os legisladores da situação geográfica do Acre. Plácido de Castro, desde o primeiro momento sugeriu a separação do território em duas zonas, que corresponderiam aos dois vales distintos em que se divide o Acre. A leste a bacia do Purus, a oeste a bacia do Juruá. Ao invés dessa divisão lógica, o Acre foi dividido entre os departamentos do Purus, do rio Acre e do Juruá. Os três departamentos foram entregues a oficiais do Exército Brasileiro, com plenos poderes para governá-los, embora dispondo apenas de 200 contos de réis por ano, para os encargos de governo. Plácido de Castro, esquecido, como tantos outros heróis da revolução acreana, recolheu-se à vida privada, para assumir a administração do seringal "Capatará", por ele adquirido em 1904, em sociedade com a firma "P. Braga & Cia", de Manaus, tendo como vendedora a firma "Leite & Cia." de Belém. Embora voltado para a produção de borracha, a presença de Plácido incomodava os novos governantes, que viam nele um concorrente de prestígio consolidado perante a população acreana. Depois de esquecido pelo Governo federal, passou a ser considerado pelos administradores do vale do Purus como conspirador. Os amigos mais chegados de Plácido de Castro passaram a ser perseguidos e submetidos a vexames de caráter policial. Com a chegada ao Acre do Coronel Gabino Bezouro a situação se deteriorou sobremaneira, a ponto do Juiz de Direito da Comarca, após tomar conhecimento das notícias alarmantes que passaram a circular, dirigir-se por carta a Plácido de Castro pedindo-lhe "para empregar o prestígio e a influência de que dispunha para fazer voltarem a calma e a tranqüilidade ao espírito público". A resposta de Plácido de Castro, embora eivada de ressentimento, merece ser reproduzida integralmente, para que possa medir com precisão a nobreza do gaúcho de São Gabriel: " Capatará, 19 de julho de 1908. Exmº Senhor Dr. João Rodrigues do Lago. M.D. Juiz de Direito da Comarca do Alto Acre. Chegando neste momento à casa, deparei com a carta de V. Excia., que passo a responder. Ainda que não tivesse o prazer de ser particularmente conhecido por V. Excia., tenho vida pública pela qual posso ser julgado. Entrando o Território do Acre para a comunhão brasileira, recolhi-me à vida industrial e comercial, que absorve quase toda a minha atividade. A dúvida e o temor que diz V.Excia. pairarem sobre esta região, para mim tão querida e talvez na iminência duma conflagração geral, deve ser mais intensa ainda no meu espírito, que sou alvo dos ódios e talvez dos punhais daqueles que chegados aqui ontem se julgam com mais direitos de viver nesta terra do que aqueles que como eu regam-na com suor honesto. Como disse, tenho vida pública, e por ela posso, talvez, afirmar que se alguém nesta terra entrou pela porta da honra e do sacrifício, esse alguém, desculpe~me a falta de modéstia, fui eu. Com que indignação e com que dor não devo assistir, como agora, os representantes do governo de minha Pátria calcando sob coturnos os mais sagrados direitos de pessoas que me são tão caras, irmãos e amigos. Meu irmão arrancado alta noite de casa pela soldadesca de armas embaladas, os meus amigos com a casa indefesa, assaltados em pleno dia por essa mesma soldadesca, a tiro de Mauser, vendo-se obrigados a abandoná-la para não serem assassinados. O apelo não deve ser feito às vítimas para impedir a luta, e sim ao agressor. Esses fatos são eloqüentes demais para não se ignorar quem é o perturbador da ordem pública, o responsável por essa nuvem lutuosa que se estende sobre o Território do Acre. Quem vai enlutar esta terra pela qual tenho tanto carinho, não sou eu, Exmo. Sr., é o representante do governo de nossa Pátria, é o depositário do poder público! Entretanto, se o depositário do poder público entender que não deve continuar a mandar assaltar as casas dos meus amigos inermes e suspender esse aparato bélico dentro da própria paz que ele acaba de perturbar, não serei eu que vá interromper a marcha pacífica da vida acreana, na qual a minha responsabilidade moral é maior do que a dele. Se cessar a agressão, terei prazer de ir pessoalmente apertar as mãos de V. Excia, Do crd.o admirador. Plácido de Castro " Eis aí a verdadeira dimensão do caráter do herói, hoje quase esquecido, da epopéia do Acre. Após a remessa da carta, diversos entendimentos foram mantidos entre Plácido de Castro e pessoas ligadas ao "depositário do poder público, com vistas a acalmar os ânimos no vale do rio Acre". Todavia , os fatos vieram demonstrar quem estava com a razão. No dia 9 de agosto de 1908, vinte e um dias após ter escrito a carta ao Juiz de Direito, Plácido de Castro foi ferido numa emboscada que lhe armaram no caminho situado entre a foz do Riozinho e o seringal "Capatará ", de sua propriedade. Plácido de Castro regressava da Vila Rio Branco, acompanhado por Genesco de Castro, seu irmão, pelo Promotor Barros Campelo e pelo Dr. José Alves Maia. Mesmo ferido, Plácido conseguiu conduzir o cavalo em que montava até o lugar conhecido como Benfica, onde veio a falecer no dia 11. A versão dos fatos, à época, revelou que os atacantes eram em número de quatorze, chefiados por Alexandrino José da Silva, delegado de Polícia da municipalidade do Acre e ex-comandado de Plácido nas lutas contra os bolivianos. O prefeito, Coronel Gabino Bezouro, foi acusado como mandante do crime. Como nada foi oficialmente apurado, demonstrando claramente o envolvimento das autoridades citadas, ainda assistiu-se à triste cena da mãe do herói do Acre, em 24 de novembro de 1929, aos 92 anos de idade, escrever uma carta ao Senado, pedindo justiça em relação "ao bárbaro crime, que havia sido prescrito, sem que o mais ligeiro inquérito fosse aberto a respeito, sem que ao menos os nomes dos miseráveis assassinos fossem apontados pela justiça à execração pública". Encerra-se, assim, de forma melancólica, a epopéia do Acre, uma história de bravura, desde aquelas memoráveis expedições dos desbravadores primitivos da região, como João da Cunha Corrêa, o João Cametá, Manoel Urbano da Encarnação, João Gabriel de Carvalho e Melo, Antônio Labre, todos na banda do Purus, como o Alferes Borges que, em 1864, subiu o Juruá em canoa, até chegar à confluência com o Tarauacá; prosseguindo com a chagada dos cearenses que, fugindo do flagelo da grande seca iniciada em 1877, despovoaram a terra natal para assegurar a ocupação brasileira da Amazônia e finalizando com a insurreição dos acreanos contra o domínio boliviano, liderados militarmente pela figura ímpar de José Plácido de Castro, líder militar do movimento, mas também alimentados pelo patriotismo de Joaquim Vitor da Silva, chefe civil, José Galdino de Assis Marinho, Rodrigo de Carvalho, Antônio Moreira de Souza e muitos outros que a História, às vezes incompleta, deixou de registrar. Ao escrever este resumo histórico, não teve outro propósito o autor senão aquele de relembrar os feitos de compatriotas de valor, gigantes mesmo da nacionalidade, embora muito pouco reverenciados pelos brasileiros, mas a quem todos nós, habitantes desse Brasil portentoso, temos obrigação moral de reverenciar, por nos terem legado o "continente" sobre o qual exercemos soberania. "Brasil acima de tudo, sob a proteção de Deus!". A República Oligárquica e a questão do Acre Ao pronunciar-se, de modo contundente, contra a visão positivista da história, Nietzsche negava a existência dos fatos, afirmando serem estes um constructo, ou uma interpretação. Concordando, em parte, com o filósofo de Roecken quanto à crítica ao objetivismo positivista, mas nos posicionando contrariamente ao reducionismo subjetivista expresso nessa concepção, queremos, neste breve artigo, refletir sobre o que significou o nascimento da República para aqueles que, desde o último quartel do século XIX, vinham intensificando suas incursões na região dos altos rios amazônicos, povoando e explorando sua exuberante e lucrativa floresta, de modo especialíssimo suas “árvores que jorravam leite”. Proclamada pelo Marechal Deodoro da Fonseca, amigo pessoal do imperador D. Pedro II, a (res) pública, melhor dizendo, a condução de seu destino, logo decepcionaria certos grupos sociais e suas respectivas visões de mundo. A proclamação de Deodoro da Fonseca conseguiu desagradar tanto a jacobinos, sociocratas positivistas (civis e militares), quanto a românticos liberais revolucionários identificados com as idéias da Revolução Francesa. A partir de seu primeiro presidente civil, Prudente de Morais, culminando com as presidências de Campos Sales, Rodrigues Alves e Afonso Pena a (res) pública e identificar-se-ia aos interesses – refiro-me particularmente ao poder político - da oligarquia cafeeira, representada, naquele momento, por diversos partidos republicanos regionais, sintonizados aos interesse maiores do principal deles, o Partido Republicano Paulista – PRP. Em 1898, em plena presidência de Manuel Ferraz de Campos Sales, abastado cafeicultor paulista e membro destacado do “grupo da oligarquia”,criado e consolidado no próprio âmago do PRP, a questão do Acre, isto é, a questão relativa ao preciso tracejo das linhas geodésicas concernentes às nascentes dos rios Acre, Iaco, Purus e Juruá, era definida pelo Ministro do Exterior Dionísio Cerqueira como uma questão nascida nas praças comerciais de Belém e Manaus e que tais questões não deveriam “embaraçar a marcha da República, que [ precisava ] seguir seu caminho, sem ter que se incomodar com tais estrepes”. Assim, para a República, agora em sua face decididamente oligárquica, uma questão de vida ou morte para milhares de seringueiros que, patrões à frente, fabricavam milhares de quilos de borracha era entendida como estrepe ou empecilho à marcha da República, vale dizer, à política gestada no laboratório oligárquico perrepista. Em telegrama enviado a Silvério Nery, o mesmo ministro autorizava este governador a concordar com as pretensões bolivianas. O Acre, dizia o ministro, podia ser considerado “incontestavelmente boliviano”. Indignados, os seringalistas – patrões pegaram em armas. A Revolução eclodiu nas barrancas dos rios. Luta contra o exército boliviano. Luta, também, contra a decisão do governo federal oligárquico. Houve até os que pensaram em separatismo, não apoiado nem por Galvez, nem por Plácido de Castro. Esses proclamaram o Estado Independente do Acre, pensando, mais tarde, incorporá-lo à Federação Nacional. Decorridos 114 anos da proclamação da República, é mais do que oportuno refletir/problematizar o passado para que o presente ganhe em significado. Deste modo, lembrar e comemorar a proclamação da República no que diz respeito à emergência de uma vasta e rica região desejosa de integrar o território nacional, é não esquecer os interesses em jogo. De um lado, aqueles dos cafeicultores - a oligarquia do Partido Republicano Paulista; do outro, os interesses dos grupos dominantes bolivianos, dos seringalistas, das Casas Aviadoras e Exportadoras, assim como os da própria oligarquia regional (Belém e Manaus). É valido instituir a tradição, mas não de forma acrítica e descomprometida. * Professor-doutor em História e pesquisador da UFAC (pág. 20 16-11-2003)