segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

SITE SOBRE HISTÓRIA

Professores, Charlatães e Presepeiros: a Ufac em questão

Gerson Rodrigues de Albuquerque - Possui graduação em História pela Universidade Federal do Acre (1988), mestrado em História do Brasil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1995) e doutorado em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2001). Ex-Diretor do Centro de Documentação Histórico da Universidade Federal do Acre. Atualmente é professor adjunto - 4 ligado ao Centro de Letras e Artes da UFAC.
“...O mal é um fenômeno superficial, e em vez de radical, é meramente extremo. Nós resistimos ao mal em não nos deixando ser levados pela superfície das coisas, em parando e começando a pensar, ou seja, em alcançando uma outra dimensão que não o horizonte de cada dia. Em outras palavras, quanto mais superficial alguém for, mais provável será que ele ceda ao mal...” (Hannah Arendt) Ruptura ou quebra de ritos protocolares; paixões exacerbadas em avaliação de candidato(a)s em concursos públicos para professores; horários de aulas em determinados cursos de graduação, impunemente, ministrados pela metade e lançados por inteiro nas cadernetas e diários de classe; cartas apócrifas, subvencionadas e covardemente “distribuídas” por certos professores no interior do campus universitário; plágios e outras imoralidades em vestibulares; professores com contratos de trabalho em regime de Dedicação Exclusiva ministrando cursos em faculdades privadas ou “gerenciando” empresas que vendem graduação e especialização como mercadorias de última geração a “crédulos” clientes de fins de semana; “professores” com formação em história vendendo aulas de neuropsicologia, didática do ensino superior, avaliação escolar, ensino e desempenho escolar em faculdades particulares, num total desrespeito aos estudantes dessas escolas; processos administrativos, convenientemente, “desaparecendo” ou “perdendo-se” no gabinete da reitoria para reaparecerem em circunstâncias dadas - a privilegiar sempre o particular em detrimento do coletivo.
Esse “cenário” opaco, referenciado com galhofa, sensacionalismo e nenhuma investigação séria por setores da imprensa e blogueiros de plantão, parece sintetizar a vida cotidiana e a prática acadêmica de todos os professores da Universidade Federal do Acre. Não por acaso, vem se constituindo numa espécie de senso comum a idéia de que os mesmos “não fazem nada”, são “presepeiros”, “ganham bons salários e trabalham pouco” ou “não trabalham”, entre outros epítetos com os quais os mais de quatrocentos professores da Ufac têm sido rotulados. Uma pequena parte desse senso comum se deve à ignorância ou a obscuros propósitos de muitos escrevinhadores, escribas e/ou editores que insistem em prestar seus desserviços à sociedades local. No entanto, a parte substancial das coisas ditas ou antevistas pelo “povo” se deve às práticas desvirtuosas e a sine cura acadêmica de uns impares da categoria docente que, contando com a hipocrisia institucional e o silêncio conivente da maioria, lidam com os fundamentos de uma instituição pública com base nos fundamentos de seus interesses pessoais, financeiros ou privados.
Não obstante a tudo isso, é preciso deixar claro que o coletivo dos professores da Ufac não é formado por presepeiros e nem charlatães, como tem sido alardeado nas mídias e em outros “condutores da opinião pública”. Em breve consulta aos dicionários, destacamos que professor - do latim professore - é a pessoa que ensina, é um mestre. Mestre - do latim magistru – é o que se dedica a ensinar algo a alguém; uma pessoa ou um ser exemplar, grande, importante, distinto, extraordinário, não-vulgar. A partir dessa perspectiva, devemos ressaltar que professor não faz pilantragem, não falseia, não faz charlatanice e nem presepada. Quem se denomina ou auto-denomina professor na Ufac ou em qualquer outra instituição de ensino não desenvolve presepadas ou charlatanices. Se o faz, professor não é.
O presepeiro, caracterizam ainda os dicionários, é um fanfarrão. Daí o adjetivo de impostor – do latim impositore ou impostore – que é um embusteiro, um hipócrita, um charlatão. Charlatão – do italiano ciarlatano – é o indivíduo que tira proveito ou explora a boa-fé da sociedade ou do público, um embusteiro, um trapaceiro, um hipócrita, um impostor, um mentiroso.
Portanto, se na categoria de professores da Universidade Federal do Acre, existem aqueles que fazem trapaça, fraude, plágio ou outras pilantragens dessa natureza, esses indivíduos não se constituem professores, mas impostores, embusteiros, hipócritas, trapaceiros, mentirosos, presepeiros, charlatães ou qualquer outro adjetivo dessa monta, menos professores.
Este debate se faz necessário não por uma questão semântica, mas porque o resultado da história de quatro décadas dessa instituição - que sintetiza a própria história do ensino superior no Acre - é a comprovação prática, irrefutável do trabalho sério, comprometido e engajado de seus professores na formação de varias gerações de profissionais que atuam em diversificados setores da sociedade local e nacional.
O que está em jogo não é uma questão que tem a ver meramente com a identidade, mas como a dignidade dos professores da Universidade Federal do Acre. Aqueles que se utilizam da condição de professor para disseminar suas pilantragens, atentam contra o nome dessa instituição e contra a honra de seus docentes. Obscurecem as trajetórias de profissionais como Jorge Araken, Georgete Nemetala, Francisca Leite (França), Cleusa Rancy, Rômulo Garcia, Ana Shirley, Pedro Martinello, Laélia Rodrigues, Chirley Trelha, Valdir Calixto, Mário Lima, Pedro Vicente, Carolina Sampaio, Alceu Ranzy, somente para citar alguns dentre as centenas de outros professores que atuaram ou atuam nessa Ifes.
Os não-professores, os presepeiros ou charlatães que divorciaram o discurso da ação, tramando contra a coisa pública e a possibilidade de se preservar os mínimos pactos do viver em sociedade como um ser político, compreendido aqui – na dimensão arendtiana - como aquele que se movimenta guiado pela íntima articulação entre o discurso e a ação, vivem em função e a serviço de seus egos e jactam-se em sua própria incapacidade de pensar.
Suas práticas desonestas em salas de aula e bancas de concurso público, suas articulações e manobras, seus clichês e jargões, seus ranços autoritários, suas malandrices, arrogância e subjugação do público ao privado, evidenciam a condição não apenas de seres estúpidos, mas de seres desprovidos de pensamento reflexivo – no dizer de Hannah Arendt, citada em epígrafe - e, portanto, de seres superficiais, rasteiros, que se utilizam de todas as formas de violência para fazer valer seus intentos medíocres.
Numa recente reunião do Conselho Universitário, em meio a sérias denúncias de desvios de posturas por parte de integrantes de uma banca examinadora de concurso público, os presentes foram surpreendidos com a fala de um conselheiro, ressaltando que “tudo é relativo” e que a “história tem muitas verdades”. Esse discurso circunstancial de quem se acumplicia com práticas imorais, proferido ali, no âmbito do mais importante colegiado de deliberação dessa Ifes, com rompantes intelectuais, evidencia a banalização das práticas anti-acadêmicas, bem como a onda de cinismo e o desrespeito para com a instituição e os demais profissionais que nela atuam.
Continuar em silêncio, ser tolerante com o intolerável – como tem sido a máxima que, muitas vezes, rege as relações institucionais – não nos ajuda em nada e, tampouco, assegura a sobrevivência de uma instituição que pertence a toda sociedade. É necessário manter acesa a chama do pensamento e da reflexão contra a apatia e fazer o combate aberto aos presepeiros ou charlatães que – do alto de sua irreflexão – lançam mão dos velhos jargões e frases de efeito auto-envaidecedoras, como passaporte para continuar transitando impunemente em meio aos professores e à comunidade universitária.
Manter o combate à mediocridade e à infâmia é condição para preservar a dignidade dos docentes da Ufac. Essa manutenção passa pela reafirmação dos valores que regem o livre pensar, o debate aberto, a liberdade de opinião e de expressão e a convivência com o outro tendo por base o direito à diferença, à preservação da res publica e do espaço público contra todas as formas de intervenção privatizantes e totalizantes.
Ítalo Calvino, encerra seu livro “As Cidades Invisíveis”, com Marco Polo advertindo ao poderoso Kublai Khan, que o inferno é aqui, onde “vivemos todos os dias, que formamos estando juntos”. Porém, numa ressalva à qual nos apegamos para encerrar este texto, arremata que nesse inferno “existem duas maneiras de sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas...”
Em meio ao “caos”, a patologia da inversão de valores, ao desenfreado assédio da “razão cínica” e ao balcão de negócios dos “tempos modernos” que intenta pulverizar a prática docente e a universidade pública em programas e pacotes fechados, tais como os reunis, prounis, aceleras brasis; em meio aos impostores, embusteiros, hipócritas e trapaceiros que lhes obscurecem a imagem ante a opinião pública, os professores da Ufac são chamados a fazer escolhas todos os dias e, nesse processo - retomando a significativa advertência de Marco Polo a Kublai Khan - “...tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço”.

sábado, 27 de dezembro de 2008

Zoneamento Ecológico Econômico do Acre

Objetivo
A elaboração do Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado do Acre tem como objetivo a realização de estudos sobre sistemas ambientais, as potencialidades e limitações para o uso sustentável de seus recursos naturais, e as relações entre a sociedade e o meio ambiente, como subsídio para negociações democráticas entre o governo, o setor privado e a sociedade civil sobre estratégias alternativas de desenvolvimento regional sustentável.
http://www.ac.gov.br/meio_ambiente/zee2.html

Fórum de Desenvolvimento Sustentável do Acre

Sena Madureira se divide entre o progresso e o atraso social

FONTE: http://www.jornalatribuna.com.br/arte_final.htm Com o terceiro maior PIB (Produto Interno Bruto) do Acre, da ordem de R$ 234,3 milhões, Sena Madureira, às margens do rio Iaco e a 145 km de Rio Branco, é um município que vive o contraste de um meio urbano desenvolvido e um meio rural ainda a dever muito em termos de desenvolvimento econômico e social.Enquanto sua população, principalmente a da cidade, desfruta da segunda maior expectativa de vida do estado, o seu meio rural contribui para que a taxa de analfabetismo se situe na faixa dos 34% da população, a 14ª maior do estado, que atinge 23,7% de seu contingente populacional. O município continuará sendo administrado, a partir de primeiro de janeiro próximo, pelo prefeito reeleito Nilson Roberto Areal de Almeida (PR), 46 anos, casado, curso superior completo e natural de Sena. Reeleito com 53,73% dos votos válidos do terceiro maior colégio eleitoral do estado, Nilson Areal contará com a colaboração do vice-prefeito e atual vereador Jairo Cassiano Barbosa (PMN), 34 anos, casado, ensino médio incompleto e também natural do município. De acordo com dados do anuário “Acre em Números 2007-2008”, do governo estadual, a população do município também era, no ano passado, a terceira maior do estado, com 34.230 habitantes, morando 21.356 na cidade e apenas 12.874 no meio rural, o que lhe conferia uma taxa de urbanização de 62,39%, a quinta mais elevada do Acre. Em 2006, da população rural, 8004 habitantes eram de ribeirinhos dos rios Iaco, Caeté e Macauã. No mesmo ano, sua população indígena, de 966 indivíduos das etnias Jaminawa, Kaxarari, Manchineri e outras, de 14 aldeias, assumia o sétimo lugar no ranking indígena acreano. A área total do município é de 2,37 milhões hectares, considerada a segunda maior do estado, da ordem de 16,4 milhões de hectares.Sena Madureira tem sua economia baseada principalmente na agropecuária (46,12%), a sexta maior dependência deste setor entre os 22 municípios acreanos. O município depende, ainda, para viver dos setores da administração pública (28,88%), dos serviços (19,89%) e da indústria (5,11%). No ano passado, a produção de borracha de Sena foi de 197 toneladas, a quarta maior do Acre, e a criação de gado chegava em 2006 a mais de 186 mil cabeças, o quinto maior rebanho estadual. A produção de leite de gado era de 3,3 milhões de litros, a sétima maior do estado. Em 2005, o PIB do município era de R$ 234,3 milhões, 5,2% do PIB estadual, que resultava num PIB per capita da ordem de R$ 7.105,00, o sexto maior do Acre. No Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), medido pela última vez no ano 2000, Sena apresentava indicadores medianos em relação ao conjunto dos 22 municípios acreanos. Numa escala de zero a 1, o IDH do município era da ordem de 0,652, o 11º entre os municípios e inferior ao índice do estado, da ordem 0,697. Para chegar a esse IDH, Sena apresentou IDH-R (de Renda) de 0,554, apenas o 13º maior do estado (de 0,640); IDH-L (de Longevidade) de 0,723, surpreendentemente o segundo maior do Acre (0,694); e IDH-E (de Educação) de 0,678, apenas o 12º maior do estado (0,757). Ainda devendo na saúde e na educaçãoA qualidade das escolas da capital do Iaco, também conhecida como a cidade do mandim, foi medida, em 2006, com todas as 173 unidades existentes dispondo de água tratada, mas apenas 95 com esgotamento sanitário e só 34 dispondo de energia elétrica.Na mesma época, a situação da saúde no município podia ser medida pela cobertura de 55,8% do Programa de Saúde da Família (PSF), pela aplicação de recursos próprios no setor de apenas 15,38% (a sétima menor aplicação entre os municípios) e pela despesa per capita na área de apenas R$ 133,99 (a oitava menor).Em 2007, o Pronager promoveu um curso, que capacitou apenas 15 pessoas. Com duas emissoras de rádio, duas agências e 10 postos bancários, Sena possuía no ano passado 136 telefones públicos e 1.397 fixos, terceira maior quantidade do estado, além de uma frota de veículos de 1.848 unidades, a quarta maior entre os municípios. Seu consumo de energia foi de 15,1 milhões de quilowatts/hora por 6.758 consumidores, o terceiro maior contingente. O município dispõe, também, da maior área de terras do Acre para projetos de reforma agrária. Mais de 1,42 milhão de hectares foram usados para assentar o total de 2.939 famílias, o segundo maior contingente acreano.Também é elevada a participação do município na arrecadação e no repasse de recursos provenientes de impostos. No ano passado, Sena Madureira arrecadou R$ 1,44 milhão em Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), a sexta maior arrecadação estadual; e teve repasse de R$ 3,1 milhões do mesmo imposto, o quarto maior. O município também recebeu repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) de R$ 5,8 milhões. Sena Madureira também participou da balança comercial do Acre exportando no ano passado US$ 81.555,00.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Trabalhadores do mundo...

Trabalhadores do mundo, competiGerald HolthamA maior parte das análises sobre a crise atual têm se focado nas instituições financeiras, regulações e política monetária. Apesar de esses serem aspectos importantes para a formação da crise, não são a sua raiz.A verdade é que a economia mundial mudou sob vários aspectos que a levaram a instabilidade constante. Essas mudanças ainda não foram reconhecidas e assimiladas pelos bancos centrais e pelos políticos.O período de 1945 até o início dos anos 70 foi de emprego total e crescimento rápido no mundo capitalista. O controle do capital continuou existindo mesmo quando o comércio de bens e serviços foi liberalizado.
O comércio internacional cresceu rapidamente. Havia a confiança plena de que, usando ferramentas fiscais e monetárias, o governo poderia assegurar o emprego total para que a Grande Depressão não se repetisse.O sistema Bretton Woods determinava que as taxas de câmbio de seus membros deveriam ser fixadas a certos parâmetros atrelados ao dólar (que por sua vez era atrelado ao ouro) e podiam oscilar apenas dentro de uma faixa estreita em torno desses parâmetros.Mas o Bretton Woods não era apropriado para lidar com os choques que reduziam a renda nacional.
Os choques do petróleo nos anos 70 tiveram exatamente esse efeito, desencadeando uma batalha para decidir se os lucros ou os salários deveriam arcar com o prejuízo, o que normalmente acabava numa espiral salarial. A recessão foi necessária para restaurar a disciplina salarial.Essa experiência levou a uma mudança na visão dominante sobre como administrar a economia. Aceitava-se cada vez mais que existia uma determinada taxa de desemprego consistente com a inflação estável, e que a economia voltaria automaticamente à taxa "natural" se a política se concentrasse na inflação.
Em geral, os bancos centrais continuaram a agir como se ainda estivéssemos no início dos anos 80. Para eles, seu papel era controlar a inflação e deixar que a economia se auto-regulasse. A maioria das recessões do pós-guerra foi desencadeada pela inflação e pela resposta política resultante. Mas depois dos anos 80, a maior parte das recessões, como a dos EUA e do Japão no começo dos anos 90, foi causada por outro mecanismo, para o qual os governos e bancos centrais estavam cegos.
Quando os governos aboliram o controle sobre o câmbio nos anos 80, isso permitiu que o capital fluísse livremente para onde pudesse encontrar os maiores lucros. Isso enfraqueceu o trabalho em relação ao capital, uma mudança que se refletiu na diferença proporcional entre lucros e salários. De 1945 a 1980, a fatia do PIB relativa aos salários havia ou permanecido estável, em países como os Estados Unidos, ou aumentado em outros, como a Grã-Bretanha. Agora, ela caiu em quase todo o mundo e a fatia dos lucros aumentou.
O Japão foi o primeiro a mostrar para onde isso podia levar. Nos anos 80 a economia japonesa cresceu 4% ao ano em termos reais e sua fatia de lucros chegou a atingir 40% em comparação aos 20% ou menos no Ocidente. Enquanto os preços dos ativos aumentavam, não havia inflação e o Banco do Japão não tinha problemas. Em 1990, o mercado de ações quebrou, a atividade e os preços começaram a cair. A queda dos preços - deflação - aumentou o peso das dívidas, dando início a uma recessão persistente.Aqui está o problema central do sistema globalizado. Se os lucros e a produção aumentam persistentemente mais rápido do que os salários, quem comprará a produção?
A falta de demanda efetiva, em termos Keynesianos, pode ser ignorada por algum tempo, mas eventualmente se revela como um problema de "realização do capital", na linguagem dos marxistas.E foi o que aconteceu. Em 2000, o excesso de investimentos se tornou evidente e o mercado de ações caiu, entrando num declínio de três anos. Diferentemente do Japão, entretanto, os EUA passaram apenas por uma recessão moderada e de vida curta. Nada desastroso parecia ter acontecido.Depois do estouro da bolha das ponto-com, os EUA pareciam ter chegado a um ponto de contração. O excesso de produção significava que as companhias dos EUA não continuariam a investir como nos anos 90. A Ásia estava apertando o cinto e crescendo por conta de guardar dinheiro e exportar.
Os consumidores do Ocidente não estavam ganhando o suficiente para comprar o excedente. Mas se pudessem ser induzidos a emprestar dinheiro, eles poderiam comprar os bens que de outra forma não poderiam pagar. O crescimento poderia continuar. No século 19, ninguém teria considerado emprestar dinheiro com tanta facilidade para que os trabalhadores pudessem manter a demanda; eles não teriam sido considerados dignos de crédito. Mas hoje os trabalhadores normalmente têm bens, sendo a casa o bem mais importante.Por várias razões, os preços das casas aumentaram durante meio século em muitas economias, principalmente nos países de língua inglesa onde a casa própria é uma importante aspiração individual e política.Quando as taxas de juros foram cortadas para atenuar e recessão de 2000-2001, desencadeou-se um boom de empréstimos para incentivar a compra de casas em muitos países.
Como os preços das casas estavam aumentando, o orçamento dos lares parecia estar perfeitamente bem: as dívidas estavam aumentando, mas o valor dos bens também.Eventualmente esse processo chegou a um limite. Os mais endividados tiveram de vender ou ter suas hipotecas executadas. Os preços escorregaram.O problema por trás da economia mundial é a falta de demanda, causada pelo fato de os lucros terem ultrapassado os salários num mundo com excesso de mão-de-obra.É fácil culpar os bancos centrais ocidentais por terem praticado uma política sem regulações depois de 2002, mas esquecemos que havia um medo generalizado de deflação - um medo que poderia ter se concretizado se os empréstimos aos consumidores não tivessem salvado a situação.
Agora está claro que nós não vivemos num mundo em que o único propósito dos bancos centrais é evitar a espiral de salários e preços no país. Eles têm de prestar atenção no preço dos bens.Acordos internacionais de regulação financeira e taxas de capital também são urgentemente necessários. Se o capital estiver livre para procurar a mão-de-obra mais barata ao redor do mundo, ele não deveria ter liberdade para buscar subsídios de impostos, induzindo a uma corrida por impostos mais baixos sobre o capital.
Os governos devem transferir a maior parte dos impostos para o capital, para atenuar os efeitos de um aumento da fatia do lucro.O capitalismo é o único sistema que pode produzir um crescimento sustentável dos padrões de vida. Para preservá-lo de uma forma que ofereça estabilidade e esperança para os pobres do mundo é necessária a intervenção estatal. Isso também significa recriar o hábito de cooperação entre Estados que existia no terceiro trimestre do século 20. A outra opção são as crises recorrentes que levam a distúrbios políticos e econômicos.(Gerald Holtham é ex-diretor do Instituto de Pesquisa de Política Pública) Tradução: Eloise De Vylder

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

A CULTURA NA CORDA BAMBA DA DEMOCRACIA: O REI AINDA VIVE... E RONDA

Por João Veras - músico, advogado e mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina.

Algo tem mudado no campo das políticas públicas de cultura no Acre. E ainda não são os tão esperados aportes financeiros para a pasta da cultura, a efetiva extinção das miudezas da porca política clientelista e promotora de privilégios, e o fim da burocracia na gestão da magia.

O novo é parcial e convive ainda com vícios, mas pode já ser avistado nos gestos, nas palavras, na potência do diálogo. O novo é ainda um projeto que se desliza sobre o papel e se procura nos debates. O novo ainda está na possibilidade do exercício democrático, na conformidade do que, em 1988, a Constituição Federal estabeleceu e a nossa constituição estadual instrumentalizou com a criação, em 1989, de um dos meios efetivadores da participação social na gestão pública que é o conselho de cultura. Se já estamos, sociedade e agentes públicos, preparados, isto são outros quinhentos e espero muito não esperar tanto.

A ausência de políticas públicas de cultura que valorizem, efetivamente, as manifestações da cultura local é um fato comum na nossa história de gestão pública. Como também é fato histórico a ausência de participação e transparência nessas gestões.

Vale registrar um sopro de quase ensaio de gestão democrática ocorrido, aqui, na década de 80, em que, com os ventos da chamada nova república, provamos uma experiência de participação do movimento cultural local na gestão da política cultural. Depois, tudo voltou ao que sempre foi.

Com a ascensão da “esquerda” ao poder, não aconteceu, como tanto esperávamos, a mudança. Não vimos nem democracia, nem política cultural. Muito pelo contrário, o que se sentiu, exceção ao curto período em que Gregório Filho esteve, de novo, à frente da gestão cultural, foi um exercício antidemocrático de gestão pública. Com uma ingrata novidade: uma política de indiferença às manifestações locais e de “eliminação” covarde dos seus críticos. Um governo cujo maior pavor era ser criticado, contraditado. De 1999 a 2006 vivemos períodos turvos. Eu sou testemunha, eu fui/sou presa, eu tenho memória.

Hoje estamos iniciando um processo em que se delineia a tentativa, da parte dos poderes públicos, nas três esferas de governo, de considerar a área cultural como merecedora de suas políticas de gestão com uma certa visão de participação e transparência. Nesse processo, percebo que as idéias contrárias (não à democracia, mas à falta dela) vêm quase que deixando de ser consideradas armas de crime e seus autores (críticos) meliantes criminosos.

Até a instalação do Conselho Estadual de Cultura-CONCULTURA, que se deu em 2005, esperamos 16 anos para ver o governo do estado cumprir com aquela determinação. E tal cumprimento se deveu a dois fatos, pela ordem de importância (na visão governamental): a assinatura do Protocolo de Intenções, proposto pelo Ministério da Cultura de Gilberto Gil, pelo qual os seus signatários locais se comprometiam em se integrar ao sistema nacional de cultura para o que deveriam instalar seus respectivos sistemas estadual e municipais. Um dos itens essenciais era justamente a criação do Conselho de Cultura. O segundo fato se assenta na progressiva mobilização de reivindicação e pressão dos produtores culturais locais, o que culminou, sob a liderança do Observatório Permanente das Artes, o temido OPA, com a realização do Seminário sobre Conselho Cultura, do qual foi tirada uma reivindicação formal e uma proposta de formato de Conselho de Cultura.

O governo Jorge Viana concordou em assinar o protocolo do MINC, o que se deu, a seu estilo midiático, em ato espetacular no palco do teatrão (show da “democracia” para Gil ver). Todavia, para não variar o conhecido estilo antidemocrático de governar, o formato do conselho contido no decreto de instalação não levou em consideração a proposta tirada do movimento artístico por ocasião do referido seminário.

Mas a instalação do conselho, por si só, sobretudo por sua estrutura, em nada resolveria, naquele período, as aspirações de participação do movimento cultural, mesmo porque, ainda na gestão daquele governo, na sua última fase, se sucedeu uma resistência orquestrada, tudo para que o conselho não funcionasse, no sentido de cumprir o seu papel constitucional de espaço/instrumento de democratização da gestão pública de cultura.

Estou certo de que, hoje, estamos passando por um processo diferente no interior do CONCULTURA. Estamos caminhando, não sem dificuldade, para a formalização de um ambiente de diálogo. Dialogo esse que tem resultado numa preocupação institucional de criação e reestruturação do arcabouço jurídico relativo à área cultural. Concordo que tal processo não tem a velocidade devida. Ele é irritantemente lento. Atribuo, como um dos fatores, à falta de dedicação e objetividade da gestão estadual da cultura e do próprio conselho, especialmente em razão da dificuldade de manter um quorum regimental em suas sessões plenárias. Ainda falta compromisso de grande parte de seus membros.

O município de Rio Branco, através de sua atual gestão cultural, inspirada e apoiada pelo CONCULTURA e, também, no compasso do cumprimento do Protocolo de Intenções do MINC, vem desenvolvimento um processo de institucionalização de seu sistema de cultura que julgo, sob o ponto de vista legal, consistente. A sua primeira conferência de cultura, ocorrida em 2007, firmou o quadro jurídico para a formalização de sua política de cultura. O sistema municipal tem agora o que não tinha: respaldo legal. O conselho municipal de política cultural tem um formado inovador, cujo funcionamento, sob o prisma democrático, necessita de um tempo maior para ser avaliado. O melhor ainda se encontra no processo pelo qual a gestão municipal de cultura vem desenvolvimento suas ações com vistas ao funcionamento do seu sistema.

Penso que estamos participando de um tempo de formalização de um arcabouço jurídico que, espero, retire, de algum modo, o poder total do gestor público para impor-lhe obediência às normas do sistema (legal) e às aspirações populares em parte representada pelo movimento cultural que, sem perder a autonomia de se expressar por seus organismos, atua nos fóruns institucionais dos conselhos de cultura.

Preferiria não apostar tanto - como de fato estou - no direito como garantia de que teremos um futuro bem melhor para as políticas públicas de cultura no Acre. Na verdade, minha maior esperança se encontra no exercício permanente de cidadania que cada um de nós, produtores ou não, deveria, só ou acompanhado, investir, apostar, tornar vital. Mas não posso deixar de compreender o contexto que tanto nos tem tornado, nós artistas acreanos, servidores públicos (no sentido funcional mesmo) ao invés de servidos.

Nesse passo, tenho me perguntado até quando iremos continuar sendo levados (e aceitando) a optar entre o andar de um jabuti com febre e o de um leão morto.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

"Quero ficar vivo para salvar a Amazônia"

Edílson Martins
No dia 9 de dezembro, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri (AC), Francisco Mendes Filho, o Chico Mendes, integrante do Conselho Nacional de Seringueiros e conhecido internacionalmente por sua luta ecológica, esteve no Rio para participar de uma mesa redonda intitulada Amazônia a Ferro e Fogo. Nessa ocasião ele concedeu uma entrevista ao
JORNAL DO BRASIL, na qual prenunciava a emboscada que iria sofrer 13 dias depois, na sua fazenda em Xapuri, onde tombou alvejado por uma espingarda. Em seu depoimento, Chico Mendes denuncia que os irmãos Darly e Alvarinho Alves o ameaçaram de morte e mandaram assassinar mais de 30 trabalhadores rurais. Naquele mesmo dia, o deputado estadual João Carlos Batista, do Partido Socialista Brasileiro, declarou na tribuna da Assembléia Legislativa do Pará que estava sendo ameaçado de morte. Ele era advogado de posseiros e foi assassinado na noite do mesmo dia - era o sexto de uma lista de oito marcados para morrer. Seu depoimento póstumo saiu na edição do dia 18 do JORNAL DO BRASIL. As duas histórias guardam semelhanças brutais. Nesta página, publicamos a íntegra da entrevista de Chico Mendes.
JORNAL DO BRASIL - Como está a situação no Acre?
CHICO MENDES - Minha segurança ultimamente foi reforçada, no Acre, por decisão do governador Flaviano de Melo. Ele sabe que um assassinato vai complicar a situação do estado. Não que a morte de um seringueiro no Acre seja novidade. Mas é que o nosso movimento tornou-se conhecido mundialmente. Principalmente junto às autoridades do Banco Mundial (Bird), do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Congresso americano. Ora, não se bate de frente com essas entidades. Hoje minha vida passa pelos policiais da PM. Tenho tido uma relação amigável com meus seguranças.
JORNAL DO BRASIL - Quem mais o ameaça Publicamente?
CHICO MENDES - Agora são dois fazendeiros em Xapuri (AC), os proprietários da Fazenda Paraná, Darly Alves e Alvarinho Alves. São irmãos. Estão inclusive foragidos da Justiça, com mandado de prisão decretado. Desde 1973, esses dois fazendeiros tinham ordem de prisão no Paraná. Nós invocamos essa ordem de prisão para o Acre, e confiamos, infelizmente, no superintendente da Polícia Federal, Mauro Spósito, que reteve durante 16 dias essa ordem de prisão. Segundo o próprio juiz da Comarca de Xapuri, tal retenção não foi por acaso. Houve uma expectativa inicial: quem teria avisado os dois foragidos da Justiça? Hoje estamos absolutamente convencidos, por informações vazadas do próprio DPF, que esses dois fazendeiros são amigos do delegado da Policia Federal no Acre, Mauro Spósito. Os irmãos já mandaram assassinar mais de 30 trabalhadores.
JORNAL DO BRASIL - Cite algum desses crimes.
CHICO MENDES - Na noite de 27 de maio deste ano eles mandaram atacar o nosso acampamento de trabalhadores, em Xapuri, onde dois seringueiros foram baleados: Raimundo Pereira e Manuel Custódio. Foram brutalmente baleados. Logo em seguida, no dia 18 de junho, Ivair Ginho foi morto numa emboscada com espingarda calibre 12, dois tiros, e mais oito de revólver. Foi assassinado por grupos a serviço desses dois fazendeiros. Logo em seguida, em agosto, tudo neste ano apenas, um outro trabalhador, José Ribeiro, em Xapuri, foi também assassinado por pistoleiros.
JORNAL DO BRASIL - Qual a razão dessas mortes?
CHICO MENDES - São assassinos profissionais, frios e covardes. Depois, com tal atuação, eles estabelecem o pânico. Criam o clima de intimidação, apavoram a população.
JORNAL DO BRASIL - Qual é a ameaça dos dois irmãos fazendeiros?
CHICO MENDES - Só se entregariam à Justiça após verem o meu cadáver. Duvido que se entreguem. A PM do Acre sabe da existência de pistoleiros no meu encalço, a serviço deles.
JORNAL DO BRASIL - Onde o perigo é maior?
CHICO MENDES - Nos aeroportos. É porque desconfio que vão me pegar. Agora em São Paulo tive o acompanhamento de policiais civis e PMs do estado. Ao chegar no Rio, estou também sob a cobertura de amigos e do pessoal da Campanha Nacional de Defesa pelo Desenvolvimento da Amazônia (CNDDA).
JORNAL DO BRASIL - Ao retornar, agora, ao Acre, sua vida corre mais perigo ainda?
CHICO MENDES - Eu tenho consciência de que todas as lideranças populares, nesses últimos dez anos - advogados, padres, pastores, líderes sindicais - todos eles foram mortos. Mesmo com a garantia de vida do governo. Não precisa nem citar exemplos, pois eles estão vivos na memória de todos. Tenho esperança de continuar vivo. É vivo que a gente fortalece essa luta. De parte do governo do estado não tenho o que temer. Pelo contrário. Agora, por outro lado, eu estou diante de dois inimigos poderosos: a União Democrática Ruralista (UDR) e a Polícia Federal no Acre.
JORNAL DO BRASIL - A Polícia Federal o acusa agora de dedo-duro. Mas a Imprensa de Rio Branco já denunciou essa velha manobra, como herança dos anos ditatoriais.
CHICO MENDES - É uma campanha de calúnia, na tentativa de me desmoralizar na região. Mas vamos supor que de fato eu seja um informante da Superintendência da Policia Federal no Acre. Ora, o doutor superintendente estaria cometendo um desserviço ao queimar um quadro tão conhecido. Mas não é por aí. Estou sob dois fogos. Na data em que ele me acusa de informante, em 1975, eu estava sendo submetido a duros interrogatórios, sob o comando desse policial, em Xapuri.
JORNAL DO BRASIL - Xapuri, município acreano, é a frente mais avançada, em toda a Amazônia, na defesa intransigente da floresta? É a frente Política mais conseqüente desse resistência?
CHICO MENDES - Poderíamos dizer que é a Frente Verde da Amazônia. É o único lugar, única região, em toda a Amazônia, em que, neste ano de 1988, os fazendeiros só conseguiram desmatar 50 hectares de selva. A previsão era desmatar 10 mil hectares de floresta primária, mata virgem.
JORNAL DO BRASIL - Um pouco mais que três parques nacionais da Floresta da Tijuca juntos. A floresta tomba, e vocês também. Quantos companheiros vocês perderam?
CHICO MENDES - No Acre, seis companheiros. De liderança expressiva perdemos o Wilson Pinheiro, em 1980. Essa luta contra os desmatamentos criminosos começa em 1975. É uma luta com mais de 13 anos. O marco dessa luta é o dia 10 de março de 1986. É aí que tem início o primeiro empate assumido, num seringal em Brasiléia, no Acre.
JORNAL DO BRASIL - O que é um empate?
CHICO MENDES - É uma forma de luta que nós encontramos para impedir o desmatamento. É forma pacífica de resistência. No início, não soubemos agir. Começavam os desmatamentos e nós, ingenuamente, íamos à Justiça, ao Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), e aos jornais denunciar. Não adiantava nada. No empate, a comunidade se organiza, sob a liderança do sindicato, e, em mutirão, se dirige à área que será desmatada pelos pecuaristas. A gente se coloca diante dos peões e jagunços, com nossa famílias, mulheres, crianças e velhos, e pedimos para eles não desmatarem e se retirarem do local. Eles, como trabalhadores, a gente explica, estão também com o futuro ameaçado. E esse discurso, emocionado sempre gera resultados. Até porque quem desmata é o peão simples, indefeso e inconsciente.
JORNAL DO BRASIL - Mas Isso fura às vezes?
CHICO MENDES - Sim, o fazendeiro recorre a uma ordem judicial e, com apoio das forças policiais, executa o desmatamento. Espero que com a nova Constituição esse absurdo não prossiga. Mesmo assim, nosso movimento continuava crescendo, sem prejuízo de grandes recuos. Já em 1980, esse movimento dos seringueiros, movimento de empate, se generalizava por toda a região. Até aquele momento, a luta era liderada pelo Wilson Pinheiro, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia (AC). Era um homem comprometido com a defesa da floresta e muito corajoso.
JORNAL DO BRASIL - Quer dizer que essa luta começa em Brasiléia?
CHICO MENDES - Começa em Brasiléia. Só que, em 1980, o Wilson Pinheiro foi assassinado dentro do sindicato, pelas costas, quando assistia a um programa de televisão. Foi assassinado a mando de fazendeiros. Houve uma reunião dos fazendeiros, em julho de 1980, em que ficou acertado que uma forma de barrar o movimento dos seringueiros era matar as principais lideranças. Na noite de 21 de julho de 1980, Wilson foi fuzilado na sede de seu próprio sindicato. A nossa luta sofre um grande abalo. Mas logo depois ressurge em Xapuri, que fica a menos de 100 quilômetros de Brasiléia. E Xapuri, via sindicato, começa a comandar todas as nossas operações de resistência, e vale dizer resistência pacifica, mas resistência. Quando conduzimos nossas famílias para o empate, deixamos transparente que o movimento é pacífico. Ninguém vai pra guerra levando mulher e filhos.
JORNAL DO BRASIL - Qual o balanço dessa resistência em defesa da floresta?
CHICO MENDES - Bom, de março de 1976 até agora já realizamos 45 empates, sofremos 30 derrotas e tivemos 15 vitórias.
JORNAL DO BRASIL - O empate tem que objetivo?
CHICO MENDES - Criar um fato político. Mais que isso: desapropriar a área e final- mente criar a Reserva Extrativista.
JORNAL DO BRASIL - A Reserva Extrativista é uma criação de vocês?
CHICO MENDES - Veja bem: até 1984, a gente realizava os empates, mas não tínhamos muita clareza do que queríamos. Sabíamos que o desmatamento era o nosso fim e de todos os seres vivos existentes na selva. Mas a coisa terminava aí. As pessoas falavam: "Vocês querem impedir o desmatamento e transformar a Amazônia em santuário? Intocável?". Estava aí o impasse. A resposta veio através da Reserva Extrativista. Vamos utilizar a selva de forma racional, sem destruí-la. Os seringueiros, os índios, os ribeirinhos há mais de 100 anos ocupam a floresta. Nunca a ameaçaram. Quem a ameaça são os projetos agropecuários, os grandes madeireiros e as hidrelétricas com suas inundações criminosas. Nas reservas extrativistas, nós vamos comercializar e industrializar os produtos que a floresta generosamente nos concede. Temos na floresta o abacaba, o patoá, o açaí, o buriti, a pupunha, o babaçu, o tucumã, a copaíba, o mel de abelha, que nem os cientistas conhecem. E tudo isso pode ser exportado, comercializado. A universidade precisa vir acompanhar a Reserva Extrativista. Estamos abertos a ela. A Reserva Extrativista é a única saída para a Amazônia não desaparecer. E mais: essa reserva não terá proprietários. Ele vai ser um bem comum da comunidade. Teremos o usufruto, não a propriedade.
JORNAL DO BRASIL - Quem aprovou a idéia primeiro?
CHICO MENDES - Por incrível que pareça foi o exterior. Lamentamos que isso tenha acontecido. Em 1987, em janeiro, recebemos uma comissão da ONU, em Xapuri. Viram nossa luta. Já em março desse mesmo ano fui convidado a participar de uma reunião do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Miami. Por que minha presença ao lado desses banqueiros? Por que são esses bancos que com seus financiamentos estão destruindo a Amazônia. Durante esse encontro fui entrevistado seguidas vezes pela imprensa internacional. Não fui procurado por um único jornalista brasileiro. Logo depois, fui ao Congresso e falei para os congressistas americanos.
JORNAL DO BRASIL - Que denúncias foram feitas?
CHICO MENDES - Os projetos financiados pelos bancos internacionais na Amazônia. Esses projetos estão destruindo todas as formas de vida na última reserva verde que sobrou na Terra.
JORNAL DO BRASIL - O governo de Rondônia parece não gostar de sua atuação, que teria ajudado a suspender o financiamento de um projeto de US$ 200 milhões por parte do Banco Mundial (Bird). É verdade?
CHICO MENDES - O governo de Rondônia anunciou um projeto com mais de 1 milhão de hectares para criação de reservas extrativistas. Tudo armação. Denunciamos. Mandei uma carta para o Bird, alertando-o sobre a importância do projeto. A partir disso, o empréstimo foi sustado.
JORNAL DO BRASIL - Rondônia foi violentada?
CHICO MENDES - A maior vítima de todos esses projetos de desenvolvimento. Nada similar foi feito no mundo em termos de destruição em tempo tão curto. Terras férteis transformadas em pastos, mata queimada, seringueiros expulsos. Um apocalipse.
JORNAL DO BRASIL - Quantas reservas extrativistas já foram criadas no Acre?
CHICO MENDES - O governador já aprovou o São Luís do Remanso, 40 mil hectares; Santa Quitéria, em Brasiléia, com 40 mil hectares, que já está se encaminhando; e o Seringal Cachoeira, com 25 mil hectares, em Xapuri, na base da luta, do empate, da resistência; e Macauã, em Sena Madureira, com mais de 50 mil hectares. Nós não ignoramos que o governador Flaviano de Melo também recebe muita pressão dos fazendeiros.
JORNAL DO BRASIL - O governador Flaviano de Melo já foi ameaçado de seqüestro pelos madeireiros.
CHICO MENDES - Ele tentou regulamentar o desmatamento. Mexeu em casa de marimbondo. Hoje há um corredor de fumaça que vai de Mato Grosso do Sul até o Acre. Isto apenas nos meses de agosto e setembro. Este ano, em quase 50 anos de Amazônia, nunca vi tantas queimadas. Estão incendiando tudo. Todos os aeroportos, durante o ano passado, ficaram interditados durante uma semana. Este ano, essa interdição foi além de um mês. A Amazônia, vista de cima, nesse período, é fumaça só. E como dói.
JORNAL DO BRASIL - Você já ganhou duas comendas?
CHICO MENDES - O Prêmio Global 500, da ONU, e uma medalha da Sociedade para um Mundo Melhor, em Nova Iorque. Além de uma na Inglaterra e outra nos Estados Unidos.
JORNAL DO BRASIL - Com prêmios e reconhecimento internacional, você então seria um cadáver delicado?
CHICO MENDES - Se descesse um enviado dos céus e me garantisse que minha morte iria fortalecer nossa luta até que valeria a pena. Mas a experiência nos ensina o contrário. Então eu quero viver. Ato público e enterro numeroso não salvarão a Amazônia. Quero viver.*Jornal do Brasil, 25/12/1988.

Ninguém merece...

domingo, 7 de dezembro de 2008

Movimentos Sociais na Amazônia Brasileira: 20 Anos Sem Chico Mendes.

POR: Profº Dr. Elder Andrade (UFAC) e Profº Dr. Silvo Simione (UFAC).
Resumo
Governo do Estado do Acre, instituições do governo federal, Comitê Chico Mendes, representantes do sindicalismo rural e Rede Globo tomaram a iniciativa em 2008, de marcar através de uma série de eventos, os “vinte anos sem Chico Mendes”. As diversas encenações anunciadas procuram coroar em “alto estilo” uma monumental transmutação do legado revolucionário de uma das principais lideranças do sindicalismo rural na Amazônia brasileira, convertido em pacato “ambientalista”. O objetivo desta Comunicação2 é mostrar que essa transmutação foi habilmente articulada pelo Estado (no sentido ampliado) na tentativa de re-significar a natureza e a cultura para fins de legitimação da ideologia do “desenvolvimento sustentável” e assim, facilitar o processo de espoliação em curso na Amazônia. Nas conclusões, procura-se mostrar que apesar de bem sucedida no decorrer dessas duas décadas, essa estratégia começa a mostrar sinais de esgotamento, existem evidências de retomada da “voz” por parte de alguns movimentos sociais na região, como é o caso da Via Campesina. A abordagem está referenciada no método histórico comparativo e na análise de processos e fenômenos sociais vinculados ao ambientalismo internacional.
Palavras-chave:
Chico Mendes; Amazônia/ambientalismo; movimentos sociais.
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BOA LEITURA!

sábado, 6 de dezembro de 2008

A OCUPAÇÃO DE TERRAS POR ESTRANGEIROS NA FRONTEIRA OESTE DO BRASIL NOS PROMÓRDIOS DA REPÚBLICA: OCUPAR PARA DESINTEGRAR

Por: Domingos Savio da Cunha Garcia (Professor no departamento de História da UNEMAT; doutorando em Economia Aplicada (área de concentração em História Econômica) no Instituto de Economia da UNICAMP).
As duas primeiras décadas da República presenciaram um acelerado processo de ocupação de terras por estrangeiros na fronteira do Brasil com a Bolívia, na parte pertencente ao antigo estado de Mato Grosso. Essa região, de difícil acesso, com escassa presença do Estado na época e situada na interseção das bacias do Prata e Amazônica, esteve no centro de ações de estrangeiros, principalmente de belgas, estes com larga experiência na questão colonial.
No quadro da geopolítica internacional do período e das condições de crise política e econômica vivida pelo Brasil nos primórdios da República, com repercussões inclusive em Mato Grosso, este trabalho procura mostrar que esse processo de ocupação territorial por estrangeiros no oeste tinha uma envergadura tal que ultrapassava os limites de uma simples ação econômica e se cobria de interesses comerciais tendo em vista abrir caminhos para uma ação política. Por outro lado procuramos recuperar alguns elementos históricos referentes à ocupação do oeste, particularmente no período colonial, destacando a atração representada pela idéia da transposição das bacias Amazônica e Platina e a construção mitológica da "Ilha Brasil" como fator de estímulo à presença estrangeira na fronteira oeste.
1- A ocupação da região oeste do território colonial português na América, constitui um dos temas de recorrente reflexão por parte da historiografia sobre essa região. Essa contínuo debate que se realiza sobre o assunto, talvez tenha relação com o fato de que envolva elementos fundamentais para a geopolítica da região, com traumas que envolvem acontecimentos em tempos não distantes e que deixaram marcas profundas em nossa história. Dentre esses acontecimentos podemos destacar a Guerra do Paraguai e a chamada "Questão do Acre" [...]
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TERRA E TRABALHO NOS NÚCLEOS DE COLONIZAÇÃO AGRÍCOLA DA AMAZÔNIA ORIENTAL (SÉCULO XIX).

POR: Francivaldo Alves Nunes (Mestre em História Social da Amazônia pela Universidade Federal do Pará. Atualmente é doutorando em História Social pela Universidade Federal Fluminense. E-mail: francivaldonunes@yahoo.com.br).
Resumo: Considerando os núcleos de colonização agrícola na província do Pará, também chamada de Amazônia Oriental, como resultado do trabalho diária dos colonos no interior desses espaços; nos ocuparemos nesta comunicação em destacar a atuação dos colonos na lida com a terra, principalmente quanto às atividades de cultivo. Nossa proposta, além de analisar a atuação dos colonos, será perceber a ação de controle do governo sobre essas atividades e as estratégias de resistência dos colonos frente às estas ordenações. Diríamos que a relação terra e trabalho materializado nas atividades de plantio, ao mesmo tempo em que podia ser utilizada como instrumento de controle; do ponto de vista dos colonos, servia como instrumento de resistência e luta por melhores condições sociais.
Palavras-chaves: Terra – Trabalho – Núcleos Coloniais.
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segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Foucault x Chomsky

RESUMO DE LIVRO: FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. edª16. Rio de Janeiro: Graal. 2001.





INTRODUÇÃO: POR UMA GENEALOGIA DO PODER (Roberto Machado)



- Qual a grande inovação metodológica assinalada em 1961 pela HISTÓRIA DA LOUCURA? A resolução de estudar em diferentes épocas e sem se limitar a nenhuma disciplina – os saberes sobre a loucura para estabelecer o momento exato e as condições de possibilidade do nascimento da psiquiatria. “Projeto este que deixou de considerar a história de uma ciência como o desenvolvimento linear e contínuo a partir de origens que se perdem no tempo e são alimentadas pela interminável busca de precursores” p. VII.



- A ARQUEOLOGIA do saber complementa a GENEALOGIA do poder.
- Estabelecem-se relações entre os saberes, cada um considerado como positividade específica, a positividade do que foi efetivamente dito e deve ser aceito como tal e não julgado a partir de um saber posterior e superior.O objetivo não é sancionar ou invalidar o saber, mas perceber o estabelecimento de regularidades que permitam individualizar formações discursivas (VII-VIII).



- Outra novidade metodológica: não se limitar ao nível do discurso para dar conta da questão da formação histórica da psiquiatria. A análise centrou-se nos espaços institucionais, descobrindo uma heterogeneidade entre os discursos teóricos.
- A psiquiatria é o processo de dominação do louco que começou muito antes dela. Não foi quem descobriu a essência da loucura.



- NASCIMENTO DA CLÍNICA (1963): marca a diferença entre a medicina moderna e a medicina clássica. Caracteriza a ruptura. Não se deve opor a medicina moderna a seu passado como se opõem a ciência a pré-ciência. Estabelece e caracteriza essa ruptura. “Não se deve opor a medicina moderna a seu passado como se opõe ciência a pré-ciência, racionalidade a irracionalidade, verdade a erro” p. VIII.
- O que mudou foi a própria positividade do saber com seus objetos, conceitos e métodos diferentes. A arqueologia buscou explicitar os princípios de organização da medicina em épocas diferentes[1]. O objetivo principal do livro é explicitar os princípios constitutivos da medicina moderna, definindo o tipo específico da ruptura que ela estabelece. Criticou a idéia de progresso na história da ciência.
- Quando se tratou de analisar historicamente as condições de possibilidade da psiquiatria, o próprio desenvolvimento da pesquisa apontou o saber sobre o louco (diretamente articulado com as práticas institucionais do internamento) como mais relevante do que o saber teórico sobre a loucura.



- AS PALAVRAS E AS COISAS (1966) – o objetivo é aprofundar e generalizar inter-relações conceituais capazes de situar os saberes constitutivos das ciências humanas, sem pretender articular as formações discursivas com as práticas sociais. A tese do livro é: só pode aparecer ciência humana[2] a partir do momento em que o aparecimento das ciências empíricas[3] e das filosofias modernas[4], tematizaram o homem como objeto e como sujeito de conhecimento, abrindo a possibilidade de um estudo do homem como representação.
Proposta arqueológica “... consistia em descrever a constituição das ciências humanas a partir de uma inter-relação de saberes, do estabelecimento de uma rede conceitual que lhes cria o espaço de existência, deixando propositalmente de lado as reações entre os saberes e as estruturas econômicas e políticas” p. IX.



- ARQUEOLOGIA DO SABER (1969): é uma história do saber. Reflete sobre as precedentes análises históricas com o objetivo não só de explicitar ou sistematizar, mas, sobretudo, de clarificar ou aperfeiçoar os princípios formulados a partir das próprias exigências das pesquisas. A arqueologia estabelece a constituição dos saberes, privilegiando as inter-relações discursivas e sua articulação co as instituições para responder como os saberes apareciam e se transformavam.
- A GENEALOGIA responde o porquê dos saberes aparecerem e se transformarem. Explica o aparecimento de saberes a partir de condições de possibilidade externas aos próprios saberes. Não se trata de considerá-los efeito ou resultado, mas situá-los como elementos de um dispositivo de natureza essencialmente estratégica. São técnicas infinitas de poder que estão intimamente relacionadas com a produção de determinados saberes. A análise é ascendente. Não devemos partir do Estado para explicar a constituição dos saberes na sociedade capitalista.



- VIGIAR E PUNIR (1975); A VONTADE DE SABER (1976); HISTÓRIA DA SEXUALIDADE (vol. 1) e o primeiro volume de História da Sexualidade: foi a introdução nas análises históricas da questão do poder como um instrumento de análise capaz de explicar a produção dos saberes.
- O poder não é um objeto natural, uma coisa, mas uma prática social e, como tal, é constituída historicamente (p. X). Para Foucault, toda teoria é provisória e acidental, pois depende do estado de desenvolvimento das pesquisas[5].



- A genealogia tira do Estado o monopólio do poder. Existem formas de exercício de poder diferente da do Estado. O Estado é uma forma específica de espaço de poder. Os poderes periféricos, capilares ou moleculares não são confiscados e absorvidos pelo aparelho de Estado.
- As condições de possibilidades políticas de saberes (medicina ou psiquiatria) podem ser encontradas fora da relação direta com o Estado, mas por uma articulação com poderes locais. “O que aparece como evidência é a existência de formas de exercício do poder diferentes do Estado” (p. XI).



- Há uma relativa independência da periferia com relação ao centro. As mudanças minúsculas do o poder não estão necessariamente ligadas às mudanças do Estado. O controle do Estado por forças progressivas não é o suficiente para transformar a rede de poderes que impera em uma sociedade. “... as análises indicaram claramente que os poderes periféricos e moleculares não foram confiscados e absorvidos pelo aparelho de Estado. Não são necessariamente criados pelo Estado... os micro-poderes existem integrados ou não ao Estado...” (p. XII).
“O importante é que essa relativa independência ou autonomia da periferia com relação ao centro significa que as transformações ao nível capital, minúsculo, do poder não estão necessariamente ligadas às mudanças ocorridas no âmbito do Estado. Isso pode acontecer ou não...” (p. XII).



“A razão é que o aparelho de Estado é um instrumento específico de um sistema de poderes que não se encontra unicamente nele localizado, mas o ultrapassa... nem o controle, nem a destruição do aparelho de Estado, como muitas vezes se pensa... é suficiente para fazer desaparecer ou para transformar... a rede de poderes que impera em uma sociedade” (p. XIII).
- Foucault deu conta do nível molecular de exercício do poder, sem partir do centro para a periferia. Não se trata de minimizar o papel do Estado nas relações de poder existentes em determinada sociedade. Estuda o poder não como uma dominação global e centralizada que se pluraliza e tem repercussão nos outros setores da vida social. O Estado não é necessariamente o ponto de partida, a origem de todo tipo de poder social e do qual se deveria partir para explicar a constituição dos saberes nas sociedades capitalistas.
“O que se pretendia era se insurgir contra a idéia de que o Estado seria o órgão central e único de poder...” (p. XIII).



- O Estado não é o órgão central e único de poder. Os poderes não estão localizados em nenhum ponto específico da estrutura social. O poder é algo que se exerce. Não existe de um lado os que têm o poder e, de outro, aqueles que se encontram dele alijados. O poder não existe, o que existe são práticas ou relações de poder. Qualquer luta é sempre resistência dentro da própria rede do poder[6]. Onde há poder, há resistência. Não existe o lugar da resistência, mas pontos móveis e transitórios (p. XIV).
O poder é luta, afrontamento, relação de força; não é um lugar que se ocupa, nem um objeto que se possui. É algo que se exerce. É uma disputa que se ganha ou perde
A GENEALOGIA desenvolveu uma concepção não-jurídica do poder[7]. A idéia de Foucault é mostrar que as relações de poder não se passam fundamentalmente ao nível do direito, nem da violência, muito menos no nível meramente contratual.



- VIGIAR E PUNIR: mostra que é falso definir o poder como algo que se diz NÃO, que impõe limites, que castiga. Critica a concepção negativa do poder que o associa a repressão e ao Estado. Este manifestaria o poder aos cidadãos através da repressão. Diz que a dominação capitalista não conseguiria se manter se fosse exclusivamente baseada na repressão.
- O poder tem um lado positivo, transformador e produtivo. O poder produz rituais de verdade. O poder tem como alvo o corpo humano, não para supliciá-lo, mutilá-lo, mas para aprimorá-lo, adestrá-lo. Pretende-se gerir a vida dos homens, controlar seus comportamentos. Pretende-se fazer o homem produzir mais com poucas inconveniências. Aumentar a força econômica e diminuir a força política. Diminuir sua capacidade de revolta, de resistência, de luta, de insurreição contra as ordens do poder, neutralização dos efeitos de contra-poder. Tornar os homens politicamente dóceis.

- PODER DISCIPLINAR: não é nem uma instituição e nem um aparelho. É uma técnica, um dispositivo, um instrumento de poder. São métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que asseguram a sujeição constante de suas forças e lhes impõe uma relação de docilidade-utilidade. Fabrica o tipo de homem necessário ao funcionamento e manutenção da sociedade industrial capitalista.

- A DISCIPLINA é um tipo de organização do espaço. É uma técnica de distribuição dos indivíduos através da inserção dos corpos em um espaço individualizado e classificatório. A DISCIPLINA[8] é uma sujeição do corpo ao tempo, com o objetivo de produzir com o máximo de rapidez.

- A VIGILÂNCIA é o principal instrumento de controle da disciplina. É uma vigilância contínua e permanente que precisa ser vista pelos indivíduos que a ela estão expostos. Precisa penetrar nos lugares mais recônditos e estar presente a toda hora. Em resumo: PANOPTICON (ver tudo sem ser visto)[9].

- O corpo só se torna força de trabalho quando trabalhado pelo sistema político de dominação característica do poder disciplinar. Pirâmides de olhares: um vigia o outro. O PODER DISCIPLINAR não destrói o indivíduo, ao contrário, ele o fabrica. “A disciplina ao mesmo tempo em que exerce o poder, produz um saber”.

GENEALOGIA: uma de suas teses principais é a de que o PODER produz individualidades. O indivíduo é uma produção ou um efeito do poder e do saber. O indivíduo não pode ser considerado uma matéria inerte anterior e exterior às relações de poder por elas atingido, submetido e destruído. É o hospício que produz o louco como doente mental - personagem individualizado a partir da instauração de relações disciplinares de poder.

- Não é todo o poder que individualiza. Somente o poder disciplinar individualiza, este poder é uma forma específica de dominação. Adestra o gesto, regula o comportamento, normaliza o prazer, interpreta o discurso com o objetivo de fazer aparecer, pela primeira vez na história, o HOMEM, como produção do poder e objeto do saber. Como as ciências humanas apareceram? Arqueologia tende a responder. Porque elas aparecerem? Genealogia tende a responder.
Não se procura as condições de possibilidades históricas das ciências humanas nas relações de produção, como sendo resultante da superestrutura. Não se relaciona o saber com a econômica.

- A GENEALOGIA considera o saber[10] como peça de um dispositivo político que, enquanto dispositivo, se articula co a estrutura econômica. Determinadas práticas políticas disciplinares originam certos domínios de saber.

- Entre a Ciência e Ideologia não há espaços demarcatórios, não são vistas separadamente[11]. O OBJETIVO é neutralizar a idéia que faz da ciência um conhecimento em que o sujeito vence as limitações de suas condições particulares de existência instalando-se na NEUTRALIDADE objetiva do universal; além, de fazer da ideologia um conhecimento em que o sujeito tem sua relação com a verdade perturbada, obscurecida, velada pelas condições de existência.

- A investigação do saber não deve remeter a ORIGEM do conhecimento a um sujeito. Mas a relações de poder que lhe constituem. NÃO HÁ SABER NEUTRO. TODO SABER É POLÍTICO. Todo saber tem sua GÊNESE em relações de poder[12]. Não há relação de poder sem constituição de um campo de saber. Todo saber constitui relações de poder. Todo ponto de exercício do poder é um lugar de formação de saber. Todo saber assegura o exercício do poder.

CAP. 1 – VERDADE E PODER (p. 01)

“Pareceu-me que em certas formas de saber empírico... o ritmo das transformações não obedecia aos esquemas suaves e continuístas de desenvolvimento que normalmente se admite.... Não são simplesmente novas descobertas, é um novo regime no discurso e no saber...” p. 3
- As rupturas referem-se a uma modificação nas regras de formação dos enunciados que são aceitos como cientificamente verdadeiros. É uma questão de política do enunciado científico. É preciso saber: “... que efeitos de poder circulam entre os enunciados científicos... como e porque em certos momentos ele se modifica de forma global” p. 4.

“Admite-se que o estruturalismo tenha sido o esforço mais sistemático para eliminar, não apenas da etnologia, mas de uma série de outras ciências e até da história, o conceito de acontecimento. Eu não vejo quem possa ser mais antiestruturalista do que eu” p. 5.
“Creio que aquilo que se deve ter como referência não é o grande modelo da língua e dos signos, mas sim da guerra e da batalha. A historicidade que nos domina e nos determina é belicosa e não lingüística” p. 5.
“A HISTÓRIA NÃO TEM SENTIDO, o que não quer dizer que seja absurda ou incoerente. Ao contrário, é inteligível e deve poder ser analisada em seus menores detalhes, mas segundo a inteligibilidade das lutas, das estratégias, das táticas” p.5.

- Foucault recusa o SUJEITO CONSTITUINTE, remetendo a problemática das possibilidades discursivas à uma trama histórica. “É preciso se livrar do sujeito constituinte, livrar-se do próprio sujeito, isto é, chegar a uma análise que possa dar conta da constituição do sujeito na trama histórica. É isto que eu chamaria de GENEALOGIA, isto é, uma forma de história que dê conta da constituição dos saberes, dos discursos, dos domínios de objeto, etc. sem ter que se referir a um sujeito, seja ele transcendente com relação ao campo de acontecimentos, seja perseguindo sua identidade vazia ao longo da história” p. 7
O problema não é avaliar num discurso o que de fato revela de cientifico ou verdadeiro, mas “... ver historicamente como se produzem efeitos de verdade no interior de discursos que não são em si nem verdadeiros nem falsos” p. 7.


“O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz o prazer, forma saber, produz discurso. Deve considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir” p. 8.
“... a verdade não existe fora do poder ou sem poder... A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem o seu regime de verdade, sua política geral de verdade, isto é, os tipos de discursos que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiro... o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer que funciona como verdadeiro” p. 12.
“... a verdade é centrada na forma do discurso científico e nas instituições que o produzem; está submetida a uma constante incitação econômica e política (necessidade de verdade tanto para a produção econômica, quanto para o poder político); é objeto, de várias formas, de uma imensa difusão e de um imenso consumo (circula nos aparelhos de educação ou de informação, cuja extensão no corpo social é relativamente grande, não obstante algumas limitações rigorosas); é produzida e transmitida sob o controle, não exclusivo, mas dominante, de alguns grandes aparelhos políticos ou econômicos (universidade, exército, escritura, meios de comunicação); enfim, é objeto de debate político e de confronto social (as lutas ideológicas)” p. 13.

“... por verdade não quero dizer o conjunto das coisas verdadeiras a descobrir ou a fazer aceitar, mas o conjunto de regras segundo as quais se distingue ao verdadeiro do falso e se atribui aos verdadeiros efeitos específicos de poder” p. 13.


CAP. II - NIETZSCHE: A Genealogia e a História (p. 15)


- Foucault diz que os ingleses se ENGANARAM ao “... descrever gêneses lineares... como se as palavras tivessem guardado seu sentido, os desejos sua direção, as idéias sua lógica. Como se esse mundo de coisas ditas e queridas não tivesse conhecido invasões, lutas, rapinas, disfarces, astúcias. Daí, para a genealogia, um indispensável demorar-se: MARCAR A SINGULARIDADE DOS ACONTECIMENTOS... apreender seu retorno não para traçar a curva lenta de uma evolução, mas para reencontrara as diferentes cenas onde eles desempenharam papéis distintos; e até definir o ponto de sua lacuna, o momento e que eles não aconteceram...” p. 15.

“Ela (a genealogia) deve construir seus momentos ciclópicos... Ela se opõe ao desdobramento meta-histórico das significações ideais e das indefinidas teleologias. Ela se opõe à pesquisa da origem” p. 16.
- Nietzsche aborda a questão da genealogia em dois momentos: a) A Gaia Ciência; b) Para Genealogia da Moral; c) Humano, demasiadamente humano. Porque recusar a pesquisa da origem?
“Porque, primeiramente, a pesquisa, nesse sentido, se esforça para recolher nela a essência exata da coisa, sua mais pura possibilidade, sua identidade cuidadosamente recolhida em si mesma, sua forma imóvel e anterior a tudo o que é externo, acidental, sucessivo. Procurar uma tal origem é tentar reencontrar o que era imediatamente, o aquilo mesmo de uma imagem exatamente adequada de si... é querer tirar todas as máscaras para desvelar, enfim, uma identidade primeira[13]”. P. 17.

“De fato, ela é apenas uma invenção das classes dominantes. O que se encontra no começo histórico das coisas não é a identidade ainda preservada da origem - é a discórdia entre as coisas, é o disparate. A história ensina também a rir das solenidades da origem. A alta origem é o exagero metafísico que reaparece na concepção de que no começo de todas as coisas se encontra o que há de mais precioso e de mais essencial[14]” p. 18.
“... gosta-se de acreditar que as coisas em seu início se encontravam em estado de perfeição; que elas saíram brilhantes das mãos do criador, ou na luz sem sombra da primeira manhã. A origem está sempre antes da queda, antes do corpo, antes do mundo e do tempo; ela está do lado dos deuses, e para narrá-la se canta sempre uma teogonia...” p. 18.
OBS: Procura-se despertar o sentimento de soberania do homem mostrando seu nascimento divino. A origem seria o lugar da verdade. Darwin mexeu com tudo isso, ao colocar na origem do homem o macaco.

Fazer genealogia é “... demorar nas meticulosidades e nos acasos dos começos; prestar uma atenção escrupulosa a sua derrisória maldade; esperar vê-los surgir, máscaras, enfim, retiras com o rosto do outro; não ter pudor de ir procurá-las lá onde elas estão, escavando os basfond; deixar-lhes o tempo de elevar-se do labirinto onde nenhuma verdade as manteve jamais sob sua guarda. A GENEALOGIA necessita da história para conjurar a quimera da origem...” p. 19.
“A verdade, espécie de erro que tem a seu favor o fato de não poder ser refutada, sem dúvida por que o longo cozimento da história a tornou inalterável” p. 19.
“A verdade e seu reino originário tiveram sua história na história” p. 19.
“É preciso ser metafísico para lhe procurar uma alma na idealidade longínqua da origem” p. 20.
É a tentativa de encontrar em um indivíduo antepassado um sentimento de caracteriza e marca a sociedade em que viveu. Em vez de encontrar o que de há em comum entre os seres, exclui e esconde as dessemelhanças.



“Lá onde a alma pretende se unificar, lá onde o Eu inventa para si uma identidade ou uma coerência, o genealogista parte em busca do começo - dos começos inumeráveis que deixam esta suspeita de cor, esta marca quase apagada que não saberia enganar um olho, por pouco histórico que seja; a análise da proveniência permite dissociar o EU e fazer pulular nos lugares e recantos de sua síntese vazia, mil acontecimentos agora perdidos” p. 20.
“A genealogia não pretende recuar no tempo para restabelecer uma grande continuidade para além da dispersão do esquecimento; sua tarefa não é a de mostrar que o passado ainda está lá, bem vivo no presente, animando-o ainda em segredo, depois de ter imposto a todos os obstáculos do percurso uma forma delineada desde o início”.
“Seguir o filão complexo da proveniência é manter o que se passou na dispersão que lhe é própria: é demarcar os acidentes, os ínfimos desvios, os erros, as falhas na apreciação, os maus cálculos que deram nascimento ao que existe e tem valor para nós; é descobrir que na RAIZ daquilo que nós conhecemos e daquilo que nó somos – não existem a verdade e o ser, mas a exterioridade do acidente” p. 21.

“A pesquisa da proveniência não FUNDA, muito pelo contrário: ela agita o que se percebia imóvel, ela fragmenta o que se pensava unido; ela mostra a heterogeneidade do que se imaginava em conformidade consigo mesmo” p. 21.
“A genealogia, como análise da proveniência, está, portanto, no ponto de articulação do corpo com a história. Ela deve mostrar o corpo inteiramente marcado de história e a história arruinando o corpo” p. 22.
ORIGEM: emergência, ponto de surgimento, princípio, aparecimento. Interpretar é se apoderar, por violência, de um sistema de regra que não tem em si significação.
“Colocando o presente na origem, a metafísica leva a acreditar no trabalho obscuro de uma destinação que procuraria vir à luz desde o primeiro momento. A GENEALOGIA restabelece os diversos sistemas de submissão: não a potência antecipadora de um sentido, mas o jogo casual da dominação. A emergência se produz sempre em um determinado estado das forças...” p. 23.
“... história que nos permitiria nos reconhecermos em toda parte e dar a todos os deslocamentos passados a forma de reconciliação... é que ela supôs uma verdade eterna, uma alma que não morre, uma consciência sempre idêntica a si mesma” p. 26.
“Ele (o sentido histórico) deve ter apenas a acuidade de um olhar que distingue, reparte, dispersa, deixa operar as separações e as margens – uma espécie de olhar que dissocia e é capaz ele mesmo de se dissociar e apagar a unidade deste ser humano que supostamente o dirige soberanamente para seu passado... reintroduz no devir tudo o que se tinha acreditado imortal no homem... o saber histórico não tem dificuldade em colocá-los em pedaços...” p. 27.

“É preciso despedaçar o que permitia o jogo consolante dos reconhecimentos. Saber, mesmo na ordem histórica, não significa reencontrar e, sobretudo, não significa reencontrar-nos. A história será efetiva na medida em que ela reintroduzir o descontínuo em nosso próprio ser” p. 27.
“A história efetiva faz ressurgir o acontecimento no que ele pode ter de único e agudo. É preciso entender por acontecimento não uma decisão, um tratado, um reino, ou uma batalha, mas uma relação de forças que se inverte, um poder confiscado...” p. 28.
“Mas o verdadeiro sentido histórico reconhece que nós vivemos sem referências ou sem coordenadas originárias, em miríades de acontecimentos perdidos” p. 29.
“A história tradicional... se compraz em lançar um olhar para o longínquo, para as alturas: as épocas mais nobres, as formas mais elevadas, as idéias mais abstratas, as individualidades mais puras...” p. 29.
“Os historiadores procuram, na medida do possível, apagar o que pode revelar, em seu saber, o lugar de onde eles olham, o momento em que eles estão, o partido que eles tomam – o incontrolável de sua paixão” p. 30.
“... o europeu não sabe quem ele é; ele ignora que raças se misturam nele; ele procura que papel poderia ter; ele não tem individualidade” p. 32.

“A esse homem confuso e anônimo que é o europeu – e que não sabe mais quem ele é e que nome deve usar – o historiador oferece identidades sobressalentes aparentemente melhor individualizadas e mais reais do que a sua” p. 33.
“A genealogia é a história como um carnaval organizado” p. 34.
“... esta identidade, bastante fraca, contudo, que nós tentamos assegurar e reunir sob uma máscara, é apenas uma paródia: o plural a habita, almas inumeráveis nela disputam; o sistemas se entrecruzam e se dominam uns aos outros” p. 34.
“A história, genealogicamente dirigida, não tem por fim reencontrar as raízes de nossa identidade, mas ao contrário, se obstinar em dissipá-la, ela não pretende demarcar o território único de onde nós viemos, essa primeira pátria à qual os metafísicos prometem que nós retornaremos; ela pretende fazer aparecer todas as descontinuidades que nos atravessam... Tratava-se, então, de reconhecer continuidades nas quais se enraíza nosso presente: continuidades do solo, da língua, da cidade...” p. 35.
“Se a genealogia coloca, por sua vez, a questão do solo que nos viu nascer, da língua que falamos ou das leis que nos regem, é para clarificar os sistemas heterogêneos que, sob a máscara de nosso eu, nos proíbem toda identidade” p. 35.
- Usar a história para “...destruir as venerações tradicionais a fim de libertar o homem e não lhe deixar outra origem senão aquela em que ele quer se reconhecer” p. 37.

CAP. III – SOBRE A JUSTIÇA POPULAR (p. 39).
“A minha hipótese é que o tribunal não é a expressão natural da justiça popular mas, pelo contrário, tem por função histórica reduzi-la, dominá-la, sufocá-la, reinscrevendo-a no interior de instituições no interior de instituições características do aparelho do Estado” p. 39.

CAP. IV – Os INTELECTUAIS E O PODER: Conversa entre Michel Foucault e Gilles Deleuze (p. 69).

CAP. V – O NASCIMENTO DA MEDICINA SOCIAL (p. 79).
“O controle da sociedade sobre o indivíduo não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade bio-política” p. 80.
“A Prússia, o primeiro Estado moderno, nasceu no coração da Europa mais pobre, menos desenvolvida economicamente e mais conflitada politicamente. E enquanto a França e a Inglaterra arrastavam suas velhas estruturas, a Prússia foi o primeiro modelo de Estado Moderno” p. 82.

CAP. VI – O NASCIMENTO DO HOSPITAL (p. 99).

- O hospital deixou de ser um morredouro para ser um local de cura, primeiramente no âmbito simbólico. A saída do negativo para o positivo foi devido a DISCIPLINA e não a partir de técnicas médicas.
“A disciplina é uma técnica de exercício de poder que foi, não inteiramente inventada, mas elaborada em seus princípios fundamentais durante o século XVII... Os mecanismos disciplinares são, portanto, antigos, mas existiam em estado isolado, fragmentado, até os séculos XVII e XVIII, quando o poder disciplinar foi aperfeiçoado como uma nova técnica de gestão dos homens... nova maneira de gerir os homens, controlar suas multiplicidades, utilizá-las ao máximo e majorar o efeito útil de seus trabalhos e sua atividade, graças a um sistema de poder suscetível de controlá-los” p. 105.
“A disciplina do exército começa no momento em que se ensina o soldado a se colocar, se deslocar e estar onde for preciso” p. 106.
“A disciplina é, antes de tudo, a análise do espaço. É a individualização pelo espaço, a inserção dos corpos em um espaço individualizado, classificatório, combinatório” p. 106.
“A disciplina exerce seu controle, não sobre o resultado de uma ação, mas sobre seu desenvolvimento” p. 106.
“A disciplina é uma técnica de poder que implica uma vigilância perpétua e constante dos indivíduos. Não basta olhá-los às vezes ou ver se o que fizeram é conforme a regra. É preciso vigiá-los durante todo o tempo da atividade e submetê-los a uma perpétua pirâmide de olhares... A disciplina implica um registro contínuo...” p. 106.
“A disciplina é o conjunto de técnicas pelas quais os sistemas de poder vão ter por alvo e resultado os indivíduos em sua singularidade. É o poder de individualização que tem o exame como instrumento fundamental” p. 107.
- O exame é um elemento pertinente para o exercício do poder.
CAP. VII – A CASA DOS LOUCOS (p. 113).
- A prática científica acredita que em todo lugar há uma verdade a ser vista. Embora adormecida, está lá, à espera de nosso olhar, basta encontrarmos o ângulo certo e os instrumentos necessários. A ESSÊNCIA. Toda verdade tem o seu ritual de cimentação. As tecnologias da verdade mudam com o tempo. A verdade deve ser encarada como um acontecimento produzido por regras e rituais historicamente datadas[15].
“SE existe uma geografia da verdade, esta é a dos espaços onde reside, e não simplesmente a dos lugares onde nos colocamos para melhor observá-la” p. 113. Ex: Delfos era o lugar onde a verdade falava.

CAP. VIII – SOBRE A PRISÃO (p. 129).

“Os historiadores, como os filósofos e os historiadores da literatura, estavam habituados a uma história das sumidades. Mas hoje, diferentemente dos outros, aceitam mais facilmente trabalhar sobre um material ‘não nobre’. A emergência deste material plebeu na história... Foucault se ocupa apenas de medíocres” p. 129.
“... quando penso na mecânica do poder, penso em sua forma capilar de existir, no ponto em que o poder encontra o nível dos indivíduos, atinge seus corpos, vem se inserir em seus gestos, suas atitudes, seus discursos, sua aprendizagem, sua vida quotidiana” p. 131.
“Minha hipótese é que a prisão esteve, desde sua origem, ligada a um projeto de transformação dos indivíduos” p. 131.
- Precisamos “... desvencilhar as cronologias e as sucessões histórias de toda perspectiva de progresso” (História da Loucura).
“... não tomar o ponto em que nos encontramos por final de um progresso que nos caberia reconstituir com precisão na história. Isto é, ter em relação a nós mesmos, a nosso presente, ao que somos, ao aqui e agora este ceticismo que impede que se supunha que tudo isto é melhor ou que é mais do que o passado. O que não quer dizer que não se tente reconstituir os processos geradores, mas sem atribuir-lhes uma positividade, uma valoração” p. 140.
“E o que se passa agora não é forçosamente melhor, ou mais elaborado, ou melhor elucidado do que o que se passou antes” p. 140.
- Os humanistas crêem que há uma separação entre o saber e o poder. Quando se atinge o poder se enlouquece.
- Para Foucault há íntima relação. O poder tem necessidade de desenvolver certos saberes. “... que exercer o poder cria objetos de saber, os faz emergir, acumula informações e as utiliza” p. 141.
“O exercício do poder cria perpetuamente saber e, inversamente, o saber acarreta efeitos de poder... O humanismo moderno se engana, assim, ao estabelecer a separação entre o saber e poder... Não é possível que o poder se exerça sem saber, não é possível que o saber engendre poder” p. 142.
“Cito Marx sem dizê-lo, sem colocar aspas, e como eles não são capazes de reconhecer os textos de Marx, passo por ser aquele que não cita Marx” p. 142.
“Nietsche é aquele que ofereceu como alvo essencial, digamos ao discurso filosófico, a relação de poder. Enquanto que para Marx era a relação de produção. Nietsche é o filósofo do poder...” p. 143.


CAP. IX – PODER x CORPO (p. 145).

- O movimento revolucionário marxista a partir do final do século XIX, privilegia o aparelho de Estado como alvo de luta.
“... o poder não está localizado no aparelho de Estado e que nada mudará na sociedade se os mecanismos de poder que funcionam fora, abaixo, ao lado dos aparelhos de Estado a um nível muito mais elementar, quotidiano, não forem modificados” p. 150.

CAP. X - SOBRE A GEOGRAFIA (p. 153).

“Território é sem dúvida uma noção geográfica, mas é antes de tudo uma noção jurídica-política: aquilo que é controlado por um certo tipo de poder” p. 157.
“Pois este discurso geográfico que justifica as fronteiras é o discurso do nacionalismo...” p. 161.
“Pois minha hipótese é de que o indivíduo não é o dado sobre o qual se exerce e se abate o poder. O indivíduo - com suas características, sua identidade, fixado a si mesmo - é o produto de uma relação de poder que se exerce sobre corpos, multiplicidades, movimentos, desejos, forças” p. 162.
“Marx, para mim, não existe. Quero dizer, esta espécie de entidade que se construiu em torno de um nome próprio, e que se refere às vezes a um certo indivíduo, às vezes à totalidade do que escreveu e, `s vezes, a um imenso processo histórico que deriva dele... Fazer Marx funcionar como um ‘autor’. Localizável em um manancial discursivo único e suscetível de uma análise em termos de originalidade ou de coerência interna, é sempre possível. Afinal de contas, tem-se o direito de ‘academizar’ Marx. Mas isso é desconhecer a explosão que ele produziu” p. 164.

CAP. XI – GENEALOGIA e PODER (p. 167).

“... o que se poderia chamar insurreição dos saberes dominados. Por saber dominado, entendo duas coisas: por um lado, os conteúdos históricos que foram sepultados, mascarados em coerências funcionais ou em sistematizações formais... os saberes dominados são estes blocos de saber histórico que estavam presentes e mascarados no interior dos conjuntos funcionais e sistemáticos e que a crítica pode fazer reaparecer. Evidentemente através do instrumento da erudição... uma série de saberes que tinham sido desqualificados como não competentes ou inferiores, saberes abaixo do nível requerido de conhecimento ou cientificidade... psiquiatrizado, do doente... no saber da erudição como naquele desqualificado, nestas duas formas de saber sepultado ou dominado, se tratava na realidade do saber histórico da luta” p. 170.

“... nos saberes desqualificados das pessoas jazia a memória dos combates, exatamente aquela que até então tinha sido subordinada” p. 171.
“Chamaremos provisoriamente genealogia o acoplamento do conhecimento com as memórias locais, que permite a constituição de um saber histórico das lutas e a utilização deste saber nas táticas atuais... não é um empirismo, nem um positivismo... Trata-se de ativar saberes locais, descontínuos, desqualificados, não legitimados, contra a instância teórica unitária que pretenderia depurá-los, hierarquizá-los, ordená-los em nome de um conhecimento verdadeiro, em nome dos direitos de uma ciência detida por alguns. Pouco importa que esta institucionalização do discurso científico se realiza em uma universidade ou, de modo geral, em um aparelho político com todas as suas aferências, como no caso do marxismo; são os efeitos de poder próprios a um discurso considerado como científico que a genealogia deve combater” p. 171.
“As questões a colocar são: que tipo de saber vocês querem desqualificar no memento em que vocês dizem é uma ciência?” p. 172.
“A genealogia seria... um empreendimento para libertar da sujeição os saberes históricos, isto é, torná-los capazes de oposição e de luta contra a coerção de um discurso teórico, unitário, forma e científico” p. 172

“Enquanto a arqueologia é o método próprio à análise da discursividade local, a genealogia é a tática que, a partir da discursividade local assim descrita, ativa os saberes libertos da sujeição que emergem desta discursividade” p. 172.
- Trata-se de uma batalha: batalha dos saberes contra os efeitos de poder do discurso científico.
“... o poder é essencialmente repressivo. O poder é o que reprime a natureza, os indivíduos, os instintos, uma classe. Quando o discurso contemporâneo define repetidamente poder como sendo repressivo, isto não é uma novidade. Hegel foi o primeiro a dizê-lo, depois, Freud...” p. 175.
“... as relações de poder nas sociedades atuais têm essencialmente por base uma relação de força estabelecida, em um momento historicamente determinável, na guerra e pela guerra... Sempre se escreve a história da guerra, mesmo quando se escreve a história da paz e de suas instituições” p. 176.
- CONCEPÇÃO DE PODER DO SÉC. XVIII – poder como direito originário que se cede, constitutivo da soberania, tendo como matriz o contrato.

CAP. XII – SOBERANIA E DISCIPLINA (p. 179).

- DIREITO: produz uma verdade (leis) para limitar o poder.
“Não há possibilidade de exercício do poder sem uma certa economia dos discursos de verdade...” p. 179.
“... somos julgados, condenados, classificados, obrigados a desempenhar tarefas e destinados a um certo modo de viver ou morrer em função dos discursos verdadeiros que trazem consigo efeitos específicos de poder... No ocidente, o direito é encomendado pelo rei” p 180.
“... o indivíduo não é o outro do poder: é um de seus primeiros efeitos. O indivíduo é um efeito do poder e simultaneamente, ou pelo próprio fato de ser um efeito, é seu centro de transmissão. O poder passa através do indivíduo que ele contribuiu” p. 183-184.
“A burguesia não se interessa pelo pelos loucos, mas pelo poder. Não se interessa pela sexualidade infantil, mas pelo sistema de poder que a controla...” p. 189.
- O poder para exercer-se é obrigado a formar, organizar e fazer circular um saber, ou melhor, aparelhos de saber.
- SOBERANIA: ler páginas 188-190.
“As disciplinas são portadoras de um discurso que não pode ser o do direito; o discurso da disciplina é alheio ao da lei e da regra enquanto efeito da vontade soberana. As disciplinas veicularão um discurso que será o da regra, não da regra jurídica derivada da soberania, mas o da regra natural, quer dizer, da norma; definirão um código que não será o da lei, mas o da normalização; referir-se-ão a um horizonte teórico que não pode ser de maneira alguma o edifício do direito, mas o do domínio das ciências humanas...” p. 189.

CAP. XIII – A POLÍTICA DA SAÚDE NO SÉCULO XVIII (p. 193)

CAP. XVI – O OLHO DO PODER (p. 209)

“Eu queria saber como o olhar médico havia se institucionalizado; como ele se havia inscrito efetivamente no espaço social; como a nova forma hospitalar era o mesmo tempo o efeito e o suporte de um novo tipo de olhar” p. 209.
“... o olhar vai exigir muito pouca despesa. Sem necessitar de armas, violência física, coações materiais. Apenas um olhar. Um olhar que vigia e que cada um, sentido-o sobre sí, acabará por interiorizar, a ponto de observar a si mesmo; sendo assim, cada um exercerá esta vigilância sobre e contra si mesmo..” p. 218.
“... as técnicas de poder foram inventadas para responder às exigências da produção” p. 223.
- o olhar ocasiona resistência.

CAP. XV – NÃO AO SEXO REI (p. 229)
“Vivemos em uma sociedade que em grande parte marcha ‘ao compasso da verdade’ – ou seja, que produz e faz circular discursos que funcionam como verdade, que passam por tal e que detêm por este motivo - poderes específicos. A produção de discursos verdadeiros é um dos problemas fundamentais do Ocidente” p. 231.
- O discurso fundador é um discurso de afirmação de identidade. É preciso dissolver a falsa unidade.

CAP. XVI – SOBRE A HISTÓRIA DA SEXUALIDADE (p. 243).
“O dito e o não-dito são os elementos dos dispositivos. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos” p . 24
“O dispositivo, portanto, está sempre inscrito em um jogo de poder, estando sempre, no entanto, ligado a uma ou a configurações de saber que dele nascem, mas que igualmente o condicionam... É isto, o dispositivo: estratégias de relações de força sustentando tipos de saber e sendo sustentadas por eles... a epistéme é um dispositivo especificamente discursivo...” p. 246.
“Geralmente se chama instituição todo comportamento mais ou menos coercitivo, aprendido. Tudo que em uma sociedade funciona como sistema de coerção, sem ser um enunciado, ou seja, todo o social não discursivo é a instituição” p. 247.
“O poder não existe... é um feixe de relações mais ou menos organizado, mais ou menos piramidalizado, mais ou menos coordenado” p. 248.
“... as relações de poder são uma relação desigual e relativamente estabilizada de forças” p. 250.
- O poder é representado no ocidente como uma forma negativa, ou seja, jurídica.
“Em relação à loucura (a Revolução Acreana), meu problema era saber como se pode fazer a questão da loucura (da Rev.Ac.)funcionar no sentido dos discursos de verdade, isto é, dos discursos tendo estatuto e função de discursos verdadeiros” p. 258.



CAP. XVII – A GOVERNABILIDADE (p. 277).
- O Príncipe: a arte de manter o principado.”Ser hábil em conservar seu principado não é de modo algum possuir a arte de governar... as práticas de governo são, por um lado, práticas múltiplas, na medida em que muita gente pode governar: o pai de família, o superior do convento, o pedagogo... todos estes governos estão dentro do Estado ou da sociedade” p. 280.

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[1] A medicina clássica se fundou na história natural. A Medicina moderna na biologia.
[2] Psicologia, sociologia e antropologia.
[3] Biologia, economia e filologia.
[4] Que tem como marco inicial a filosofia de Kant.
[5] A teoria geral subordina a variedade e a descontinuidade a um conceito universal, ou seja, a teoria geral reduz a multiplicidade e as dispersões das práticas de poder. Toda teoria é provisória, acidental.

[6] Ninguém pode escapar dela, pois se exerce numa multiplicidade de relações de forças.
[7] Os filósofos iluministas definiram o poder como “direito originário que se cede, se aliena para constituir a soberania e que tem como instrumento o contrato social”. Assim, o poder se exerce como expressão do direito, algo feito sob a tutela da legalidade. O poder é concebido como violência legalizada.
[8] Tornar o homem útil economicamente e dócil politicamente
[9] Interioriza no sujeito o olhar de quem o olha.
[10] Acontecimento, Prática e Materialidade.
[11] É exatamente isso que a Arqueologia propõe.
[12] É político não pelo fato do Estado se apropriar dele, servindo-se dele como instrumento de dominação.

[13] O ANDARILHO E SUA SOMBRA.
[14] Buscar atrás dos fatos uma essência, um segredo que é a-histórico.
[15] Quais as formas de produção da verdade ou de saber no Acre durante o Centenário?