segunda-feira, 22 de abril de 2013

DUARTE, Élio Garcia. Conflitos pela terra no Acre: a resistência dos seringueiros de Xapuri. São Paulo: UNICAMP, 1986. (Dissertação de Mestrado)




- O livro foi uma adaptação da dissertação de mestrado defendida em 1986 na UNICAP.
-  O autor foi professor de História na UFAC no período de 1978 a 1981. Na época da edição do livro era professor de História Econômica na Universidade de Goiás.
- O Acre se caracteriza por um processo violento de ocupação fundiária. Os fazendeiros ocupavam os antigos seringais, desmatando-os.
“Atitudes concretas foram tomadas por um grupo de acreanos inconformados, que em maio de 1899, se rebelaram e conseguiram expulsar a Delegação boliviana da região. Foi a primeira Revolução Acreana, que ocorreu sem tiros” p. 13.
“Enquanto isso, em Belém e Manaus, preparava-se um plano para a tomada da região pelos brasileiros. O mentor deste plano foi o espanhol Luiz Galvez Rodrigues de Arias. Galvez, com a ajuda do Governo do Amazonas e de comerciantes de Manaus, formou uma expedição que partiu para o Acre com a finalidade de constituir um governo no local. Chegando ao Acre, Galvez se reuniu com os seringalistas...” p. 13.
- O Estado Independente do Acre teve sede em Puerto Alonso. O governo de Galvez durou 8 meses e neste período foram criados vários departamentos administrativos, “... organizados os serviços públicos e também se legislou sobre títulos de propriedade” p. 13.
“Seu governo, no entanto, foi efêmero. Logo surgiram reações. Os comerciantes de Manaus e Belém se recusavam a pagar o imposto cobrado da borracha exportada pelo território acreano e também suspenderam o fornecimento de mercadorias para o Acre. Outra reação foi dos bolivianos que se prepararam para atacá-lo tanto através de Manaus, com o consentimento do governo brasileiro, como diretamente da Bolívia, por via terrestre ou descendo pelo Rio Acre. No entanto, quem acabou obtendo a rendição de Galvez foi uma flotilha da Marinha brasileira, em março de 1900” p. 13.
“Após a deportação de Galvez, outros líderes da Revolução Acreana assumiram a presidência do Estado Independente do Acre e continuaram dificultando a consolidação do domínio boliviano na região” p. 13.
“O Governo brasileiro, com exceção do governo do Estado do Amazonas, mantinha-se fiel ao tratado de Ayacucho, reconhecendo o direito da Bolívia sobre a região... Só no final de 1901, após a constituição do Bolivian Syndicate é que as autoridades brasileiras passaram a se opor à Bolívia, no tocante à questão do Acre” p. 13.
- O Acre seria arrendado aos capitais ingleses e americanos. Por trinta anos, ficariam à frente da administração fiscal do Acre. O Brasil se preocupava com a segurança nacional, já que, o acesso ao Acre se dava por águas nacionais.
“Este movimento se tornou mais forte quando D. Lino Romero, o novo Delegado da Bolívia, chegou ao Acre e estabeleceu uma legislação discricionária, com a cobrança de inúmeros impostos que descontentaram os seringalistas e comerciantes”.
- O Estado Independente anterior ao de Plácido de Castro foi extinto em abril de 1900, “... ocasião em que o então Presidente Joaquim Vítor assinou uma ata de paz permitindo o funcionamento da alfândega boliviana e a instalação de autoridades da Bolívia no Acre” p. 14.
- Acre Setentrional, ocupado pelo General Olímpio, ficava entre a Linha Cunha Gomes e o paralelo 10°20’.
- O Acre ficou dividido em dois governos: “... o Governo Militar do Território Setentrional do Acre e o Governo do Estado Independente do acre, com jurisdição ao sul do paralelo 10°20’.
- Em maio de 1903, Plácido de Castro dissolve o exército e declara extinto o Estado Independente.
“... enquanto a diplomacia brasileira negociava a incorporação do Acre ao Brasil, era interessante manter o status quo da revolução acreana” p.15.
- Posterior ao Tratado de Petrópolis, os Peruanos ocuparam militarmente o alto Juruá e Purus, “... instalando postos aduaneiros e militares” p. 15.
“A anexação das terras acreanas ao Brasil foi conseguida com o sacrifício e a persistência dos seringueiros acreanos. Este fato traz outra característica marcante para o Acre: o orgulho do seringueiro por ter sido aquela região incorporada ao Brasil pela luta e pelo sangue de seus antepassados” p. 15.
- Xapuri foi sede do governo Independente por algum tempo.
“... os interesses do capital foram responsáveis pelo desenvolvimento da economia gomífera na Amazônia, e a conseqüente ocupação das terras do Acre...” p. 16.
- A vulcanização possibilitou a ampliação da aplicabilidade da borracha como matéria-prima industrial.
“O enorme interesse pela borracha fez com que houvesse a expansão das áreas produtoras e estimulou a migração de nordestinos para os altos rios da Amazônia” p. 16.
“Segundo cálculos de Benchimol, no período de 1877-1900, só no Ceará emigraram 158.125 pessoas para a Amazônia. Moacir Fecury, comparando a população paraense entre 1872 (275.237 hab.) e 1906 (872.000 hab.), observou que houve um aumento populacional de 300% em 34 anos. Conforme Caio Prado, o Acre: ‘... entranhado 5.000 Km no continente, e deserto até os primeiros anos do século atual, reunirá em menos de um decênio para ais de 50.00 habitantes[1]’. Craveiro Costa calcula que na época da anexação do Acre ao Brasil sua população chegava a 100.000 habitantes[2]” p. 17.
“A dispersão das seringueiras pelas florestas, a ausência de técnicas de produção e cultivo, a falta de apoio oficial, o alto custo da mão-de-obra, a falta de capital, as dificuldades de transportes, tudo isso contribuía par a manutenção do alto custo de produção da borracha amazônica” p. 17.
- A economia do Acre era o mono-extrativismo gomífero.
“Uma das conseqüências desta crise foi a reemigração para o nordeste, havendo um grande esvaziamento populacional. A população do Acre, que no início do século, segundo Craveiro Costa, era calculada em aproximadamente 100.000 habitantes, no censo de 1920 apresentava 92.379 habitantes, enquanto quem em 1940, esta população baixara para 79.768. Somente no censo de 1950, é que apresentou um aumento populacional; 114.755 habitantes[3]”. P. 17
“Os seringueiros que permaneceram no Acre passaram a se dedicar à agricultura de subsistência, à coleta de castanha, à caça e à pesca, sem abandonar completamente a extração da borracha. Nos seringais abandonados, muitos seringueiros permaneceram como posseiros, ficando livres da dependência do seringalista. Nos outros seringais, pelo menos foi atenuada a subordinação ao patrão...” p, 17-18.
- Na SEGUNDA GUERRA MUNDIAL, “... o capital industrial voltou a se interessar pela borracha nativa produzida em Amazônia” p. 18.
- Banco de Crédito da Borracha tinha como atribuição estimular a produção da borracha e regularizar os preços para a comercialização da mesma. Funcionava através no monopólio estatal da borracha.
- SEMTA (Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia) fazia o recrutamento de trabalhadores para a região. Foi substituído pelo CAETA (Comissão Administrativa do Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia.
Pensavam estar servindo à Pátria, quando na verdade estavam servindo apenas aos interesses do capital” p. 19.
“Como dissemos anteriormente a ocupação do Acre foi motivada pelo capital industrial, que já estava plenamente constituído na Europa e nos Estados Unidos, já exercendo seu domínio a nível mundial” p. 19.
“Portanto, a produção que se organizou na Amazônia, especialmente no Acre, apesar de não ter assumido as formas típicas do capitalismo, foi uma produção de mercadoria para o capital[4]” p. 19.
“O seringueiro, portanto, mesmo não sendo um assalariado... trabalhava para valorizar o capital” p. 19-20.
“O perpétuo endividamento e a quase total ausência de dinheiro vivo fazia com que o seringueiro estivesse sempre vinculado ao patrão seringalista” p. 20.
- Os jagunços do patrão impediam que o seringueiro fugisse para outro seringal ou para sua terra natal.
- O seringueiro não era um assalariado porque  não era livre para vender sua força de produção.
- No dizer de Márcio Souza, o seringueiro era “... um escravo econômico e moral do patrão[5]” (apud, p. 20)
- O capitalismo reinventa o trabalho compulsório, no momento em que o Brasil se livrava da escravidão.
- Capital Monopolista Internacional → Capital Mercantil do Extrativismo da Borracha→Relações de Produção Pré-Capitalista na Amazônia[6].
“O aviamento é uma forma sui generis de relação de produção que foi recriada pelo capitalismo para valorizar o capital” p. 21. 
“... foi o capital industrial, com as relações capitalistas predominantes, que estimulou e organizou a produção extrativista da borracha, por intermédio do capital mercantil” p. 21.
- A produção da borracha foi estimulada diretamente pelo capital mercantil. No entanto, o comércio gomífero respondia a uma demanda imprimida pelo capital industrial.
- O capital mercantil só funciona na esfera da circulação, como uma das fases do processo de reprodução do capital.
- O sistema de aviamento funcionava sob a dominação imediata do capital mercantil (capital mercadoria/dinheiro). No entanto, era o CAPITAL INDUSTRIAL das grandes potências que fazia funcionar a empresa do seringal nativo, isso porque as casas exportadoras estavam diretamente ligadas ao capital monopolista internacional e era este que, em última instância, detinha o controle do sistema de aviamento.
- LER MARX: capital mercantil e financeiro
“Acreditamos que no caso do Acre em particular e da Amazônia de maneira geral, apesar de o capital não ter atuado diretamente na organização da produção, extraindo a mais-valia através da subordinação real, mas através do capital mercantil, recriou e subordinou formalmente relações de produção que permitiram a apropriação do sobretrabalho do produtor direto, e que contribuíram par apropriação do capital industrial” p. 22.
“Embora o extrativismo gomífero tenha sido estimulado pelo desenvolvimento da indústria na Europa e Estados Unidos, a produção da borracha não foi organizada diretamente pelo capital industrial. A produção desta mercadoria, importantíssima como matéria-prima para as indústrias, teve a intermediação do capital mercantil... O capital mercantil era, internamente, representado pelas casas aviadoras e pelas exportadoras. As CASAS AVIADORAS, com financiamento da rede bancária ou com crédito das casas exportadoras, eram as que estimulavam diretamente a organização de seringais. Estas casas, não só financiavam e organizavam o transporte de nordestinos para os seringais, como também aviavam, isto é, forneciam a crédito, aos seringalistas, as mercadorias para a abertura e movimentação do seringal” p. 23.
“Em compensação, as CASAS AVIADORAS mantinham, sobre os seringalistas o monopólio da venda de mercadorias e o monopsônio da compra da borracha” p. 23.
“O seringal era dividido em várias colocações, dispersas pelo interior da floresta. Casa colocação era constituída pelo tapiri (cabana de palha) e pelas estradas de seringa trabalhadas pelo seringueiro” p. 23.
- Os seringais eram “...  enormes latifúndios” p. 25.
“O mono-extrativismo da borracha se baseou, portanto, em uma estrutura fundiária bastante concentrada” p. 25.
- Isso por que as seringueiras estavam distribuídas de forma aleatória a mata.
OBS: a monografia de Economia tem por objetivo analisar os fundamentos econômicos da ocupação do Acre.
“Dados do Censo de 1920 nos mostram que 84% das terras recenseadas do Acre ocupadas por propriedades com mais de 10.000 ha” p. 26.
- Logo no início, não se havia a preocupação em legalizar a terra. Isso só veio a ocorrer a partir de 1870, quando se buscou nas leis a garantia jurídica da posse. Assim, passou-se a demarcar as terras.
“Os primeiros títulos de terra no Acre foram emitidos pela Província do amazonas (na república passou a ser denominada de Estado). Com a instalação da Delegação do Governo Boliviano no Acre, em 1899, tanto as antigas, como as novas concessões teriam que ser registradas na Secretaria da Delegação. Também o Estado Independente do Acre, criado por Galvez e depois o de Plácido de Castro, legislaram sobre terras. Quando o Acre foi anexado ao Brasil, em 1903, o governo brasileiro se comprometeu em respeitar os títulos emitidos pelos governos anteriores” p. 26.
- No entanto, antes da anexação, não foram feitas muitas titulações, não havia uma grande preocupação com o domínio jurídico. O que prevaleceu foi à posse efetiva. O que tornava a terra valiosa não era sua extensão, mas a concentração de seringueiras.
- Na Batalha da Borracha, o financiamento ao seringalista passou a ser feito pelo Banco de Crédito, que passou a ter o monopólio da compra do produto.

CAP 2 – A política de ocupação da Amazônia Pós-64.
CAP 3 – Concentração fundiária e conflitos sociais no Acre.
CAP 4 – A luta pela terra em Xapuri.

BIBLIOGRAFIA:

ABGUA, Bastos. A conquista acreana.
SILVA, Adalberto Ferreira. Raízes da Ocupação Recente das Terras do Acre. (1982).
CAVALCANTE, Francisco Carlos. O Processo de Ocupação Recente das Terras do Acre (1983).



[1] 240 p.
[2] 128 p.
[3] Anuário Estatístico do Brasil (1980) - Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, rio de janeiro, 1980, p. 72.
[4] Não vieram para estender os limites da pátria, mas vieram à servido do grande capital.
[5] SOUZA, Márcio. A expressão amazonense: do colonialismo ao neocolonialismo. São Paulo: alfa-ômega, 1977, p. 100.
[6] É uma produção capitalista baseada em relações não-capitalistas.
Geralmente isso acontece quando o comércio comanda a economia.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Relatório da Prefeitura do Alto Purus - 1911

OS ARGUMENTOS DA DIPLOMACIA BRASILEIRA NO PROCESSO DE ANEXAÇÃO DO TERRITÓRIO ACREANO



A primeira proposta do Barão de Rio Branco foi a compra do território do Acre, ficando o Brasil com a obrigação de se entender com o Bolivian Syndicate; depois, a de permuta de territórios. A Bolívia recusou uma e outra. Agravou-se a crise, e o mês de Janeiro de 1903 representou um momento dramático na relações entre o Brasil e Bolívia. A 24 de Janeiro a resolução chefiada por Plácido de Castro se achava de todo vitoriosa, tendo submetido e aprisionado a guarnição boliviana de Porto Acre. Por sua vez, o general Pando, presidente da Bolívia, estava em marcha, à frente de tropas, para invadir a região e submeter os insurretos, enquanto o governo brasileiro preparava forças de terra e mar com destino ao Acre.
            Estava-se na expectativa de uma guerra, com a opinião pública apaixonada e exaltada nos dois países. Manifestações populares exigiam do governo uma ação violenta e imediata. Nos círculos militares e políticos tinha-se como inevitável a solução pelas armas. O presidente da República indagava já dos governadores do Amazonas e do Pará que auxílios poderiam prestar, como conhecedores da região, as brigadas policiais daqueles Estados. O assunto principal de todos os jornais e de todas as reuniões era o Acre. Da questão técnica, em geral, quase nada conhecia o público em tais discussões; era o sentimento, a paixão que fornecia os argumentos.
            Enquanto os brasileiras se agitavam em manifestações exaltadas no Rio – o Barão do Rio Branco trabalhava pela paz no seu gabinete em Petrópolis. O seu temperamento de negociador encontra agora ocupação adequada. Mantém-se, de janeiro a março, numa atividade febril, ininterrupta, de quase todas as horas. Comunica-se, em constantes conferências telegráficas, com os ministros da Guerra e da Marinha; discute, também pelo telégrafo, com o governo boliviano; redige, quase todos os dias, despachos de orientação ao ministro do Brasil em La Paz; conferencia pessoalmente, a cada momento, com o ministro da Bolívia no Brasil. As suas decisões caem sobre os acontecimentos com uma perfeita precisão, como se houvessem sido calculadas e estudadas com rigor. Ele mede com certeza todo o seu alcance: as providências enérgicas se alternam com os apelos conciliatórios; sem transigir quanto ao fim essencial, deixa sempre aberta a porta para o entendimento e a negociação amigável.
            A 18 de Janeiro de 1903, Rio Branco comunica à Bolívia que o Brasil dava ao artigo 2º do Tratado de 1867 uma nova inteligência: a fronteira pela linha do paralelo de 10º 20’, e faz sentir ao nosso vizinho “que o contrato de arrendamento, com os poderes dados ao Bolivian Syndicate, é uma monstruosidade em Direito, importando alienação de soberania feita em benefício de sociedade estrangeira sem capacidade sem capacidade internacional. É concessão para terras da África, indigna do nosso continente”. A 24, diante da notícia de que o presidente Pando pretendia ir combater os brasileiros no Acre, “o nosso presidente resolveu concentrar tropas nos Estados de Mato Grosso e Amazonas”.
            Das notícias chegadas de La Paz concluía-se que o governo boliviano recusa todos os alvitres de moderação e senso diplomático. O vice-presidente da República, amigo do Brasil, havia sido exilado. A uma primeira notícia, dizendo que o general Pando suspendera a expedição militar, seguia-se outra em que se confirmava a partida do presidente, ao mesmo tempo que o governo boliviano recusava entrar em negociações sem que fosse pacificado o Acre e libertada a sua guarnição. A despeito de ter autorizado Cláudio Pinilla, ministro, desde o dia 24, o general Pando, a 26, saía de sua capital à frente de tropas.
            Decide-se Rio Branco, então, por uma medida extraordinária: em combinação com o presidente da República, os ministros da Guerra e da Marinha, determina a ocupação militar do território do Acre.
            A 3 de fevereiro escrevia Rio Branco:
           
O Govêrno Brasileiro não quer romper as suas relações diplomáticas com o da Bolívia. Continua pronto para negociar um acôrdo honroso e satisfatório para as duas partes, e deseja muito sinceramente chegar a êste resultado. O Sr. Presidente Pando entendeu que é possível negociar marchando com tropas para o norte. Nós negociaremos também fazendo adiantar fôrças para o sul, com o fim já declarado.

Foi decisivo, pela sua importância e significação, êsse despacho do 3, enviado ao ministro do Brasil em La Paz, que o deveria passar, por cópia, ao ministro do Exterior da Bolívia, Eliodoro Villazon:

Petrópolis, 3 de fevereiro de 1903, - Causou a mais penosa impressão ao Presidente da República e a tôda a Nação Brasileira a certeza de haver o Sr. Presidente Pando resolvido, no dia 26 de janeiro, partir para o território do Acre com o propósito de submeter pelas armas os seus habitantes, sem esperar o resultado da negociação de que encarregara no dia 24 o Sr. Pinilla, e que, apenas iniciada, nos dava as melhores esperanças de um acordo próximo, honroso para as duas partes e vantajoso para a Bolívia. Sendo o Acre um território em litígio, pretendido também pelo Brasil e pelo Peru desde o paralelo de dez graus e vinte minutos até a linha da nascente do Javari ao marco do Madeira, e brasileiros todos os habitantes da região, não podemos concordar em que ali penetrem tropas ou autoridades da Bolívia. Dos três litigantes, Bolívia, Peru e Brasil, é a êste que melhor cabe a ocupação administrativa provisória desta parte do território contestado, atenta a nacionalidade de sua população.
Vossa Excelência fica, portanto, autorizado para mostrar ao Govêrno Boliviano que as suas expedições em marcha não devem ultrapassar o indicado paralelo, e para declarar-lhe que, tanto pelo dever de não permitir que sejam maltratados ou exterminados os nossos compatriotas, levantados contra a dominação estrangeira e senhores de todo o país, como para satisfazer ao desejo, que manifestou no dia 23 de janeiro o Sr. Villazon quando disse que o seu govêrno aceitaria a discussão imediata, se o Brasil se responsabilizasse pela pacificação, iremo pacificar o território contestado, enviando para êsse efeito tropas que ao mesmo tempo protejam a população, mantenham a ordem, tornem impossível incursões para os lados do Abunã e do Orton e repilam qualquer agressão. As tropas brasileiras farão a polícia do território contestado, ao oriente do rio Iaco, ocupando-o até solução do litígio por via diplomática....




Três dias depois chegava a resposta da Legação do Brasil em La Paz:

     O govêrno boliviano aceita a situação provisória indicada apelo Brasil no despacho telegráfico de 3 de fevereiro, comunicação pela Legação do Brasil, podendo portanto o govêrno brasileiro ocupar militarmente e administrar o território em litígio, ao oriente do Iaco.

            Mas a 11 sugeria Villazon que o litígio fôsse submetido à arbitragem do Tribunal de Haia, ao que replicou Rio Branco:

     Diga arbitragem é recurso bastante demorado e para ser empregado depois se fôr indispensável. O interêsse dos dois países é que cheguemos quanto antes ao arranjo amigável das dificuldades presentes, o que, havendo boa-vontade, é perfeitamente possível. Convém, portanto, entremos com urgência na negociação apenas iniciada e interrompida de um acôrdo direto.

            Enquanto isso, Rio Branco continuava a negociar com Cláudio Pinilla as cláusulas de um “modus-vivendi” a ser estabelecido durante o tempo necessário à discussão de um acordo definitivo.
            Nos últimos dias de fevereiro, porém, a questão do Acre ficava despojada de uma das suas dificuldades: o Bolivian Syndicate. A 27 e 28 era assinado em Nova York o termo de renúncia do Sindicato a todos os direitos e favores que lhe haviam sido concedidos por contrato firmado em 11 de julho de 1901 entre Félix Aramayo, ministro da Bolívia em Londres, e Frederick Whitridge, de Nova York, para a administração fiscal, polícia e exploração do Território do Acre ou Aquiri, contrato aprovado pelo Congresso Nacional da Bolívia e promulgado pelo Presidente Pando.
            Fora este o primeiro exito diplomático do Barão do Rio Branco no caso do Acre. Ele construíra o problema, desde o princípio, com a idéia de separar a Bolívia do Bolivian Syndicate, de negociar com cada um dêles separadamente. Pensou começar a negociação pela Bolívia, comprando-lhe o Acre ou adquirindo-o mediante compensações, para entender-se depois com o Sindicato; diante da sua recusa, abriu caminho até o Sindicato; afastou-o da questão, deixando assim as duas nações livres uma em face da outra. Pois tudo indicava que, sem o prestígio e o incitamento do poderoso sindicato estrangeiro, a Bolívia se tornaria razoável e conciliadora.
            De Berlim, em outubro de 1902, Rio Branco se comunicara com Assis Brasil, nosso ministro em Washingto, a fim de se informar da posição do governo norte-americano. A Bolívia vinha solicitando a interferência dos Estados Unidos e procurando interessá-lo através do Sindicato. Rio Branco sempre se recusou a pedir essa intervenção estrangeira em favor do Brasil. O que ele pleiteava, por intermédio de Assis Brasil, era neutralidade dos Estados Unidos; desejava que eles não cobrissem a organização comercial do Sindicato com a autoridade oficial do governo. E isto foi o que conseguiu a sua ação diplomática, argumentando junto às chancelarias americanas com o perigo dessa ameaça de transplantação do sistema sul-africano para o nosso continente.
            Foi nesta base, exatamente, que Assis Brasil, como representante de Rio Branco, dirigiu as negociações para a desistência do Sindicato, a quem o Brasil pagou cento e dez mil libras, além de mil para o advogado e quatro mil para o agente, embora ressalvando que o fazia para evitar controvérsias e evitar que a Bolívia pagasse uma indenização maior se o negócio fôsse liquidado mais tarde, mas que não reconhecia, como nunca reconhecera, a validade do contrato, porque o território era litigioso e porque isso implicava concessão a uma sociedade estrangeira de poderes soberanos intransferíveis.
            Afastado o Sindicato, Rio Branco tornou mais firme a sua insistência junto à Bolívia para estabelecimento de um modus-vivendi que permitisse as negociações em torno de um acordo definitivo.
            A Bolívia cede, afinal. Assina-se a 21 de março em La Paz o modus-vivendi, pelo qual as tropas brasileiras ficariam ocupando o território em litígio e também passariam ao sul do paralelo com o fim de evitar conflitos entre os acreanos e as forças bolivianas. Regulava ainda o acordo questões econômicas a respeito de postos aduaneiros ou fiscais e de exportação da borracha.
Não se tratava mais, na discussão que ia começar para o acordo definitivo, de compreender o Tratado de 1867, mas de criar um novo Tratado, dentro das novas condições da fronteira do Acre habitado por brasileiros – eis o ponto de partida do Barão do Rio Branco. Ele teve a coragem de ultrapassar os convênios existentes para atingir o problema na sua zona mais difícil e perigosa: o povo que habita ao norte e ao sul do paralelo de 10º 20’ não quer submeter-se à soberania da Bolívia e o Brasil não pode ficar indiferente a esse pronunciamento de uma população brasileira. Mas, por outro lado, ele vê o direito da Bolívia e não deseja uma solução que o desrespeite pela conquista. Não deseja solução nenhuma que não se harmonize com o Direito Internacional e com a tradição na política exterior do Brasil. Por isso colocou o problema na base de aquisição do Acre mediante compensações territoriais e pecuniárias. Um acordo em que não houvesse vencido nem vencedor.
Iniciadas as negociações em julho, só em agosto os plenipotenciários bolivianos concordaram com a idéia de uma compensação pecuniária em troca do Acre, mas devendo o Brasil abrir mão também de algum pequeno território, a fim de que a negociação diplomática não se transformasse numa simples operação de compra e venda. No dia 22 de julho era apresentada aos bolivianos uma proposta concreta: o Acre em troca de um milhão de libras esterlinas, a construção de uma via férrea da cachoeira Guajará-Mirim a Santo Antônio, no Madeira, dois pequenos territórios junto ao rio Madeira. Nesse mesmo dia, em conferência com os dois colegas brasileiros, Rio Branco manifesta a opinião de que seria talvez necessário fazer algumas concessões no Baixo Paraguai brasileiro, de acordo, aliais, com o pensamento do governo do Império em 1867, que era dar ali à Bolívia portos para o seu comércio exterior. Concessão esta, porém, que ele não lançara na primeira proposta, guardando-a, como trunfo, para as discussões finais. A 24 de julho os plenipotenciários bolivianos declaravam inaceitável a proposta brasileira do dia 22. Por sua vez a contraproposta por eles apresentada a 13 de agosto continha tais exigências territoriais – territórios no Amazonas e em Mato Grosso, nas duas margens do Madeira, a oeste do rio Paraguai, a oeste do Jauru, ao sul do seu afluente Bagres, a oeste do Alto Guaporé – que Rio Branco nem consultou ninguém sobre ela: recusou-a imediatamente. Seguiram-se conversações particulares entre plenipotenciários brasileiros e bolivianos, lentas, penosas, quase enervantes. Rio Branco sabia, porém, que a primeira qualidade diplomática, como a política, é a paciência, a capacidade de esperar sem irritação ou desânimo. Duas vezes, a pedido seu, reuniu-se o Ministério. E nenhuma solução definitiva aparecia.
A 17 de novembro de 1903, em Petrópolis, assinavam os plenipotenciários brasileiros e bolivianos o Tratado pelo qual terminava a questão do Acre e se estabeleciam as fronteiras entre o Brasil e a Bolívia. Pelo Tratado de Petrópolis o Brasil incorporava ao seu território não só os 142.000 quilômetros quadrados – reconhecidos sempre pela nossa chancelaria como bolivianos e pelo Barão do Rio Branco, pela primeira vez, declarados litigiosos – como também mais 48.000 quilômetros quadrados, nos quais estavam contidas as mais ricas florestas do Acre superior, nunca disputados à Bolívia, por todos reconhecidos como da sua exclusiva propriedade. Incorporávamos, na verdade, cerca de 200.000 quilômetros quadrados, todo o território habitado por brasileiros, tanto ao norte como ao sul do paralelo 10º 20’. Um território mais vasto do que o de qualquer destes Estados; Ceará, Rio Brande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Santa Catarina. Oferecíamos em troca uma área de 2.296 quilômetros quadrados, entre os rios Madeira e Abunã, habitada, aliás, por bolivianos, e mais 723 quilômetros quadrados sobre a margem direita do rio Paraguai, dentro de terrenos alagados, 116 sobre a lagoa de Cáceres, 20,3 sobre a lagoa Mandioré e 8,2 sobre a margem meridional da lagoa Gaíba. Dávamos 3.164 quilômetros quadrados em troca de cerca de 200.000 quilômetros quadrados do Acre. Para estabelecer o equilíbrio nesse desnível de quantidade, o Brasil oferecia à Bolívia mais duas compensações: o pagamento de dois milhões de libras esterlinas e a construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré, esta última, aliás, de utilidade para o comércio e a economia de ambos os países. Era uma empresa, a estrada, já prometida pelo Brasil no Tratado de 1867, e recomendada no Império por alguns dos seus principais estadistas, como o Visconde do Rio-Branco, o Marquês de São Vicente, o Barão de Cotegipe e Tavares Bastos. 



BIBLIOGRAFIA:

LINS, Alvaro – Rio-Branco: Biografia pessoal e História política, São Paulo, 1965.

            

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Resumo do processo de anexação do Acre ao Brasil



"Quem limita a História do Processo de Anexação do Acre às ações de Plácido de Castro é por que não conhece a história do Acre e sim a literatura epopeica que a tematizou"