terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Rio Branco: 1882-2007 (I)

Por Marcos Vinícius
No próximo dia 28 de dezembro a capital acreana completará mais um ano de existência. Eu convidei a Cobra Grande da Gameleira (talvez a única testemunha ainda viva desde a época da fundação da cidade) para conceder uma entrevista à coluna, mas como ela não quis nem conversa conosco, nesta semana e nas duas próximas traremos uma breve história da formação de Rio Branco. É uma singela, porém sincera, maneira de homenagear essa cidade onde vivemos e a quem amamos.
Casa Comercial da Villa Rio Branco, do Sr. N. Maia e Cia. Armazéns dos Srs. Apolinário, Floquel e outros. “Álbum do Rio Acre”, 1906 – 1907, pg. 99. Porto de desembarque da Vila Rio Branco, Flotinha do comerciante Newtel Maia e diversos batelões de negociantes ambulantes. Álbum do Rio Acre” , 1906 – 1907, pg. 108
Os 125 anos de Rio Branco
Rio Branco, não é uma cidade qualquer. Além de ser o mais antigo núcleo urbano de todo o Acre, logo se constituiu como a maior e mais importante cidade da região e foi por isso escolhida como a capital do antigo Território Federal e posteriormente do Estado do Acre. Mas Rio Branco ainda aguarda a elaboração de pesquisas mais aprofundadas sobre sua história e uma melhor compreensão da importância que possui para o conhecimento da própria sociedade acreana.
Nesta breve síntese iremos abordar alguns aspectos da formação da cidade de Rio Branco com ênfase em sua história territorial, no processo de ocupação do espaço e na configuração de uma malha urbana diferenciada do meio florestal circundante. Uma história que pode ser dividida em quatro períodos bem marcados, dos quais vemos hoje o primeiro.
1882 / 1908 – de seringal a cidade (1º Período)
Este primeiro período da história urbana de Rio Branco é marcado por três características centrais. A primeira diz respeito à transformação do seringal Volta da Empreza no povoado denominado Villa Rio Branco.
A segunda característica é que foi exatamente nesta época que Rio Branco alcançou a condição de liderança política e econômica do Acre que lhe valeria posteriormente a condição de capital. Finalmente, a terceira característica fundamental da cidade nascente foi que neste período o povoado da Volta da Empreza – Villa Rio Branco esteve restrito a uma estreita faixa de terras na margem direita do rio Acre (atual 2º Distrito).
O Seringal Volta da Empreza foi fundado na margem direita do rio Acre, em 28 de dezembro1882, pelo cearense Neutel Maia. Mas logo se diferenciou dos outros seringais da região ao se tornar um porto muito freqüentado pelos vapores que transitavam pelo rio durante a época das cheias. Neutel Maia criou então, já em 1884, uma casa comercial denominada “Nemaia e Cia.” para atender aos vapores, seringais do rio Acre e realizar a intermediação do gado importado da Bolívia para o abastecimento da região.
Espontaneamente, portanto, a Volta da Empreza deixou de ser um seringal como todos os outros do Acre para se tornar um povoado, o que equivale dizer que muito cedo a Volta da Empreza deixou de ser um espaço privado (de domínio exclusivo do seringalista) para se tornar um espaço público onde outros comerciantes ou indivíduos podiam livremente atuar ou se fixar.
Por isso, além de se tornar a principal referencia comercial do médio rio Acre, o povoado da Volta da Empreza foi o principal palco de diversos movimentos da guerra entre acreanos e bolivianos que abalou a região no final do século XIX e princípio do XX. Tornou-se assim a sede do Acre Setentrional durante a ocupação militar de 1903 e, logo após a anexação das terras acreanas através do Tratado de Petrópolis, foi alçada a condição de sede do Departamento do Alto Acre no regime territorial recém implantado. Passou então a ter o nome de Villa Rio Branco (1904), em homenagem ao diplomata articulador dos Tratados de limites que tornaram o Acre parte do Brasil.
Temos, portanto, neste período de 1882 a 1908 pelo menos três fases distintas na história da cidade, a saber: 1ª Fase - 1882 / 1898 – durante a qual o seringal se torna um povoado e se consolida comercialmente na região; 2ª Fase – 1899 / 1903 – na qual os diversos acontecimentos da Revolução Acreana levam a Volta da Empreza a se tornar o centro do poder político no vale do rio Acre; 3ª Fase 1904 / 1908 – quando a agora denominada Villa Rio Branco consolida sua liderança política e econômica tornando-se a sede do Departamento do Alto Acre.
Em relação à configuração espacial de Rio Branco, durante todo este período a área urbana da cidade se restringiu a uma estreita faixa de terras na margem direita do rio Acre, que correspondia a uma parte da área pertencente à Neutel Maia.
Inicialmente foi a Casa Nemaia e Cia., situada diante da enorme gameleira que assinalava o porto da Volta da Empreza, que serviu como referencia para a construção de uma série de outros prédios seguindo o traçado da margem do rio. Formou-se assim um primeiro arruamento onde se estabeleceram hotéis, restaurantes, casas comerciais e residenciais construídos com a madeira que era abundante nos arredores desta primeira rua do povoado (atualmente chamada de Rua Eduardo Assmar).
Com a extensão e adensamento desta primeira rua organizaram-se três áreas distintas que se constituíram como os primeiros bairros do povoado. Uma pequena área residencial de trabalhadores que ocupava as terras da volta do rio Acre, acima da Gameleira, e que era denominada Canudos (área da atual Cidade Nova).
O centro do povoado da Volta da Empreza propriamente dito que era constituído pela rua ao longo da margem do rio no trecho entre a Gameleira e o local onde hoje está a cabeceira da Ponte Metálica. E, finalmente, formou-se outro pequeno bairro de trabalhadores que recebeu o sintomático nome de rua África por abrigar os negros habitantes da cidade. Este ultimo bairro era a extensão da única rua da cidade na direção do igarapé da judia e era formado quase que exclusivamente por precárias casas de palha.
Ainda surgiria um quarto “bairro” (para empregar um termo de época) no povoado da Volta da Empreza – Villa Rio Branco. Isto se deu durante a ocupação militar de 1903 quando, diante da necessidade de aquartelar tropas nesta área, o General Olimpio da Silveira decidiu faze-lo distante do centro do povoado escolhendo para tanto um local periférica, rio acima, e ali acampou o 15º Batalhão de Infantaria do Exército.
A presença dos militares atraiu pequenos comerciantes que constituíram um novo arruamento, também ao longo da margem do rio, para atender as necessidades dos soldados e deram origem ao bairro Quinze, numa referência ao numero do Batalhão ali estacionado, cuja denominação permanece até hoje.
Ou seja, ao longo deste primeiro período de formação da área urbana de Rio Branco, podemos identificar não só sua consolidação como espaço diferenciado em relação aos seringais da região como também a configuração de um primeiro ordenamento espacial que refletia a organização da própria sociedade com bairros diferenciados para os trabalhadores ou para os “negros” da cidade.

HISTÓRIA DO ACRE - Resumo de Livro

BARBOSA, Adalva. A História do Acre e suas origens. (5º série). Brasília, 1991.



- Foi fruto do planejamento anual no Colégio Acreano durante os anos de 1983-1989.
“Os jovens filhos da terra desconhecem suas origens” p. 13.
“De 1870 a 1912 marca o início da conquista efetiva da região norte para o Acre” p.13.
“Neste volume apresento os principais fatos históricos ocorridos desde o início do século XIX até os dias atuais, no Estado do Acre” p. 19.
“Conheça melhor a sua história” p. 19.
· APUD, p. 21. “Teu passado reluz na floresta inteira/no ronco soluçante das cascatas/E os heróis que por ti ergueram lanças/são as estrelas de sangue da bandeira”. “Uma encarnada flâmula de guerra/o fizeste em dessa de um direito/Onde brilhou um Plácido de Castro/E cada herói caído sobre a terra/Tinha a pátria a cantar dentro do peito” (Venceslau Costa. ODE AO ACRE)
“O Acre possui uma história das mais importantes que se insere na história do Brasil. É uma história contada por HERÓIS e HEROÍSMO até os dias de hoje. Foi traçada por bravos rústicos e nordestinos e seus descendentes, levados pela inspiração patriótica, pela necessidade de sobrevivência e pelo anseio de manterem para si o território conquistado com suor e sangue” p. 31.
“A formação do Acre originou-se através da formação dos seringais. Com a formação dos seringais, surgiu a necessidade de legitimação de posse” p. 47.
· No capítulo As Insurreições no Acre, afirma que a primeira foi a realizada por PARAVICINE, em 1899 (cf.: p.56).
“(os brasileiros) envolvidos por um interesse patriótico-mercante resolveram mover uma ação contra o governo de La Paz” p. 58.
“Não pode realizar totalmente seu principal objetivo que era arrancar dos bolivianos o poder de Puerto Alonso. Sua missão foi entregue a Luiz Galvez” p. 58.
- O que podemos perceber era que as insurreições não surgiam no Acre, eram trazidas de Manaus pelos líderes contratados.
- Após a vitória, “Plácido de Castro demonstra cavalheirismo e generosidade, garantindo tratamento merecidamente honroso aos vencidos” p. 71.
“Plácido de Castro lutou e venceu a Revolução Acreana” p. 75.
- Sobre o HINO: “Poeta, ele interpretou a natureza, o drama, o estado d’alma, a vitória, a vontade de ser brasileiro” p. 77.
“O Acre surgiu em função da economia extrativo-gomífera [...] O Acre situava-se em 2° lugar na exportação geral da República [...] A borracha não trouxe riquezas para o Acre, ele era o maior produtor de borracha e nada recebeu em troca” p.95.
“O homem só era visto como mão-de-obra ativa, força de trabalho, instrumento de fabricar borracha. O objetivo era extrair e vender ao máximo, buscando aumentar os lucros, não importando se tal intento representasse a morte lenta do seringueiro e de sua aliada: a árvore do látex” p.99.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

DE CERTEAU. Michel. A escrita da História. Tradução Maria de Lourdes Menezes. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.

A cena inaugural: “... o conquistador irá escrever o corpo do outro e nele traçar a sua própria história... é uma colonização do corpo pelo discurso do poder” p. 9. A descoberta da América vai representar um funcionamento novo da escrita ocidental. “Utilizará o Novo Mundo como uma página em branco para nela escrever o querer ocidental” p. 9-10. “A escrita da história é o estudo da escrita como prática histórica” p. 10. “... preferível tornar visível o lugar presente onde esta interrogação tomou forma...” p. 10; “A historiografia traz inscrito no próprio nome o paradoxo do relacionamento de dois termos antinômicos: o real e o discurso” p. 11. “Da relação que o discurso mantém com o real, do qual trata, nasceu este livro” p. 11. “O outro é o fantasma da historiografia. O objeto que ela busca, que ela hora e que ela sepulta” p. 14. A historiografia pretende esconder a alteridade do estranho. “A historiografia moderna ocidental começa efetivamente com a diferenciação entre o presente e o passado” p. 14. A violência do corpo não alcança a página da escrita senão através da ausência. “O corpo é um código à espera de ser decifrado” p. 15. “Inicialmente a historiografia separa seu presente de um passado... assim sendo, sua cronologia se compõe de períodos entre os quais se indica sempre a decisão de ser outro ou de não ser mais o que havia sito até então” p. 15. “Por sua vez, cada tempo novo deu lugar a um discurso que considera morto àquilo que o precedeu, recebendo um passado já marcado pelas rupturas anteriores... o corte é o postulado da interpretação (que se constrói a partir de um presente) e seu objeto (as divisões organizam as representações a serem reinterpretadas)” p. 15 “No passado, do qual se distingue, ele faz uma triagem entre o que pode ser compreendido e o que deve ser esquecido para obter a representação de uma inteligibilidade presente. Porém, aquilo que esta nova compreensão do passado considera como não pertinente – dejeto criado pela seleção dos materiais permanece negligenciado por uma explicação – apesar de tudo retorna nas franjas do discurso ou nas suas falhas... são lapsos na sintaxe construída pela lei de um lugar. Representa aí o retorno de um recalcado, quer dizer, daquilo que num momento dado se tornou impensável para que uma identidade nova se tornasse pensável” p.16. ]”A história é o privilégio que é necessário recordar para não esquecer-se a si próprio. Ela situa o povo no centro dele mesmo” p. 16. “... escrever é construir uma frase percorrendo um lugar supostamente em branco, a página” p. 17. “O fazer história se apóia num poder político...” p. 18. O passado é um lugar de interesse e de prazer. “O passado é uma ficção do presente” p. 21. “O real que se inscreve no discurso historiográfico provém das determinações de um lugar” p. 21. Dependência com relação a um poder estabelecido e domínio das técnicas caracterizam o local da escrita. “Tampouco se poderia supor, como ela às vezes leva a crer, que um começo, anterior no tempo, explicaria o presente: aliás, cada historiador situa o corte inaugural lá onde pára usa investigação, quer dizer, nas fronteiras fixadas pela sua especialidade... A atualidade é o seu começo real” p. 22. “... escrever é encontrar a morte que habita este lugar, manifestá-la por uma representação das relações do presente com seu outro e combatê-la através do trabalho de dominar intelectualmente a articulação de um querer particular com forças atuais” p. 22. A realidade deve ser apreendida enquanto atividade humana, enquanto prática. O texto reflete um lugar. Há uma relação entre o logos e a arché. O começo é o seu outro. Marx: um discurso sobre o capital. Arqueologia: o retorno de um reprimido, a voz da qual a modernidade fez ausente. PRIMEIRA PARTE: AS PRODUÇÕES DO LUGAR CAP. 1 – FAZER HISTÓRIA (p. 31) Localizar a escrita: a) período; b) objeto; c) lugar. “... lugar de onde fala, efetivamente prende-se ao assunto de que se vai tratar e a ponto de vista através do qual me proponho examiná-lo” p. 32. O discurso não está flutuando na história. O real só ganha sentido no discurso. “... entendo como história esta prática (uma disciplina), o seu resultado (o discurso) ou a relação de ambos a forma de uma produção” p. 32. “... atendo-se ao discurso e à sua fabricação, se apreenda melhor a natureza das relações que ele mantém com o seu outro, o real” p. 33. “Sem dúvida a história é o nosso mito. Ela combina o pensável e a origem, de acordo com o modo através do qual uma sociedade se compreende” p. 33. “Mesmo remontando incessantemente às fontes mais primitivas, perscrutando nos sistema s históricos e lingüísticos a experiência que escondem ao se desenvolver, o historiador nunca alcança a sua origem, mas apenas os estágios sucessivos da sua perda” p. 34. “... uma leitura do passado, por mais controlada que seja pela análise dos documentos, é sempre dirigida por uma leitura do presente” p. 34. Sentido místico: ressurgimento do imemorial. Uma essência difratada. Descobrir a essência por trás da aparência. Como se a história tivesse um fundo pontual de onde tudo partiu. Será que um determinado passado freqüenta o nosso presente? O olhar sociológico transformou as próprias crenças em fatos objetivos. Que uso uma determinada sociedade fazia deste saber? A procura da origem provoca um recuo sem fim até transformar tudo em poeira de fragmentos. A biografia confere ao sujeito uma unidade ideológica. Supõe que um homem corresponda a um pensamento bem definido. Os sistemas de interpretações dizem que o legível está no interior do texto. “A vontade de definir ideologicamente a história é particularidade de uma elite social. Ela se fundamente numa divisão entre as idéias e o trabalho” p. 40. “... o termo ideologia não mais convém para designa a forma sob a qual a significação ressurgiu na ótica ou no olhar do historiador” p. 41. “... o sentido não pode ser apreendido sob a forma de um conhecimento particular que seria extraído do sob a forma de um conhecimento particular que seria extraído do real ou que lhe seria acrescentado, é porque todo fato histórico resulta de uma práxis, porque ela já é o signo de um ato e, portanto, a afirmação de um sentido” p. 41. Não pretendemos buscar o sentido sob a “... aparência de uma ideologia...” p. 41. Os atos historiográficos organizam a historiografia em função de uma ótica particular que fundão sentidos. (atos históricos fundadores/instauradores de sentido). “... o discurso, hoje, não pode ser desligado de sua produção, tampouco o pode ser a práxis política, econômica ou religiosa...” p. 41. “Os preconceitos da história ou dos historiadores desaparecem quando se modificam as situações a que se referem... Em função de outra situação, desde então nos é possível examinar como preconceitos, ou simplesmente como os dados de um tempo, o modo de compreensão de nossos predecessores, de revelar suas relações com outros elementos da mesma época...” p. 44. “De um lado o real é o resultado da análise e, de outro, é o seu postulado” p. 45. O presente é o lugar da prática historiográfica. O historiador não tem o poder de ressuscitar o passado. Quer restaurar um esquecimento. A história “... é habitada pela estranheza que procura, e impõe às regiões longínquas que conquista, acreditando dar-lhes a vida” p. 47. O corte é para a história a construção de um limite original. A história cria forte consciência de comunidade A loucura foi excluída pela história. “Mais um passo e a história será encarada como um texto que organiza unidades de sentido e nelas será transformações cujas regras são de determináveis” p. 51. Não podemos tomar o discurso fora do gesto que o produziu. “... existe em cada história um processo de significação que visa sempre preencher o sentido da história: o historiador é aquele que reúne menos os fatos do que os significantes. Ele parece contar os fatos, enquanto efetivamente, enuncia sentidos que, aliás, remetem o notado a uma concepção do notável” p. 52. Barthes: o efeito do real consiste em esconder sob a ficção de um realismo uma maneira, necessariamente interna à linguagem, de propor sentido”. p. 52. “A atividade que produz sentido e que instaura uma inteligibilidade do passado é, também, o sintoma de uma atividade sofrida, o resultado de acontecimento e de estruturações que ela transforma em objetos pensáveis, a representação de uma gênese organizadora que lhe escapa” p. 54. O objeto tem duplo estatuto: a) é efeito do real no texto; b) o não-dito fecha o discurso. “A história tornou-se nosso mito...” p. 55. “A história supõe a ruptura que transforma uma tradição em um objeto passado... Mas essa relação com a origem, próxima ou longínqua, da qual uma sociedade se separa sem poder elimina-la é a analisada pelo historiador, que faz dela o lugar da sua ciência” p. 56. “O discurso sobre o passado tem como estatuto ser o discurso do morto... o seu sentido é o de ser uma linguagem entre o narrador e os seus leitores, quer dizer, entre presentes... O morto é a figura objetiva de uma troca entre vivos...” p. 56. “... a história se torna o mito da linguagem. Ela torna manifesta a condição do discurso: uma morte. Nasce, com efeito, da ruptura que constitui um passado distinto de seu empreendimento presente. Seu trabalho consiste em criar ausentes, em fazer, de signos dispersos na superfície de uma atualidade, vestígios de realidades históricas ausentes porque outras” p. 57. “Mas o ausente é também a forma presente da origem. Existe mito porque, através da história, a linguagem se confrontou com a sua origem... o movimento que remete esse período ao seu aquém mais primitivo, e volta, indefinidamente, até um começo imaginário, um umbral fictício, mas necessário para que se possa retornar ao longo dos tempos e classificá-los, etc” p. 57. “A origem é interna ao discurso. Ela é precisamente aquilo de que ele não pode fazer um objeto enunciado. Esse discurso se define enquanto dizer, como articulado com aquilo que aconteceu além dele; tem como particularidade um início que supõe um objeto perdido” p. 57. “O discurso histórico não é senão uma cédula a mais numa moeda que se desvaloriza. Afinal de contas não é mais do que papel” p. 58. CAP. II – A OPERAÇÃO HISTORIOGRÁFICA (p. 65) “Toda pesquisa historiográfica se articula co um lugar de produção sócio-econômico, político e cultural” p. 66. A história não reconstitui a verdade do ocorrido no passado. Vivemos no tempo da desconfiança em que “Mostrou-se que toda interpretação histórica depende de um sistema de referência; que este sistema permanece uma filosofia implícita particular; que se infiltrando no trabalho de análise, organizando-o à sua revelia, remete à subjetividade do autor” p. 67. A história é poeiras de percepções. “É, pois, impossível analisar o discurso histórico independentemente da instituição em função do qual ele se organiza silenciosamente...” p. 71. “Da reunião dos documentos à redação do livro, a prática histórica é inteiramente relativa à estrutura da sociedade” p. 74. “Uma mudança da sociedade permite ao historiador um afastamento com relação aquilo que se torna, globalmente, um passado” p. 75. “Antes de saber o que a história diz de uma sociedade, é necessário saber como funciona dentro dela” p. 76. Dupla função do lugar: permite certas pesquisas e põe dificuldades em outras. “Sem dúvida, esta combinação entre permissão e interdição é o ponto cego da pesquisa histórica... a história se define inteira por uma relação da linguagem com o corpo (social) e, portanto, também pela sua relação com os limites que o corpo impõe, seja à maneira do lugar particular de onde se fala, seja à maneira do objeto outro (passado, morto) do qual se fala” p. 77. “A articulação da história com um lugar é a condição de uma análise da sociedade” p. 77. “... cada sociedade se pensa historicamente com os instrumentos que lhe são próprios” p. 78. “A psicanálise revela no discurso a articulação de um desejo constituído diferentemente do que o diz a consciência” p. 78. O historiador trabalha em cima de uma material para transformá-lo em história. Empreende uma manipulação que obedece a regras. “Quando o historiador supõe que um passado já dado se desvenda no seu texto, ele se alinha com o comportamento do consumidor. Recebe, passivamente, os objetos distribuídos pelos produtores” p. 80. “Em história, tudo começa com o gesto de separar, de reunir, de transformar em documentos certos objetos distribuídos de outra maneira. Esta nova distribuição cultural é o primeiro trabalho” p. 81. “Não existe relato histórico no qual não esteja explicitada a relação com um corpo social e com uma instituição de saber” p. 94. “A primeira imposição do discurso consiste em prescrever como início aquilo que na realidade é um ponto de chegada, ou mesmo um ponto de fuga da pesquisa” p. 94. “... a escrita histórica – ou historiadora – permanece controlada pelas práticas da quais resulta; bem mais do que isto, ela própria é uma prática social que oferece ao ser leitor um lugar bem determinado...” p. 95. A cronologia indica um segundo aspecto do serviço que o tempo presta à história. “Ela é a condição de possibilidade do recorte em períodos” p. 97. “... o acontecimento é aquele que recorta, para que haja inteligibilidade; o fato histórico é aquele que preenche para que haja enunciados de sentido. O primeiro condiciona a organização do discurso; o segundo fornece os significantes, destinados a formar, de maneira narrativa, uma série de elementos significativos. Em suma, o primeiro articula, e o segundo soletra” p. 103. “O acontecimento é o meio pelo qual se passa da desordem à ordem... é o postulado e o ponto de partida... permite ordenar o desconhecido num compartimento vazio...” p. 103. EROSÃO DAS UNIDADES. “... o nacionalismo cresce com a consciência infeliz de uma nação ameaçada” p. 106. “A escrita não fala do passado senão para enterrá-lo. Ela é um túmulo no duplo sentido de que, através do mesmo texto, ela honra e elimina” p. 108. SEGUNDA PARTE: A Produção do tempo – uma arqueologia religiosa (p. 121) INTRODUÇÃO: Questões de Método (p. 123). “Encara-se a possibilidade de que uma mesma sociedade apresente uma pluralidade de desenvolvimentos heterogêneos, mas combinados” p. 126. CAP.III – A INVENÇÃO DO PENSÁVEL (p. 131). CAP. IV – A FORMALIDADE DAS PRÁTICAS (p. 152) Ambos os capítulos falam sobre a revolução religiosa que foi a reforma e seu impacto na escrita da história. A cultura se elabora lá onde se constrói o poder de fazer a história. TERCEIRA PARTE: OS SISTEMAS DE SENTIDO: O ESCRITO E O ORAL (p. 209). “Atravessar a história e a etnologia com algumas questões, eis aí todo o meu propósito” p. 212. CAP. VI – A LINGUAGEM ALTERADA (p. 243). CAP. VII – UMA VARIANTE: a edificação hagiográfica (p. 266). “Na extremidade da historiografia, como sua tentação e sua traição, existe um outro discurso... Os fatos são antes de tudo significantes a serviço de uma verdade que constrói a sua organização ‘edificando’ sua manifestação” p. 266. A ORIGEM SEMPRE È NOBRE PARA UM POVO QUE TEM A AMBIÇÃO DE TRAÇAR UM DESTRUIR PROMISSOR. “... para indicar no herói a fonte divina de sua ação e da heroicidade de suas virtudes, a vida de santo, freqüentemente, lhe dá uma origem nobre” p. 272. “... a hagiografia postula que tudo é dado na origem com uma vocação, com uma eleição ou como nas vidas da Antiguidade, com um ethos inicial. A história é, então, a epifania[1] progressiva deste dado, como se ela fosse também a história das relações entre o princípio gerador do texto e suas manifestações de superfície” p. 273. A respeito da hagiografia, essencialmente teofânico: “... as descontinuidades do tempo são esmagadas pela permanência daquilo que é o início, o fim e o fundamento” p. 276. “... a vida de santo se submete a um outro tempo do que a do herói: o tempo ritual da festa. O hoje litúrgico o remete a um passado que está por contar”. p. 276. “A vida de santo é uma composição de lugares. Primitivamente ela nasce num lugar fundador (túmulo de mártir, peregrinação, mosteiro, congregação, etc.) transformado em lugar litúrgico e não cessa de reconduzir para ele como para aquilo que é finalmente a prova. O percurso visa o retorno a esse ponto de partida” p. 277. “Mas o sentido é um lugar que não é um lugar. Remete os leitores a um além que não é nem um alhures, nem o próprio lugar onde a vida do santo organiza a edificação de uma comunidade. Freqüentemente se produz aí um trabalho de simbolização” p. 278 CAP. VIII – O QUE FREUD FEZ DA HISTÓRIA (p. 281) “O que nós chamamos inicialmente história não é senão um relato” p. 281. A história cria ausências. Tomamos como realidade histórica ou evidência aquilo que é tão somente uma coerência do discurso historiográfico. Ocultar – parece ser a principal função da história. Esconde os conflitos e faz que a história apareça perfeita. A história apaga os sintomas do discurso que a fez nascer. CAP. IX – A FICÇÃO DA HISTÓRIA (p. 301) Fantasias: produções do imaginário. “É necessário morrer de corpo para que nasça a escrita. Esta é a moral da história. Ela não se prova senão graças ao sistema de um saber. Ela se conta” p. 314. [1] Começo.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

História do Acre - Debate

Autor: Eduardo de Araújo Carneiro[1] Orientadora: Profª. Drª. Marisa Martins Gama-Khalil[2] “Porque os habitantes, ali, queriam ser brasileiros e o Brasil não os devia obrigar a reconhecerem outra pátria!”. (Galvez, apud: TOCANTINS, p. 414) “Não me pergunte quem sou e não me diga para permanecer o mesmo”. (FOUCAULT, 2005, p.20) O presente texto é uma versão com alguns ajustes de um subitem da dissertação de mestrado que tem por título provisório “O discurso fundador no Centenário da Revolução Acreana (1999-2003)” - já em fase final de redação e com defesa prevista para março de 2008, na UFAC.
Entende-se por discurso fundador aquela dispersão de textos que age sobre o universo discursivo tanto para nomear o sem-sentido, quanto para re-nomear um sentido já existente, de modo que essa (re)nomeação regra a formação de outros discursos, estabelecendo, com isso, um eterno retorno a si próprio e um constante vir a ser.
Nomear é o processo que funda o “novo”, atribuindo identidade ao nunca experimentado. Re-nomear é o processo que instaura o “outro” onde o “novo” já existe. Sem-sentido é aquilo que ainda não foi representado pelo discurso. Eterno retorno é a perpetuação do momento fundador através de sua repetição. Estas, por sua vez, são as responsáveis por deixarem o discurso fundador sempre fundante, ou seja, em um estado permanente de vir a ser.
O Acre não tem uma identidade natural, essencial e imanente. Ele é uma invenção. As fronteiras conceituais que o definem são porosas e moventes. Isso possibilita com que assuma várias formas de acordo com a situação e a posição ideológica de quem o emprega. Assim, podemos falar de “Acres”. Cada um com o seu passado, cada um com a sua história discursiva, que por sua vez, se inscreve uma na outra, pelo interdiscurso.
Em sua tese de doutorado, a professora Maria José Bezerra (2006) caracterizou o processo histórico de invenção do Acre em quatro momentos: o Acre estrangeiro, o Acre brasileiro, o Acre emancipado e o Acre viável. Certamente o assunto não foi esgotado. Podemos falar de um Acre amazonense nos discursos de Rui Barbosa (ALENCAR, 2005) e de um Acre pré-histórico no discurso de Marcos Vinícius (2004).
O espaço geográfico que hoje abriga os limites fronteiriços de atuação de um ente político-administrativo chamado pelo homem civilizado de Acre deve ter sido imaginado das mais diversas maneiras, pelas centenas de tribos aborígines que ali viviam há milênios. Todas essas representações de pertencimento ao local foram sacrificadas para a emergência do signo Acre, que é polissêmico, apesar de todo autoritarismo que o instaurou.
A dissertação em apreço pretende analisar o Acre, comunidade de acreanos, como um acontecimento discursivo. Comunidade que se diz distinguir de outras pela identidade peculiar de seus membros. Comunidade que se imagina singular por ter um passado original glorioso, feito de atos heróicos e patrióticos de antepassados que não só conquistaram bravamente um território predestinado a lhes pertencer, mas também estabeleceram os marcos fundacionais de um povo, se tornando, com isso, arquétipos de gerações futuras.
A Análise do Discurso compreende a identidade como uma função do discurso e das relações de poder. O processo de (re)nomeação de uma identidade não é passivo. Há disputas em torno da fixação de uma significação desejada. Sua evidência ou aparente estabilidade representa a vitória de uma prática discursiva sobre outras. É a prática discursiva que instaura os acontecimentos sob os quais nascemos, e quais deles continuarão a nos atravessar.
Para abordar os discursos que fundam o Acre, será utilizado o método arqueológico elaborado por Michael Foucault (2005), que assim o define: “A arqueologia descreve os discursos como práticas especificadas no elemento do arquivo” (p.149), “busca definir não os pensamentos, as representações, as imagens, os temas, as obsessões que se ocultam ou se manifestam nos discursos, mas os próprios discursos, enquanto prática que obedecem a regras [...] ela dirige ao discurso em seu volume próprio, na qualidade de monumento” (p. 157).
Em síntese, a arqueologia tem como objeto de análise o arquivo. Não o conjunto de documentos conservados por uma sociedade em uma determinada época, num determinado lugar, mas “a lei do que pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento dos enunciados como acontecimentos singulares” (FOUCAULT, 2005, p. 147).
Encontrar a lei que regra o aparecimento de um discurso, é determinar as condições sócio-históricas que permitiram seu pronunciamento, circulação e conservação. Uma pergunta sempre acompanha o fazer arqueológico: por que nessas condições específicas foi arquivado esse discurso e não outro em seu lugar?
O arquivo do discurso fundador do Acre é formado pelo conjunto de discursos efetivamente materializados durante o processo de anexação do Aquiri ao Brasil, que nomearam como “acreano” os mais diversos tipos humanos que para a parte sul-ocidental da Amazônia migraram com o fim de explorar economicamente a havea brasiliense no final do século XIX e início do XX. Nessa época, uma lei regrava o que podia e devia ser dito sobre a comunidade nascente. É preciso revolver o solo que possibilitou o aparecimento dessa lei, para compreendermos o porquê da raridade enunciativa instalada, que privilegiou o patriotismo e o heroísmo e interditou a ganância e a violência como componentes da formação da identidade acreana.
Por questão de espaço, optamos por analisar nesse texto, somente um caractere do discurso fundador do Acre - o patriotismo constituinte da identidade acreana. Para tanto, selecionamos o arquitexto “Manifesto dos Chefes da Revolução Acreana”, escrito em fevereiro de 1900 e endereçado “ao venerado Presidente da República Brasileira, ao povo brasileiro e às praças do comércio de Manaus e do Pará”.
Para a Análise do Discurso, o sentido de uma palavra não existe em si mesmo, mas é determinado pelas posições ideológicas colocadas em jogo no processo sócio-histórico em que ele é produzido. Portanto, devemos perguntar: os Chefes da Revolução empregaram qual concepção de pátria e patriotismo no referido Manifesto?
Seguramente não foi o patriotismo grego - sentimento de fidelidade cívico-religioso que os cidadãos tinham em relação à cidade em que nasciam. Nem o romano, símbolo do amor ao império. Nem o patriotismo aterritorial dos bárbaros, para quem a pátria era sinônimo da tropa. Nem o medieval, que coincide com o sentimento de fidelidade feudal. Nem o do Estado Absolutista, em que a pátria se identificava com a pessoa do monarca. Nem a do nativo, vinculada exclusivamente ao solo - a terra dos ancestrais. Também não era o patriotismo jacobino que pregava mudanças na “velha ordem”. Não podia ser o patriotismo moderno, que “define pátria como nossa própria nação” (HOBSBAWM, 2004, p. 28).
O conceito de nação, em sua concepção moderna, ainda estava em plena formação no final do século XIX, na Europa. Os nacionalistas elaboranvam-na de modo a uní-la ao conceito de Estado e seus derivados como governo, território e soberania popular.
Portanto, o patriotismo dos revolucionários não podia ser o do amor à nação, pois “no Brasil do início da república, inexistia tal sentimento [de comunidade, identidade coletiva]” (CARVALHO, 2006, p.32). O conceito de homogeneidade cultural de nação ainda não havia se firmado. “Somente ao final do Império começaram a ser discutidas questões que tinham a ver com a formação da nação” (ibidem, p. 23).
O Manifesto dos Chefes da Revolução foi assinado por dezesseis ricos seringalistas e homens de negócios da região. Vale lembrar que nenhuma das quase sessenta rubricas colhidas por José de Carvalho, na ocasião da expulsão da delegação boliviana em maio de 1899, constam no Manifesto. Fica claro que o referido documento não foi fruto de um consenso.
Ora, se não era consenso nem entre a elite gomífera, muito menos assegurava a opinião dos humildes seringueiros, que era interditada na sociedade do discurso. Os chefes falavam em nome da “soberana vontade popular” (BRAGA, 2002, p. 20), mas nunca convocaram uma única assembléia de seringueiros para deliberar sobre o teor das dezenas de decretos assinados por Galvez.
O Manifesto afirma que “os rebeldes acreanos, ao enfrentarem os prós e contras do seu patriótico movimento, conheciam minuciosamente os convênios realizados e os fatos pretéritos, contemporâneos do Brasil colonial e do Brasil Imperial”. Ora, quem eram esses “rebeldes acreanos”? Todos os acreanos? Certamente que não, pois os seringueiros, infelizes analfabetos, isolados com estavam do mundo, não conheciam nem todas as regras do seringal direito, que dirá as discussões sobre convênios e fatos históricos do Brasil.
Em outro momento diz: “Os insurretos não estão dispostos a ceder um palmo do seu território” (Ibidem, p. 25) [grifo nosso]. Ora, os “insurretos” desse discurso não podia ser qualquer acreano, mas somente àqueles que tinham propriedades a defender. Como sabemos, o seringueiro não era dono da terra onde morava.
Na página seguinte diz: “asseguram os revolucionários do Acre que toda a goma elástica baixará, logo que o Brasil dissimule as negociações diplomáticas incabíveis (Ibidem, p. 26) [grifo nosso]. Quem eram esses “revolucionários” do discurso? Os seringueiros não podiam ser, já que nada podiam fazer sem a autorização de seu patrão.
O grupo de Galvez queria mostrar para a opinião pública uma falsa unidade em torno de seu governo. É por isso que o Manifesto fala de “levantamento patriótico do povo acreano” (ibidem, p. 11). Com certeza o “povo acreano” ao qual o discurso se referiu não existia, era um efeito de sentido para convencer a opinião pública da existência de uma união entre os habitantes daquela região. Carvalho (2006) diz que, no início do século XX, a idéia de povo no Brasil era “abstrata”, todas as referências a esse vocábulo eram tão somente “simbólicas” (p.26).
De José Carvalho a Plácido de Castro, sempre houve os dissidentes - aqueles que apoiavam o governo boliviano; os opositores – aqueles que desejavam esperar a intervenção direta do governo brasileiro; os indiferentes – aqueles que, mesmo sabendo da insurreição, preferiram não tomar parte dela; e os desinformados, aqueles que nem ao menos souberam que estava acontecendo uma “revolução”.
A famosa “Questão do Acre” foi, na verdade, a questão de uma minoria. Para o seringueiro, por exemplo, pouco importava de que país era realmente aquelas terras, seu vínculo direto era com o patrão. O argumento de que a “revolução” foi o evento fundador da comunidade acreana por ter unido todos os brasileiros da região em prol de uma causa é outro mito historiográfico. A revolução não era uma causa comum e a unidade em torno dela nunca existiu.
Basta dizer que Plácido de Castro, no auge de sua campanha militar, não conseguiu arregimentar mais do que dois mil seringueiros para essa causa “de todos”. A população “branca” da região (rios Acre, Purus e Iaco) era estimada em 15.000 habitantes, segundo Tocantins (2001, p.191); em 25.000, de acordo com os próprios “chefes da Revolução” (BRAGA, 2002, p.15. Cf.: CABRAL, 1986, p.35); e em 100.000, segundo Craveiro Costa (2005, p.219).
Ora, se levarmos em consideração este último número, chegaremos à conclusão que não mais de 2% da população local verdadeiramente empunharam armas para defender a $ pátria $.
Outro exemplo é o de José de Carvalho, que em maio de 1899 almejou conseguir o máximo de assinaturas para endossar o manifesto contra o governo boliviano. Com todo esforço do revolucionário, não colheu sessenta rubricas. Por que o restante do “povo” não assinou? O motivo não pode ser explicado simplesmente pelo analfabetismo.
Com Galvez não foi diferente. O Estado Independente nunca foi consenso, até por que se tratou de um projeto “partejado” (cf.: BARROS, 193, p. 39) com o apoio de alguns poucos seringalistas de expressão da região do baixo Acre. Desde os primeiros meses de seu governo, o espanhol teve que combater “energicamente todos os focos de agitação” (TOCANTINS, 2001, p.349).
Vários grupos se insurgiram: o liderado pelo coronel Neutel Maia, do seringal Empresa; o do Capitão Leite Barbosa, de Humaitá; e a da Comissão Garantidora dos Direitos Brasileiros; do Alto Acre. Além do mais, segundo Tocantins, “as pessoas de maior destaque [de Xapuri] não haviam aderido ao Estado Independente” (ibidem, p. 350). Isso sem dizer do Juruá, que nem se quer tomou conhecimento dos decretos expedidos por Galvez. De Xapuri, Galvez receberia ofício assinado por Manoel Odorico de Carvalho, auto-intitulado Prefeito de Segurança Pública pela vontade soberana do povo, comunicando que, no alto Acre, a população resolvia não aderir a essa revolução sem primeiro ouvir a decisão do governo brasileiro [...] Somava-se a este movimento dissidente do Alto Acre, um outro que, sob a denominação de Comissão Garantidora dos Direitos Brasileiros, procurava, de todas as formas, minar o governo provisório. No baixo Acre, para completar, havia, ainda, a propaganda anti-governo provisório, liderado por Neutel Maia do seringal Empresa e pelo Capitão Leite Barbosa, do seringal Humaitá, este último outrora ativo colaborador na administração Paravicini. (CALIXTO, 2003, p. 162) [grifo nosso]. O Manifesto tem início com os seguintes enunciados: “Os brasileiros livres nunca serão bolivianos. Independência ou morte! Viva o Estado Independente do Acre!”. Como se pode perceber, os ideais liberais claramente atravessam os três enunciados. Façamos três perguntas ingênuas: Para quem seria a liberdade? De quem seria a independência? Para quem seria a morte? Ora, “Independência ou morte!” foi o que dizem ter gritado D. Pedro I ao proclamar a independência do Brasil. Recitando esse enunciado, os “chefes da revolução” desejavam inscrever os acontecimentos dos quais eram protagonistas na memória discursiva da independência do Brasil. Queriam familiarizar seus feitos àqueles da independência do Brasil.
Os “chefes da revolução” definiram a revolução como “uma rebelião sagrada, que só visava a defesa da Pátria Brasileira” (BRAGA, 2002, p.17). No decorrer do texto, as palavras pátria e patriotismo aparecem cerca de vinte e sete vezes. E foi assim que a Revolução Acreana foi monumentalizada, e é assim que a conhecemos até hoje.
A concepção de pátria que os revolucionários trazem no Manifesto é bastante influenciada pela concepção liberal do sentimento de pertencimento a um país. Eles diziam “advogar a causa do Brasil” (ibidem, p.20). O patriotismo deles “não podia admitir que o Brasil republicano abandonasse sem cerimônia a área mais produtiva da federação [...] prepararam aberta e francamente a revolução contra as prepotências da Bolívia, a fim de reentregarem a mãe pátria a pérola que ela queria soterrar” (ibidem, p. 13). Eles só queriam “defender a integridade da pátria” (ibidem, p. 14) e acrescentam: “tudo se fez por amor da pátria” (ibidem, p. 14). Diziam “os acreanos querem ser brasileiros e não tolerarão que o Brasil os obrigue a reconhecer outra pátria!” (ibidem, p. 24). No entanto, historicamente, nessa época, esse tipo de sentimento ainda era muito raro no Brasil. Era mais freqüente nos discursos políticos da elite do que no coração dos cidadãos brasileiros. Basta lembrar-se da dificuldade que se teve para recrutar patriotas para a guerra contra o Paraguai (1865-70). “No exército do Império do Brasil, para cada soldado branco, havia nada menos que quarenta e cinco negros!” (CHIAVENATTO, 1984, p.111).
Em fins do século XIX, o patriotismo no Brasil ainda não havia se tornado uma religião cívica capaz de garantir a lealdade do cidadão ao país. Da mesma forma como é difícil acreditar que os negros lutaram na guerra do Paraguai em prol de um país que os oprimia. Igualmente é incabível pensar que no Acre, seringueiros teriam lutado para defender um país que os ignorava. Dizer que o seringueiro defendeu o solo acreano por amor ao Brasil não passa de uma grande demagogia que se perpetuou na historiografia acreana.
Desamparados como estavam da “mãe gentil” e sendo diariamente oprimido por outro brasileiro, o Patrão, na “mais imperfeita organização do trabalho que engenhou o egoísmo humano” (CUNHA, 2000, p. 152), é difícil de imaginar ao menos alguma centelha de patriotismo nessa criatura chamada pelo Dr. Oliveira Viana, de “o mais apolítico dos brasileiros” (Apud, COSTA, 2005, p. 221).
O ingresso do seringueiro na chamada Revolução Acreana acontecia quando seu patrão aderia o movimento e o colocava à disposição dos revolucionários. O seringueiro não tinha o direito de escolha. Não era ele que decida se tinha ou não que ir para a trincheira. Mas a guerra se mostrava uma boa oportunidade de saldar a dívida e, quem sabe, ter um saldo para comprar uma terra ou voltar para sua terra natal. E era exatamente isso que os coronéis ofereciam a ele. Escravo da gleba e escravo do seringalista tuchaua, o nordestino tinha duas saídas: fugir do “centro” ou fugir do Acre. Já verificamos como era impossível a volta ao nordeste. Sobrava, contudo, a oportunidade da “descida” para a margem. O cearense ficou espiando essa “oportunidade” e eis que ela surgiu como contingência histórica: a guerra com a Bolívia. Este foi o momento em que ele pela primeira vez “se libertou” [...] A “descida” para a guerra era como uma fuga: fuga do “centro” [...] com a guerra, sonhavam quebrar todas as pesadas correntes que os amarravam cruelmente na grande selva [...] Depois da guerra, se vitoriosa, acreditavam que os proprietários passariam a ser seus irmãos, que poderiam, eles seringueiros, possuir terras e bens, que os seus “saldos” seriam vultosos e que todo o sistema latifundista seria abalado para oferecer-lhes mais amplas possibilidades de vida. (BASTOS, in.: COSTA, 2005,p. 47-48). Ma o patriotismo cumpria uma função importante no discurso dos revolucionários - tornava mais aceitável o descumprimento dos acordos internacionais firmados pelo Brasil. Poderia o governo federal punir cidadãos que agiam por amor à pátria? Além do mais, a retórica patriótica soava bem aos ouvidos da opinião pública.
Duro é aceitar que um espanhol recém chegado à Amazônia, tornara as região dos rios Acre, Purus e Iaco independentes do Brasil em nome do patriotismo do povo brasileiro. Foi assim criada a República de Galvez, aventura infeliz e criminosa que tanto comprometeu os destinos da questão do Acre [...] custou ao Estado do Amazonas mil e duzentos contos, e que ainda hoje, por cúmulo! É tida como ponto de partida da insurreição acreana. (CARVALHO, 2002, p. 45-46) [grifo nosso]. A cena chega a ser lúdica, mas Leandro Tocantins afirma que quando chegou a Antimari, “a população tomou Galvez por boliviano” (TOCANTINS, 2001, p. 324). Esse “demagogo e figurante, escolhido a dedo” (BARROS, 1993, p. 38), não só arriscou-se a entrar na ordem arriscada do discurso patriótico, como foi um privilegiado interlocutor dela. Vejamos o trecho de seu pronunciamento no dia da proclamação do Estado Independente do Acre: Aceitamos leis, pagamos tributos e impostos e obedecemos, passivamente todos os julgamentos de alta e baixa justiça praticados pelo Delegado nacional da Bolívia, na esperança que nossa idolatrada Pátria e gloriosa e humanitária Nação brasileira acudisse em nosso socorro e atendesse nossos justíssimos pedidos. O governo do Brasil não respondeu aos nossos patrióticos alarmes; a Pátria, a nossa estremecida mãe personificada em grupo de valentes [...] os habitantes destas regiões pertencem à livre e grande Pátria brasileira! É justo, pois que cidadãos livres, conhecedores dos seus direitos civis e políticos, não se conformem com estigma de párias criado pelo governo de sua pátria, nem podem, de forma alguma, continuar sendo escravos de uma outra nação – a Bolívia. Impõe-se a independência destes territórios [...] é necessário levantar nossa honra pela Bolívia depreciada [...] se não aceitais a independência continuaremos a sofrer humilhações que nos impõem uma nação estrangeira. (Apud, AGUIAR, 2000, p.54, 55) [grifo nosso]. Ouvir o “dom-juan” (BARROS, 1993, p. 33) expressar sentimentos de amor ao Brasil realmente era patético. Mas esse discurso foi “uma demagogia necessária para o gênero do papel que estava desempenhando” (TOCANTINS, 2001, p. 326). Afinal, “era o melhor caminho para exaltar o amor cívico, assim como persistir no estilo derramado de patriotismo [...] tinha em mira comover os brios regionais dos que escutavam a oração” (Ibidem, p. 327). Como vemos, o que estava em jogo não era a defesa da “pátria mãe gentil”, e sim a manutenção de uma ordem que garantisse um ambiente tranqüilo para os negócios gomíferos. Bizarra aquela República? Sem dúvida, mas os proprietários mais abastados e esclarecidos sabiam que, sem a Ordem, sem que aquela vasta região, com seus milhares de habitantes fosse política e juridicamente organizada, mais difícil se tornaria a acumulação e circulação de capital. Desde que Galvez organizasse o recém criado Estado, de modo a não obstar o fluir da riqueza advinda da exploração da força de trabalho nos seringais, eles, os patrões, também poderiam tolerar as bizarrices humanitárias de seu presidente [...] Convivendo no reino do caos, grande número de patrões sabiam o quanto o estado de anomia representava um entrave à acumulação, uma acumulação pseudofáustica diríamos nós. (CALIXTO, p. 158). Não havia na região do Aquiri “heróis” lutando romanticamente por ideais, como afirma a historiografia oficial. Ninguém era inocente, ninguém foi para aquelas paragens impunemente. Não se enfrentava o impaludismo, os índios selvagens, a natureza hostil, o isolamento social, a falta de infra-estrutura básica, a insalubridade, a falta de mulher, a ausência da família, a semi-escravidão, os assassinatos a sangue frio, a ausência do poder público, etc., com o propósito de alargar o território do país.
Os migrantes tinham objetivos claros: queriam obter “rápidos lucros, de forma que em pouco tempo pudessem voltar a sua terra de origem em melhores condições de vida” (CALIXTO, 2003, p. 43). Assim aconteceu com o “herói” Plácido de Castro que foi “seduzido pela remuneração que a Agrimensura tinha” (CASTRO, 2002, p. 29). Igualmente com Galvez, que “decide tentar a vida em Manaus, atraído pelo eldorado amazônico, para onde se voltavam todas as vistas, na ânsia de adquirir fortuna” (TOCANTINS, 2001, p. 317). Assim aconteceu com os seringueiros. Só importava o bem presente, como as perspectivas imediatas de lucro certo, do dinheiro e do crédito fácil. A miragem da riqueza célere e a volta à terra de origem compunham o binômio psicológico do seringueiro, a idéia-força que o animava ao sacrifício na floresta (TOCANTINS, 2001, p. 255) [grifo nosso]. Porque as notícias diziam tratar-se duma terra sem dono. Portanto, desocupada e livre. Era só chegar e, estabelecer-se. Cair no “corte” como o garimpeiro na bateia. Depois recolher o látex e ouro. Depois enriquecer e voltar (BASTOS, in.: COSTA, 2005, p. 29) [grifo nosso]. Essa população (nordestinos), movida pelos interesses econômicos ligados à extração do látex, devassa a floresta tropical brasileira, incorpora um território de quase 200 mil KM2 retirado da Bolívia, extermina parte da população indígena. (CARDOSO, 1977,p. 25) [grifo nosso]. Na época, nem todos concordavam com o malogro do discurso patriótico dos chefes da revolução. Achavam que o idealismo não era o melhor traço que caracterizava o acreano. No entanto, muitas vozes foram sufocas para que o arquivo do patriotismo fosse montado. Vejamos o que diz o jornal Pátria, do dia 6 de julho de 1899: O fundo desse quadro triste em que os traidores da pátria transformaram a esplendorosa região do Acre [...] julgaram encontrar asada ocasião para, patrioticamente, roubarem o suor do incauto habitante do Acre [...] essa rebelião [...] não subsistirá jamais porque ali o que impera é a ambição desordenada, porque dali fugiu os sentimentos generosos, porque ali o mal tem guarida e a traição subsiste! [...] empregara a chantagem e a chantagem reuniu adeptos; mentiram e a mentira congregou entorno de uma bandeira despedaçada os que deixaram se amasiar pelo canto da sereia, belo mais traidor, harmonioso, mas desgraçado [...] Para roubar, vestiram mendaz capa de patriotismo, cobriram os rostos com a máscara de fingido amor à pátria. (n° 205, p1, cl 1,2 e 3) [grifo nosso]. O que tudo leva a crer é que o patriotismo do governo do Estado do Amazonas chamava-se impostos pagos. O dos seringalistas chamava-se manutenção do lucro e garantia da propriedade privada. O dos profissionais liberais chamava-se obtenção de cargos públicos. E o do seringueiro, quitação das dívidas e livramento do “centro” gomífero. Como todas as guerras, a chamada revolução acreana teve múltiplas motivações.
Mas por que os revolucionários sentiram a necessidade de escrever tal Manifesto? Tudo se explica se levarmos em consideração que o mesmo foi redigido em fevereiro de 1900, época em que o Estado Independente do Acre vivia a (des)ordem do retorno de Galvez ao governo.
Galvez havia sido deposto na virada do ano de 1899, pelo influente seringalista Souza Braga, dono dos seringais Benfica, Riozinho e Niterói. Ele havia ficado insatisfeito com a proibição da exportação da borracha, editada por Galvez como represaria às Casas Exportadoras de Manaus e Belém por se negarem a reconhecer os atos fiscais do governo provisório, ou seja, a cobrança de 10% de imposto sobre a exportação da borracha.
Como “naquela terra, tudo girava em torno de interesses da produção e comercialização do látex” (CALIXTO, 2003, p. 167), muitos dos seringalistas que antes o defendiam, não aceitaram sacrificar seus negócios em prol de um patriotismo que transformaria as pélas de borracha em trincheiras. Em 28 de dezembro de 1899, Souza Braga “apoiado por um pequeno grupo de descontentes” (AGUIAR, 2000, p. 88), é aclamado presidente do Estado Livre do Acre. O primeiro decreto expedido foi o banimento de Galvez; o segundo, o restabelecimento da ordem comercial, declarando livres os rios daquela região para o transporte da goma elástica.
Braga dizia que “entre o Governo de Paravicini e o de Galvez não há grande diferença, assemelha-se na forma e no fundo, deprimir o caráter nacional brasileiro e arruinar a nossa fortuna” (Apud, TOCANTINS, 2001, p. 389) [grifo nosso]. O interessante é que Souza Braga também fez uso do discurso patriótico para justificar essas ações e também intitulou o golpe como sendo um “movimento revolucionário”. (cf.: ibidem, p. 391).
Por essa mesma época, chegou a Puerto Alonso, uma comitiva boliviana que vinha fazer valer os impostos bolivianos na região. O chefe da expedição, Ladislau Ibarra, logo que chegou, decretou estado de sítio, suspendendo todas as garantias constitucionais da população. O local viraria uma “torre de babel”. Ninguém sabia quem realmente mandava na região, e de quem realmente pertencia, de direito, os patrióticos impostos a serem pagos.
A situação se tornava cada vez mais delicada e, devido a isso, Souza Braga foi forçado a renunciar em prol do retorno de Galvez ao governo, ocorrido em 30 de janeiro de 1900. Araújo Lima (1998) fala sobre o assunto: “irrisória a pérfida reparação. Ela só se consumava porque o usurpador sabia que, àquelas horas, uma flotilha brasileira, sob o comando do capitão-tenente Raimundo Ferreira, subia o Acre, com a missão de depor e prender o aventureiro atraiçoado” (p. 52).
Para a surpresa de muitos, após o incidente, o seringalista Souza Braga passa a apoiar Galvez e dele recebe uma “importante comissão a ser exercida junto às praças de Manaus e Belém” (TOCANTINS, 2001, p. 399). Tudo estava muito confuso. As principais autoridades do país e a opinião pública de modo geral estavam perplexas com as informações recebidas daquelas paragens.
Mal souberam do Estado Independente do Acre, já se escutava falar sobre a deposição de Galvez e da fundação do Estado Livre do Acre pelo seringalista Souza Braga. Quase concomitante a essas informações, espalhou-se a notícia de que Galvez havia retornado à presidência do Estado Independente do Acre, e desta feita, com o apoio de seu algoz, Souza Braga.
Os “chefes da revolução” temiam que a tumultuada conjuntura política do Estado Independente prejudicasse a liberação dos créditos vindos das Praças de Manaus e Belém, sem os quais todo o sistema de aviamento estaria fadado ao fracasso. E foi exatamente esse temor que motivou os “chefes da revolução” a escreverem o Manifesto no decorrer de fevereiro daquele ano.
Era preciso esclarecer aqueles acontecimentos, mostrar como ficou “garantidíssima a paz em todo o território” (BRAGA, et al., 2002, p. 16), enumerar o progresso ocorrido naquele lugar com advento do Estado Independente (cf.: Ibidem, p. 15), assegurar que toda goma elástica baixaria aos portos (cf.: Ibidem, p. 26) e “demonstrar ao público as suas intenções patrióticas e humanitárias” (Ibidem, p. 16). Lida em março de 1900, na capital do Pará, pelo Sr. Rodrigo de Carvalho, um dos chefes acreanos de maior vulto, diante de uma vasta assembléia que se reuniu no edifício da Associação Comercial [...] o manifesto acreano repercutira em todo o país, despertando as simpatias nacionais para o grande pleito. (COSTA, 2005, p. 123-124). No Manifesto, afirmaram que “da revolução pretendemos unicamente a glória de trabalhar pela reivindicação dos seculares direitos brasileiros à região por nós arroteada e engrandecida. Nada mais, nada menos” (BRAGA, et al., 2002, p. 18), “nada pretendemos, provento algum alvejamos, posições de natureza alguma almejamos” (ibidem, p. 30).
Mas a história testou o fervor patriotismo desses revolucionários. Mesmo longe do perigo do consórcio yanque e da bolivianização do Acre, as hostilidades não cessaram. Após a anexação definitiva do Acre ao Brasil pela assinatura do Tratado de Petrópolis (1903), esperava-se que as coisas acalmassem, pois os revolucionários haviam conquistado aquilo pelo qual tanto diziam estar lutando – a nacionalidade brasileira. No entanto, agora, os brasileiros se voltam contra os próprios brasileiros e contra a própria pátria.
Finda a Questão do Acre, bem que os “chefes da revolução” poderiam ter denunciado o sistema de aviamento como engrenagem imperialista anglo-yanque para arrancar o ouro-negro da Amazônia, afinal, o capital internacional foi quem abriu as “veias” acreanas. Poderiam ter combatido a situação miserável em que vivia e trabalhava os seringueiros, ou, quem sabe, iniciado uma campanha em prol da extração racional do látex.
No entanto, os “heróis” preferiram lutar entre si em busca de poder. Optaram em pugnar contra a Pátria, por ela insistir em cobrar impostos e nomear outros brasileiros que não eles, para ocuparem os cargos públicos do recém criado Território do Acre. Para o seringueiro, nada mudou, a “revolução” faltou-lhe ao encontro, ele continuou “expatriado” e o que é pior, “trabalhando para se escravizar” (CUNHA, 2000, p. 152).
Segundo Calixto, “mesmo reconhecido oficialmente brasileiro, o Acre continuou área de disputa entre grupos econômicos e políticos [...] Na luta pela hegemonia econômica, grupos da classe dominante rivalizavam-se entre si, contradição típica do capitalismo” (s/d, p. 129).
Isso pode ser explicado pelo fato de as preocupações patrióticas daqueles heróis estarem, na verdade, centradas no volume de negócios que aquela região movimentava em torno do comércio da borracha. Afinal, era o Aquiri a “área mais produtiva da federação na atualidade” (BRAGA, et al., 2002, p.13), “a única zona próspera e feliz desta imensa República” (Ibidem, p.27), “[...] a pérola que ela (a pátria) queria soterrar (Ibidem, p.13). BIBLIOGRAFIA ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas: reflexões sobre a origem e a expansão do nacionalismo. Trad. Catarina Mira. Edições 70, Lisboa, 2005. AGUIAR, José Wilson. Estado Independente do Acre: Governo Provisório Luis Galvez de Arias. Rio Branco: PMRB, FMC/AC, 2000. ALENCAR, Fontes de. História de uma polêmica: Rio Branco, Rui Barbosa, Gumersindo Bessa. Brasília: Thesaurus, 2005. BARROS, Glimedes Rego. Nos Confins do Extremo Oeste: a presença do capitão Rego Barros no Alto Juruá (1912-1915). Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1993, Vol. I. BRAGA, Antonio de Souza (et al.). A questão do Acre: Manifesto dos chefes da revolução acreana ao venerado presidente da república brasileira, ao povo brasileiro e às praças de comércio de Manaus e do Pará. Rio Branco: FEM, 2002. CARDOSO, Fernando Henrique. MÜLLER, Geraldo. Amazônia: Expansão do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1977. CARVALHO, José. A primeira insurreição acreana. Rio Branco: FEM, 2002. CABRAL, Francisco Pinto. Plácido de Castro e o Acre Brasileiro. Brasília: Theraurus, 1986. CALIXTO, Valdir de Oliveira. Plácido de Castro e a Construção da ordem no Aquiri: contribuição à história das idéias políticas. Rio Branco: FEM, 2003. CALIXTO, Valdir (et al.). Acre: uma história em construção. Rio Branco: Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Acre, s/d. CASTRO, Genesco. O Estado Independente do Acre: excerptos históricos. Brasília: Senado Federal, 2002. CHIAVENATTO, Julio J. Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai. 17 ª Ed. São Paulo: Brasiliense, 1984. COSTA, João Craveiro. A conquista do deserto ocidental: subsídios para a história do território do Acre. Brasília: Senado Federal, 2005. CUNHA, Euclides da. Um paraíso perdido: ensaios amazônicos. Brasília: Senado Federal, 2000. FEBVRE, Lucien. Honra e Pátria. Trad. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. FOUCAULT, Michel. A arqueologia do Saber. Ed. 7°. Tradução Luiz Felipe Neves. Rio de janeiro: Forense Universitária, 2005. HOBSBAWM, Eric. Nações e Nacionalismo desde 1780. Trad. Maria Célia Paoli. 4º Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004. Jornal Pátria, 6 de julho de 1899, n° 205, ano I, Manaus, p1. LIMA, Cláudio de Araújo. Plácido de Castro: um caudilho contra o imperialismo. Rio Branco: Fundação Cultural do Estado do Acre, 1998. TOCANTINS, Leandro. Formação Histórica do Acre. Ed.4°. Brasília: Senado Federal, 2001, Vol. I. NEVES, Marcos Vinícius. Uma breve história acreana. 2004. Disponível em: . Acesso em 22 de nov. 2007. [1] Acadêmico do Mestrado em Letras da UFAC (eduardoaraujocarneiro@gmail.com). [2] Doutora em Estudos Literários pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e professora da UFU.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Brevíssima História da Origem do Estado Acre (I)

Por: Abnael Machado (04 de novembro de 2007)
A extração de látex da arvore seringueira (hévea brasiliense) produtora de borracha, matéria prima imprescindível à produção de diversos artigos industrializados e da Revolução Industrial, em principio na Inglaterra, França e Estados Unidos da América do Norte, foi a mola propulsora da migração interna da região Nordeste principalmente dos estados do Ceará, Maranhão e Paraíba para a região Norte localizando-se nos vales dos seus rios, aonde abundasse em maior densidade as seringueiras, tais como os do Madeira, Purus, Juruá, Acre, Iaco Javari ultrapassando os migrantes desbravadores e conquistadores da selva as raias de limites com os paises vizinhos Bolívia e Peru, assentando vastos latifúndios gomíferos produtores de borracha, artigo em elevada cotação no mercado internacional.
Essa ultrapassagem decorreu de dois preponderantes fatores: 1º O espaço ser desabilitado por bolivianos e peruanos, assim como os seus meios fisiográficos serem mais favoráveis à penetração do fluxo migratório brasileiro; 2º, a falta de definição da demonstração dos limites fronteiriços entre o Brasil e os paises supramencionados, que desde o período colonial era uma questão divergente sem consenso entre Portugal e a Espanha.
O primeiro propugnava que fosse uma linha reta traçada a partir da confluência do rio Guaporé com o rio Mamoré seguindo rumo ao Oeste até alcançar a nascente do rio Javari. O espaço situado a direita seria pertencente ao império português e a esquerda ao império espanhol, o qual discordava com a tal divisão.
Pretendia que o ponto inicial da linha fosse à margem esquerda do médio curso do rio Madeira, um local em frente a atual cidade de Humaitá/AM, posteriormente constando dos Tratados de Madri/1750 substituído pelo de Santo Idelfonso/1777, o qual foi declarado nulo pela Espanha e Portugal/1801*.
O óbice quase insolúvel para o balizamento das fronteiras era o desconhecimento das nascentes do rio Javari, problema herdado pelos estados independentes originários dos dois impérios coloniais.
O Brasil em guerra com o Paraguai foi impelido por questões políticas e estratégicas, a firmar em 1867, mesmo desconhecendo o imenso espaço compreendido entre os rios Madeira e Javari, assim como a nascente desde ultimo rio, o Tratado de Ayacucho com a republica da Bolívia, o qual dispunha que a linha Madeira-Jari seria uma reta paralela a latitude 10°20' sul, seguindo a direção Leste/Oeste, a partir da foz do rio Beni ate alcançar a nascente principal do rio Javari, dava direito de posse à Bolívia as vales dos altos cursos dos rios Purus, Juruá, Acre, Iaco e Javari, áreas totalmente isoladas de seu espaço territorial e em fase de ocupação pelos brasileiros, originando o traumático litígio, a guerra do Acre.
Os Precursores do Desbravamento e Colonização do Acre
A ocupação e exploração do rio Purus iniciou-se em 1852, pelo pernambucano Manoel Nicolau de Melo se instalando no lago Aiapuá, porém já era freqüentado desde o início do século XIX, pelos coletores das drogas da selva. Ainda em 1852, o cearense João Gabriel de Carvalho acompanhado, por quarenta famílias do Ceará e do Maranhão, se estabeleceu em Itapá na foz do rio Purus, da qual em 1862 se deslocou rio acima para os rios Beruri e Tauari instalando um pouco acima da foz deste último, uma povoação extrativista de drogas nativas, borracha e de cultiva de salsa.
O Presidente da Província do Amazonas, João Batista Tenreiro Aranha, em 1852 determinou a realização de duas expedições de exploração do rio Purus tendo como um dos seus objetivos descobrir uma ligação fluvial que constava existir entre este e o rio Madeira, por cuja via seria transportado gado boliviano importado da Bolívia para suprir o mercado de Manaus. A primeira chefiada por João Rodrigues Cametá subiu o rio em canoa, durante cinqüenta e três dias regressando devido o baixo nível de suas águas.
A segunda chefiada por Serafim Salgado, ainda no mesmo ano, percorreram a trilha de João Cametá, passou pela foz do rio Iaco e pela do rio Aquiri alcançando a ultima maloca dos índios cocamas, navegando 4.950 km, retornando em vista a estreiteza do rio e obstrução do seu canal não permitindo a navegação nem a pequenas canoas. Serafim foi considerado o desbravador do T.F. do Acre no vale do rio Purus.
Em 1861 foi realizada a terceira expedição chefiada por Manoel Urbano da Encarnação, determinada pelo Presidente da província do Amazonas Manoel Clementino Carneiro da Cunha, com a finalidade das duas primeiras, encontrar uma via de junção com a Bolívia (Purus/Madeira).
O expedicionário dirigia-se ao rio Purus, deste passou-se para o rio Ituxi do qual retornou ao Purus, subindo-o penetrou no rio Aquiri (Acre) navegando-o vinte dias atingindo as terras do Acre. Voltou ao Purus, entrando no seu afluente pela margem esquerda, o rio Macuim do qual por terra atravessando alguns quilômetros alcançou a margem direita do rio Madeira retornando ao rio Purus, tendo percorrido 6.190 Km.
O engenheiro João Martins da Silva Coutinho acompanhado por Manuel Urbano realizaram a quarta expedição ao rio Purus, regressando à Manaus antes de concluí-la por falta víveres para o sustento dos expedicionários (1862).O geógrafo W. Chandless a serviço da Real Sociedade Geográfica de Londres, em 1864, acompanhado por Manoel Urbano esteve no rio Purus com a missão de descobrir se realmente existia a propalada ligação aquática entre esse rio e o rio Madeira. Subiu o Purus e seu afluente Acre, até suas cabeceiras fazendo o levantamento dos seus pontos astronômicos e atestando não existir ligação fluvial entre os rio Purus/Madeira.
Em 1866, Manuel Urbano chefiando a quinta expedição oficial voltou ao rio Purus com a finalidade especifica de explorar o rio Ituxi a tão procurada ligação fluvial entre os rio Purus e Madeira. Partindo da margem esquerda desse último, acima da cachoeira do Teotônio, no divisor de águas Ituxi/Madeira na face ocidental nascem rios afluentes do Ituxi (o Curuquete) os quais conectados por uma rodovia de pequena extensão à margem esquerda do rio Madeira na confluência com o ri Abunã, o ligaria ao Purus (rodovia foz do Abunã, nascente do rio Curuquete, descendo seu curso até sua foz no rio Ituxi, descendo por este até a sua foz no rio Purus).
Manuel Urbano subiu o rio Mucuim, tributário do Purus, por terra desceu a cachoeira de Teotônio no rio Madeira, subindo-o durante quinze dias estacionando próximo a foz do Abunã, daí prosseguindo por terra rumo ao Oeste, após dois dias de caminhada atravessou o divisor de águas (serra Três Irmãos), Ituxi/Madeira, chegando ao vale do Purus.
Pretendia penetrar no rio Ituxi para fazer o seu reconhecimento, porém desistiu, retrocedendo no meio da viagem por falta de víveres para manutenção dos expedicionários. Esses pioneiros abriram o caminho para a colonização do Vale do rio Purus. Em 1865 numa extensão de 612 km entre o rio Beruri e o sitio Boa Vista existiam 240 colocações com casa cobertas de palha habitadas por famílias brasileiras tendo por atividade econômica o extrativismo da borracha e das drogas nativas.Antonio Rodrigues Labre, maranhense, em 1871 se instalou com seu pessoal na margem do rio Purus, no local que originou a atual cidade de Lábrea.
Enquanto os colonos se dedicavam ao extrativismo vegetal, a pesca a caça, ele empreendia expedições na região, uma das quais em 1887 teve a duração de oito meses num percurso circular de 5.002 Km, iniciando-se em Lábrea no mês de fevereiro percorrendo o seguinte roteiro: Lábrea, Manaus, Santo Antonio do Alto Madeira, rio Beni, rio Madre de Dios, rio Òrton estes rios na Bolívia, rio Acre alcançado em julho de 1887, no barracão do seringal Flor do Ouro do coronel Geraldo Correia Lima. Descendo o rio Acre penetrou no rio Purus por este descendo até a sede do seu seringal, em Lábrea.
Um dos objetivos de sua expedição era descobrir uma ligação fluvial navegável unindo o rio Beni ao rio Purus. Caso, existisse, evitaria a perigosa navegação do trecho encachoeirado do baixo Mamoré e do alto Madeira facilitando o escoamento da produção de exportação do oriente boliviano, assim como seu abastecimento com os artigos de importação.
Labre registrou em seu relato que o Acre era o mais rico e o mais populoso afluente do rio Purus, com uma população de dez mil habitantes sem incluir os indígenas. Uma produção anual de quinhentas toneladas de borracha e seu movimento comercial de exportação e importação feita por mais de quinze navios de médios e grandes portes ligando os seus seringais à Manaus e à Belém, bem com transportando novos imigrantes para esses núcleos produtores de borracha.
Essa expedição foi especial para o reconhecimento dos títulos de posse de propriedades brasileiras e o direito de 'uti-possidetis post facto' e a manutenção do 'status quo', pela Bolívia quando firmado o Tratado de Petrópolis em 1903.Exploração do rio JuruáO rio Juruá teve sua penetração iniciada em 1847 pelos comerciantes droguistas do sertão os quais exerciam o comercio de escambo trocando com os índios artigos manufaturados por especiarias, as drogas coletadas e extraída na selva.
Porém estes não permitiam a fixação de colonos no Vale do Juruá.O presidente da província do Amazonas João Batista Tenreiro Aranha, em 1852 ordenou a primeira expedição oficial ao rio Juruá, designado para chefiá-la o pratico Romão José de Oliveira.
Este subiu o rio até um local conhecido por Mineroá na margem do seu médio curso daí retornando. João da Cunha Correia considerado o desbravador de Juruá, nomeado diretor dos índios em 1854, pelo Presidente da província do Amazonas João Pedro Dias Vieira, neste mesmo ano subiu o rio Juruá até alcançar Juruá-Mirim, daí penetrou no rio Tarauacá, deste se passou para o rio Envira, deixando-o prosseguiu por terra alcançando a margem esquerda do rio Purus, percorrendo cursos d'água e florestas até então desconhecidas.
Além desses desbravadores, entre tantos outros, destacam-se Francisco Manoel da Cruz Flores, Nicolau José de Oliveira os quais liderando os seus comandos enfrentando a resistência de indígenas hostis, assentaram seus seringais. Pelo caminho por eles aberto, seguia o fluxo migratório se estabeleceu nas margens do Juruá e de sua foz em direção a sua nascente, em provisórias barracas de palha, com passar do tempo substituídas pelos barracões, construções mais sólidas sedes administrativas e empórios comerciais dos núcleos populacionais de borracha e drogas nativas.
Os colonizadores em 1894 alcançaram o rio Breu. Francisco F. de Carvalho em 1870 fundou seringais em Riozinho da Liberdade, Antonio Petrônio Albuquerque, Miguel Fernandes e João Busson estabeleceram-se em seringais no rio Taruacá em 1877. Antonio Marques de Menezes em 1883, assentou seringal na foz do rio MU. Os pioneiros João Dourado e Balduino de Oliveira estabeleceram-se em seringais do alto Juruá além das desconhecidas e desabitadas fronteiras peruanas. Os vapores das empresas fluviais de navegação Melo & Cia. E Antonio Cruz & Cia. Faziam a ligação desses núcleos produtores com Manaus e Belém.
Ao findar o século XIX a bacia do Juruá estava ocupada por uma população totalmente brasileira.Rio Aquiri ou AcreO rio Aquiri ou Acre afluente do rio Purus teve sua ocupação iniciada por João Gabriel Carvalho e Melo, o qual chefiando uma expedição composta por famílias nordestinas fundou em 3 de abril de 1877 um pouco acima da foz rio Acre o seringal Anajás, o primeiro estabelecido nesse rio.
Seguiram-se as fundações de outros seringais, o Boca do Acre do Coronel Alexandre Oliveira Lima; Silencio e Desterro em 1880, do Coronel Caetano Monteiro da Silva; Empresa (originou a cidade de Rio Branco/Acre), do coronel Neutel Maia. Iracema, em 1892, de Raimundo Vieira Lima. O rio Iaco foi explorado e colonizado pelo Coronel Hermínio Rodrigues Pessoa.
Essa atividade de exploração da floresta transformando-a em fonte produtora de riqueza econômica do mercantilismo, tinha como base de apoio Manaus e Belém fornecedores dos recursos financeiros, dos implementos, dos viveres e dos artigos necessários à produção de borracha e à vida nos seringais, transportados pelos navios a vapor elemento primordial ao desenvolvimento comercial e social e para absorção deste grande espaço pelo fluxo migratório.
Assim, o Acre que pro direito era boliviano, porém de fato, pelas circunstanciais fisiográficas, sociológicas e as de caráter antropológico, as de adaptação do nordestino a um meio físico de natureza totalmente diversa do de sua origem, o sertão deserto da seca, para habilitar trabalhar e produzir na selva equatorial, deserto das águas, era brasileiro.
O nordestino principalmente o cearense, sem dispor de recursos técnicos, desprovido de todos os meios modernos de trabalho, superou os obstáculos naturais impostos pela natureza e os humanos, o regime de trabalho imposto pelo pelos patrões e a hostilidade dos indígenas, transformou o Acre, de fronteira vazia em uma frente pioneira geradora de riquezas, bens econômicos e sociais, contribuindo para a geração de divisas e para que o homem da Amazônia detivesse a maior renda per capita do país.
Encontros e Desencontros Políticos – Diplomáticos e Reações dos AcreanosA prosperidade econômica alcançada pelas comunidades brasileiras dos vales dos rios – Acre, Iaco, alto Purus e Juruá, em decorrência da alta cotação para borracha do mercado internacional, atrativo à novas levas de migrantes e a expansão de seringais em terras bolivianas, começou a causar apreensão na Bolívia e despertar o seu interesse por um espaço geográfico o compreendido entre o rio Madeira e o rio Javaria, ate então por essa desconhecido, relegado ao abandono.
Não havendo nenhuma iniciativa oficial ou privada, no sentido de promover a sua efetiva ocupação demográfica e fomentadora de atividades econômicas e de seu progresso. É iniciada em 1894, uma companhia contra o abandono do Acre e sua ocupação por brasileiros, exigindo do governo a tomada de medidas acauteladoras em prol da integridade do território boliviano e do respeito a soberania da Bolívia.
Protagonistas O major-general Dom José Manuel Pando, após sua estada em Santo Antonio do Alto Madeira e no Acre, dm 1894, neste ultimo foi hóspede do coronel Neutel Maia e do coronel Felício Maciel, respectivamente proprietários dos seringais Empresa e Entre Rios, apresentou um minucioso relatório ao presidente da Bolívia sobre o qual constatou, ressaltando o perigo que representava para o país a ocupação do alto Purus , Acre e Iaco, por povoadores exclusivamente brasileiros.
Aniceto Arce Presidente da Bolívia, mediante esse relatório adotava medidas políticas e diplomáticas, visando a tomada de posse dos citados territórios ate então remotos e desconhecidos dos bolivianos. Instruiu o seu ministro Frederico Diez, no Rio de Janeiro para providenciar junto ao governo brasileiro a retomada da demarcação dos limites da área compreendida entre os rios Madeira e Javarí paralisada a dezesseis anos.
Nomeando em 1894 o major-general Pando para o cargo de Comissário da Comissão demarcadora. O ministro Frederico Diez em suas insistentes apelações, conseguiu em 19 de fevereiro de 1895, assinar com o Ministro do Exterior do Brasil, Carlos Carvalho, um Protocolo determinando a complementação da demarcação dos limites do Brasil e da Bolívia no espaço compreendido entre os rios Madeira e Javarí. O Delegado Nacional da Bolívia, Dom Juan Francisco Velarde foi incumbido de instalar uma aduana no Acre. Com essa missão chegou a Manaus em 11 de junho de 1898, mantendo entendimento como governo do estado do Amazonas José Cardoso Ramalho Junior quanto sua concordância e apoio, esse alegando não haver recebido do governo federal nenhuma instrução a respeito do assunto, se negava a permitir a instalação do posto afandegário pretendido. Mediante essa recusa Velverde regressou à Bolívia.
O major Benigno Gamarra do exército boliviano, em 12 de setembro de 1898, acompanhado por trinta soldados chegou à vila de Xapurí/Acre, com a incumbência de prestar apoio a Dom Juan Velarde no estabelecimento e funcionamento da aduana, bem como instalar uma Delegação Nacional para tomar posse dos territórios pertencentes à Bolívia, cientificando por ofício, os fins de sua missão ao Coronel da Guarda Nacional Manuel Felício Maciel, Sub-prefeito de Segurança no Alto-Acre brasileiro.
O embaixador da Bolívia no Rio de Janeiro, Dom José Paravicini propunha em 1898, ao seu governo, a imediata integração do Acre à Bolívia por via diplomática e se necessário pela força. Empenhava-se junto ao Ministério do Exterior do Brasil Dionísio de Cerqueira a sua concordância na instalação de um posto aduaneiro.
Após muita delonga o ministro aquiesceu, comunicando a sua decisão ao governador Ramalho Junior do estado do Amazonas, observando que a aduana deveria ser instalada no rio Acre alem da linha de limite Brasil/Bolívia, o Ministro Paravicini organizou sua expedição fretando em Belém/PA o navio Rio Tapajós seguindo para o Acre, aonde chegou na noite de 30 de dezembro de 1898, aportando na vila de Floriano Peixoto no rio Purus, sede do governo municipal do estado do Amazonas no Alto Purus, Acre e Iaco, estacionando por pouco tempo, seguindo em frente penetrando no rio Acre, subindo este até defronte a Barraca Pombal, um pouco acima do seringal de Caquetá.
Ancorando o Rio Tapajós, foram desembarcando os expedicionários e o carregamento de materiais, equipamentos e víveres, ficando o navio como sede provisória da aduana. Foi feito o desmatamento da área escolhida e dado inicio as construções das instalações administrativas, dos armazéns, do cais do porto e casas de morada dos funcionários e trabalhadores, sendo o povoado aduaneiro denominado Puerto Alonso.
No dia 03 de janeiro de 1899, Paravicini solenemente tomava posse das terras do Alto Purus, Acre, Iaco e Alto Juruá em nome da Bolívia, registrando o ato em escrita lavrando em ata. Hasteava o pavilhão boliviano pela primeira vez, na margem do rio Acre. Foi intimado pelos brasileiros para no prazo de quatro horas se retirar do Acre, a essa intimação escrita respondeu verbalmente, aos emissários, que na qualidade de ministro Plenipotenciário só se entendia de potencia à potencia. Esses retornaram à vila Floriano Peixoto.
Paravicini permaneceu no Acre no período de 30 de dezembro de 1898 a 23 de abril de 1899, instalando a aduana, implantando um forte regime político-administrativo estabelecendo regras corretivas fiscais, comerciais, policiais, de produção e relacionamento patrão/empregado. Em 23 de abril passou à administração para cônsul Dom Moises Santivanez, retornando ao Rio de Janeiro.
Em passagem por Belém/PA, manteve confabulação com os cônsules Luiz Truco da Bolívia e Kennedy dos Estados Unidos da América do Norte, com vista a ser firmado um acordo entre os Estados Unidos e Bolívia, pelo qual o primeiro apoiaria a segunda a manter a posse dos territórios do Acre, Alto Purus e Iaco, forçaria o Brasil a reconhecer os limites estabelecidos pelo Trtado de 1867, e em caso de guerra entre o Brasil e Bolívia, forneceria a essa numerário e material bélico.
A segunda concederia 50% de abatimentos sobre o direito de importação em todas mercadorias norte-americanas e 25% sobre os direitos de exportação de borracha para os Estados Unidos pelo prazo de dez anos. Concederia em livre posse o espaço compreendido entre Boca do Acre e atual área por si ocupada.
O projeto do acordo assinado pelos citados cônsules, a ser encaminhado ao presidente norte-americano Mac Kinley, foi descoberto e divulgado pela imprensa ocasionando uma avalanche de protestos e indignações em todo pais não tendo prosseguimento, sendo desmentida a sua existência por ambos secretos negociadores.
Reação Acreana - 1ª fase da Revolução Acreana
O coronel da Guarda Nacional Manuel Felício Maciel, Sub-Prefeito de Segurança no Alto Acre, intimou em novembro de 1898, o major do exercito boliviano, Benigno Gamarra a se retirar com seus soldados da Vila de Xapurí. Este por não dispor de condições de recusar a intimação, sob protestos reformulado por escrito ao Sub-Prefeito, retirou-se do Acre com seus comandados para Riberalta/Bolívia.
O Superintendente (Prefeito) do município de Floriano Peixoto Coronel Francisco Monteiro de Souza Junior, o seu Secretario José Carvalho, o Juiz do Direito José Martins de Souza Brasil, o coronel Joaquim Vitor da Silva proprietário do Seringal Bom Destino quartel general dos revolucionários, intimaram o ministro boliviano Dom José Paravacini a se retirar de Puerto Alonso e todo território do Acre, Iaco e Alto Purus. Este como ficou adiante citado, reagiu em sentido contraditório, permanecendo no Acre até 23 de abril de 1899, quando transferiu o governo para Dom Moises Santivanez.
O citado grupo reunido em Floriano Peixoto decidiu enviar José Carvalho à Manaus para expor ao governador do estado do Amazonas a situação e pleitear medidas saneadoras, nada conseguindo regressou ao Acre.José Carvalho assume a liderança da reação contra a ocupação do Acre pela Bolívia.
Reuniu-se no seringal Bom Destino com os principais revoltados, sendo decidido a expulsar os bolivianos. Redigiram um oficio assinado pelo Juiz de Direito José Martins de Souza Brasil, expondo a Dom Moises Santivanez o estado de exaltação em que se encontrava o povo, contra o domínio da Bolívia, sendo a mais viável alternativa para evitar a geração de incontrolável violência, que os bolivianos se retirassem do Acre.
A resposta do ministro foi uma exposição de motivos sobre os direitos de jurisdição da Bolívia naqueles territórios.
Em decorrência a atitude de Dom Móises Santivanez, foi realizada uma reunião em Caquetá sendo decidido pelos revoltosos, expulsão dos bolivianos sem demais delongas. Pela manha de 30 de abril as cinco horas saíram de Caquetá em várias canoas, e as sete horas chegaram a Porto Alonso.
José Carvalho desembarcou e solicitou ser recebido pelo Ministro, este o recebeu, sendo-lhe comunicado que a finalidade da entrevista era em nome do povo do Acre exigir que se retirasse do solo brasileiro. Após longas argumentações de parte a parte, Dom Santivanez solicitou que tal exigência fosse feito por escrito, bem como firmado do mesmo modo, o compromisso garantindo a sua retirada , de seus auxiliares e da guarnição militar com toda segurança. No dia 1o. de maio foi entregue a intimação por escrito, no dia 3 de maio os bolivianos deixaram Porto Alonso embarcando no navio Botelho rumo a Manaus e Belém.
Os acreanos da Junta Revolucionaria assumiram seu controle e o governo do Acre. No dia 24 de maio José Carvalho acometido de beribere, gravemente enfermo viajava a Manaus. Melancolicamente encerrava-se a 1a. fase da Revolução Acreana.2ª fase da Revolução AcreanaEntra em cena Luiz Galvez Rodrigues de Arias, cidadão espanhol, natural de Cadis, descendente de famílias nobres por parte materna e paterna.
Seu pai era almirante chefe da base naval de Ferrol na Espanha. Galvez formado em direito ingressou no corpo diplomático do seu pais , servido nas embaixadas de Roma e de Buenos Aires deixando o emprego mudou-se para o Rio de Janeiro de onde dirigiu-se a Manaus em 1897, portando carta do Ministro da Espanha Dom José Llaveria, o recomendando ao Vice-Consul Manoel Rodrigues de Lira. Em Manaus empregou-se como redator no jornal Comercio do Amazonas e como taquigrafo na Secretaria da Assembléia Legislativa, este segundo por indicação e nomeação do Governador do Amazonas, Eduardo Ribeiro, que o tinha como amigo.
Viajou a Belém-PA a fim de conseguir autorização do Cônsul da Bolívia Dom Moisés Santivanez, para ir a Puerto Alonso no Acre, fazer uma reportagem sobre o funcionamento da aduana para o jornal Comércio do Amazonas. O cônsul não concedeu sua solicitação, porém os contatos mantidos com esse no consulado, o colocou em relacionamento com figuras representativas da vida pública do Pará e da diplomacia internacional, entre as quais o deputado federal paraense Serzadelo Correa , Dom José Paravicini Ministro Plenipotenciário da Bolívia, Guilherme Uhthoff, comandante geral da fronteira , Ladislau Ibarra, administrador da aduana, ambos em Puerto Alonso no Acre, Luiz Truco e Kennedy consuos da Bolívia e dos Estados Unidos da América do Norte respectivamente e Antonio Lemos jornalista, o qual o empregou no jornal Província do Pará, para este entrevistou o ministro Paravicini, com grande repercussão nacional e internacional.
O que lhe facilitou conseguir emprego no consulado da Bolívia, tendo acesso ao texto do Acordo Américo-Boliviano, sobre o qual já nos referimos. Guilherme Uhthoff lhe conficou o documento para redigi-lo um texto em espanhol e outro em português para serem entregue ao Ministro Paravicini.
Ardilosamente Galvez fez copias para si. Solicitou demissão do emprego no consulado, e diante da gravidade do acordo pretendido, altamente lesivo ao Brasil, na condição de representante da Junta Revolucionária do Acre nos estados do Amazonas e Pará, entidade organizada em 24 de fevereiro de 1899, presidida por Joaquim Domingos Carneiro, solicitou audiência ao Governador do Pará, Pais de Carvalho, cientificando-o sobre a trama em urdimento entre ao Bolivia e os Estados Unidos. Repassou copias aos jornais dos quais era repórter, o Província do Pará e o Comércio do Amazonas. O primeiro o divulgou em 03 de junho de 1899, artigo na primeira pagina intitulado ''Caso Sensacional``.
E o segundo no dia 08 do mesmo mês e ano gerando grande repercussão, protestos e indignação nacional, abortando o acordo de cedência do Acre aos Norte-Americanos pela Bolívia, cujos governos negaram a existência de tal negociação. Regressando a Manaus, propõe ao governador do Estado do Amazonas, José Cardoso Ramalho Junior, uma alternativa de solução para a questão do Acre e sua definitiva posse pelo Brasil, considerando sua relevante importância econômica, produzindo e exportando 2.000 toneladas de borracha por ano, cotada a treze mil reais o quilo, rendendo vinte e seis mil contos de reis aos cofres públicos estaduais, a qual seria ele proclamar a independência do Acre e em seguida solicitar que fosse anexado ao Brasil.
Concordando ser a proposta a mais viável solução, secretamente financiou a expedição de Galvez ao Acre, dando-lhe quatrocentos contos de reis, armas munições e viveres. Ele ainda mais contratou empréstimo com a empresa Braga Almeida & Cia a ser pago com a borracha produzida no seringal que ia instalar no rio Acre.
Em 4 de julho de 1899, partiu de Manaus com seus vinte contratados seringueiros nordestinos e espanhois, estes artistas de uma companhia de teatro que se apresentava na cidade. Embarcados no navio Cidade do Pará, chegaram ao Acre, desembarcando no seringal São Jerônimo um pouco acima de Puerto Alonso, sede de Junta Central Revolucionaria do Acre.
Ai se reuniu com os proprietários de seringais e comerciantes contrários ao domínio da Bolívia e decidiram proclamar no dia 14 de julho de 1899, a independência do Acre, o que ocorreu na data marcada, as 9 horas da manhã, em sessão solene em Puerto Alonso com a participação de todos os membros da Junta Revolucionaria, do povo e de Galvez representante da Junta nos estados do Amazonas e do Pará.
Este em caloroso e patriótico discurso discorreu sobre a situação vexatória e humilhante que se encontrava o povo do Acre, abandonado pelo Brasil, submetido ao domínio estrangeiro, o da Bolívia. Concluiu sua oratória conclamando o povo dos territórios do Acre, Purus e Iaco a aceitarem a independência constituindo o Estado Independente do Acre, valoroso, forte e digno pelo patriotismo de seus filhos, poderoso pelas suas riquezas inesgotáveis que ousados estrangeiros nos querem usurpar.
Por unanimidade e por aclamação foi aceita a República do Acre. Joaquim Domingos Carneiro presidente da Junta, declarou a necessidade de ser eleito o governo provisório tendo o Presidente, plenos e ilimitados poderes. Imediatamente, o povo escolheu Galvez. Este declarou aceitar o cargo comprometendo-se a formar o Governo Provisório tendo por base a liberdade e a Justiça. Encerrou-se o ato de Proclamação da Republica do Acre e posse de seu Presidente, lavrando-se em ata, 22a. da Junte Revolucionaria o registro das ocorrências.
O nome da capital da Republica foi escolhida Cidade do Acre em substituição ao boliviano Puerto Acre. Galvez organizou o ministério e comunicou a independência do Acre ao Presidente do Brasil Campos Sales, o qual declarou a neutralidade do país, ao governador Ramalho Junior do Estado do Amazonas. O Ministério foi assim constituído.. Justiça, Ministro Coronel Hipólito Moreira, Exterior, Dr. Albino dos Santos Pereira, Fazenda, Joaquim Domingos Carneiro, Guerra, Coronel Jose Galdino de Assim Marinho, Marinha, João Francisco Xavier.
Com status de ministro.. Chefia de Palácio, Coronel João Passos d`Oliveira, Secretario Geral, Professor Ezequiel Alves de Araújo Primo. Estruturou o sistema econômico e tributário, organizou as for;as aramadas e policiais, elaborou a constituição da República. Comunicou a independência do Acre aos principais países do mundo ocidental solicitando destes, o devido reconhecimento.
No Alto Acre e Purus foi organizada a Comissão Garantidora dos Direitos dos Brasileiros, sediada na vila de Xapuri tendo como presidente o coronel Manoel Odorico de Carvalho, como vice-Presidente Gastão de Oliveira e como membros.. Coronel Augusto Maria da Rocha Neves, Jose Nogueira, Delfino Antonio Soares, Raimundo Maziarino Pereira e José Simplicio Vieira de Souza. Organização discidente da Republica do Acre, a ação conciliadora enérgica de Galvez deteve a disseção sendo dissolvida a Comissão em 11 de dezembro de 1899 por seus membros.
O ex-vice-Presidente Gastão de Oliveira foi nomeado subinspetor da alfândega da Cidade do Acre.Galvez nomeou Rodrigo de Carvalho e Diocleciano Coelho de Souza para em comissão viajarem a Manaus, Belém e ao Rio de Janeiro para exporem os verdadeiros motivos da revolução, ao presidente da Republica (Campos Sales) e o que o povo do Acre justifica em defesa de seus procedimentos revolucionários perante a Republica da Bolívia, também o cientificar sobre os últimos acontecimento ocorridos no Acre.
Em Belém-PA conferenciarem com o vice-cônsul da Bolívia, a fim de convencê-lo a escrever ao ministro embaixador boliviano no rio de Janeiro, expondo-lhe sobre a verdadeira situação desfavorável à Bolívia, cuja única solução para o conflito seria a via diplomática reconhecendo o direito de posse para os acreanos sobre os territórios por eles desbravados e ocupados. Visitarem nas três capitais as redações dos jornais e exporem aos seus redatores os reais objetivos da luta sustentada no Acre em defesa dos interesses do Brasil.
Missão que não foi possível executar em decorrência da deposição do presidente Galvez, pelo coronel Antonio de Souza Braga proprietário dos seringais Benfica e Riozinho. Alguns empresários extrativistas, comerciantes e comandantes de navios faziam oposição ao governo de Galvez, em desacordo à determinadas medidas por ele adotadas.
O coronel Neutel Maia proprietário do seringal Empresa e o capitão Leite Barbosa do Seringal Humaitá, apregoavam que a independência do Acre era uma ridícula palhaçada que em breve deixaria de existir, que tropas do exercito Boliviano se deslocavam por terra rumo ao Acre e navios de guerra da Marinha Brasileira Subiam o Rio Purus para restabelecerem os bolivianos na aduana da Cidade do Acre, (ex-Puerto Alonso), e o domínio desses nos territórios do Alto Acre, Purus e Iaco.
O capitão Leite Barbosa em Belém-PA, acertava com os bolivianos a venda do seu e de outros seringais com os bolivianos. O coronel Neutel em seus navio Rio Acre passou pela alfândega da Cidade do Acre sem parar para o cumprimento das formalidades legais, tendo, hasteada no mastro de popa, a bandeira da Bolívia identificando –o como nau boliviana. Em seu percurso rio acima foram distribuídos panfletos de propaganda contra a Republica do Acre. Foi descoberto que além das mercadorias de abastecimentos dos seringais, o navio transportava um carregamento de armas e munições. Galvez ordenou e seqüestro do arsenal bélico, o aprisionamento do barco como presa de guerra, por se encontrar a serviço de espionagem e a prisão de seu proprietário e de seu comandante, decidido, em julgamento de Tribunal de Justiça, a aplicação de banimento do coronel Neutel e do capitão Leite, da República do Acre. O capitão Leite encontrava-se em Belém-PA, foi julgado a revelia.
Tendo por finalidade forçar ao governo brasileiro reconhecer o direito do governo do Acre, cobrar imposto de exportação de borracha produzida em seu território, ao que se opunha, expediu um decreto sustando a expedição desse produto com destino a Manaus e a Belém, até que o Brasil mudasse de atitude em favor do Acre. Ao cumprimento desse decreto se opôs o coronel Antonio Souza Braga apoiado por outros discidentes, decidiram depor Galvez da presidência, substituindo-o por Souza Braga.
No dia 28 de dezembro de 1899, as 11 horas da manhã, reuniram-se a bordo do navio Rio Afua aclamando Souza Braga, presidente da Republica do Acre, sendo lavrada a ata de registro do ato de aclamação e o de deposição de Galvez.
O presidente aclamado nomeou Sergio Ferreira de Souza para o cargo de Secretario Geral , encarregado de redigir os atos administrativos. No dia 30 de dezembro eram assinados os decretos números 1 e 2, banindo do Acre o presidente deposto e declarando livre trânsito aos navios mercantes, o comércio e a exportação de borracha, respectivamente. O coronel Luiz Barroso, no dia 01 de janeiro de 1900, em Riozinho prendeu Galvez o conduzindo a presença do coronel Souza Braga a bordo do navio Rio Afua.
No qual encontrava-se instalado o gabinete presidencial. Este renunciou formalmente a presidência da republica e lançou um manifesto conclamando aos acreanos a se unirem apoiando o seu sucessor.
Retirou-se escoltado por guarnição militar para o seringal Riozinho, no qual aguardaria condução o levando para fora do Acre. Por sua vez, o presidente Souza Braga, em seu navio Rio Afua subiu o rio com destino ao seringal Soledade aonde se encontrava preso no navio Rio Acre o coronel Neutel Maia, nele descendo o rio expulso do Acre.
Souza Braga anulou sua sentença de banimento, libertando-º Enquanto isso, em Xapuri, Augusto Maria da Rocha Neves, ex-corregedor do governo boliviano, em carta datada de 17 de janeiro de 1900, enviada a Ladislau Ibarra o comunica ter reassumido a corregedoria em 15 de janeiro e as medidas em providência a favor da Bolívia. (Carta interceptada pelos revolucionários).
Souza Braga encontrava-se no seringal Bagaço sendo informado pelos passageiros do navio Cearense sobre a iminente chegada de uma comissão boliviana chefiada por Ladislau Ibarra, conduzida pelo navio Manaus escoltado pelo aviso-de-guerra Jutai da armada brasileira, em apoio a tal comissão. Esta desacompanhada da Jutai chegou ao Acre, a integrava o capitão Leite Barbosa, nomeado comandante-geral das armas bolivianas.
Quando o navio Manaus chegou a Cidade do Acre a encontrou praticamente desabitada, visto os membros do governo encontrarem-se em viagem no alto rio Acre e do povo em seus afazeres nos seringais. Os bolivianos desembarcaram e levaram para bordo do Manaus, as mercadorias, armamentos , munições, tecidos, vestuários, artigos de medicamentos e combustíveis saqueados dos armazéns e casa comerciais e residenciais. Arrombaram as malas das poucas pessoas que estavam na cidade, reembarcaram seguindo rio acima ate o seringal Humaitá de propriedade do capitão Leite escolhido para sede provisória da Aduana.
Ladislau Ibarra decretou estado de sitio ficando suspensas todas as garantias constitucionais dos revolucionários acreanos aplicando-lhes e aos seus cúmplices e instigadores, as penalidades prescritas pela lei do estado de sitio na Bolívia. Porém, seriam anistiados os que abandonassem a luta armada e política, submetendo-se ao regime legal boliviano, seriam-lhes assegurados o gôzo de todas as garantias individuais dispostos na Constituição da República da Bolívia.
Ibarra chefe da Delegação Nacional decidiu ocupar a Cidade do Acre, seguindo para essa acompanhado pelo capitão Leite deixando em Humaitá uma pequena guarnição com ordem de atacar o navio Rio Afuá.
Este ao chegar no porto do seringal, foi cercado pelo pessoal do capitão Leite, na tentativa de invadi-lo. O Secretário de governo Sergio Ferreira contornou a situação, apelando para a dignidade dos atacantes exortando eles estarem sendo ludibriados por seu patrão capitão Leite, prestando serviço a Bolívia lutando contra sua pátria e seus irmãos acreanos.
Os comandados do capitão Leite aderiram aos revolucionários embarcando no Rio Afuá. Este seguiu para a Cidade do Acre alcançando-a no dia 12 de janeiro, tendo ancorado no porto o navio Manaus no qual estava no comando das tropas o capitão Leite, essas constituíam-se de seus seringueiros fardados com uniformes do exercito boliviano, desse irrompeu intensa fuzilaria respondida pelos revolucionários do Rio Afuá sob o comando dos coronéis João Pessoa de Oliveira e Hipólito Moreira , após uns dezoito minutos de troca de tiros, os combatentes do Manaus ergueram bandeira branca sendo o navio ocupado pelos acreanos e seus defensores aprisionados.
O presidente Souza Braga foi pessoalmente prender Ladislau Ibarra, os seus assessores e o capitão Leite. Este considerado réu de alta traição, foi condenado a dez anos de prisão e seus bens confiscados.
Os membros da Comissão Boliviana ficaram detidos. Esta vitória consolidou Souza Braga no governo. Porém seus atos perdoando o capitão Leite e concedendo liberdade aos comissionados bolivianos, os quais imediatamente viajaram para Manaus, causaram contestações e descontentamentos dos revolucionários e do povo em geral. Souza Braga alegando motivos de tratamento de saúde fora do Acre, renunciou a presidência repassando o governo a uma junta governativa, essa mandou chamar Galvez em Riozinho para reassumir a presidência , a qual lhe transmitiram, dando-lhe posse em 30 de janeiro de 1900.
No dia 09 de fevereiro de 1900, chegou na Cidade do Acre o vaso de guerra Jutai da flotilha amazônica conduzindo o vice-cônsul Raimundo Ferreira do Vale, para exercício nessa cidade, foi gentilmente recebido por Galvez.
Nesta ocasião chegou o vapor Rio Tapajós, o cônsul dirigiu-se a esse para vistoriar, constatando o seu desembaraço por intermédio de documentos da republica do Acre, o que considerou procedimento ilegal, visto ter como sua atribuição tal ato, na condição de cônsul do Brasil junto a Bolívia.
Galvez contestou expondo ao cônsul, que ele se encontrava em território da Republica do Acre e não da Bolívia, assim sendo, competia ao governo do Acre a exercer os seus direitos alfandegários, os quais só poderiam ser impedidos pela Bolívia se para tanto tivesse condições. O cônsul Raimundo Ferreira do Vale resolveu retirar-se da Cidade do Acre, reembarcando no Jutai no dia 10 de janeiro, descendo o rio Acre até a localidade de Antimaria e aguardar a chegada das forças da marinha de guerra brasileira.
Enquanto isso, na Bolívia, o general Pando assumia a presidência da republica tendo como prioridade solucionar a questão do Acre, para tanto invadiria o estado do Mato Grosso se apossando de suas aduanas, forçando o governo brasileiro a negociar e por fim no conflito acreano.
O Dr. Guachalla ex-ministro do Exterior propunha ao general Pando celebrar um acordo de intervenção dos norte-americanos no Acre, em troca de concessões territoriais. O ministro brasileiro na Bolívia, Eduardo Lisboa, em carta confidencial, em 21 de março de 1900 cientificou ao chanceler Olinto de Magalhães sobre o que se tramava contra o Brasil.
Em Manaus o governador do estado, Ramalho Junior, em atenção as recomendações do presidente da republica, Campos Sales , no dia 19 de fevereiro de 1900, reuniu-se com seu secretariado e as principais autoridades federais sediadas na cidade , o presidente do Congresso Estadual, senadores, deputados e o comandante da flotilha amazônica de guerra, tenente Armando Burlamaqui, para acertar medidas inclusive repressivas, a fim de cessar em definitivo o conflito no Acre deixando-o livre ao domínio da Bolívia.
Tais medidas entre outras consistia na ida de uma flotilha de guerra da armada brasileira para debelar a revolução e empossar o cônsul representante do Brasil junto a Bolívia. A convocação das autoridades para essa reunião no palácio do governo tinha por objetivo discutir os detalhes das medidas a serem tomadas, em especial da expedição militar. Ramalho Junior fez minuciosa exposição, ao fim da qual o tenente Bularmaqui se pronunciou ressaltando que o fazia não como militar, visto que, como tal cumpria ordem.
Assim o expunha como simples cidadão, sua impressão sobre o que julgava ser a melhor decisão para interesse do estado do Amazonas como para o Brasil. Que o seu sentimento de brasileiro, e de que a revolução acreana é um ato patriótico, portanto, não se deveria combater os revolucionários, mas buscar a formula que permita ao Brasil conciliar seus compromissos diplomáticos com os interesses do povo acreano, considerando os elevados sentimentos que guiam a revolução que sustentam contra a Bolívia, sendo o mais aconselhável que o governo do Amazonas tome a iniciativa de encontrar uma fórmula conciliatória com os revolucionários.
Porquanto, na condição de militar mandado com forças só lhe restava obedecer, empregar a força para debelar a revolução, declarando que tudo faria ao seu alcance para evitar que o Acre se tornasse para a marinha, o que Canudos foi para o exército. As ponderações do tenente Bularmaqui foram ouvidas em silêncio e com máxima atenção. Concluídas, o governador Ramalho Junior declarou estar de pleno acordo com o pensamento do tenente e ser esse o seu propósito e o do presidente da republica com o qual se havia entendido quanto nomear um delegado do estado do Amazonas para se entender com os revolucionários em busca de uma pacifica solução para o conflito.
Não houve divergências de opiniões, ficando deliberado que a flotilha constituídas pelos avisos-de-guerra Juruena, Tefé e Tocantins e o navio mercante Belém, este conduzindo cem soldados e doze oficiais, seguiriam para o Acre em missão pacificadora. A flotilha saiu de Manaus as 14 horas do dia 24 de fevereiro de 1900, ao passarem pela vila de Floriano Peixoto (ex-Antimaria), encontraram o aviso de guerra Jutai, juntando-se a esse a flotilha, seguiram para o Porto Central aonde estacionaram no dia 10 e março.
O comandante em chefe capitão José Ramos Fonseca promoveu uma reunião exclusivamente militar para ser definido o plano final de ação da expedição. Mais uma vez o tenente Bularmaqui externou a sua opinião de que não deveriam empregar a força das armas contra brasileiros que lutavam pela incorporação do Acre ao Brasil. Foi unanimente aprovado sua forma de pensar.
O comandante Ramos, o tenente Bularmaqui, o cônsul Eduardo Otaviano e o delegado do Estado do Amazonas Lupo Neto embarcaram no aviso-de-guerra Tocantins seguindo para a Cidade do Acre na qual chegaram na manha seguinte, dia 12 de março. No porto um oficial da Guarda Patriótica cumprimentou o comandante do navio, indagando sobre o objetivo de sua vinda ao Acre.
O tenente Bularmaqui explicou ter vindo entender-se com o presidente Luiz Galvez solicitando-o que o levasse a sua presença. Seguiram para o palácio no patamar do qual se encontrava Galvez com os membros de seu gabinete e alguns chefes revolucionários.
Após as apresentações protocolares, Galvez convidou o tenente para acompanhá-lo a sala de jantar sendo-lhes servida ligeira refeição, este comunicou-lhe que era o comandante do navio de guerra ancorado no porto no qual se encontrava as autoridades incumbidas pelo governo federal de porem fim na revolução.
Galvez iniciou uma exposição interrompida pelo tenente, solicitando-lhe que a fizesse ao comandante da expedição. Em seguida dirigiram-se para o navio Tocantins, o tenente Bularmaqui apresentou-o ao capitão-de-corveta José Ramos da Fonseca, ao cônsul e ao delegado do Estado do Amazonas.
Trocados os cumprimentos o capitão Fonseca expôs ter vindo de Manaus no comando de três navios de guerra e um navio mercante, este conduzindo tropas, para em nome do governo federal empossar o cônsul doutor Eduardo Otaviano, garantir o direito dos brasileiros livremente navegarem e comerciarem no Acre, bem como conclamá-lo a por termo ao conflito armado em uma região em litígio.
Galvez expôs os objetivos da revolução, salientou que obedeceria a intimação do governo federal mediante as garantias do acatamento e garantia do cumprimento dos ítens do acordo a ser firmado assegurando total anistia e indenização ao grande número de brasileiros envolvidos na revolução do qual ele era o chefe único responsável.
Ressaltou que todos eles haviam abandonado os trabalhos e empreendimentos, fizeram alguns ate sacrifícios monetários pata atender ao ideal de um Acre livre, porque seus habitantes queriam ser brasileiros e o Brasil não os devia obrigar a reconhecerem outra pátria. Que não era possível ignorar a sorte desses abnegados companheiros que agora entregam as armas, munições e mercadorias num patrimônio constituído em meio das maiores dificuldades acarretando despesas extraordinárias.
O comandante Ramos Fonseca em resposta, ponderou que a presença do cônsul Eduardo Otaviano era uma sólida garantia para a proteção dos interesses dos cidadãos brasileiros. Lupo Neto se manifestou declarando estar autorizado a se entender com ele, a fim de assisti-lo nas despesas decorrentes de sua saída do país.
Luiz Galvez refutou que a garantia em causa, era de ressarcimento financeiro aos seus companheiros de revolução, firmado em documento formal. Finda a reunião Galvez foi relatar aos seus ministros e assessores diretos, os detalhes da entrevista e posição por ele assumida, solicitando a cada um que se pronunciasse sobre a mesma. Todos aprovaram a sua deliberação.
Galvez fez questão de cientificar e ouvir a respeito a opinião do coronel Joaquim Domingos Carneiro ex-presidente da Junta Revolucionaria e ministro da fazenda de seu governo que se encontrava no seringal Bom Destino, para este seguindo acompanhado pelo tenente Bularmaqui embarcados no navio Tocantins. O coronel Domingos Carneiro cientificado da ocorrência aprovou a atitude de Galvez.
Retornaram a Cidade do Acre no dia 14 e no seguinte 15 de março de 1900, foram estabelecidas as condições de rendição e o repasse de quatrocentos e quarenta contos de reis, destinados a indenização dos revolucionários e custear os compromissos financeiros do Estado Independente do Acre e mais a aquiescência de Galvez deixar imediatamente o Brasil.
Foi lavrada uma ata constando o fim da Republica do Acre, os compromissos assumidos pelos revolucionários e pelos governos federal e do estado do Amazonas, as garantias individuais e de manutenção da posse de seus bens e propriedades, garantias de ficarem livres de quaisquer atos de injustiça e perseguição por parte das autoridades bolivianas. No dia seguinte (16 de março), o tenente Bularmaqui seguiu para Manaus a fim de cientificar o governador Ramalho Junior sobre o ocorrido no estado do Acre e o fim pacífico da revolução, obter sua aprovação e a liberação dos quatrocentos e quarenta contos de reis a serem repassados aos revolucionários. Galvez transferiu o governo e a posse da cidade do Acre, das armas munições e viveres aos interventores.
Dia 21 de março o tenente Bularmaqui chegou em Manaus e imediatamente foi recebido pelo governador relatando-lhes as ocorrências e entregando-lhe as cartas remetidas pelo comandante da expedição pelo cônsul e pelo delegado do estado do Amazonas. Enquanto isso no dia 23 de Março no seringal Caquetá os ex-ministros, e ex-assessores do presidente Galvez e os chefes revolucionários redigiram um documento por todos eles assinado, ratificando as decisões e acordos assumidos por Galvez com os interventores dos governos federal e estadual, extinguindo a República do Acre e cessando o estado de beligerância.
No dia 1o de abril o tenente Bularmaqui retornou a Cidade do Acre trazendo a concordata do Governador e o dinheiro no valor acordado. Em vista do cônsul Eduardo se recusar a permanecer no Acre, decidindo retornar a Manaus no regresso da flotilha, foi nomeado o coronel Joaquim Domingos Carneiro ex-ministro da fazenda da extinta Republica do Acre, para substituí-lo na condição de vice-cônsul.
Galvez retirou-se do Acre retornando a Espanha, hospedando-se no percurso em Belém e Recife. Encerrava-se a terceira fase da Revolução Acreana, com o manifesto da rendição e do adeus de Galvez aos companheiros e ao povo em geral, que com ele se uniram para criarem o Estado Livre do Acre. Porém foi mantido aceso a chama da revolução, constituindo-se um governo revolucionário chefiado pelo coronel Joaquim Vitor, Paralelo a esses acontecimentos, o ministro do exterior Olinto de Magalhães sigilosamente mantinha entendimentos com o plenipotenciário da Bolívia no Brasil, Salinas Veiga visando a assinatura de um tratado de aquisição territorial, a fim de possibilitar ao governo federal amparar sob a égide da legalidade milhares de brasileiros estabelecidos no Acre.
Assim sendo a intervenção da armada brasileira financiada pelo governo do estado do Amazonas, no conflito do Acre extinguindo a revolução, foi inoportuna prejudicando o encaminhamento das negociações das chancelarias.
Era de interesse político do governo brasileiro que os acreanos se mantivessem em guerra, pois pacificados a Bolívia se desinteressaria de concluir o acordo de venda dos territórios ocupados pelos revolucionários ao Brasil, o que realmente ocorreu.
O ministro Olimpio Olinto de Magalhães, das Relações Exteriores afirmou que a intervenção da Marinha foi um lamentável e prejudicial desserviço a causa dos interesses nacionais.
A Bolívia procura outras vias para exercer seu domínio no Acre, tais como a compra de seringais de proprietários brasileiros intermediada pelo seu aliado capitão Leite Barbosa, a negociação com capitalistas europeus no sentido de organizarem empresas (sindicatos) destinadas a explorarem os seringais do Acre, entabuladas pelo ministro Felix Aramayo, negociação com a sociedade Alberto Moreira Junior e comendador Joaquim Arsênio Cintra de arrendamento da Alfândega de Puerto Alonso, acordado com o ministro Dom Salinas Veiga, contrato firmado em 12 de março de 1900, estipulando.. 33% da renda bruta da alfândega destinada à Sociedade; direito à Sociedade de construir ferrovias ligando rio Acre e Riberalta no rio Beni, desta prosseguindo para Reys, Santana e Cochabamba concedendo-lhe o prazo de 25 anos para explorá-la economicamente; concessão de terras devolutas numa extensão de 10 km do leito da ferrovia.
Porem para a efetivação do contrato era exigido a comprovação da imediata pacificação dos revolucionários acreanos.Alberto Moreira viajou à Belém para organizar a expedição ao Acre, enviando a este, Egídio Jorge Simas para contatar com os chefes revolucionários e deles obter a imprescindível comprovação da pacificação. Simas ardilosamente conseguiu ludibriar o coronel Joaquim Victor, Vice-governador dos acreanos, concedendo-o e a seus companheiros assinarem uma ata declarando fim da revolução acreana.
Porém havia um sério problema a superar, no Acre não havia nenhuma autoridade que autenticasse ata e testemunhasse a pacificação, sem o que a invalidava. Simas solicitou do cônsul brasileiro que reconhecesse as firmas constantes na ata e lhe expedisse uma declaração autenticada, comprovando sua estada em Puerto Alonso nas condições de procurador do senhor Alberto Moreira Junior, sendo-lhes concedidos. Mas só essas não atendiam as exigências do acordo. Em fins do mês de junho de 1900, Moreira Junior acompanhado por Rogério Guanabara, Joaquim Cintra e o jornalista Frederico Rhonssard chegaram a Puerto Alonso.
Moreira Junior despachou Guanabara à Mercedes no rio Ortón, para se apresentar a Dom André Muñoz o novo Delegado Nacional da Bolívia nos territórios do Purus, Acre e Iaco, dando-lhe ciência do contrato firmado com o cônsul boliviano no Rio de Janeiro e a ata atestando a pacificação dos acreanos, solicitando sua autenticação por aquela autoridade.
A viagem pela floresta plena de riscos foi realizada em curto espaço de tempo. Guanabara no dia 17 de julho se apresentou a Dom Muñoz, sendo preso por ser considerado suspeito de espionagem, assim permaneceu ate o dia 8 de agosto quando o Delegado resolveu aceitar suas credenciais de emissário do consórcio Cintra/Moreira, reunindo-se com Guanabara discutindo os meios de ser pacificamente acolhido pelos acreanos.
Concedeu-lhe um salvo conduto apresentando-o aos comandantes militares dos destacamentos ao longo do percurso. Dom Muñoz com sua comitiva chegou no dia 22 de agosto no seringal Capatará na margem do rio Acre, seguindo para o seringal Riozinho no qual lhe esperava Alberto Moreira e seu grupo.
Após o almoço de confraternização com a participação dos lideres revolucionários, Muñoz acompanhado por Moreira seguiram para Puerto Alonso. Este entregou ao Delegado a cidade pacificada, seus acervos documentais e bens materiais sob inventário assinado.
Muñoz passou-lhe o competente recibo. Porém não deu posse a Moreira no cargo de concessionário das rendas alfandegárias de Puerto Alonso de conformidade com o acordo, assinado no Rio de Janeiro. Esse aborrecido escreveu ao Ministro Salinas informando-lhe que não tendo mais nada o que fazer no Acre, havia viajado à Manaus seguindo para o Rio de Janeiro, aonde chegou a 12 de novembro, nessa missiva comunicava a atitude do Delegado Muñoz e as providencias que seriam tomadas.
Em seguida encaminhou queixa ao presidente da corte suprema da Republica da Argentina fórum especial eleito para dirimir as possíveis pendências resultantes da execução do contrato. A empresa executante alegava inadimplência da parte do governo boliviano por não haver permitido entrar na posse da alfândega do Acre, exigindo o pagamento da multa contratual de cento e cinqüenta mil libras. Em vista do governo da Bolívia não ter sancionado o contrato, o processo foi arquivado, malogrando-se as aspirações dos lucros milionários do consórcio Cintra/Moreira.