sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

O que está por trás da Teologia da Prosperidade?

Revista ISTOÉ ESCULACHA Valdemiro Santiago

À espera de um milagre

ISTOÉ

Rodrigo Cardoso

Quadrilhas de pastores ladrões, dívidas milionárias com as tevês, administração amadora e investimentos equivocados na construção de grandiosos templos. O que está por trás da crise financeira da Mundial, uma das mais poderosas igrejas evangélicas do País




PASTOR
Valdemiro Santiago criou um império religioso, viu seu rebanho se
expandir por cerca de cinco mil templos e, agora, tenta colocar a
casa em ordem ao ver sua igreja sangrar em milhões de reais



Chorar durante a pregação é um dos traços mais marcantes da performance de Valdemiro Santiago de Oliveira, o todo-poderoso da Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD), no púlpito. Criticado por abusar dessa prática, o autointitulado apóstolo tem motivos mais terrenos para derramar suas lágrimas atualmente. O império neopentecostal construído por esse mineiro de 49 anos, nascido em Cisneiros, distrito de Palma, a 400 quilômetros de Belo Horizonte, vive a maior crise da sua história. O mais recente indício de que a IMPD está fragilizada foi a decisão do Grupo Bandeirantes de encerrar, na semana passada, a parceria que mantinha com Valdemiro, que alugava quase a totalidade da grade da programação do Canal 21 e ocupava cerca de quatro horas diárias nas madrugadas da Band. Motivo do fim do acordo: atrasos no pagamento.

Valdemiro até que tentou impedir o fato. De microfone em punho, o comedor de angu que cuidava de marrecos na roça antes de se converter evangélico usou toda a sua empatia com o povão. No início do mês, pôs o rosto no vídeo, caprichou na voz chorosa e iniciou uma campanha conclamando seus fiéis a ajudá-lo a arrecadar R$ 21 milhões para honrar compromissos com o aluguel de horários na mídia. A Mundial já devia R$ 8 milhões ao Grupo Bandeirantes referentes a setembro. No fim deste mês, outro boleto a vencer: R$ 13 milhões. A emissora paulista não confirma oficialmente, mas a Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo, concorrente direta da Mundial, teria entrado na disputa por esses horários e conseguido vencer a briga sobre a maior concorrente na disputa por almas. “Pegaram a gente em um momento de fraqueza”, diz uma liderança da IMPD. “Gastamos R$ 300 milhões com templos ultimamente e vivemos um tempo de estruturação e amadurecimento.”

PODER
Diante da crise, Valdemiro nomeou Jorge Pinheiro (acima), marido da irmã
de sua esposa, para gerir o setor financeiro e administrativo da IMPD no
lugar do bispo Josivaldo (abaixo), transferido para Lisboa


"Cerca de 30% dos recursos que arrecadamos são desviados
por bispos e pastores. Por mês, R$ 30 milhões saem pelo ralo",
afirma um alto dirigente da IMPD do Rio de Janeiro

Quisera Valdemiro Santiago, porém, que seus problemas fossem revezes restritos apenas ao campo administrativo da sua igreja. Em São Paulo, o líder evangélico é alvo de uma investigação do Ministério Público estadual e da Polícia Civil. Desde janeiro de 2013, diligências feitas pelo Grupo Especial de Delitos Econômicos (Gedec) e pela Divisão de Investigações sobre Crimes contra a Fazenda, da Polícia Civil, apuram um suposto crime de lavagem de dinheiro e ocultação de bens, direitos ou valores. O dono da Mundial virou alvo das autoridades quando elas descobriram que a Fazenda Santo Antonio do Itiquira, localizada em Santo Antônio do Leverger (MT), um conglomerado de 10.174 hectares de terras ocupado por milhares de cabeças de gado, foi comprado por R$ 29 milhões à vista pela empresa W. S. Music, cujos representantes são o apóstolo e sua mulher, a bispa Franciléia. O caso, que pode configurar uso do dinheiro de fiéis para enriquecimento pessoal, corre em sigilo.



A Mundial, fundada em 1998 – antes dela, Valdemiro fora pastor na Igreja Universal por 18 anos (leia quadro) –, viveu um avanço muito grande em um curto espaço de tempo. De 500 templos em 2009, hoje a denominação computa mais de cinco mil unidades, segundo seus membros. Acontece que a vida de uma igreja não se resume ao púlpito ou aos cultos. Administrativa e financeiramente falando, a IMPD não evoluiu. “Cerca de 30% dos recursos que arrecadamos são desviados. Por mês, R$ 30 milhões saem pelo ralo”, afirma um alto dirigente da denominação, lotado no Rio de Janeiro. De acordo com ele, a devoção em torno dos cultos, espécie de pronto-socorro espiritual, onde fiéis garantem ter alcançado a cura divina para alguma enfermidade graças à intercessão de Valdemiro, trouxe notoriedade à igreja e atraiu quadrilhas de pastores que se infiltraram em seus templos para se apropriar das doações. “Há dois anos e meio, por exemplo, o Valdemiro descobriu uma dessas quadrilhas no ABC paulista liderada pelo bispo e por seus auxiliares e os expulsou.”


PREGAÇÃO
Com fama de milagreiro, Valdemiro fez fama ao se aproximar
dos mais humildes. Abaixo, sua esposa, a bispa Franciléia



Esse mesmo dirigente lembra do dia em que, ao manobrar seu carro na saída de um culto, uma fiel bateu no vidro para alertar que pessoas traíam a confiança do líder evangélico: “Pastor, está vendo esse carnê da Mundial? A conta corrente aqui escrita não é a da igreja. Estão distribuindo carnês falsos para o povo pagar! Avisa o apóstolo, por favor!” Ou seja, o dinheiro estava sendo desviado num esquema paralelo ao de Valdemiro. Professor da pós-graduação de Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Ricardo Bitun se deparou com essa prática ao ir a campo para a confecção de sua tese de doutorado. Intitulado “Igreja Mundial do Poder de Deus: Continuidades e Descontinuidades no Neopentecostalismo Brasileiro”, o estudo defende que Valdemiro foi o único dissidente da Universal que conseguiu alcançar sucesso. E assim o fez graças, principalmente, à remasterização da cura divina, uma prática bastante difundida no Brasil nos anos 1970. “Um bispo me contou que havia pastores infiltrados em igrejas e até mesmo bispos cobrando propinas de pastores”, diz Bitun.


SUSPEITA
Uso do dinheiro de fiéis para enriquecimento pessoal, como a compra de uma
fazenda de R$ 29 milhões (à esq., o documento de compra em seu nome),
é investigado pelo Ministério Público e pela Polícia Civil de São Paulo

Valdemiro é um líder religioso onipresente no altar e nos programas televisivos e demorou a perceber que estava sendo traído por pessoas muito próximas a ele – e do alto escalão da igreja. Havia um grupo próximo a Josivaldo Batista de Souza, que era considerado o número 2 da Mundial, agindo como lobos em pele de cordeiro. “Ele se deu conta de que o problema advinha da concentração de poder em torno dessa turma”, diz um membro da hierarquia paulista da Mundial. “Era gente pedindo avião para fazer não sei o quê, para ter programa na televisão não sei onde, para abrir igreja em um grotão aí...” Segundo esse integrante da IMPD, Valdemiro cometeu erros próprios de líderes que sobem muito e rapidamente. “Ele se cercou de um estafe pequeno que blindava o acesso a ele. E, assim, passou a ouvir pouco outras opiniões. Precisa amadurecer.”


FLAGRA
Membros da Mundial chegaram a clonar carnês para desviar
o dinheiro que era arrecadado dos fiéis nos cultos

Diante das dívidas, dos calotes e das traições, o líder da IMPD está tentando conter a sangria da sua igreja do jeito que pode. Transferiu para Lisboa o pastor Josivaldo, um ex-membro da Universal que o acompanha desde o começo dos trabalhos da denominação em Pernambuco, segundo Estado onde ele fincou sua bandeira. Para substituir Josivaldo, que era responsável pela gestão administrativa e financeira e cuidava do dia a dia da Mundial, além dos bispos e pastores, Valdemiro achou por bem recorrer a um familiar. Empossou o bispo Jorge Pinheiro, marido da irmã da sua esposa Franciléia. Para tentar se reequilibrar financeiramente, conta um bispo paulista, ele decidiu se desfazer de duas Cidades Mundiais, como são chamados os megatemplos da IMPD, em São Paulo e no Paraná. Elas se encontram fechadas pelos órgãos públicos locais, após pouco tempo de funcionamento, por não preencherem requisitos para receber o público. Um claro erro de avaliação que onerou a igreja. “A Cidade Mundial paulista está fechada desde fevereiro de 2012. Mas Valdemiro, todo mês, tem de pagar R$ 5 milhões das parcelas da compra dela”, diz o bispo. Missionário da IMPD, o deputado estadual Rodrigo Moraes (PSC-SP), que foi designado pela igreja para fazer “a coisa caminhar” junto aos órgãos públicos, segue na sua empreitada. “Não recebi o comando de parar o trabalho ainda. Mas a vontade do apóstolo é que fala mais alto”, afirma. Templos pequenos e mal localizados, que não condiziam com a orientação de Valdemiro, também deixaram de ser usados. “Cerca de 15% deles tiveram de ser fechados ou reestruturados”, diz uma liderança da igreja. Pode ser uma saída para que a fama de caloteiro não suplante a de apóstolo milagreiro.


NA JUSTIÇA
Faz três meses que a Mundial não paga o aluguel do imóvel (acima),
localizado em Pirituba (SP): ação de despejo e cobrança de R$ 34 mil.
Abaixo, Cidade Mundial em São Paulo, que será fechada


Não são poucos os templos ocupados pela IMPD que têm problemas com aluguel atrasado ou ações de despejo em curso na Justiça. Em Pirituba, por exemplo, bairro da capital paulista, o proprietário impetrou na justiça uma ação de despejo contra a igreja por não receber o aluguel de seu imóvel desde julho. E cobra, ainda, o pagamento de R$ 34.538,64. De acordo com um de seus representantes legais, essa é terceira vez que a justiça é acionada desde 2010, quando o local passou a ser ocupado pela Mundial. “Não entendo a falta de organização da igreja. Não acredito que ela não tenha caixa para pagar o aluguel”, diz ele, que prefere não se identificar. “Esses problemas diminuíram 70% nos últimos tempos”, garante Dênis Munhoz, advogado da Mundial. À frente também do cargo de vice-presidente da Mundial, Munhoz refuta a ideia de a denominação viver uma crise, argumentando que a IMPD é a evangélica que mais cresce no Brasil. Sobre as quadrilhas de pastores, afirma: “Se existe esse problema, a igreja sempre tomou as providências rapidamente.” Prefere, no entanto, não comentar a perda dos espaços no Canal 21 e na Band. Quem falou sobre o assunto foi o presidente da IMPD, o deputado federal José Olímpio (PP-SP). “Estamos pagando muitas prestações, os valores de aluguéis aumentaram, temos muitas obras em andamento e acabou atrasando alguma coisa. Aí, deixa de pagar um mês e vira um problema para a mensalidade seguinte”, diz.




Para se ver livre de mais problemas, Valdemiro, que, procurado por ISTOÉ, não se manifestou, entregou os horários que possuía na Rede TV! e na CNT. Deixou também de alugar espaço em dezenas de retransmissoras de diferentes estados e recuou no projeto de ocupar a programação de tevês da Argentina, Colômbia e do México. “Muitas vezes, é melhor dar um passo atrás para, depois, dar um maior à frente”, diz o alto dirigente da Mundial do Rio. “Valdemiro me disse que estava, inclusive, vendendo a sua fazenda no Mato Grosso.” Essa informação não foi confirmada pelo presidente nem pelo vice-presidente da IMPD. Mas, na atual situação, receber R$ 33 milhões, valor estimado da Fazenda Santo Antonio do Itiquira, seria como um milagre para o líder evangélico.


segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Chico Mendes é usado no Acre para abafar incentivo do governo à pecuária


POR JOÃO MACIEL DE ARAÚJO 


É sabido que os governos da coligação Frente Popular do Acre (FPA) nestes 15 anos estão repletos de contradições e forçoso discurso otimista difundido pelos seus programas de propaganda e marketing e absorveu completamente a imprensa local e as pseudo-lideranças de movimentos sociais, outrora progressistas e militantes da justiça social e da causa dos “povos da floresta” -uma terminologia assentada no cansativo repertório dos políticos que a proferem exaustivamente.

Ao longo destes anos, as vozes que se opuseram a aceitar passivamente as figuras falaciosas criadas e propaladas pelos articuladores dos governos da FPA foram sistematicamente amordaçadas, desqualificadas, caluniadas e hostilizadas por uma imensidão de oportunistas que incham a máquina pública, fartamente financiada pelos empréstimos feitos junto a bancos internacionais, nacionais e pelas abundantes transferências voluntárias feitas pelo governo federal durante o mandato de Lula, muito embora o atual mandato do executivo estadual seja marcado pela confissão de que o Acre se encontra numa profunda crise financeira.

O núcleo da hipocrisia do governo estadual assenta na apropriação e tosca manipulação da imagem de Chico Mendes, e de seus ideais, como um dos principais líderes de um legítimo movimento de resistência protagonizado pelos seringueiros do Acre durante os anos 1970 e 1980. Inegavelmente, aquele movimento constituía um importante grupo no processo de criação do PT no Acre e por reunir uma série de características e reinvindicações que competiam para o rompimento de uma herança maldita, legada do autoritarismo do seringalismo. Aquele movimento forneceu o principal argumento que sugeria a “mudança”, aspiração da maior parte da sociedade acreana.

Como já foi exaustivamente explorado por estudiosos da história recente da região, num embate que opunha frontalmente os interesses das oligarquias políticas herdeiras da falida economia da borracha de um lado, aos interesses dos representantes do processo de integração das terras acreanas a frente de expansão da fronteira agropecuária, os seringueiros emergiam como uma terceira via, muito mais identificada com a massa da população local. Daí pra frente, os desdobramentos desses processos no plano político-eleitoral já são conhecidos e as consequências diretas perduram.

No primeiro mandato da FPA, os interesses dos seringueiros pareciam estar contemplados naquilo que teoricamente seria um governo também deles. Lei de Subsídio Estadual da Borracha, criação de uma Secretaria Executiva de Floresta e Extrativismo (Sefe), fortalecimento de iniciativas ligadas à viabilização da produção florestal não-madeireira (apoio à pesquisa e a cooperativas de comercialização), medidas destinadas a comprovar que a proposta de reservas extrativistas seria de fato uma alternativa de promoção da dignidade dos povos da floresta, além da falácia contida no que chamaram “florestania”.  Tudo uma ilusão de ótica.   Já no segundo mandato o “extrativismo” da Sefe, que estaria voltada a atender os anseios dos seringueiros, foi extinto, restando aí uma Secretaria de Florestas (Sef), imbuída de deslanchar a produção madeireira que seria para os seringueiros, em seus territórios de reservas extrativistas, mas seria, principalmente, para os madeireiros empresários. Mesmo assim, ainda não estamos livres do efeito da ilusão de ótica. Entre os seringueiros, a exploração de madeira não deslanchou como fonte de renda, segundo os moldes impostos pela regulamentação puxada pelo governo do Acre. Porém, entre os madeireiros, houve concessão de terras, crédito, infraestrutura, renúncia fiscal e toda a sorte de incentivos cujos efeitos são a concentração da terra e da renda.

Em outra frente, sorrateiramente e em nome da “governabilidade”, o governo da FPA, por mais que revestido de uma aura de ambientalista (e mesmo cheio de “ambientalistas”), manteve seu apoio incondicional à expansão da pecuária bovina no meio agrário acreano, de maneira a proporcionar-lhe renda incomparável a qualquer outro produto que aí se possa produzir. Fiel aos princípios da política tributária em nível nacional, que privilegia o agronegócio (ver, por exemplo Convênio ICMS 100/97), o governo do Acre não vacilou em editar documentos neste sentido.   Diferentemente do preço da carne no mercado local e nacional, a base de cálculo para incidência de ICMS sobre operações com gado bovino permaneceu praticamente inalterada neste período. Sendo justo, destaque-se uma pequena tentativa de reação durante o governo de Binho Marques, mas que foi rapidamente colocada sem efeito. Não fosse o bastante, enquanto o consumidor, trabalhador acreano, paga elevados impostos na aquisição de bens elementares, a alíquota de ICMS para operação de envio de gado bovino a outros Estados se mantém sempre reduzidas, isso quando não se reduz a própria base de cálculo a valores irrisórios.

É impressionante a quantidade de decretos e portarias expedidos pelo governo para beneficiar a pecuária. Aliás, não seria de se admirar que uma análise mais detida sobre estas medidas logo revelasse que o executivo estadual incorre em crimes fiscais. As generosíssimas medidas, que nos ajudam a compreender o crescimento da pecuária, passam praticamente despercebidas, inclusive pela base dos “movimentos sociais” de apoio ao governo do Acre. Do ponto de vista da história do avanço da pecuária em território acreano, o governo da FPA concedeu exatamente o que esta requeria nesta fase, ou seja, não mais somente os benefícios do Proterra nos anos 1970, não mais somente o crédito do Banco da Amazônia para instalar fazendas nas décadas de 1970 e 1980, mas, agora, o benefício fiscal na hora de vender o gado.

Não se pode negar que a política tributária do governo da FPA em relação à pecuária, que favorece a concentração de renda e o monopólio da terra pela pecuária, é muito eficaz e efetiva. Na realidade, com raríssimas exceções, mesmo nas áreas de reserva extrativista (considerando também os projetos de assentamento agroextrativistas), a principal fonte de renda obtida pelos moradores através da exploração da terra, provém da pecuária. Pecuária que é veementemente reprimida por instituições governamentais e não-governamentais de proteção ao meio ambiente sob a alegação de que distorce a função de reservas extrativistas, onde não pode haver grandes rebanhos. Ora, a pecuária totalmente regulada pelas vontades do mercado se fortaleceu a tal ponto que, em última análise, o morador de uma reserva extrativista tornou-se um “trabalhador” para o grande pecuarista exportador, assim como a própria reserva extrativista atende ao interesse de expansão de seu rebanho, seja pelo arrendamento direto de pastagem ou pelo falso domínio do próprio morador.

Reparem a quantidade de casas agropecuárias que foram criadas nos últimos 15 anos no Acre. Elas não servem para o beneficiamento de castanha, óleo de copaíba, ou outro produto da floresta. O capim brachiária é o vegetal mais familiar do povo acreano, e não a seringueira ou qualquer outro vegetal nativo. É deste período, de 15 anos, o surgimento em todos os municípios do Vale do Acre, de inúmeros bairros que abrigam precariamente uma população refugiada do campo, sobretudo em Rio Branco.  Aliás, não é coincidência o escândalo do Operação G-7, uma vez que o setor que mais emprega os refugiados do campo na cidade é a construção civil, tornando, portanto, os empreiteiros a outra face do patronato alimentado pelo governo.

De outra parte, sem qualquer apologia à figura em si, recorro à uma fala do fazendeiro Darly Alves, que foi condenado por mandar matar Chico Mendes, em entrevista concedida ao repórter Leonencio Nossa, do jornal O Estado de S. Paulo, na semana passada. Além de ser uma ironia do destino, é também muito esclarecedora e reveladora do quanto o governo do Acre tem sido contraditório. Explica Darly ao ser perguntado sobre sua chegada no Acre:

- Eu vim para plantar 12 mil covas de café. [...] Eu era fanático por café. [...] Mas é o bicho que mija para trás (boi) que leva a gente para frente. Comecei a criar gado.

Já pensou? Não conheci Chico Mendes, mas acredito que o cenário atual do Acre em nada se assemelha ao que ele e seus companheiros vislumbraram. Depois de manter uma política tributária que contribui determinantemente para desgastar a proposta de reservas extrativistas e municiar as críticas conservadoras que dizem ser esta uma proposta inviável e equivocada, o governo estadual ainda tem o cinismo de sair com este “Chico Mendes Vive Mais”. Duvido que qualquer uma das caras que aí estão para as eleições de 2014 tenham a intenção de fazer diferente.

João Maciel de Araújo é cientista social e mestre em desenvolvimento regional pela Universidade Federal do Acre.

fonte: http://www.altinomachado.com.br

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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

ANACRONISMO HISTÓRICO DO ENSINO DE HISTÓRIA NA SALA DE AULA


Por Alcidark Costa
Professor História Substituto na Universidade Federal do Acre – UFAC


O pluralismo e a dinâmica da sociedade tem conduzido vários especialistas da educação à inúmeros debates, que por sua vez, tem proporcionado, ao longo das ultimas décadas, profundas reflexões e propostas transformadoras na dimensão pedagógica, e porque não dizer, cultural, social e estética da escola.

O avanço cada vez mais acentuado de uma sociedade de consumo, pautada pela ética capitalista e pela dinâmica do mundo do trabalho, tem conduzido a escola cada vez mais ao pragmatismo da formação de “máquinas” de respostas de questões de vestibular, proporcionando assim, ao ensino de História, uma disciplina estática, presa a velhos paradigmas de conteúdos que privilegiam a abordagem factual e de narrativas políticas, de grandes feitos (guerras, conquistas), bem como de grandes homens (militares, estadistas).

Com efeito, esta realidade tem proporcionado frustrações de ambos os lados – do professor que se sente desmotivado diante da falta de interesse do aluno e, deste, que não consegue encontrar respostas para uma simples pergunta, para que serve isto?

A reflexão e a sugestão de novas abordagens do ensino de história não significa reduzir o peso da importância dos conteúdos, afinal, o bom professor é aquele que domina os conteúdos da disciplina assim como os conceitos pedagógicos, trata-se de tentar buscar um caminho de ruptura, sem prejuízo dos conteúdos, de velhos paradigmas que conduzem o ensino de história a um anacronismo histórico.

Ademais, buscar estabelecer uma abordagem que proporcione ao educando uma concepção da história enquanto uma relação entre passado e presente como processo de construção da sociedade, com valores, costumes e tradições historicamente determinados, bem como a compreensão de si mesmo como sujeito deste processo.
  



quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Itinerários de um “Casarão” mal resolvido



(Gerson Rodrigues de Albuquerque,
Professor vinculado ao Centro de Educação, Letras e Artes
da Universidade Federal do Acre e membro titular do
Conselho Estadual de Patrimônio Histórico).


“... Precisamente porque sofremos
nas condições do deserto é que ainda somos humanos
e ainda estamos intactos; o perigo está em nos
tornarmos verdadeiros habitantes do deserto
e nele passarmos a nos sentir em casa”.
(Hannah Arendt)



Em 28 de agosto de 2009, o Diário Oficial do Estado do Acre publicou a Resolução de tombamento do “Casarão” como patrimônio histórico e cultural do Acre. A partir daquela data, levando em consideração a deliberação do Conselho Estadual de Patrimônio Histórico, bem como o que estabelece a lei n° 1.294, de 8 de agosto de 1999, o “Casarão” está sob a proteção do poder público estadual, através da Fundação Estadual de Cultura e Comunicação “Elias Mansour” (FEM).
A publicação dessa resolução torna obrigatória não apenas que a FEM deva proteger e zelar pelo bem público tombado, mas que qualquer manifestação da vizinhança no sentido de construir ou fazer qualquer tipo de reforma em suas propriedades, deve ser precedida de autorização da fundação de cultura, sendo proibida “qualquer edificação que venha impedir ou reduzir a visibilidade” do bem tombado.
No entanto, sem atentar para os dispositivos legais no que diz respeito a bens tombados como patrimônio histórico, no dia 20 de outubro de 2009, o engenheiro Wolvenar Camargo, Secretário Municipal de Desenvolvimento Urbano e Obras Públicas (Seduop), expediu um Alvará de Licença, sob número 437/2009, para a construção de um prédio em alvenaria de mais de quatro mil metros quadrados em área vizinha ao “Casarão”. Tal construção é de propriedade de Aparecida Valladão da Rosa e tem como responsável técnica pelo projeto a arquiteta e urbanista Regina Lúcia Bezerra Kipper.
Até ai, nada muito complicado, posto que a direção do Departamento de Patrimônio Histórico e Cultural (DPHC) da FEM, sem ouvir seu congênere municipal e tendo em vista que os responsáveis pela construção do “novo e moderno prédio” em frente à “Praça da Revolução” cumpriram os protocolos e “exigências legais” junto à Seduop, autorizou “verbalmente” o início da construção, no mês de novembro do ano passado. Essa informalidade deixa transparecer uma relação de condescendência entre o poder público e a iniciativa privada, mas, embora pareça estranho, foi exatamente isso o que aconteceu, posto que a “autorização de obra no entorno de patrimônio tombado”, somente foi emitida em 8 de janeiro deste ano, assinada pela “Chefe da FEM”, a professora Suely de Souza Melo da Costa. Aos incrédulos, sugiro uma espiada no Diário Oficial do Estado do último dia 13 de janeiro e uma visita ao local da obra onde as máquinas e homens trabalham a pleno vapor nas fundações e alicerces do “moderno” empreendimento.
             Curioso é que a relação publico-privado se mistura, agrega ou confunde um pouco mais quando nos damos conta de que, embora a propriedade do prédio em edificação seja particular, em nome da qual foram concedidas as licenças, o objeto do projeto é a construção de uma nova sede para a Caixa Econômica Federal (CEF), uma instituição estatal. No projeto e nos pareceres técnicos e licenças dos diferentes órgãos públicos municipais e estaduais não constam os custos da obra, razão pela qual não temos como estimar os valores que a proprietária, Aparecida Valladão da Rosa, está desembolsando para erguer as estruturas modernosas da nova agência da caixa econômica, a “nossa caixa”. Espero que o Ministério Público Federal se interesse pela questão e investigue a dimensão e profundidade dessa parceria um tanto promíscua entre o público e o privado. Se for aos moldes do malfadado PPP (Parceria Público Privado) do governo Lula, que desloca recursos destinados às universidades públicas para “as privadas”, tem “treta na história”.
            As facilidades para a liberação e, inevitavelmente, o início da obra, coloca em evidência não apenas o amadorismo com que o Departamento de Patrimônio Histórico e Cultural (DPHC) da FEM tem lidado com a questão, mas uma total falta de zelo com o primeiro imóvel tombado nos trâmites do que reza a legislação estadual. As incongruências no projeto, os desencontros protocolares no encaminhamento das questões e a falta de informações precisas no âmbito de todo o processo chamam a atenção e tornam o caso prenhe de dúvidas que precisam ser urgentemente esclarecidas pelo poder público.
            No entanto, o fato mais gritante é que, não obstante à cantilena repetitiva e ultrapassada com que a responsável pelo projeto, passionalmente, pontua os benefícios da “nova sede da Caixa Econômica Federal” para a população de Rio Branco (com um “impacto positivo no local onde será implantada”, oportunizando “a prestação de um serviço de qualidade, com alto impacto social, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida”, entre outros argumentos dessa natureza), uma outra arquiteta, Aurinete Franco Malveira, do quadro de pessoal da própria FEM, discordou dos argumentos do projeto e se manifestou pela “paralisação imediata da obra”, até a devida adequação aos dispositivos legais. O parecer da arquiteta da FEM é datado de 2 de dezembro de 2009, embora, como aludido acima, caricaturalmente, a licença para “autorização de obra no entorno de patrimônio tombado”, somente tenha sido assinada pela diretora do DPHC em 8 de janeiro de 2010, evidenciando que o estado de direito nada tem a dizer àqueles que costumam tratar a coisa pública como sua propriedade particular e, cientes da impunidade, “colocar o carro na frente dos bois”.    
A direção do DPHC da FEM tratou com naturalidade o fato de uma construção ter sido iniciada em área vizinha a um bem tombado e sob proteção daquele órgão. Ao fazê-lo não apenas deixou de cumprir o que assevera a legislação, como tratou de “passar um verniz” de legalidade sobre a questão. É surpreendente que, ao invés de acatar o parecer da arquiteta da FEM, a pessoa em condições técnicas de avaliar os impactos da construção de um prédio em alvenaria ao lado de um bem tombado, a diretora de patrimônio histórico tomou o partido dos responsáveis pela construção e, no dia 7 de dezembro de 2009, solicitou “em caráter de urgência uma perícia técnica” à Secretaria de Obras Públicas e Habitações (Seoph) para “avaliar o grau de visibilidade ou impedimento” da nova construção em terreno vizinho ao “Casarão”.
Três dias depois, em 10 de dezembro do ano passado, a perícia técnica, por intermédio de Rodolfo Quiroga, Gerente de Projetos, se manifestava em um “Parecer preliminar relativo à interferência visual da futura sede da Caixa Econômica Federal sobre o imóvel denominado Casarão”. Tendo escolhido três diferentes pontos para sua observação, o parecerista informa que: “1- Observação a partir da Praça da Biblioteca: a partir deste ponto a interferência é praticamente nula, uma vez que existe recuo previsto no prédio da Caixa, sendo que o prédio vizinho, do Banco do Brasil, encontra-se implantado no limite frontal do terreno, encobrindo a obra, não interferindo na visão da fachada do Casarão; 2- Observação a partir da Praça da Revolução: neste ponto é possível visualizar-se os dois imóveis, com preponderância para o prédio da Caixa, dada a sua forma e também a altura, que é maior que a do Casarão; 3- Observação a partir da Av. Brasil, sentido bairro-centro: neste caso o Casarão aparece em primeiro plano com o prédio da Caixa fazendo o plano de fundo. Também neste caso prevalece o prédio da Caixa, mais uma vez determinado pela sua altura, pelo menor recuo frontal, e também pelo contraste entre a forma arrojada da nova edificação e a singeleza do prédio do Casarão”.
Apesar de toda a carga de ambigüidades o parecer técnico, torna evidente o quanto o bem tombado é atingido em sua visibilidade pelo “novo prédio da CEF” que está sendo construído ao seu lado. Apesar de não concordar com os três pontos escolhidos pelo parecerista Rodolfo Quiroga e, ainda, sem esquecer que toda escolha implica em deixar outras possibilidades de fora, os três ângulos nos permitem perceber o quanto a edificação é nociva ao “Casarão” tombado. No primeiro ponto, o parecerista se refere à fachada do Casarão, omitindo que o objeto do processo de tombamento não se reduz à fachada do imóvel. No segundo e terceiro pontos escolhidos pelo técnico, destinado a “dirimir as dúvidas” da diretora do DPHC, o “novo prédio da Caixa” se impõe com preponderância não apenas por sua altura que “é maior”, mas, principalmente, nas palavras do próprio parecerista, “pelo contraste entre a forma arrojada da nova edificação e a singeleza do prédio do Casarão” (o grifo é meu).
Com outras palavras, o parecer técnico, externo à FEM, coincide com o parecer da arquiteta Aurinete Franco Malveira que fora menosprezado por seus superiores na hierarquia interna daquele órgão público: o “novo prédio da CEF” que está sendo construído por Aparecida Valladão da Rosa sob a responsabilidade de Regina Kipper Arquitetos, “não está em concordância com a Lei 1.294 Art. 23 – sendo instrumento de redução da visibilidade do bem tombado que possui um caráter histórico, cultural e social de extrema importância no contexto da formação político-cultural da sociedade acreana”.
A visibilidade aludida pela solitária arquiteta da FEM, presente no corpo da legislação brasileira sobre tombamentos é, segundo o Dicionário Michaelis, palavra oriunda do latim visibilitate, sendo o que tem a “qualidade de visível” ou, pela perspectiva da física, a “propriedade pela qual os corpos são percebidos pelo sentido da vista”. A visibilidade do “Casarão” tombado como Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico e Cultural do Estado do Acre, fica comprometida, prejudicada ou reduzida com a construção do “novo prédio da CEF”. Reduz a visibilidade, ressalta a arquiteta da FEM. Reduzir, do latim reducere, voltemos ao Michaelis, significa entre outras coisas: diminuir, tornar menor, abreviar, compendiar, resumir, apertar, estreitar, limitar, restringir, constranger, forçar, obrigar, violentar, simplificar, desmoralizar.
Porém, as dúvidas da diretora do DPHC não ficaram dirimidas e, em 17 de dezembro de 2009, a mesma requisitou ao Diretor-Presidente da FEM, Daniel Zen, um parecer jurídico sobre a questão. No dia seguinte, atendendo à solicitação do mesmo, o assessor jurídico da Fundação Estadual de Cultura, advogado José Luiz Gondim dos Santos, manifestava-se sobre a questão e, numa surpreendente interpretação da legislação e do parecer técnico de Rodolfo Quiroga, rechaçou as “razões” de Aurinete Franco Malveira. Era o sinal verde que o DPHC da FEM esperava para expedir a “autorização de obra no entorno de patrimônio tombado” e, com isso, legitimar a ilegítima autorização verbal que tinha concedido aos construtores da edificação em terreno vizinho ao “Casarão”.
O parecer do assessor jurídico é uma incrível constatação de que a lógica dos guarda-livros dos velhos barracões dos seringais acreanos continua em pleno vigor por estas plagas. Talvez, na crença de que ninguém iria ler seu despacho e que qualquer coisa serviria para um DPHC que tinha como única meta “conceder ou conceder” a tal autorização, o mesmo passou a formular um simulacro de discussão sobre ausência de delimitação do “entorno”, palavra que consta no artigo 23 da lei estadual n° 1.294/99 e que sequer é dicionarizada como substantivo, mas que apenas substitui a expressão “vizinhança” presente na primeira legislação brasileira sobre tombamento, organização e preservação do patrimônio histórico: o Decreto-Lei n° 25, de 30 de novembro de 1937. 
Na ausência de delimitação sobre o “entorno”, isto é, a vizinhança do “Casarão” tombado, José Luiz Gondim dos Santos diz que fica “a cargo do administrador (Chefe do DPHC), no exercício de suas atribuições, fazer um juízo de razoabilidade com base em critérios de necessidade e adequação da obra e um juízo de discricionariedade com base em critérios de oportunidade e conveniência da obra para com a proteção do bem tombado e atendimento aos anseios sociais contemporâneos”.
Deixando clara sua tomada de posição no debate em questão, quanto ao juízo de razoabilidade, assevera o jurista da FEM, o administrador deve levar em consideração que a edificação da “nova sede da CEF” não viola “qualquer disposição legal” utilizando-se para ancorar sua representação da realidade, o parecer técnico de Rodolfo Quiroga, considerando que das “três posições de observação do perito quanto a possível interferência visual da futura sede da Caixa Econômica Federal sobre o imóvel do Casarão, vislumbra-se apenas mera preponderância do prédio da Caixa sobre o imóvel do CASARÃO, o que sempre haverá em algum momento”.
Quanto ao juízo de discricionariedade, arremata o intencionado assessor jurídico, o administrador deve levar em consideração que a “construção se vislumbra oportuna em face dos benefícios que trará aos serviços bancários e diretamente ao consumidor e se vislumbra conveniente por respeitar as normas regulamentares de construção em perfeita coexistência com as normas de patrimônio estadual...”, etc, etc, numa primorosa simbiose entre seu parecer e boa parte da caracterização e justificativas presentes no projeto da Regina Kipper Arquitetos. Exemplo disso, está presente na finalização de seu “parecer jurídico”, quando enfatiza que “não se pode deixar de ressaltar que depois da construção da obra da Caixa Econômica Federal pela iniciativa privada e restauração do bem público de relevante valor histórico-cultural (CASARÃO), pelo Poder Público, a Avenida Brasil – Centro vai se tornar um local perfeito para contemplação de duas estruturas arquitetônicas que expressam tempos antigos e modernos em construções tradicionais e arrojadas”.   
Empolgado, o assessor jurídico da FEM, induziu e levou a diretora do DPHC ao encontro de esdrúxulos argumentos para a emissão de seu – um tanto fora de tempo – primeiro ato público do ano: a autorização n° 0001/2010 para construção de “obra no entorno de patrimônio tombado”. O contraste entre a “tradição” e a “modernidade”, nas palavras do advogado da obra, digo da FEM, “ao se mesclar no tecido urbano” rompe com o sentido de ambiência que o mesmo, profundamente equivocado, tenta se apropriar em sua defesa de coisas contrastantes, como “antigo” e “moderno”.
É exatamente o conceito de ambiência analisado com profundidade e maestria pela professora de Direito Administrativo e Urbanístico da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sonia Rabello, que se torna o instrumento mais preciso para pontuar o quanto o modernoso prédio que está sendo construído por Aparecida Valladão da Rosa e Regina Kipper Arquitetos para a Caixa Econômica Federal é dicotômico com o “Casarão” tombado como Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico e Cultural do Estado do Acre. E, mais ainda, com o que estabelece a legislação em vigor, as deliberações do Conselho Estadual de Patrimônio Histórico e as obrigações administrativas da unidade executiva: a FEM.  
Em seu livro “O Estado na preservação de bens culturais – o tombamento”, Rio de Janeiro, Iphan, 2009, Sônia Rabello, analisa com detalhes os condicionantes da aplicação da legislação sobre tombamento do patrimônio histórico nacional, advindos da aplicação dos dispositivos da legislação federal que trata dessa questão e que se constituiu como referência para um conjunto de normas e leis estaduais e municipais em todo o país. O artigo 18 da lei federal em vigor, cuja essência constitui a base do artigo 23 da Lei estadual nº 1.294/99, diz que: “Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Ar­tístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso multa de cinqüenta por cento do valor do mesmo objeto”.
Na reflexão da autora, a visibilidade do bem tombado, exigência da lei, impõe restrições à vizinhança ou ao seu “entorno”, conforme consta na legislação do Estado do Acre. A finalidade de tal restrição é para que o bem imóvel tombado “seja visível e, conseqüentemente, admirado por todos”.
Atentando para um amplo conjunto de ações que tramitaram em diferentes instâncias do Poder Judiciário nas esferas estadual e federal, Sonia Rabelo pontua que a visibilidade foi ganhando uma interpretação menos literal, posto que “não se deve consi­derar que prédio que impeça a visibilidade seja tão somente aquele que, fi­sicamente, obste, pela sua altura ou volume, a visão do bem; não é somente esta a hipótese legal. Pode acontecer que prédio, pelo tipo de sua constru­ção ou pelo seu revestimento ou pintura, torne-se incompatível com a visão do bem tombado no seu sentido mais amplo, isto é, a harmonia da visão do bem, inserida no conjunto que o rodeia”. A finalidade da defesa da visibilidade é, portanto, a “proteção da ambiência do bem tomba­do, que valorizará sua visão e sua compreensão no espaço urbano”.
“Ambiência”, diz a professora, é “harmonia e integração do bem tombado à sua vizinhança, sem que exclua com isso a visibilidade literalmente dita”. Isso, não significa uma restrição ou subtração do conceito de visibilidade presente na lei, como quis fazer crer o assessor jurídico da FEM ao rechaçar o parecer da arquiteta Aurinete Franco Malveira e favorecer a liberação de alvará para a construção de um prédio alienígena ao lado do “Casarão” tombado. Ambiência é uma ampliação do conceito de visibilidade; é harmonia do imóvel tombado com sua vizinhança ou seu “entorno”, com aquilo que está ou vai ser construído ao seu lado ou que é seu vizinho. Mais ainda, porque, como ressalta Sonia Rabello, “não só prédios reduzem a visibilidade da coisa, mas qualquer obra ou objeto que seja incompatível com uma vivência integra­da com o bem tombado”.
Na direção apontada por essa irretorquível reflexão, a única manifestação sensata e coerente com a preservação do “Casarão” tombado nos marcos do que estabelece a legislação, no processo em questão, é a da arquiteta da Fundação Elias Mansour (FEM) que não deixa dúvidas em seu parecer ao afirmar que: o “entorno do bem tombado é a área de proteção localizada na circunvizinhança” do mesmo, cujo objetivo é o de “preservar a sua ambiência e impedir que novos elementos obstruam, reduzam sua visibilidade, afetem as interações sociais tradicionais ou ameacem sua integridade”. A área do entorno, quem fala é ainda Aurinete Franco Malveira, arquiteta da FEM, “não é apenas um anteparo do bem tombado, mas uma dimensão interativa a ser gerida tanto quanto o objeto de conservação”. E, mais ainda, “quando algo é tombado, aquilo que está próximo, em torno a ele, sofre a interferência do processo de tombamento, embora em menor grau de proteção, não podendo ser descaracterizado (...) O tombamento não tem por objetivo ‘congelar’ a cidade ou outro bem. Tombar não significa apenas cristalizar ou perpetuar edifícios ou áreas, sem considerar toda e qualquer obra que venha contribuir para a melhoria da vida na cidade”.
Incrivelmente, foi esse parecer que a diretora do DPHC não aceitou e, quero crer, que não aceitou porque sua “praia é outra” e sua compreensão sobre patrimônio histórico é profundamente limitada e deficiente. Porém, o advogado que presta assessoria jurídica à FEM, sabia que Aurinete Franco Malveira se manifestava nos estritos limites da legislação e baseada em suas experiências e formação no âmbito do próprio patrimônio histórico do Estado do Acre, ou seja, com conhecimento de causa. Não por acaso, José Luiz Gondim dos Santos, manuseou o livro da professora Sonia Rabello, invertendo suas assertivas para desqualificar a pertinência do parecer da arquiteta da FEM. Em outras palavras, a direção do DPHC queria conceder a licença e seu assessor jurídico produziu a retórica farsesca de uma bizarra interpretação “histórico-evolutiva e teleológica” (sic) da lei para lhe conferir a “capa de legalidade” e legitimar o insustentável ato de “autorização de obra [alienígena] no entorno de patrimônio tombado”.
A arquiteta da FEM leu e interpretou de forma coerente a legislação e as reflexões produzidas pela professora Sonia Rabello que retoma o debate sobre questões dessa natureza dizendo que: se “em relação aos bens tombados, a obrigação é de conservar, de fazer a conservação e de não lhes fazer alterações que descaracterizem o bem, com relação aos prédios vizinhos passa-se a exigir que estes não per­turbem a visão de bem tombado, sem que, contudo, tenha de se manter o imóvel tal como é; basta que sua utilização ou modificação não afete a ambiência do bem tombado, seja pelo seu volume, ritmo da edifica­ção, altura, cor ou outro elemento arquitetônico. São, portanto, de ordem e intensidade diversas as limitações feitas ao bem tombado, cujo objetivo é a conservação, e ao bem vizinho, cujo objetivo, não sendo a conservação, é a de não perturbação da ambiência da coisa tombada. Para um a obrigação é a de fazer (conservar), e para outro é de não fazer (não perturbar)”.
Por um lado, o juízo de razoabilidade proposto pelo assessor jurídico da FEM à diretora do DPHC viola a visibilidade-ambiência do “Casarão” tombado no panorama urbano em que o mesmo está inserido, a partir do momento em que se posiciona favoravelmente pela construção do “novo prédio da Caixa Econômica Federal” no lote vizinho, contíguo ao bem sob proteção da lei. Por outro lado, sua noção e juízo de discricionariedade são arbitrários ao não levar em consideração a “perspectiva histórica na busca da cidade humanizada”, como enfatiza o arquiteto Maturino Luz que, citando Gaston Bachelard em sua “Poética do Espaço”, diz que “o ser abrigado sensibiliza os limites de seu abrigo. Vive a casa em sua realidade e em sua virtualidade, através do pensamento e dos seus sonhos. Por conseqüência, todos os abrigos, todos os refúgios, todos os aposentos têm valores de onirismo consoante... O verdadeiro bem-estar tem um passado”.
Um dos aspectos mais burlescos do parecer do assessor jurídico da FEM é argüir que a lei nº 1.294/99, em seu artigo 23 (“No entorno do bem tombado não é permitida qualquer edificação que venha impedir ou reduzir a visibilidade, colocação de cartazes ou anúncios, bem como, qualquer tipo de placas ou letreiros que venham comprometer a imagem ou a estrutura do bem tombado...”), não trata da “delimitação do entorno”, ou seja, não diz qual a metragem para um imóvel ser considerado vizinho do outro. O lado mais patético dessa argumentação é que não se trata de um imóvel que fica há uma ou duas quadras de distância (o que talvez nos deixasse a dúvida se a edificação é ou não vizinha do “Casarão”), mas de uma casa construída em um lote de terra que mede 20 metros de frente, ao lado de um outro lote de terra que tem a mesma metragem e no qual está sendo construído um novo prédio alvo da presente polêmica.
As sanções da lei estadual se aplicam, como ressaltou Aurinete Franco Malveira, perfeitamente ao caso em questão e a tentativa de promover um falso debate sobre os limites do que é “entorno” ou “vizinhança”, como faz o assessor jurídico da FEM, tem como meta não apenas deslocar a discussão para questões irrelevantes sobre quem é ou não vizinho em dois terrenos no centro da cidade de Rio Branco (que juntos medem 40 metros de largura em sua área frontal), mas justificar o injustificável e tentar conferir legitimidade à construção do “novo prédio da Caixa Econômica Federal” que fere a legislação e atenta contra e visibilidade-ambiência do “Casarão”, um bem tombado e sob a guarda e proteção do Estado do Acre, cabendo ao DPHC da Fundação Elias Mansour, garantir sua proteção, preservação e não diminuir, tornar menor, abreviar, compendiar, resumir, apertar, estreitar, limitar, restringir, reduzir sua visibilidade e ambiência.


sábado, 2 de novembro de 2013

Discurso do escritor brasileiro Luiz Ruffato na abertura da Feira do Livro de Frankfurt (2013)

"O que significa ser escritor num país situado na periferia do mundo, um lugar onde o termo capitalismo selvagem definitivamente não é uma metáfora? Para mim, escrever é compromisso. Não há como renunciar ao fato de habitar os limiares do século 21, de escrever em português, de viver em um território chamado Brasil. Fala-se em globalização, mas as fronteiras caíram para as mercadorias, não para o trânsito das pessoas. Proclamar nossa singularidade é uma forma de resistir à tentativa autoritária de aplainar as diferenças.
O maior dilema do ser humano em todos os tempos tem sido exatamente esse, o de lidar com a dicotomia eu-outro. Porque, embora a afirmação de nossa subjetividade se verifique através do reconhecimento do outro --é a alteridade que nos confere o sentido de existir--, o outro é também aquele que pode nos aniquilar... E se a Humanidade se edifica neste movimento pendular entre agregação e dispersão, a história do Brasil vem sendo alicerçada quase que exclusivamente na negação explícita do outro, por meio da violência e da indiferença.
Nascemos sob a égide do genocídio. Dos quatro milhões de índios que existiam em 1500, restam hoje cerca de 900 mil, parte deles vivendo em condições miseráveis em assentamentos de beira de estrada ou até mesmo em favelas nas grandes cidades. Avoca-se sempre, como signo da tolerância nacional, a chamada democracia racial brasileira, mito corrente de que não teria havido dizimação, mas assimilação dos autóctones. Esse eufemismo, no entanto, serve apenas para acobertar um fato indiscutível: se nossa população é mestiça, deve-se ao cruzamento de homens europeus com mulheres indígenas ou africanas - ou seja, a assimilação se deu através do estupro das nativas e negras pelos colonizadores brancos.
Até meados do século XIX, cinco milhões de africanos negros foram aprisionados e levados à força para o Brasil. Quando, em 1888, foi abolida a escravatura, não houve qualquer esforço no sentido de possibilitar condições dignas aos ex-cativos. Assim, até hoje, 125 anos depois, a grande maioria dos afrodescendentes continua confinada à base da pirâmide social: raramente são vistos entre médicos, dentistas, advogados, engenheiros, executivos, artistas plásticos, cineastas, jornalistas, escritores.
Invisível, acuada por baixos salários e destituída das prerrogativas primárias da cidadania --moradia, transporte, lazer, educação e saúde de qualidade--, a maior parte dos brasileiros sempre foi peça descartável na engrenagem que movimenta a economia: 75% de toda a riqueza encontra-se nas mãos de 10% da população branca e apenas 46 mil pessoas possuem metade das terras do país. Historicamente habituados a termos apenas deveres, nunca direitos, sucumbimos numa estranha sensação de não pertencimento: no Brasil, o que é de todos não é de ninguém...
Convivendo com uma terrível sensação de impunidade, já que a cadeia só funciona para quem não tem dinheiro para pagar bons advogados, a intolerância emerge. Aquele que, no desamparo de uma vida à margem, não tem o estatuto de ser humano reconhecido pela sociedade, reage com relação ao outro recusando-lhe também esse estatuto. Como não enxergamos o outro, o outro não nos vê. E assim acumulamos nossos ódios --o semelhante torna-se o inimigo. 
A taxa de homicídios no Brasil chega a 20 assassinatos por grupo de 100 mil habitantes, o que equivale a 37 mil pessoas mortas por ano, número três vezes maior que a média mundial. E quem mais está exposto à violência não são os ricos que se enclausuram atrás dos muros altos de condomínios fechados, protegidos por cercas elétricas, segurança privada e vigilância eletrônica, mas os pobres confinados em favelas e bairros de periferia, à mercê de narcotraficantes e policiais corruptos.
Machistas, ocupamos o vergonhoso sétimo lugar entre os países com maior número de vítimas de violência doméstica, com um saldo, na última década, de 45 mil mulheres assassinadas. Covardes, em 2012 acumulamos mais de 120 mil denúncias de maus-tratos contra crianças e adolescentes. E é sabido que, tanto em relação às mulheres quanto às crianças e adolescentes, esses números são sempre subestimados. 
Hipócritas, os casos de intolerância em relação à orientação sexual revelam, exemplarmente, a nossa natureza. O local onde se realiza a mais importante parada gay do mundo, que chega a reunir mais de três milhões de participantes, a Avenida Paulista, em São Paulo, é o mesmo que concentra o maior número de ataques homofóbicos da cidade. 
E aqui tocamos num ponto nevrálgico: não é coincidência que a população carcerária brasileira, cerca de 550 mil pessoas, seja formada primordialmente por jovens entre 18 e 34 anos, pobres, negros e com baixa instrução.
O sistema de ensino vem sendo ao longo da história um dos mecanismos mais eficazes de manutenção do abismo entre ricos e pobres. Ocupamos os últimos lugares no ranking que avalia o desempenho escolar no mundo: cerca de 9% da população permanece analfabeta e 20% são classificados como analfabetos funcionais --ou seja, um em cada três brasileiros adultos não tem capacidade de ler e interpretar os textos mais simples. 
A perpetuação da ignorância como instrumento de dominação, marca registrada da elite que permaneceu no poder até muito recentemente, pode ser mensurada. O mercado editorial brasileiro movimenta anualmente em torno de 2,2 bilhões de dólares, sendo que 35% deste total representam compras pelo governo federal, destinadas a alimentar bibliotecas públicas e escolares. No entanto, continuamos lendo pouco, em média menos de quatro títulos por ano, e no país inteiro há somente uma livraria para cada 63 mil habitantes, ainda assim concentradas nas capitais e grandes cidades do interior.
Mas, temos avançado.
A maior vitória da minha geração foi o restabelecimento da democracia - são 28 anos ininterruptos, pouco, é verdade, mas trata-se do período mais extenso de vigência do estado de direito em toda a história do Brasil. Com a estabilidade política e econômica, vimos acumulando conquistas sociais desde o fim da ditadura militar, sendo a mais significativa, sem dúvida alguma, a expressiva diminuição da miséria: um número impressionante de 42 milhões de pessoas ascenderam socialmente na última década. Inegável, ainda, a importância da implementação de mecanismos de transferência de renda, como as bolsas-família, ou de inclusão, como as cotas raciais para ingresso nas universidades públicas.
Infelizmente, no entanto, apesar de todos os esforços, é imenso o peso do nosso legado de 500 anos de desmandos. Continuamos a ser um país onde moradia, educação, saúde, cultura e lazer não são direitos de todos, e sim privilégios de alguns. Em que a faculdade de ir e vir, a qualquer tempo e a qualquer hora, não pode ser exercida, porque faltam condições de segurança pública. Em que mesmo a necessidade de trabalhar, em troca de um salário mínimo equivalente a cerca de 300 dólares mensais, esbarra em dificuldades elementares como a falta de transporte adequado. Em que o respeito ao meio-ambiente inexiste. Em que nos acostumamos todos a burlar as leis.
Nós somos um país paradoxal.
Ora o Brasil surge como uma região exótica, de praias paradisíacas, florestas edênicas, carnaval, capoeira e futebol; ora como um lugar execrável, de violência urbana, exploração da prostituição infantil, desrespeito aos direitos humanos e desdém pela natureza. Ora festejado como um dos países mais bem preparados para ocupar o lugar de protagonista no mundo --amplos recursos naturais, agricultura, pecuária e indústria diversificadas, enorme potencial de crescimento de produção e consumo; ora destinado a um eterno papel acessório, de fornecedor de matéria-prima e produtos fabricados com mão de obra barata, por falta de competência para gerir a própria riqueza.
Agora, somos a sétima economia do planeta. E permanecemos em terceiro lugar entre os mais desiguais entre todos...
Volto, então, à pergunta inicial: o que significa habitar essa região situada na periferia do mundo, escrever em português para leitores quase inexistentes, lutar, enfim, todos os dias, para construir, em meio a adversidades, um sentido para a vida?
Eu acredito, talvez até ingenuamente, no papel transformador da literatura. Filho de uma lavadeira analfabeta e um pipoqueiro semianalfabeto, eu mesmo pipoqueiro, caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro-mecânico, gerente de lanchonete, tive meu destino modificado pelo contato, embora fortuito, com os livros. E se a leitura de um livro pode alterar o rumo da vida de uma pessoa, e sendo a sociedade feita de pessoas, então a literatura pode mudar a sociedade.

Em nossos tempos, de exacerbado apego ao narcisismo e extremado culto ao individualismo, aquele que nos é estranho, e que por isso deveria nos despertar o fascínio pelo reconhecimento mútuo, mais que nunca tem sido visto como o que nos ameaça. Voltamos as costas ao outro --seja ele o imigrante, o pobre, o negro, o indígena, a mulher, o homossexual-- como tentativa de nos preservar, esquecendo que assim implodimos a nossa própria condição de existir. Sucumbimos à solidão e ao egoísmo e nos negamos a nós mesmos. Para me contrapor a isso escrevo: quero afetar o leitor, modificá-lo, para transformar o mundo. Trata-se de uma utopia, eu sei, mas me alimento de utopias. Porque penso que o destino último de todo ser humano deveria ser unicamente esse, o de alcançar a felicidade na Terra. Aqui e agora."


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Por causa do discurso, brasileiro sobre duras críticas por parte da imprensa governista.


terça-feira, 22 de outubro de 2013

O Estado do Acre não mudou! Mesma PATRONAGEM se sempre


Patronagem é o fenômeno social baseado na relação através da qual se torna possível o acesso a bens, recursos, serviços e mesmo posições sociais que, de outra forma, não poderiam ser obtidos. 

Trata-se de um vinculo pessoal, vertical, entre indivíduos de status, poder e riqueza diferentes, uma relação assimétrica que se expressa mesmo através de uma troca desequilibrada, com fluxos de natureza distinta.

De um lado feriamos, emprego e auxilio em ocasiões diversas e, de outro, deferência, lealdade, serviços; do outro, votos e subserviência. 

Ainda que seja uma relação de cunho particularista, marcada pela informalidade, a patronagem envolve uma série de regras e expectativas, implicando em obrigações interpessoais. Confiança e reciprocidade são elementos fundamentais, garantindo a continuidade dos fluxos e da própria relação.



quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Mapa da desigualdade em 2013

Mapa da desigualdade em 2013: 0,7% da população detém 41% da riqueza mundial

Nova pesquisa revela que PIB mundial atinge maior valor da história, mas divisão segue extremamente desigual


Cinco anos depois do início da crise econômica mundial, marcada pela quebra do banco norte-americano Lehamn Brothers, os indicadores financeiros seguem apontando para uma concentração da riqueza ao redor do globo. De acordo com o relatório "Credit Suisse 2013 Wealth Report", um dos mapeamentos mais completos sobre o assunto divulgados recentemente, 0,7% da população concentra 41% da riqueza mundial.

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Em valor acumulado, a riqueza mundial atingiu em 2013 o recorde de todos os tempos: US$ 241 trilhões. Se este número fosse dividido proporcionalmente pela população mundial, a média da riqueza seria de US$ 51.600 por pessoa. No entanto, não é o que acontece. Veja abaixo o gráfico da projeção de cada país se o PIB fosse dividido pela população:



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A Austrália é o país com a média de riqueza melhor distribuída pela população entre as nações mais ricas do planeta. De acordo com o estudo, os australianos têm média de riqueza nacional de US$ 219 mil dólares.

Apesar de serem o país mais rico do mundo em termos de PIB (Produto Interno Bruto) e capital produzido, os EUA têm um dos maiores índices de pobreza e desigualdade do mundo. Se dividida, a riqueza dos EUA seria, em média, de mais de US$ 110 mil dólares. No entanto, é atualmente de apenas US$ 45 mil dólares - menos da metade.

Entre os países com patrimônio médio de US$ 25 mil a US$ 100 mil, se destacam emergentes como Chile, Uruguai, Portugal e Turquia. No Oriente, Arábia Saudita, Malásia e Coreia do Sul. A Líbia é o único país do continente africano neste grupo. A África, aliás, continua com o posto de continente com a menor riqueza acumulada.

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Mesmo com o crescimento da riqueza mundial, a desigualdade social continua com índices elevados. Os 10% mais ricos do planos detêm atualmente 86% da riqueza mundial. Destes 0,7% tem posse de 41% da riqueza mundial.

Veja no gráfico abaixo a pirâmide da riqueza. Apenas 0,7% da população detém US$ 98,7 trilhões de dólares:


Os pesquisadores da Credit Suisse também fizeram uma projeção sobre o crescimento dos milionários ao redor do mundo nos próximos cinco anos. Polônia e Brasil, com 89% e 84% respectivamente, são os países que mais vão multiplicar seus milionários até 2013. No mesmo período, os EUA terão um aumento de 41% do número de milionários, o que representa cerca de 18.618 de pessoas com o patrimônio acima de 1 milhão de dólares.

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Em meados deste ano, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) divulgou um estudo sobre o crescimento da desigualdade social nos países desenvolvidos, como consequência da crise financeira.

A organização diz que o número de pobres cresceu entre 2010 e 2011 em 14 das 26 economias desenvolvidas, incluindo EUA, França, Espanha e Dinamarca. Nos mesmos países, houve forte aumento do desemprego de longa duração e a deterioração das condições de trabalho. Atualmente, o número de desempregados no mundo supera os 200 milhões.

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Em contrapartida, entre os países do G20, o lucro das empresas aumentou 3,4% entre 2007 e 2012, enquanto os salários subiram apenas 2,2%.

Segundo informações da imprensa europeia, na Alemanha e em Hong Kong, os salários dos presidentes das grandes empresas chegaram a aumentar 25% de 2007 a 2011, chegando a ser de 150 e 190 vezes maiores que o salário médio dos trabalhadores do país. Nos Estados Unidos, essa proporção é de 508 vezes.

Wikicommons
Centro comercial em Hong Kong: um dos maiores centros empresariais e de riqueza do mundo

América Latina

Na contramão das grandes potências, a situação econômica e social da América Latina melhorou. Entre 2010 e 2011, 57,1% da população dos países da região estava empregada, um ponto percentual a mais que em 2007, último levantamento antes da crise financeira internacional.

Em alguns países, como Colômbia e Chile, o aumento superou quatro pontos percentuais. Com o aumento do trabalho assalariado, cresceu também a classe média. Na comparação entre 1999 e 2010, a população dentro do grupo social cresceu 15,6% no Brasil e 14,6% no Equador.

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No entanto, a OIT destaca que a região ainda enfrenta como desafios a desigualdade social, maior que a média internacional, e o emprego informal. A média da região é de 50%, sendo que em países mais pobres, como Bolívia, Peru e Honduras, supera os 70%.

Em todo o mundo, a organização afirma que há mais de 200 milhões de desempregados. A expectativa é que, ao final de 2015, esse número chegue a 208 milhões.