terça-feira, 31 de março de 2009

Autonomia do Acre

FONTE: Acervo do Patrimônio Histórico do Acre.
PERIÓDICO: ACREANO – Orgão do Club Politico 24 de Janeiro DATA: Ano III – 22 de agosto de 1909. Nº 52 LOCAL: Xapuri-AC PÁG. 01 COL. 01, 02 Autonomia do Acre Passamos para as nossas columnas o seguinte artigo que, em sua secção Actuallidade, publicou a “Provincia do Pará” de 15 de maio, último findo. É uma manifestação espontânea daquelle grande órgão matutino da imprensa belemense sobre a nossa actual emergência política, quando arrassavam lá fora ¾ além fronteira do território do Acre e principalmente deste Departamento ¾ alarmantes e aterradoras notícias sobre a ordem e paz interna desta grande e rica Região. Quizeramos que todos os arautos da imprensa, em sua funcção livre e civilizadora, em nosso Paiz comprehender e cumprir os seus deveres de patriotismo e abnegado civismo, captivando em mais a nossa gratidão em lances de tal natureza, tomando a si a defesa de nossa causa, fazendo propaganda de nossas idéas, tornando conhecidos os princípios e bases de nossa campanha, augusta aspiração de um povo patriota que quer ver firmada a garantia de seus direitos, mas que sente verdadeira repulsa pelo derramamento de sangue de seus irmãos. Manteremos a nossa campanha tal qual se acha, não desfalleceremos um só instante e iremos sempre avante, quer seja na arena da imprensa, na tribuna pública ou pelas commissões diplomáticas, envidando todos os esforços, empenhando todas as nossas másculas energias, mas não chegaremos ao extremo da lucta armada degladio do desespero, pois que é inverso aos nossos sentimento e, estamos bem certos, o Governo Federal, com a puresa dos elementos de quase achar composto, não consentiria nunca que chegasemos a tão nefasta collisão. Barão do Rio Branco, Francisco Sá e Esmeraldino Bandeira, são garantias seguras e firmes das nossas mais nobres esperanças, quando se trata da actual situação política do Território do acre, questão de interesse nacional, que aviventa o patriotismo de todos os brasileiros, com responsabilidade na vida pública despertanto..............tensão e concitando-lhes o seu civismo. É o clamor de um povo apresso pela falta de execução de seus direitos, estatuídos e farantidos pela Constituição do Paiz, mas empanados pelas ferrenhas disposições de um regulamento de momento, sem fundo constitucional, e com veras de uma lei permanente. Pugnamos pelos nossos direitos, defendemos os interesses dos acreanos, a cujos serviços nos achamos, e não transigiremos um só instante da conducta que nos foi traçada pelo nosso prestimoso chefe e presado director coronel Antonio Antunes de Alencar que nesta questão, como em todos os seus actos públicos, e puritano é invulnerável. Tendo o coronel A. Antunes tomado parte activa em todo o movimento revolucionário do Acre, desde o seu inicio, assumindo posição saliente e imponde-se ao respeito e estima de seus companheiros, delineando planos de combates, traçando schema de estratégia ou executando com firmeza e sangue frio qualquer ordem expressa de quem, na occasião, superentendia o movimento revolucionário, e alliando a geral sympathia de que .......... o seu bem quisto nome, foi logo posto em evidencia para assumir a direção de tal campanha, voltando-se para elle todas as esperanças dos acreanos. E, realmente, mais de uma vez tem ....... dado provas de sua alta capacidade e ........................... conduzir os negócios de .............................. havendo-se sempre com proveito, não .............. sua dignidade, nem submettendo-se passivamente as arbitrariedades dos........ Não obstante isto, porém é .................. um espírito ordeiro, cheio de fervoroso respeito aos preceitos legais, conciliador por principio e habito, acalmando todas as dês................... que lhe são affectas, não comprehendendo nem conformando-se com desavença entre amigos, quando trabalham para a ....................... do mesmo fim. Não será pois este illustre cidadão, sob o influxo de tais, sentimentos, incontestes, quem na direcção suprema desse movimento de reivindicação dos direitos dos acreanos dará......... ao degladio entre irmãos, engrecendo os louros da conquista passada, onde estrangeiros invasores foram acolhidos e tratados com carinhos de irmãos. S. S. é con...dador comprehender a responsabilidade de sua investidura, avalia de relance a gravidade da situação, verifica a intransigência dos acreanos em não supportarem por mais tempo o actual estado de cousas, convoca então os seus amigos, que representam a quase totalidade dos habitantes do Acre......... assentada geral, fica deliberado fazer-se uma representação escripta circunstanciada e bem fundamentada ao Governo da Republica expondo a situação dos acreanos e solicitando providencias que nos viessem tirar de tal marasmo. Tal mensagem foi levada ao Rio de Janeiro por uma commissão especial de acreanos .................; que d’aqui partiram ainda em dias de Maio, cobertos de applausos pelos seus compatriotas e estuantes de enthusiasmo e esperanças pela justiça de causa que iam defender. Quem assim precede não quer lucta, nem pensa em derramamento de sangue. Os acreanos, salvo inopinada e effervecente resolução, provocada por imprevista situação, não sahirão jamais da dignidade de sua attitude pacifica e de exemplificador..................... __________ ACTUALIDADE A Autonomia do Acre Não somos, nem podemos ser radicalmente contrários a projectada autonomia do Acre. Essa aspiração legitima por um governo seu, onde exerçam as principaes posições administrativas os representantes das massas populares alli domicilliadas obedecendo a um conjuncto de disposições legaes, por elles creadas em face das

terça-feira, 24 de março de 2009

Acreano, sim! Acriano? Deve ser algum alienígena

José Augusto Fontes - * Cronista acreano e juiz de Direito 22-Mar-2009 fonte: jornal p-20
Até agora eu estava quieto com essa nova regra ortográfica que, conforme tenho escutado e lido, faz com que a grafia de acreano passe a ser acriano. Esperei por professores, mestres, por dois ou três doutores da Língua Portuguesa que, com mais técnica e clareza do que eu, escrevessem a respeito. Esperei pelas autoridades institucionais da Cultura e da Educação... Até pelos congressistas, esperei. Como há prazo para agir, vou eu mesmo defender minha naturalidade.
Sobre o Acordo Ortográfico, deve-se deixar claro que sua intenção é padronizar a escrita entre nações lusofônicas (Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Guiné Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Timor Leste) para facilitar, em geral, o trato e o uso da língua, buscando também um maior reconhecimento internacional. Não há intenção de modificar a tradição lingüística, tampouco de alterar substancialmente a grafia de palavras vinculadas, por exemplo, pela historiografia, pela tradição, ou vinculadas a nomes, firmas ou à naturalidade de um povo.
Acreano diz respeito a uma naturalidade. Quem nasce no Estado do Acre é acreano. Há também os acreanos por opção. E é assim há muito tempo, o que envolve toda uma História, uma bela e respeitável História. Há tradição e sentimento. Há cultura e laço social. A grafia acreano não é assim como um sujeitinho que se muda ao vento que vem de longe, nem é como um predicado que pode variar, como se fosse um apelido. Ser acreano não é algo que se adjetiva ou diminui por acordos, regras ou tratados. Acreano não é uma palavra para ser vista pelas vogais que a compõem, átonas ou não, mas por todo o conjunto que personifica uma boa gente.
Ser acreano é algo único, é aptidão revolucionária, é a caracterização de um povo, e isto não é mutante. Ser acreano é perene! Até mesmo o pessoal que faz política vinte e quatro horas por dia, sem enxergar o palmo adiante, deve ter alguma sensibilidade para entender a regra da acreanidade. Essa regra é ditada pelos acreanos. Será que teremos que mudar a letra do Hino Acreano? Ou por outra, será que o Sérgio Souto vai ter que ficar mais solto e modificar o aquiry para acriri? E se mudasse, como explicar para os índios, que possuem a patente e fincaram a lança? Como justificar isso para todo um povo?
Vou mudar o rumo. Descer de bubuia tem conotação específica, é uma expressão amazônica de personalidade bem talhada. A palavra bubuia tem várias vogais que se encontram. Se alguns sabidos resolvem criar uma regra, pra português ver, e tornam a palavra em bubuiá, ou em bubuea e depois nos contam a conversa da regra, como nós a explicaremos para os ribeirinhos, ou para os seringueiros, por exemplo? Eles vão achar que nós estamos variando! Para o povo que patenteia, pelo uso, uma expressão, não é só a grafia que a denota. A grafia corresponde, invariavelmente, a algo que se materializa num contexto.
A palavra acreano tem vínculo e tem contexto só dela. É diferente de palavras desvinculadas, como estrangeiro, ingênuo ou burro. A palavra acreano tem especificidade e está gravada em nosso peito, com nobreza, constância e valor. Pois bem. Quem foi mesmo o sabido que aplicou a “regra nova” à palavra acreano e inventou o alienígena acriano? Deve ter cabeça de tucandeira! Muito bem. Vamos ao ponto, mas sem dar muito ponto para regras. Pouco interessam as vogais átonas ou os is antes disso e daquilo. Isto tudo é um hiato, diante do significado da palavra acreano.
Quando fiz Letras, com licenciatura plena, se fazia Língua Portuguesa junto com Língua Inglesa e com várias literaturas, como a Americana, a Inglesa, a Portuguesa e a Brasileira. Só digo isto para afirmar que nunca vi uma naturalidade ser mudada por regra nenhuma. E que mesmo estudando as regras, sempre considerei mais interessante conhecer a beleza comunicativa das línguas, a tradição lingüística, as criações e regionalismos, a palavra contextualizada. Por isso, não me interessa buscar apenas regras para justificar que acriano é uma palavra incoerente, inadequada e imprópria para naturalizar quem nasce no Acre. A palavra acreano, insisto, é vinculada a uma raiz histórica, tem a tradição de identificar um povo e está imune a uma simples regra ortográfica relacionada a palavras com encontro de vogais, sejam elas átonas, tônicas ou alienígenas.
Meu argumento não pretende ter essência técnica nem especialização acadêmica. Parto da lógica, da simplicidade no uso da língua, da tradição, e até rabisco pequenos traços da etimologia. Sempre tive comigo que o principal das línguas é possibilitar a boa comunicação entre seus usuários. Normas que dificultam o entendimento entre as pessoas, a interação e a comunicação em geral, são coisas para teóricos. São fantoches e estão em plano inferior, pois servem a poucos.
O que deve interessar nos idiomas, em qualquer deles, é proporcionar aos seus usuários uma boa interação, e que se relacionem melhor com o uso da língua comum. Regras são secundárias. No cerne, a língua existe para facilitar a comunicação entre as pessoas que a usam. E serve também, entre outras coisas, para escrever a história do povo falante, registrar eventos, evolução social e idéias, por exemplo. O próprio Acordo entre nações que falam Português pretende exatamente facilitar o entendimento e a comunicação entre as pessoas. Parece óbvio que um acordo ortográfico com tal pressuposto não pretenda impor a um povo que mude a grafia de sua naturalidade.
Uma palavra como acreano tem vinculação (histórica e cultural, dentre outras) e a simples aplicação da regra a sílabas tônicas ou átonas não a desvincula da sua essência e da personificação que a envolve. Então, as pessoas não devem se preocupar em escrever acriano por causa do pressuposto (enganoso) de escrever o que passou a ser correto. O certo mesmo é que a reforma, o Acordo e a regra não podem ser capazes de mudar a grafia de uma naturalidade, em palavra de uso consagrado pelo povo.
O mesmo acontece, por exemplo, com os nomes próprios. Há Ernandes, Ernanes, Hernande e até Ernani. É impossível unificar tais nomes ou impor apenas uma grafia, com base em dada regra ortográfica. Cada um deles, no ente que o incorpora, tem identidade própria, tem personificação e contexto independente. Outra hipótese. A trema deixou de existir completamente, conforme a norma. Porém, ninguém pode tirar a trema de Müller, por exemplo. É que Müller está vinculado a uma identificação e tem uma raiz própria. Logo, a trema fica nesses nomes, mostrando exceção à regra.
Vou misturar idéias sobre isto. Havia um jornalista acreano chamado Fé em Deus, cujo nome era escrito Pheyndews. Dizem que não foi permitido registrar no modo pretendido, que seria mais simples. A regra não deixou, mas a criatividade patenteou a fé. Há famílias acreanas com sobrenome Brasileiro do Acre... Há uma raiz nisso. Imaginem se alguma nova regra ordenasse que os naturais do Rio de Janeiro passassem a ser careocas? Os da gema passariam a ser da clara? Ou então, por outro prisma, vamos supor que alguma regra surgisse e exigisse das pessoas que moram, aqui em Rio Branco, no bairro Papôco, uma boa explicação sobre a origem do nome, sob pena de o bairro passar a ser chamado de Silêncio? O pipoco seria arrumado e não teria galo piroco que desse jeito!
Por isso, a regra pela qual o acreano se torna perene envolve paixões. Paixão não é como simples apego a normas. Paixão quebra tabus, rasga regras e desafia padrões. E a paixão de ser acreano está bem acima de vogais, existe antes da florestania, ignora a academia, não tem hiato nem discurso, tem História e glória, está no sentir e no viver! Apenas para não fugir completamente da regra, vou pinçar alguns de seus trechos. Em um deles, o texto do Acordo, na Base XXI, esclarece que, para ressalva de direitos, pode-se manter a grafia original de firmas comerciais, assinatura de nomes próprios ou de sociedades, de marcas e de títulos publicamente registrados.
Ora, se é assim com esses, fica evidente, com maior razão, que poderá ser mantida a palavra acreano, na grafia histórica e consolidada, que denota um povo e que identifica uma naturalidade!
Tenho notado que as pessoas estão preocupadas em escrever “certo”, ou em não escrever “errado”. Alguém escreve acriano em algum lugar, e logo aduz que está assim em razão da nova ortografia. Dias atrás, li uma notinha que trazia escrito o tal acriano e o autor fazia um lembrete, assim como: ‘não esqueçam, agora é assim que se escreve’. Só faltou dizer que é assim que se escreve acreano.
Outros, mais didáticos, lascam uma explicação: ‘escrito assim em obediência à nova grafia correta, conforme regra tal, ditongo fulano e hiato sicrano’. É uma festa de barracão, sem luz de lamparina, sequer. Recebi convite no trabalho para uma reunião com colegas acrianos. Fiquei triste. Vi propaganda na TV de um supermercado cheio de si por ser acriano. Não duvido que em breve os produtos nativos sejam lá vendidos como importados de Portugal. Açaí do Porto, buriti lavado no Tejo, banana lisboeta. Até a farinha será d’além mar, da ilha da Madeira, local também muito conhecido por suas florestas com espécies evoluídas e atualmente corretas de Pau Brasil, Castanheira e Samaúma.
Caso alguém queira aprofundar o debate, a palavra acreano subsistirá, inclusive, pela aplicação da ortografia etimológica, que indica a preservação nas palavras, das suas letras de origem, e essa aplicação, se conjugada com a essência da palavra a caracterizar o berço de uma gente, certamente apontará para o acreano original. Mudar acreano para acriano desvirtua e desnatura o que é natural, subtrai toda a carga histórica, detona o arcabouço cultural e fere o sentimento de um povo. Além disso, acriano é palavra feia, desconexa, sem turma nem simpatia, totalmente fora de contexto.
Acriano é um engano. O que pode justificar que acriano é certo e acreano é errado? Encontro de vogais abertas, átonas, ou ter que escrever o i aqui e ali? Que nada! É só empurrar um pouco o pensamento que a regra desce, por assim dizer. Não vou me ocupar em traduzir normas, mas ainda vou citar o próprio texto do acordo, neste particular. O tal acordo ortográfico estabelece isso e aquilo com relação às sílabas, vogais átonas, aos adjetivos e outras coisas mais.
São linhas gerais, e ortografia nada mais é do que uma convenção social. Quero dizer que o sentido, a naturalidade que evoca, e o valor histórico patenteado na palavra acreano estão muito além dos ditongos e a tônica é outra. Aí sim, acreano está além mar. Não há regra para mudar isto. Aliás, nem mesmo a regra pretende tal mudança. Sua origem e seu objeto se prendem a facilitar o entendimento entre povos de Língua Portuguesa. Logo, está longe da regra a intenção de modificar o bem natural e a herança social de um povo.
Se filólogos e especuladores preferirem, posso dizer de um modo mais técnico, o mais apurado que consigo: essa conversa de escrever acriano, que não sei de quem partiu nem de onde veio, é fiada. Nem vou me valer da tese de que toda regra tem exceção, embora seja pertinente ao caso. Há argumentos variados. Um argumento da lógica, é que a novidade não surge para modificar a essência do que existia, pois se assim fizesse, acabaria com o que estava e não aconteceria uma mudança, mas uma eliminação.
A essência deve ser preservada, do contrário, restará desfigurado o que havia. Neste âmbito, deve prevalecer a etimologia relacionada à vinculação da palavra com um grupo social. E o essencial é que a palavra acreano caracteriza uma naturalidade e nos identifica. Isto traz em si componentes históricos e culturais inestimáveis. Embute sentimentos. Agrega tradições imutáveis. Sendo assim, está bem adiante de mera regra ortográfica.
O próprio texto do Acordo sustenta minhas afirmações. Na Base V, que trata especificamente do caso das vogais átonas (parte que modificaria, em tese, acreano para acriano), se lê no item 1º que “o emprego do e e do i, assim como o do o e do u, em sílaba átona, regula-se fundamentalmente pela etimologia e por particularidades da história das palavras...”.
Ora, o emprego é determinado pela história da palavra e pela etimologia! Além deste efetivo amparo à manutenção da palavra acreano, no Acordo há vários exemplos de exceções às regras e há também vários deles em que se permite a grafia alternativa, em relação a palavras ou a acentos. Na Base VIII se possibilita grafar bidé ou bidê, croché ou crochê, dentre outras formas.
Na Base IV, é possível manter ou suprimir o g em amígdala, por exemplo. Na Base II, pela etimologia se mantém o h em herbáceo, mas pela consagração do uso ele permanece suprimido em erva. E para não ficar muito longa a menção à regra, digo, por fim, que a Base III aborda a diferença no emprego de homofonia, regulado pela história das palavras e que o item 3º da Base I aponta que os vocábulos autorizados registrarão grafias alternativas admissíveis. Então, nenhuma rigidez é imutável na regra ortográfica, como também não é na vida. E a língua é personificada na vida das pessoas, pelo uso, pela significação, pelo contexto histórico e pela tradição, como ocorre com a palavra acreano.
Antonio Houaiss foi um dos idealizadores do Acordo Ortográfico firmado em 1990, e que passou a vigorar em 2009. Após o falecimento dele, em 1999, suas propostas continuaram impulsionando a formatação das etapas seguintes. Em 2008 adveio a obra ‘Escrevendo Pela Nova Ortografia’ (2ª edição. Rio de Janeiro: Instituto Antonio Houaiss. Publifolha, 2008), na qual se lê: “Uma língua é muito mais que um meio de comunicação; ela é, sobretudo, um patrimônio historicamente construído pelas sociedades que a falam e, em muitos casos, também a escrevem... As variedades de uso fazem parte da língua e jamais estão sujeitas aos efeitos de atos normativos emanados de qualquer autoridade pública... Unificação ortográfica nada tem a ver com uniformização da língua. As línguas são como são em virtude do uso que seus falantes fazem dela, e não de acordos de grupos ou de decretos de governo”.
O texto do mestre não deixa dúvidas, a língua é do povo e a consolidação das palavras advém do uso pelos falantes. Ainda assim, é sempre bom assegurar amparo efetivo. As autoridades (da Educação, da Cultura, das universidades, do Poder Público em geral e da política) e os acreanos interessados (as academias, inclusive) devem providenciar, com brevidade, ações para a manutenção da grafia histórica, tradicional e correta da nossa naturalidade, também nos dicionários e na norma.
O Acordo está em vigor, mas há um prazo para adequações que termina em 1º de setembro deste ano. Apresento para as autoridades, o endereço eletrônico de contatos referentes a adaptações e mudanças: acordo-ortografico@mec.gov.br. Este endereço de e-mail está protegido contra spam bots, pelo que o Javascript terá de estar activado para poder visualizar o endereço de email Porém, o decreto governamental que regulamentou o Acordo (nº 6.583/2008) prevê (em burocracia absurdamente grave) aprovação de mudanças revisionais pelo Congresso Nacional, até em casos de ajustes, quando “gravosos ao patrimônio nacional”. A rigor, não é o caso. Mas sabe-se lá se não será assim entendida a hipótese, pelos burocratas? E aí já se viu que nada será fácil para os acreanos, e pior ainda, se persistir o ‘deixa estar’ atual.
Contudo, a idéia principal deve ser buscar a simples manutenção da palavra acreano por força dos argumentos acima, tais como: tradição, conteúdo histórico, palavra vinculada e inteiramente ligada à naturalidade de um povo, patenteada pelo sentimento e consagrada pela etimologia, a afeição popular e o completo desgosto dos acreanos pela mudança (injustificada e inaceitável), o que já é notório.
Tocante a isso, a Academia Brasileira de Letras deve ser buscada, pois é instituição com total influência a respeito desse tema, e que resolverá, com autoridade, as várias dúvidas e adaptações para o uso geral da língua e também para os novos dicionários. Já ocorreram outros acordos, que não deram certo porque alguns países (Portugal, principalmente) não aceitaram modificar partes importantes da história de palavras que seriam mudadas. Atualmente, o Português é falado por mais de 220 milhões de pessoas em todo o mundo, sendo mais de 86% de brasileiros. Portanto, o Brasil tem primazia e o Acre é brasileiro! E nós queremos a manutenção da grafia acreano, regulamentada já agora no período de transição.
As línguas são usadas no convívio das pessoas, nas interações, na estruturação social, acompanhando a tradição histórica, exatamente, para facilitar o entendimento. A ortografia nada mais é que uma convenção sobre uma parte do uso da língua, relacionada à escrita. Logo, mudança em pequena parte do conjunto de uma língua, ou seja, na ortografia, não capacita nem dá alicerce para a mudança social muito maior que seria mudar a grafia da naturalidade de um povo. A regra é para os átonos e é cheia de hiatos. Não alcança palavras que caracterizam uma espécie, um local geográfico ou uma nacionalidade, por exemplo.
O Acordo não pode mudar expressões de caráter personalíssimo, como um nome próprio ou uma naturalidade. Então, adiante da regra, está a ordem natural das coisas. Está a lógica. Estão o valor histórico, a bagagem cultural, a identidade de um conjunto social. Muito adiante da regra estão a personificação de um povo e sua herança de tradições e conquistas. A certeza de ser acreano está em toda nossa gente, que nunca foi nem se sentiu acriana. E é essa mesma gente que pode afirmar, sem medo de errar, que acreano é o certo, sim! Acriano? Deve ser algum alienígena. Quem escreve acriano é muito descuidado. Ou não sabe sentir o que é ser acreano!

quarta-feira, 18 de março de 2009

Entrevista do economista Roberto Santos

Entrevista concedida à jornalista Simone Romero, publicada em O Liberal, no dia 12.08.2007, no caderno Poder. ▪ Na década de 1980 o senhor publicou o que, até hoje, faz parte da bibliografia básica para se entender o processo de desenvolvimento da Amazônia. Esse livro é o 'História Econômica da Amazônia'. Se o senhor fosse escrever uma segunda parte desse livro, incluindo os fatos recentes ocorridos na economia amazônica, o que destacaria? Com certeza eu não escreveria mais aquele livro do jeito que ele foi escrito na época, e sim um outro livro, destacando novas realidades. Os fatos a que eu daria maior importância não seriam mais aqueles a que dei importância em 'História Econômica da Amazônia', porque a Amazônia mudou e está mudando muito. As alterações climáticas e suas conseqüências na forma como o mundo vê atualmente a região seria um ponto importante a ser levantado dentro dessa nova perspectiva histórica. As mudanças no clima interferem e vão interferir ainda mais na forma como a economia se desenvolverá na região. Principalmente no que diz respeito a novas práticas de desenvolvimento. Um outro ponto novo que eu destacaria é a sociedade amazônica. O homem amazônico mudou, então qualquer livro que venha ser escrito nesse sentido precisa abranger a mudança fantástica ocorrida com a incorporação das preocupações ambientais e com as alterações sociais que atravessamos. ▪ Que mudanças são essas que o senhor enxerga na sociedade Amazônica? De que forma mudamos? ▪ Identifico uma sociedade envolvida em novas tentativas de desenvolvimento, em busca de novos caminhos para o crescimento e envolvida também com novos empreendimentos, mesmo que o que se tenha conseguido até agora ainda seja muito pouco. Por exemplo, é uma sociedade que se dedicou à busca de novos empreendimentos econômicos em setores como o florestal e o mineral. Essa realidade é bem diferente daquela na ocasião em que eu escrevei aquele livro. Hoje temos uma Amazônia mais amadurecida, que busca tratar de si mesma, nem sempre com muito sucesso, mas pelo menos de uma forma diferente. Por exemplo, é verdadeiro que a Amazônia mudou com o avanço nos investimentos no setor mineral. Há uma nova indústria nascendo. Isso representa uma grande mudança para a Amazônia. Espero que isso represente também uma grande mudança para a economia amazônica. Com relação à questão dos royalties, é possível ver que os municípios têm avançado um pouco nas suas tentativas de desenvolvimento. Não estão paralisados como estavam outrora, na velha Amazônia. Você vê Marabá e outros municípios empreendendo e tentando coisas novas. Isso significa que obtivemos um sucesso relativo no avanço econômico da Amazônia Oriental. ▪ O pesquisador Samuel Benchimol, já falecido, tinha uma tese em que afirmava que se os países desenvolvidos queriam conservar a Amazônia, deveriam remunerar o Brasil por esse serviço ambiental. O senhor, que conheceu bem o professor Benchimol, acredita que o mercado de créditos de carbono é, de certa forma, uma resposta positiva a essa tese? Eu achava e acho essa tese do Samuel Benchimol muito bem formulada. Genialmente formulada como, aliás, eram todas a coisas que o Samuel Benchimol fazia. De uma forma geral, a idéia era de que uma parte dos países, especialmente os mais ricos, deveria contribuir para a criação de um fundo para ser aplicado no desenvolvimento econômico dos países mais pobres. Ainda acredito que isso é uma grande idéia, mas não tenho visto muita coisa nesse sentido sendo implementada no mundo. Os créditos de carbono talvez apontem nesse caminho, mas não tenho uma análise mais profunda sobre esse assunto. ▪ A história da indústria paraense pode ser descrita como uma sucessão de ciclos. Na década de 1960 tínhamos um parque industrial consolidado que, no entanto, entrou em decadência por não conseguir se modernizar e fazer frente aos produtos vindos de outras regiões mais industrializadas. Nas últimas décadas, no entanto, esse segmento voltou a se aquecer. Teremos mais sorte dessa vez? Acho que sim, inclusive porque a maneira como essa indústria está se implantando é totalmente distinta daquela que se consolidou no passado. Temos aqui uma indústria já bastante autônoma, prometendo grandes realizações. Atenta ao que acontece no mundo e buscando novos mercados a atualização tecnológica. Isso é totalmente o inverso do que existia aqui na década de 1960. ▪ E enquanto as cidades de urbanizam e o Estado vive um ciclo de modernidade, no meio rural as relações de trabalho ainda, em muitos casos, continuam a ser servis.... Em parte isso ocorre por causa do fenômeno que socialmente norteou a rede de desenvolvimento rural na Amazônia, que era a rede do 'aviamento'. Foi essa rede que historicamente sustentou a existência de uma sociedade rural. Por exemplo, no período da borracha, o aviamento era a forma corrente de relação de trabalho. Ainda existe muito aviamento no Acre e em algumas zonas do interior do Pará. Agora, o que está havendo de mais novo e mais terrível aqui na nossa região é a resistência de focos de escravidão. Não só a escravidão efetiva, mas a escravidão disfarçada que atinge famílias provenientes de outras regiões, principalmente do Nordeste, que vêm para o Pará e aqui se estabelecem empregadas em um sistema de falso aviamento. ▪ Por outro lado, um fenômeno também observado no Estado é o aquecimento das economias municipais e, como conseqüência, o surgimento ou a consolidação de movimentos separatistas. Qual a sua opinião sobre a possibilidade de divisão do Estado? Não há dúvida de que essa tese do separatismo está posta e que determinados segmentos da população lutam dentro das frentes para que a redivisão territorial se concretize. Do ponto de vista econômico acredito que há viabilidade para a criação de novos estados. Pessoalmente, porém, eu não desejo que isso aconteça. Acho que sentirei saudades do Pará como ele era. ▪ Fazendo um exercício de futurologia, como estará o Pará daqui há 20 anos? Desde que o Herman Kahn (conhecido futurólogo norte-americano) desapareceu do cenário eu não pego em estudos de futurologia. Mas, veja, podemos fazer algumas tentativas. Por exemplo, você pode ir analisando os fatos que estão acontecendo para prever os que vão acontecer, e esse era o método de futurologia que nós mais usávamos. Então vamos analisar o que está acontecendo no Pará. O Estado vive um momento de expansão da atividade minerária e, ainda, um meio rural que se moderniza com o avanço da agroindústria e com a obtenção de maior produtividade no campo. A partir desses pontos podemos prever que o Estado viverá um avanços notável na sua economia que não exigirá 20 anos. Talvez isso ocorra até num futuro mais próximo. Isso implicará um aumento da mão-de-obra no setor industrial e um aumento da mão-de-obra rural. Eu sempre fui um otimista. Para mim, o pior raciocínio é o guiado pela pessimismo. Acho que o Estado vai caminhando bem, e caminhará melhor. ▪ E quanto à atual produção intelectual paraense. O senhor acha que estamos em uma boa safra? Sem querer cair novamente naquela de otimismo, eu acho que a Universidade Federal do Pará trouxe uma grande contribuição para a atividade intelectual da região nesses seus 50 anos. Realizou o que tinha para realizar. Quem viveu, como eu, a universidade no tempo, não digo nem da sua criação, no tempo anterior à sua criação, quando criar uma universidade na Amazônia era um sonho absurdo, sabe que os avanços foram muitos. E hoje, passados apenas 50 anos, vemos uma universidade vibrante. Acho isso notável. ▪ Não são poucos os que consideram o Direito Ambiental como um grande entrave ao desenvolvimento da Amazônia. O senhor tem uma série de estudos sobre Direito Ambiental. Como o senhor vê essa polêmica? O Direito Ambiental surgiu batendo a cabeça, tendo que dar cotovelada nos outros, para poder abrir seu próprio caminho e poder respirar um pouco melhor. E isso continua acontecendo até hoje com o Direito Ambiental e com o ambientalismo de uma forma geral porque os que resistem ao Direito Ambiental são os mesmos que resistem ao ambientalismo. Tivemos uma grande vitória com a Constituição de 1988, quando surgiu a definição do Direito Ambiental, considerado um direito de toda a sociedade. ▪ O senhor agora será homenageado pelo governo do Estado, com seu nome no novo Idesp. Como vê o retorno da instituição? Fui um dos fundadores do Idesp. O governo me homenageou colocando meu nome no Idesp. Achei um pouco injusto, pois havia outras pessoas que trabalharam tanto quanto eu para a criação do instituto, como o Roberto Barbosa Oliveira e o Amilcar Tupiassu. Mas também não recusarei a homenagem. Minha expectativa em relação ao novo Idesp é favorável. O Idesp passou por uma fase ruim e foi baseado nisso que o Almir Gabriel acabou com o instituto. Agora, ao ser retomado, acredito que a instituição entrará em uma nova fase, não só boa para ela como para o planejamento do Estado.

Iracilda Cavalcante. Ideologia e poder: uma análise do discurso dos jornais O RIO BRANCO e VARADOUROS durante a ditadura militar (1977 e 81)

Livro Ideologia e Poder Livro Ideologia e Poder anon-580100

Profº Reginâmio Bonifácio. Memória de Velhos: sobre terras e gentes.

Memórias de Velhos Memórias de Velhos Reginâmio Bonifácio de Lima Os seres humanos sempre necessitaram da liguagem para se comunicar. A comunicação entre os humanos está envolta em vários aspéctos, dentre eles a linguagem e a identidade. Neste estudo abordamos a relação tênue entre a linguagem e as identidades de homens e mulheres idosos, buscando recontruir de forma sistemática, os traços de identidades que estão envoltos em seus relatos orais. Memórias de velhos é um trabalho multidisciplinar que passeia pela literatura oral, linguística e história social. Vale à pena conferir e conhecer um pouco mais do universo de homens e mulheres amazônicos que sairam das matas dos seringais e se aventuraram rumo às cidades em busca de melhores condições de vida.

segunda-feira, 16 de março de 2009

A TERRITORIALIDADE SERINGUEIRA: Geografia e Movimento Social

Por CARLOS WALTER PORTO GONÇALVES Universidade Federal Fluminense Introdução Neste artigo objetivamos avançar algumas reflexões, em grande parte generalizações, a respeito do Movimento Social como categoria geográfica, partindo do rico material empírico obtido da minha experiência como assessor do Conselho Nacional dos Seringueiros (1987 e 1992) e da pesquisa que culminou em minha tese de Doutorado (1993 e 1998). Seu tema é, portanto, Movimento Social e Organização do Espaço. O movimento dos seringueiros acreanos é, a esse respeito, emblemático, pela importância que emprestou à sociedade/geografia acreana como resultado da interseção de múltiplos processos instituintes que ali se territorializaram. O melhor exemplo disso é o fato de o Acre, em 1998, ter dois dos três Senadores da República ligados a um movimento social em grande parte tecido em torno das lutas dos seringueiros; quatro dos doze Prefeitos Municipais do Estado ligados ao mesmo processo instituinte; o Governador do Estado eleito pelo mesmo partido a que estavam ligadas as principais lideranças do movimento dos seringueiros que, diga-se de passagem, teve no Acre o primeiro Estado da federação em que o Partido dos Trabalhadores foi legalizado1; a Comissão Pastoral da Terra teve seu primeiro coordenador nacional o Bispo da Prelazia do Acre-Purus, D. Moacir Grechi, exatamente a região onde se travaram as intensas lutas dos seringueiros. Resta saber se toda essa arquitetura política, principal conquista da sociedade civil acreana que teve, sem dúvida, o movimento dos seringueiros como seu eixo estruturante, será capaz de consolidar os elos políticos que os levou até aí e, nas novas circunstâncias, propiciar instituições que não substituam os sujeitos 67 1 - Ao qual estavam ligadas as principais lideranças seringueiras. instituintes. Afinal, a justiça social e a participação democrática autogestionária sempre foram as principais reivindicações deste movimento. Considerações Teóricas A configuração de qualquer identidade político-cultural é parte constitutiva dos grupos/segmentos sociais que se põem em movimento. O historiador marxista inglês E. Thompson já nos alertara que a classe social ‘é uma relação e não uma coisa’ (THOMPSON, 1987 : 11) e, assim, abria espaço para questionar o sentido extremamente arraigado de na expressão luta de classes enfatizar-se o lado classes e secundarizar o lado luta2. Assim desemboca-se, com facilidade, naquilo que, em outro contexto, Pierre Bourdieu (1989) chamara de ‘classes no papel’. Confundese, com freqüência, o modo como os grupos/segmentos/classes sociais se constituem nas e pelas circunstâncias das relações com que concretamente têm que se haver, de um lado, com o processo de conhecimento, de outro. Qualquer classificação significa, rigorosamente, estabelecer um sistema de classes. Trata-se de um processo heurístico que permite ao analista estabelecer parâmetros importantes para desvendar aspectos relevantes da realidade que se propõe estudar. Classificar significa reunir segundo determinados critérios e, assim, discriminar, separar. Organiza-se assim um mapa ‘lógico’ onde uma dada realidade é enquadrada para análise. Envolvido nesse universo gnoseológico o pesquisador deve tomar todo o cuidado para não confundir as coisas da lógica com a lógica das coisas. Pressupõe-se, por exemplo, que os lugares estão dados a priori e não que os lugares sejam, eles mesmos, instituídos 3. A materialidade do espaço geográfico, sem dúvida, propõe/impõe/põe condições às mudanças de lugar. “Qualquer ação que tenha em vista opor o provável ao possível, isto é, ao porvir objetivamente inscrito na ordem estabelecida tem de contar com o peso da história reificada e incorporada que, como um processo de envelhecimento, tende a reduzir o possível ao provável” (BOURDIEU, 1989 : 101). Pierre Bourdieu, com sua preocupação com o espaço social, abre uma importante senda para um diálogo com a geografia, particularmente com a concepção teórica que abraçamos, que entende a geografia menos como um substantivo e mais como um verbo, ou melhor, como o ato/a ação de marcar a terra, de geografar. Nessa perspectiva teórica, as marcas, os limites, as fronteiras são sempre instituídas e, como tais, implicam sujeitos instituintes o que nos remete à própria configuração do que seja a sociedade como tal. É Bourdieu quem nos diz que Num primeiro momento a sociologia apresenta-se como uma topologia social. Pode-se representar o mundo social em forma de um espaço (a várias dimensões) construído na base de 68 GEOgraphia – Ano 1 – No2 – 1999 Gonçalves 2 - Ver, também, do mesmo autor ‘A Miséria da Teoria’ (THOMPSON, 1981) 3 - E aqui é que as observações do também marxista E. Thompson, do sociólogo Pierre Bourdieu, dos filósofos Cornelius Castoriadis e Henri Lefebvre ganham relevância ao lado dos geógrafos E. Soja, D. Harvey, Milton Santos, Marcelo J. L. de Souza, Regina Sader e outros. princípios de diferenciação ou de distribuição constituídos pelo conjunto das propriedades que actuam no universo social considerado, quer dizer, apropriadas a conferir, ao detentor delas, força ou poder neste universo. Os agentes e grupos de agentes são assim definidos pelas suas posições relativas neste espaço. Cada um deles está acantonado numa posição ou numa classe precisa de posições vizinhas, quer dizer, numa região determinada do espaço, e não se pode ocupar realmente duas regiões opostas do espaço - mesmo que tal seja concebível. Na medida em que as propriedades tidas em consideração para se construir este espaço são propriedades actuantes, ele pode ser descrito como um campo de forças, quer dizer, como um conjunto de relações de forças objetivas impostas a todos os que entrem nesse espaço e irredutíveis às intenções dos agentes individuais ou mesmo às interações diretas entre os agentes’ (BOURDIEU, 1989 : 133-4). As classes sociais se constituem, assim, nas e pelas lutas que os protagonistas travam em situações concretas e que conformam os lugares que não só ocupam, mas constituem. Relembremos que protagonista deriva do grego protos, primeiro, principal e agonistes, lutador, competidor (CUNHA, 1992 : 641). É claro que ao se privilegiar a dimensão luta e não a classe, se abre um enorme espaço à contingência e ao acaso, escapando assim às reduções determinísticas racionalistas. A expressão movimento social ganha, assim, para a nossa compreensão das identidades coletivas um sentido geográfico muito preciso: é que o vemos como aquele processo através do qual um determinado segmento social recusa o lugar que, numa determinada circunstância espaço-temporal, outros segmentos sociais melhor situados no espaço social pelos capitais (Bourdieu) que já dispõem tentam lhe impor e, rompendo a inércia relativa em que se encontravam, se mobilizam movimentando-se em busca de afirmação das qualidades que acreditam justificarem sua existência. A própria idéia de que toda sociedade institui uma determinada ordem nos remete ao fato de que uma ordem é sempre um determinado modo (ele mesmo instituído) como os entes se colocam entre si configurando uma totalidade que faz sentido para aqueles que a constituíram. Pode-se, por exemplo, falar de ordem alfabética ou de ordem numérica sempre indicando o modo como cada parte se coloca em relação à outra configurando essa mesma ordem. Assim o movimento (social) é, rigorosamente, mudança de lugar (social) sempre indicando que aqueles que se movimentam estão recusando o lugar que lhes estava reservado numa determinada ordem de significações. Deste modo, todo movimento social é portador de uma nova ordem em potencial não sendo destituído de sentido o fato daqueles que se colocam em posição hegemônica numa determinada ordem estigmatizar como desordeiro todo aquele que questiona essa (sua) ordem. Aqui, sem dúvida, geografia e sociologia se tornam imbricadas. Todavia, insistimos, a passagem de uma determinada condição social à condição de uma determinada identidade político-cultural não é automática. É no espaço geográfico “que toda acção histórica põe em presença dois estados da história (ou do social): a história no seu estado objectivado, quer dizer, a história que se acumulou ao longo do tempo nas coisas, máquinas, edifícios, monumentos, livros, 69 A Territorialidade Seringueira teorias, costumes, direito, etc., e a história no seu estado incorporado, que se tornou habitus4.(...) Esta actualização da história é conseqüência do habitus, produto de uma aquisição histórica que permite a apropriação do adquirido histórico. A história no sentido de res gestae constitui a história feita coisa a qual é levada, ‘atuada’, reactivada pela história feita corpo e que não só actua como traz de volta aquilo que a leva ( segundo a dialética do levar e ser levado, bem descrita por Nicolai Hartmann) (Bourdieu, 1989 : 82-3, os grifos são do original). Essa dialética habitat e habitus ou, se se preferir, história reificada e história incorporada ou, ainda sistema de objetos e sistema de ações5, permite-nos captar a constituição da identidade político-cultural e do ordenamento do espaço geográfico como se pode depreender das lutas intensas para afirmar “o modo de percepção legítima” (Bourdieu) do próprio espaço, isto é, das lutas tensas e intensas pelo poder de nomear, afirmar/reconhecer identidades, atribuir valores/sentidos aos diferentes seres, do espaço e do tempo. Afinal, “a passagem do implícito ao explícito nada tem de automático, podendo a mesma experiência social reconhecer-se em expressões diferentes, e porque, por outro lado, as diferenças objectivas mais acentuadas podem estar dissimuladas por diferenças mais imediatamente visíveis (como as que separam as etnias, por exemplo). Se é verdade que existem na objectividade das configurações perceptivas, Gestalten sociais, e que a proximidade das condições, portanto, das atitudes, tende a retraduzir-se em ligações e em reagrupamentos duradoiros das unidades sociais imediatamente perceptíveis, tais como as regiões ou bairros socialmente distintos (com a segregação espacial), ou dos conjuntos de agentes dotados de propriedades visíveis perfeitamente seme-lhantes, tais como o Stände, também é verdade que só há diferença socialmente conhecida e reconhecida para um sujeito capaz não só de perceber as diferenças, mas também de as reconhecer como significantes, interessantes, quer dizer, para um sujeito dotado da aptidão e da inclinação para fazer as diferenças que são tidas por significativas no universo social considerado. Assim o mundo social por meio sobretudo das propriedades e das suas distribuições, tem acesso, na própria objectividade, ao estatuto de sistema simbólico que, à maneira de um sistema de fonemas, se organiza segundo a lógica da diferença, do desvio diferencial, constituído assim em distinção significante. O espaço 70 GEOgraphia – Ano 1 – No2 – 1999 Gonçalves 4. “Aquele que tira o chapéu para cumprimentar reactiva, sem saber, um sinal convencional herdado da Idade Média no qual, como relembra Panofsky, os homens de armas costumavam tirar o seu elmo para manifestar as suas intenções pacíficas” citado pelo próprio Pierre Bourdieu. 5. Em livro recente, Milton Santos (SANTOS, 1997), aponta na mesma direção ao abordar o espaço geográfico como um “sistema de objetos” e um “sistema de ações”. social e as diferenças que nele se desenham ‘espontaneamente’ tendem a funcionar simbolicamente como espaço dos estilos de vida ou como conjunto de Stände, isto é, caracterizados por estilos de vida diferentes’ (Bourdieu, 1989 : 143-4)6. Podemos, pois, afirmar que são nas circunstâncias dos encontros/das relações/das lutas que se desenham concretamente essas diferenças e que toda classe se constitui, se classifica, se diferencia, constrói um Nós em relação a um Eles, a partir de situações 7 que atualizam múltiplas possibilidades inscritas nos corpos (história incorporada) através do que Pierre Bourdieu chamou habitus. Os Novos Elos das Escalas/Escadas do Poder A construção da identidade seringueira não estava dada a priori: ela foi sendo tecida nos embates concretos que os seringueiros se viram obrigados a travar nas circunstâncias singularíssimas dos anos setenta/oitenta (tempo) nas regiões do vale do rio Acre, ao longo das BRs 364 e 317, no estado do Acre (espaço). É claro que os seringueiros existiam naquele lugar/naquele momento, tanto no sentido geográfico como social. No entanto, sabemos, a existência de uma determinada condição socio-geográfica seringueira, ou outra qualquer, não implica necessariamente que venha a se constituir numa identidade político-cultural assumida pelos próprios protagonistas como tal. Já vimos em outro contexto8 como aqueles que viviam de extrair o látex se identificaram como agricultores, quando da crise do seringal empresa e a queda do preço da borracha impelira-os a diversificar suas atividades produtivas e a buscar outras estratégias de sobrevivência, tanto material como simbólicas, o que ensejou que identificassem a borracha com seu sofrimento e miséria, sobretudo entre os anos 1920 e 1942, e passassem a perceber a agricultura como sua salvação. Naquelas circunstâncias ser agricultor era estar superando o 71 A Territorialidade Seringueira 6 . O mesmo pode ser visto com a importância que Thompson (THOMPSON, 1981: 182) empresta à experiência quando nos diz que “os homens e mulheres retornam como sujeitos, dentro deste termo - não como sujeitos autônomos, ‘indivíduos livres’, mas como pessoas que experimentam suas situações e relações produtivas determinadas como necessidades e interesses e como antagonismos, e em seguida ‘tratam’ essa experiência em sua consciência e sua cultura ( as duas outras expressões excluídas pela prática teórica) das mais complexas maneiras (sim, ‘relativamente autônomas’) e em seguida ( muitas vezes, mas nem sempre, através das estruturas de classes resultantes) agem por sua vez sobre sua situação determinada)”. 7. Situações no sentido de ações situadas. 8. “Geografando: Nos Varadouros do Mundo – Da territorialidade Seringalista à Territorialidade Seringueira (Do Seringal à Reserva Extrativista)” tese de Doutorado defendida junto ao Programa de Pós-graduacão em Geografia da UFRJ, Rio de Janeiro, 1998. extrativismo em decadência. Não nos esqueçamos, todavia, que a borracha mobilizara os so-nhos de toda essa/aquela gente e, como um sonho que fôra mais que um sonho, posto que implicara em toda uma prática social que se materializara no seu modo de vida (e, na memória, no melhor de suas vidas) pode, a partir de novas e outras circunstâncias, ser atual, ser atualizada. Espaço e Memória. Habitat e habitus. Com a desestruturação dos elos que, “por cima”, conformavam o pacto territorial regional/nacional 9 (1942 a 1958/1967), as relações socioespaciais acreanas sofreram uma profunda transformação que, no entanto, não mereceu a devida atenção dos analistas. Talvez tenhamos aqui no Acre a demonstração do paroxismo de uma formação social que se fez/faz sem reconhecer aos “de baixo” o direito à voz, primeira condição para que se seja conhecido/reconhecido enquanto portador de direitos. Os seringais, de fato, começaram a mudar de donos, expressão que viria a ser muito usada para o período dos anos setenta/oitenta quando os “de fora”, sobretudo os “paulistas”, começam a adquirir terras no Acre 10. O que não se via no Acre é que uma mudança de donos já vinha se dando a décadas onde os “de baixo”, enquanto ocupantes, mais do que se apossar das condições naturais de produção, estavam se tornando, rigorosamente, trabalhadores livres, seringueiros autônomos. É isso mesmo: desde os anos 20 vinha aumentando significativamente no Acre aquilo que o IBGE, a partir dos anos 40, passa a designar como ocupantes, ou seja, aqueles que comandam um estabelecimento de produção sem que sejam proprietários da terra e sem estar subordinados a ninguém. Em suma, sem Estado (não pagam impostos) e sem Patrão (são autônomos). A idéia já consagrada de que o Acre era um verdadeiro caos fundiário é, assim, indicativa de quadros de referência socioculturais e espaciais diferenciados e, também, de um processo onde os “de baixo” empreendem uma organização socioespacial prática sem que tivesse correspondência nos estatutos legais. Viu-se, portanto, que a Territorialidade dos Coronéis de Barranco (1942 a 1958-67) entra em franca desestruturação até porque a dominação/hegemonia que exerciam dependia das articulações políticas com os “de fora”, para se reproduzir. 1958 e 1967 são datas de triste memória para os Coronéis de Barranco posto que sinalizam a quebra dos elos, dos degraus que os articulavam às escadas/escalas (èchelles) do poder nacional. 72 GEOgraphia – Ano 1 – No2 – 1999 Gonçalves 9. Refiro-me, aqui, à extinção do monopólio de importação (1958) e de exportação (1967) da borracha pelo Estado atendendo às pressões das grandes empresas transnacionais automobilísticas tanto do setor automobilístico, como de pneumáticos. Assim os elos, as alianças, deixaram de se fazer com o bloco histórico regional amazônico (as Casas Aviadoras e Seringalistas) e sim com os grandes capitais internacionais. 10. Entenda-se que nesse contexto os “de fora” não são mais os que vieram dos sertões nordestinos, como nos finais do século XIX e início do XX, e são, por isso, agora considerados estranhos no ninho. Por outro lado crescia a importância daqueles que, pelo menos desde os anos 40 (quando, enquanto registro oficial, apareceram pela primeira vez no Censo, em Xapuri) na prática, garantiam sua própria sobrevivência reproduzindo-se por si próprios de modo autônomo: os Ocupantes. Com suas mulheres e filhos, com sua produção não só voltada para o mercado, até porque tiveram que desenvolver suas estratégias de sobrevivência com a crise do seringal enquanto empresa (1870 a 1912-20), integrados à floresta aprendendo com os índios, com os caboclos, plasmaram uma outra sociedade/geografia acreana. Assim, no Acre, estivemos diante de uma situação sui generis: os seringalistas não colocaram, de fato, resistência ao novo processo que se abria a partir dos anos setenta. Ao contrário, procuraram se desfazer de suas dívidas junto ao Banco da Amazônia vendendo suas propriedades. Na verdade, sabemos que, do ponto de vista das classes dominantes regionais acreanas, não se tratou propriamente de uma invasão dos “paulistas”. As classes dominantes regionais fragilizadas pela quebra de seus elos com o bloco de poder nacional não lhe restara muitas alternativas além daquela que lhes indicara arrogantemente, em 1974, o Presidente da Associação Nacional de Criadores de Nelore do Brasil, Sr. Mario Junqueira, não sem causar tensões entre seringalistas e fazendeiros. Nessa transferência de titularidade das propriedades que, como não podia deixar de ser, foi, também, uma mudança da naturalidade desses titulares, agora vindos do Sul, houve, num segundo momento, uma mudança radical nas relações sociais com a natureza: não se tratava mais de um processo de desenvolvimento com a floresta, mas de um processo que era, também, contra a floresta. E por tudo que já agregamos na compreensão desse processo sabemos que o complexo seringal- colocação não era simplesmente um lugar de produção de borracha, que era. Era não só um lugar ocupado, que era; era, também, um lugar habitado, habitat e habitus, e assim um locus de conformação de subjetividades. ...Nós temos que... dizer a eles (os compradores de terra) que isso é nosso, não é o que eles compraram do seringalista. Então, se este seringalista vendeu essa posse para ele, ele vendeu o movimento que ele tinha. Então ele vendeu esse mundo de terra com todos esses posseiros, ele deve ter vendido os posseiros também e nós não aceitamos que nós somos tão bandidos para ser comprados. (...) Prá nós a terra tem valor porque é a nossa vida. Não pode ser vendida, que nós não vendemos a nossa vida’. (DUARTE, 1987 : 113. O grifo é meu.) É isso que nos ajuda a entender esse seringueiro que reconhece legitimidade no seringalista para vender o movimento do seringal mas não para vender as suas colocações, as suas posses/os posseiros. Com a tentativa de transformar o habitat, isto é, o seringal em fazenda pecuarista, desfazia-se uma relação socio-espacial 73 A Territorialidade Seringueira que, como tal, implicava uma identidade, mesmo que de contrários, entre seringueiros e seringalistas. E, mais, sem que aqueles que se tornam os novos proprietários queiram exercer domínio/hegemonia sobre os que ali habitavam 11. Se o seringueiro tornou-se autônomo num processo de fundo em que deixou de pagar renda, como a condição de ocupante no próprio censo reconhece, ele agora se verá tendo que se haver com/contra aquele que vem de fora e lhe quer tomar a terra. No entanto, sabemos, considerar a terra sem a floresta não é só uma questão econômica como se quer fazer crer. É uma das maneiras historicamente produzidas de recortar o real. É, sobretudo, uma determinada maneira de se dar valor às coisas, ao tempo, ao espaço, à natureza. É, assim, toda uma cultura. Há, aqui nesse caso, de modo emblemático, um des-loca-mento das relações socioespaciais de poder. Ele implica todo o espaço e não mais só o seringal, a colocação. E a força que os seringueiros tinham emanava do seu espaço-doméstico-e-de-produção. Enfim, é de uma outra tensão de territorialidades que se trata a partir dos anos setenta ... Assim, o habitat adquire um significado ímpar para se compreender as relações socioespaciais. Afinal, toda uma organização do espaço havia sido engendrada no Acre sob, com ou, como costumava falar Chico Mendes, e que causava uma certa estranheza, o ‘pela floresta’, que colocará frente a frente esses diferentes processos de territorialização. Assim, de fato, a partir de 1970 em diante assistiremos a um processo tenso e intenso de conflitos entre aqueles que dependem da floresta para viver e aqueles que querem desmatar, posto que a floresta não tem nenhum valor de uso para quem quer fazer pasto. Para uns, esses habitantes da floresta, trata-se de manter o habitat, locus do seu habitus. Para outros, os “paulistas”, para os “de fora”, tratase de afirmar o progresso nessas terras ainda dominadas pela natureza, conforme reza o imaginário da modernidade. Na prática, os portadores desse imaginário, aqueles que o transportam, são fazendeiros ávidos de adquirir as férteis terras acreanas a baixo preço, até porque tratava-se da fronteira mais externa dos ‘anéis de Thünen’. Empate ! Deste modo, emerge um movimento dos seringueiros que emana da compreensão interessada do que é comum, o que implica uma comunidade territorial que vá além do espaço vivido, pressupondo-o; que vá além do lugar/dos lugares, contendoos. É isso que diz a expressão união, tão invocada na conformação de identidades coletivas: o que se une é o igual e esse igual se constitui na percepção interessada do que é igual e do que é diferente. “Eles tem o capital, nóis temos a união”, assim 74 GEOgraphia – Ano 1 – No2 – 1999 Gonçalves 11. A começar pelo fato de a pecuária demandar um número pequeno de trabalhadores, exceto no período de formação da fazenda. Embora importante não é esse o aspecto que estou querendo ressaltar aqui. se expressa um seringueiro. “O sindicato não é o presidente. O que faz a nossa força é a necessidade” diz um outro seringueiro diante da ameaça de morte ao líder de seu sindicato. É rigorosamente, uma fala interessada que, assim, reage à ameaça, ameaçando que a luta vai continuar. O conflito se constitui, assim, como um momento privilegiado dessa conformação de identidades, de configuração de “comunidades de destino”. É quando cada um começa a perceber que o seu destino individual está num outro com/contra o qual tem que se ligar/se contrapor. Nesse trabalho de construção de hegemonia, de construção dessa geografia imaginária os intelectuais têm uma papel fundamental e não sem razão fala-se de “visões de mundo”. O teórico comunista italiano Antonio Gramsci captou a importância desses intelectuais, sobretudo daqueles que chamou de intelectuais orgânicos, ou seja, daqueles que expressam vontades coletivas de determinados interesses que podem ser de classe, de grupos religiosos, étnicos, entre outros e, deste modo, constróem hegemonias e contra-hegemonias con-sagrando um determinado estágio da correlação de forças políticas e simbólicas numa geografia imaginária. Esses intelectuais com suas falas autorizadas, conhecidas e reconhecidas, tornam o real mais-real, numa espécie de mais valia simbólica. Eles participam de uma luta tensa e intensa pela afirmação do “modo de percepção legítimo” (Bourdieu). No caso do Acre vamos encontrar esse intelectual tradicional na pena de um Leandro Tocantins, de um Alberto Zaire, de um Artur César Ferreira Reis, Samuel Benchimol como, também, na de Euclides da Cunha. Neles encontramos o “seringueiro-herói” não reconhecido desde a epopéia do Acre ou como “seringueiro-soldado-da-borracha”; o “seringueiro-vítima” da exploração brutal dos seringalistas e dos Coronéis de Barranco, sempre desaparecendo, sempre em extinção; o “seringueiro-fujão”, que escapa do seringal endividado dando prejuízo ao patrão; o “seringueiro-que-rouba-o-patrão” colocando paus e pedras no princípio das pélas; o “seringueiro-preguiçoso” que prefere caçar e pescar a produzir borracha; o “seringueiro-caboclo-traiçoeiro” que pode matar o patrão numa tocaia e, ainda, o “seringueiro-bom-de-leite”, aliás, o “verdadeiro-seringueiro”, o “seringueiro-que-produz-muito”, o “seringueiro-trabalhador” que (se) enche o peito não simplesmente para dizer que é um seringueiro, mas que é “O Seringueiro”. Foi com/contra essa imagem hegemônica, esse verdadeiro senso comum construído, que os seringueiros tiveram que forjar, nas mais diferentes circunstâncias, uma nova identidade político-cultural a partir dos anos setenta 12. Para nós a nova 75 A Territorialidade Seringueira 12 . Aqui é preciso retirar a aura positiva que assume qualquer ente quando lhes atribuímos a qualidade de novo/a. Umberto Eco fala de fundamentalismo como aquela prática discursiva que prescinde de argumentar e, tal como um dogma, afirma a qualidade de algo pela simples afirmação. Assim, podemos falar de um fundamentalismo moderno que empresta qualidade positiva a tudo que é novo e negativa a tudo que é tradicional, sem precisar argumentar porque tudo que é novo é positivo e tudo que é tradicional é negativo. O fascismo foi novo apesar de invocar a tradição. identidade político-cultural dos seringueiros e caboclos se colocou como uma possibilidade concreta diante da ameaça à sobrevivência material e simbólica derivada da nova configuração socio-geográfica mundial-nacional e, particularmente, acreana, implicada pela co-presença de novos sujeitos/processos instituintes e, portanto, novos encontros/relações com/contra quem terão que se haver a partir do que, concretamente, tiveram que desenvolver suas novas/outras estratégias de sobrevivência, sempre e ao mesmo tempo, material e simbólicas. Em diferentes situações os seringueiros/caboclos se verão tendo que manipular, num sentido e direção próprios, diferentes atributos, qualidades e estigmas, afirmando-os ou negando-os. Afinal, o “seringueiro-herói” que conquistou o Acre para o Brasil, que foi “soldado da (‘batalha’ da) borracha”, pode não querer ir para a Bolívia expulso pelos “paulistas”. Aqui a história incorporada atua, a história é atualizada, a história é atual pelos atos ensejados nas e pelas circunstâncias pelos seringueiros. Afinal, é ele quem produz a borracha que serve para tudo e, assim, é “O Seringueiro”, não porque produz muito para o patrão, mas porque produz muito para a pátria. Ou então, a preguiça é o contraponto do negócio, ou seja, aquilo que é visto como ócio pelos patrões pode ser, para os seringueiros, a afirmação da sua autonomia com a caça e a pesca, ou com o roçado que o liberta do barracão e, assim, de fato, contrário à lógica de quem está preocupado com o negócio, com a borracha-mercadoria, que tem que negar o ócio. Essa identidade vai sendo forjada, portanto, nas circunstâncias, nas situações, no cotidiano com todas as “suas ambigüidades marcadas pelas oscilações entre fragilidade e força, indeterminação e determinação, indefinição e definição” numa dinâmica “da luta de classes constantemente redefinida e que traz à tona a sua riqueza enquanto movimento que engendra transformações sociais; dinâmica essa cujos aspectos frágeis, indefinidos e indeterminados indicam por vezes campos novos de combate ainda pouco vivenciados pela classe ...” (MARONI, 1982 : 16). Essa “experiência obscurecida”, “oculta”, “não-explícita” foi denominada por Amnéris Maroni (MARONI, 1982) como discurso da ação13. 76 GEOgraphia – Ano 1 – No2 – 1999 Gonçalves 13. “O discurso da ação não verbaliza propostas políticas, no entanto elas existem; não propõe alvos claros contra os quais se desenvolve o combate, porém eles não estão ausentes; não define estratégias explícitas para alcançar o fim desejado, porém, estas se fazem o tempo todo presentes. Por sua dinâmica, se faz presente e ausente, contínuo e descontínuo, definido e indefinido. Em outras palavras, o discurso da ação não oferece visibilidade enquanto tal. Ou seja, é preciso ‘querer ver’ o discurso da ação; caso contrário ele não se mostra. É preciso buscá-lo lá onde ele se esconde; um pouco para além do social visto de forma institucionalizada; para além dos esquemas teóricos que estabelecem verdades prontas e acabadas; para além dos dogmas políticos que estabelecem trajetórias seguras para a transformação social etc. Para que se mostre, o discurso da ação exige de quem quer vê-lo a compreensão de que o poder permeia o social de múltiplas formas; e também a compreensão de que a luta que tem lugar ‘aqui e agora’ traz em si propostas de intenções futuras, não asseguradas de antemão pela inevitabilidade histórica, mas possíveis de ser construídas” (MARONI, 1982 : 18). Enfim, com a Reserva Extrativista os seringueiros obtiveram uma chancela formal de reconhecimento, de direito, resultante de um longo processo de lutas que conformaram habitus, habitats, modos de vida e de produção. Essa invenção que o movimento dos seringueiros produziu ao ser sancionada oficialmente como uma Unidade de Conservação Ambiental14, tende a ser vista como uma entidade jurídica reificada e, tal como o território enquanto limite do poder de Estado, ocultar os, muitas vezes sangrentos, processos (os fronts) e seus sujeitos instituintes. A Reserva Extrativista expressa a Territorialidade Seringueira com os recursos materiais, políticos e simbólicos que o movimento dos seringueiros dispunha no momento que vai de 1985, quando a idéia é, pela primeira vez formulada como tal, a 1990 quando é con-sagrada e sancionada formalmente, tendo grafado a terra, construído seus varadouros não só com os memoriais com suas descrições e seus mapas necessários para a decretação legal mas, também, deixando rastros de sangue pela floresta. O que tentaremos agora é expor essa descoberta da pesquisa: a Reserva Extrativista como expressão da Territorialidade Seringueira e, como tal, como materialização de um processo/sujeito instituinte que é o movimento dos seringueiros. Tentar expor como o instituído contém esse processo instituinte, ver no produto os seus produtores, na criação os seus criadores. Acreditamos que, assim, estamos contribuindo não só para explicitar uma temática de importantes conseqüências teórico-conceituais para a geografia como para explicitar que, subjacentes aos territórios (Reservas Extrativistas, por exemplo), existem processos/sujeitos instituintes (movimento dos seringueiros) e, assim, que a Geografia, mais do que um substantivo é, sobretudo, um verbo: é o ato/a ação de marcar, de grafar a terra. Nova Espacialidade, Novos Meios, Novos Mediadores - algumas reflexões teóricas em diálogo com a empiria Quando uma nova geografia social se engendra mudam, como não poderia deixar de ser, as relações dos lugares entre si e dos espaços entre eles e, assim, mudam as hierarquias, as escalas. É a ordem social que muda15. Nessa nova geografia que se engendra no Brasil a partir dos anos cinqüenta o próprio sentido da territorialidade brasileira estará se redesenhando, posto que novos sujeitos se insinuam instituindo novas territorialidades. Não só passamos a ter novos meios de transportes, mas também novos portadores que se fazem através dos mediadores, 77 A Territorialidade Seringueira 14. Passível, inclusive, de transferência para outros contextos socio-geográfico-culturais. 15. Não nos esqueçamos que ordenar é colocar as coisas nos seus devidos lugares, em ordem e, assim, há, no mínimo, uma topologia no próprio processo instituinte do social, de cuja materialidade a geografia é formadora dessa sociedade que a forma. eles mesmos trans-portadores de práticas sociais possíveis pelos novos significados dos lugares nas novas relações societárias que se estão engendrando. Na medida que a relação personalizada, corpo a corpo, tão característica do meio rural 16 (o Coronelismo, por exemplo), tende a ser transformada com as novas relações espaciais - migração, rede de transportes e de comunicação - cresce o espaço para os profissionais da intermediação, da mediação - daí dizer-se media -, ou seja, dos profissionais da palavra nos seus mais diferentes modos - a Imprensa, o Direito, a Igreja. É necessário, portanto, que exploremos aqui um pouco mais essa problemática da língua, ou da palavra se se preferir, enquanto modo de apropriação do mundo, de tornar o mundo um mundo próprio, enfim, de dar sentido ao mundo, ao atribuir sentido aos diversos seres, ao espaço, ao tempo. Não é destituído de sentido que os religiosos atribuam tanta importância à palavra, instrumento, por excelência, da criação/invenção de sentidos. O domínio da palavra é, assim, a possibilidade prática de instaurar a própria socialidade, posto que é o reconhecimento do que se designa como sendo comum que instaura a possibilidade de configuração de uma comunidade de destino, um território, ou seja, que se configure um espaço próprio, quer dizer, com sentido comum 17. Além disso a palavra torna o ausente presente, enquanto símbolo que é, e, por isso, tende a substituir aquilo que não é ela própria: o real na sua materialidade. Os meios através dos quais a palavra circula é pleno de significação geográfica. Sociedades que não têm escrita e, portanto palavra escrita, tendem a se organizar até onde se ouve a voz ou até onde o corpo pode se deslocar. A escrita, enquanto técnica, implica um código que tende a emprestar àquele que o domina um poder sagrado de trazer um mundo desconhecido que, mesmo estando em outro lugar, está presente em todos os lugares através daqueles que têm o domínio deste código. Os profissionais da religião sabem, melhor do que ninguém, a importância disso. O antropólogo e filósofo Pierre Clastres (CLASTRES, 1982) já nos havia alertado para esse caráter da escrita que permite que o poder possa escapar de uma relação espacial imediata, inscrita na relação corpo a corpo, e tornar-se império através da escrita. Assim, não é destituída de sentido geográfico a expressão império e o que aqui estamos tentando exprimir se torna claro quando atentamos para o significado de expressões como ‘império da lei’ ou o ‘império da mídia’ ou o ‘império da religião’: todos eles implicam um poder que vai além do local. O poder local, como aquele regido por relações coronelísticas, não invoca o ‘império 78 GEOgraphia – Ano 1 – No2 – 1999 Gonçalves 16. Anthony Giddens fala que essa co-presença física é característica de todas as sociedades até o século XIX. O interessante é que este autor destaca exatamente essa dimensão que chamamos de deslocalização como característica da sociedade capitalista industrial moderna (GIDDENS, 1989). 17. Mesmo que regido por relações contraditórias, posto que para haver contradição é necessário que haja identidade. da lei’. A lei, por sua vez, dizem-nos, deve ser impessoal, não deve olhar para quem se volta e deve ser igual para todos. Em suma, uma lógica conflitante com a lógica do favor. Tomando-se como referência aqueles que habitam o mundo rural18, essa passagem do lugar para o espaço mais amplo coloca-os, sempre, na contingência de ter que se relacionar com os intermediários em virtude, antes de tudo, da própria dispersão espacial inerente às atividades agrícolas (ABRAMOVAY, 1992). É isso, por exemplo, que leva o extrator seringueiro a reconhecer como legítima a função que o barracão/o patrão cumpre no movimento do seringal, apesar de saber que a escrita ali presente parece, sempre, lhes tirar mais do que devia. Esse sentimento é da mesma natureza daquele que temos em relação àqueles que aumentam os preços ao consumidor e pagam pouco ao produtor. Assim, é nesses intervalos entre os lugares, onde se inscrevem os (inter)mediadores, os que vivem na/da travessia, atravessadores que podem ser tanto aqueles dos negócios da economia, como aqueles dos negócios do campo simbólico, como da política, por exemplo 19. É por aí também que se inscrevem esses muito especiais profissionais da intermediação que são os jornalistas e a Imprensa; ou então esses intermediários das almas, profissionais por excelência das ligações, das religações (religare) que são os profissionais das religiões e as Igrejas; ou então esses intermediários da norma comum, os advogados e os juristas, que exatamente por serem do campo das normas que se querem comuns consagram idéias não locais, mas universais: O Direito. Enfim, estamos diante de uma nova territorialidade onde novos segmentos, grupos e classes sociais - jornalistas, advogados, religiosos, políticos e intelectuais de um modo geral - se fazem presentes e, com suas práticas, conformam novos pactos, novas identidades de contrários. Vemos, assim, nessa nova configuração que se está desenhando da geografia social brasileira que novos sujeitos e processos instituintes (e suas instituições que geralmente se querem com maiúscula) estão, como sempre, subjacentes à conformação dessa territorialidade. É necessário distinguir que há aqueles cuja natureza do seu fazer não é falar/dizer ou escrever o que fazem20. Há, todavia aqueles cujo fazer é, por natureza, o dizer/falar/escrever: o padre, o advogado, o intelectual - o jornalista, o professor - e o político enquanto aquele que se inscreve como mediador na Pólis hoje, sabemos, o Estado-Nação. 79 A Territorialidade Seringueira 18. O mesmo pode ser pensado para a ‘aldeia global’ que muitos têm visto como global, mas que deve ser vista como aldeia, ou seja, mundo pequeno onde alguns poucos podem controlar o que se passa, ou pelo menos, acreditam nisso. 19. Afinal, há sempre um preço a pagar pela intermediação, seja por um lado ou por outro, podendo, no entanto, ser maior ou menor esse preço dependendo da correlação de forças políticas (e simbólicas) entre os diversos segmentos. 20. Que sabem, sabem pois, do contrário, não fariam. Há, assim e sempre, um saber inscrito no fazer. Há, assim, uma tensão entre aqueles que participam das relações de poder inscritas nas próprias relações quotidianas, do espaço vivido, onde desenvolvem múltiplas estratégias de sobrevivência, conformam toda uma cultura, seu habitus, e aqueles que fazem as mediações cujo fazer é, sobretudo, dizer/falar 21. Esse mediador, fique bem claro, pode estar bem próximo, bem pode ser um dirigente sindical, até mesmo de origem autêntica. No entanto, enquanto sindicalista é da sua natureza promover a união e, como tal, desenvolver os atributos necessários ao campo: saber interpretar, saber falar, construir um nós e um eles, promover a passagem do eu-individual ao eu-coletivo. Enfim, o seu fazer-saber já é o interpretar, falar e o seu reconhecimento se faz na medida que os representados se reconheçam na sua fala, que se sintam re-presentados, ou seja, presentes enquanto bandeiras, reivindicações, palavras de ordem, aspirações, desejos. Afinal, a palavra torna o ausente presente enquanto símbolo. Assinalemos, por todas as suas implicações teóricas e políticas, que há um processo de invisibilização que tenta impor silêncio a esses cuja natureza do seu fazer não é o dizer, processo esse que esquece22 essas revoluções moleculares inscritas nas relações de poder quotidianas, invisibilização essa que é produzida não só pelos chamados intelectuais tradicionais 23. A construção de uma identidade coletiva é possível não só devido às condições sociais de vida semelhantes mas, também, por serem percebidas como interessantes e, por isso, é uma construção e não uma inevitabilidade histórica ou natural. E, mais, na afirmação dessa identidade coletiva há uma luta intensa por afirmar os “modos de percepção legítima” (Bourdieu), da (di)visão social, da (di)visão do espaço, da (di)visão do tempo, da (di)visão da natureza. Há aqui, portanto, na construção das identidades coletivas um lugar privilegiado para os intelectuais, com a ressalva de estendermos esse conceito de intelectual, 80 GEOgraphia – Ano 1 – No2 – 1999 Gonçalves 21. Essa tensão contraditória é inerente às relações daqueles que fazem com seu próprio corpo e aqueles que são os mediadores, os intermediários, os profissionais da media, sejam eles do próprio sindicato, ou do partido, ou da comunidade eclesial de base, ou do jornalista, ou do profissional da militância de uma entidade civil sem fins lucrativos. Não há alternativa. 22. Daí dizer-se que não são ouvidos, que querem ter voz, caso contrário, são esquecidos. 23. Como já nos ensinara Pierre Bourdieu, por um desses mecanismos de deslocamento, se oferece sempre a possibilidade de uma aproximação entre os intelectuais e os “de baixo”, posto que a superioridade que tem o intelectual no campo simbólico, onde ele estaria “por cima”, não corresponde necessariamente a uma superioridade enquanto poder político e econômico, onde ele estaria “por baixo”. Assim há sempre a possibilidade que intelectuais estejam próximos dos movimentos sociais, cujas falas contribuem para forjar a identidade do movimento, até porque, por definição, como intelectuais, é da natureza do seu fazer o dizer. Assim, eles vivem das suas formulações, das suas teorias, “da sua capacidade de análise”, enfim do seu capital cultural, em grande parte derivado dos seus títulos que tornam suas falas autorizadas, da sua capacidade de antecipar o futuro (as análises de conjuntura têm esse poder mágico). Assim, é possível que visualizemos um discurso sobre a ação e um discurso da ação. como o faz o comunista italiano Antonio Gramsci, para além daqueles que o sejam por profissão, como os professores, advogados, padres, jornalistas, cientistas de um modo geral, os doutores e, sim, para todos aqueles que contribuem com suas falas para produzirem “visões de mundo”, das (di) visões do mundo e, assim, de forjarem identidades como, por exemplo, homens comuns que se tornam expressão de um eu-coletivo e que são reconhecidos por aqueles que nele se reconhecem . Chico Mendes, Raimundo de Barros, Osmarino Amâncio Rodrigues, Júlio Barbosa de Aquino e Marina Silva, todos seringueiros, são, rigorosamente, intelectuais nesse sentido gramsciano. Essa tensão contraditória é inerente às relações daqueles que fazem com seu próprio corpo e aqueles que são os mediadores, os atravessadores, os profissionais da media, sejam eles do próprio sindicato, ou do partido, ou da comunidade eclesial de base, ou do jornalista, ou do profissional da militância de uma entidade civil sem fins lucrativos. Não há como escapar à natureza dessas relações, mais cedo ou mais tarde mais ou menos tensas, entre representantes e representados, entre o instituído e o processo instituinte 24. Vejamos o depoimento de um desses intelectuais. Indagado por Varadouro porque estava indo “quebrar castanha”, já que era vereador, e se isso significava um certo desencanto com a política, Chico Mendes, que ali tinha chegado através do movimento sindical, responde: - Não é bem isso. O problema é que, como político, estava sentindo certa dificuldade de entrar em contato com os trabalhadores, com o Sindicato. Além disso, o estatuto do Sindicato não permite que eu, como político, seja sócio. Pensei, então, que voltando a ser trabalhador, teria toda liberdade de agir. Por achar que a tribuna da Câmara não dá solução para o trabalhador e por achar que o político que realmente se compromete com a luta do trabalhador deve estar ao seu lado, decidi, então, ir quebrar castanha para estar ao lado dos seringueiros. (...) É, não é fácil, porque como seringueiro, a gente fica isolado, mais preso ao trabalho e não pode se movimentar para acompanhar o trabalho em outros seringais. Por isso, inclusive, estou pensando em adquirir uma colônia, que permitiria maior movimentação. Vou (continuar trabalhando) sim. Trabalhando a gente fica perto do povo e no momento em que houver qualquer problema, a gente também se apresenta como um trabalhador, com as mãos calejadas (Varadouro n. 18, mar 1980 : 05). A dificuldade está claramente posta entre a classe e os seus próprios instrumentos de mediação, isto é, o sindicato ou mesmo o partido político. A dimensão espacial inscrita no fato político salta à vista (se se quer ver): “a gente fica perto”, “a gente fica isolado”, “não pode se movimentar”, “uma colônia que permitiria 81 A Territorialidade Seringueira 24 . Como nos ensinara o filósofo holandês Baruch Spinoza são os encontros/as relações que fazem desabrochar as potencialidades. maior movimentação”. Para que se seja político é preciso se movimentar, mediar, se deslocar, podendo até mesmo implicar que se deixasse de ser seringueiro para ser “colonheiro”, como se chama tradicionalmente no Acre aquele que tem um pequeno pedaço de terra para fazer seu roçado. As circunstâncias levariam a que Chico Mendes tivesse que ser seringueiro e dirigente sindical ao mesmo tempo, o que, convenhamos, não foi fácil. As tensões que aqui se abrem são enormes, até porque os protagonistas diretos, os seringueiros-caboclos, não dominam esses espaços de intermediação com a mesma naturalidade com que o fazem os intelectuais no sentido estrito. É da natureza dos intelectuais falar do geral, do universal, das leis, das normas, dos processos. São eles que ocupam esses espaços. No entanto, registre-se, há vários movimentos 25 que abrem mais possibilidades para que os “de baixo” possam vir a ocupar um lugar de destaque tendo que invocar, também, a idéia de um eu-coletivo, contribuindo para construir identidades coletivas e, assim, tornar-se um intelectual orgânico. Há aqui todo um conjunto de atributos que se colocam como necessários para que se ocupe esse campo como, por exemplo, o domínio de recursos da linguagem (a retórica, a oratória, a escrita) tão necessárias para que se manifeste. No caso daqueles que, pela natureza do seu fazer, não se encontra o falar, o escrever, a sua força está fortemente associada à sua presença física no espaço. É preciso ocupar o espaço, se fazer presente, rigorosamente, perturbar a ordem, posto que é essa ordem que não lhes reconhece, que não lhes vê. Não sem sentido se diz massa, onde o seu poder está na manifestação da quantidade, do volume, da densidade numa verdadeira medição de forças, onde a individualidade fica subsumida nesse coletivo que tenta, exatamente enquanto coletivo, superar a fragilidade que está inscrita no isolamento, na individualidade. Daí as manifestações, as marchas, as passeatas para que se faça notado. Quando se trata de poder as metáforas espaciais (tamanho, volume, posição que é relação entre lugares) são parte da sua linguagem natural (Foucault). Como esses atos são, por sua própria natureza, temporalmente pontuais (episódicos), entre esses momentos se fazem necessários os intermediários e, novamente, a valorização de quem dispõe de capital cultural acumulado para representar e, assim, falar em nome de quem não está presente enquanto corpo/matéria, mas enquanto idéia/ símbolos: re-presentar. Daí as bandeiras, as palavras de ordem que tentam fixar a presença na memória coletiva procurando afirmar um lugar na geografia real e imaginária. Afastemos aqui um possível simplismo que poderia se estabelecer quando falamos da tensão entre os seringueiros/caboclos e aqueles que não o são, como sendo entre os que são do Acre e os que não são. Este jogo é habilmente manipulado sobretudo pelos intelectuais tanto os “de dentro” como pelos “de fora”, cada 82 GEOgraphia – Ano 1 – No2 – 1999 Gonçalves 25. Processos instituintes e suas instituições. qual lançando mão do prestígio que acreditam ter no mercado político-simbólico, seja exatamente porque se é “de fora”, sobretudo quando se é do Sul do país que, na atual correlação de forças políticas e simbólicas, é o centro do poder na atual correlação de forças nessa geografia imaginária; seja porque se é “de dentro” e, por isso, invocam um maior conhecimento de causa, da causa, posto que estão próximos, argumentos através dos quais procuram tornar suas falas mais autorizadas, seus modos de percepção mais legítimos, cada qual. Sabemos o quanto isso é forte quando se trata de analisar o Acre onde os “de fora”, do Sul, historicamente exerceram o controle político do território e, particularmente, quando o movimento dos seringueiros, sobretudo após os anos setenta, trouxe para si essa histórica acreanidade num momento de absoluta crise de hegemonia dos setores dominantes tradicionais. Essas identidades e essas oposições entre os “de dentro” e os “de fora” do Acre, sem dúvida, estão presentes. Todavia, é preciso destacar que as tensões e contradições se dão lá mesmo entre “as bases”, onde estaria a classe, e a própria direção dos sindicatos e dos partidos políticos (onde os marxistas dizem estar a consciência da classe) que são, também, instituições da ordem das (inter)mediações, que por sua própria natureza operam com um espaço que se faz numa outra escala e, com isso, já estamos indicando uma hierarquia. Há, assim, um “em cima” e um “em baixo” lá mesmo entre os “de baixo”, assim como há um ‘em baixo’ entre os “de cima”. As lutas de classes são, assim, mais complexas do que quer uma dialética classes dominantes versus classes dominadas. A construção de uma possível, mas não natural ou inevitável, identidade seringueira pelo movimento dos ocupantes - índios-seringueiros- caboclos - não se fez, portanto, somente com/contra os “de cima”, os patrões, os fazendeiros, os latifundiários, os “paulistas” e os seus intelectuais tradicionais mas, também, com/contra a igreja, os sindicatos, os ambientalistas, os partidos políticos e seus intelectuais. Essa constatação é fundamental para que superemos um novo senso comum que tenta atribuir a projeção e visibilidade política alcançado pelo movimento dos seringueiros e de sua proposta de Reservas Extrativistas seja ao papel da Igreja, seja ao do Sindicato, seja ao dos Partidos Políticos, seja ao Movimentos Ambientalista, seja a um ou outro Intelectual ligado ou não a cada uma dessas instituições. O movimento dos seringueiros é mais amplo do que esses outros movimentos/ processos instituintes/instituições, posto que o/as abarca, mas não se esgota nele/as 26. O espaço social é multidimensional e essas múltiplas dimensões fazem com que o movimento dos seringueiros seja também-mas-não-só movimento sindical; também-mas-não-só movimento ambientalista; também-mas-não-só movimen- 83 A Territorialidade Seringueira 26. O mesmo pode ser dito de cada um desses movimentos seja o religioso, seja o sindical, seja o partidário, seja o ambientalista que, com toda certeza, no Acre, se relacionam/se encontram todos com o movimento dos seringueiros e que, também, não se esgotam neste to de classe; também-mas-não-só movimento cultural fazendo-se sempre, de uma maneira singular: seringueiro. E o fato de ser seringueira essa identidade em construção indica que o habitat e o habitus tiveram um papel relevante na sua conformação identitária, contribuindo para que se classificassem, isto é, se constituíssem enquanto classe desde que vejamos a classe para além do lugar que se ocupa diante dos meios de produção, como nos ensinaram Thompson, Bourdieu, Castoriadis, Leffort, Chauí, Maroni, de Certeau, Lefebvre, Luxemburgo, entre outros. O movimento dos seringueiros alcançou uma legitimidade que o inscreve num novo mapa de significações que, até aqui, tem feito com que os seringueiros não sejam esquecidos ou abandonados e, assim, sejam parte de uma nova geografia imaginária que, sabemos, está sempre sendo refeita 27. O que expusemos nos obrigou a sublinhar o até aqui dessa legitimidade do movimento dos seringueiros, posto que o próprio sucesso de suas propostas, tão bem materializado nas Reservas Extrativistas, nos faz esquecer os processos instituintes que estão subjacentes. Insistimos que não há habitat que não comporte habitus, que não há instituído que não tenha processos/sujeitos instituintes portados/incorporados pelos que o habitam. Assim é necessário que se diga que as Reservas Extrativistas, são a expressão de uma identidade possível dos seringueiros, construída enquanto movimento dos seringueiros e seus encontros (Spinoza) do que a Reserva Extrativista é sua expressão teórico-prática num determinado momento de sua história. Assim, falar de seringueiros sem falar do movimento que deu/dá sentido e qualidade a essa identidade é contribuir para, com essa descontextualização, reduzi-lo ao folclore. Desmontado o lado seringalista da sociedade acreana, os seringueiros começarão a construir uma identidade política própria. Com a retirada dos “de cima” da cena os “de baixo” tiveram que se haver mais uma vez e em outros sentidos por conta própria. De início, sem dúvida, sem mediações e, depois, com/contra as Comunidades Eclesiais de base; com/contra os sindicatos, e com/sem a imprensa alternativa e com/contra alguns intelectuais e, assim como em algum momento os marreteiros, se constituíram em meios, em mediadores importantíssimos para lhes proporcionar a afirmação de suas matrizes de racionalidade, de seus modos de vida, de seu habitat, a floresta. Daquela histórica tensão de territorialidades que comandou a sociedade/geografia acreana até os anos sessenta entre, de um lado, a Territorialidade dos Coronéis de Barranco que se estruturava por cima e, de outro, a Territorialidade dos Seringueiros Autônomos que se estruturara por baixo, restara aos protagonistas dessa última ter que se reterritorializar numa luta tensa e intensa com/contra os novos protagonistas chegados do Sul, os “paulistas”. 84 GEOgraphia – Ano 1 – No2 – 1999 Gonçalves 27. Essa legitimidade impele todos os outros movimentos a procurarem se qualificar invocando aquelas qualidades que acreditam suas e que vêm traduzidas na identidade seringueira. Nossa pesquisa permitiu identificar alguns desses encontros através dos quais os seringueiros construíram sua própria identidade e que estão materializados na Reserva Extrativista, numa evidente Territorialidade Seringueira. Encontros esses cujos sujeitos instituintes se faziam a partir de diferentes lugares e escalas e com/contra os quais os seringueiros moldaram/foram moldados a partir de suas próprias experiências materializadas/incorporadas. Destaquemos, pois, esses encontros/confrontos: 1- Com/contra o Capital na sua forma específica de fazendeiros pecuaristas ou simplesmente de rentistas que, com seus títulos de propriedade, se credenciavam a captar mais valia social via incentivos fiscais, logo, via Estado. Na linguagem acreana são os “paulistas”, os “latifundiários”. 2- Com/contra o Estado que ora patrocina o capital, os “paulistas”, ora oferece um lote a um seringueiro na própria medida em que a resistência às expulsões aumenta. Os ocupantes seringueiros-caboclos, na medida que se transformam em “posseiros”, em Kaxinauá, Apurinãs, em “colonos”, em Kampa, em “seringueiros”, enfim, na medida que se qualificam exigem que o Estado os qualifique como interlocutores. Assim, ora são tratados como caso de polícia, ora com mini-usinas ou com Projetos de Assentamento Dirigido sempre contra as organizações instituídas pelos próprios protagonistas “de baixo”. 3- Com/contra a Igreja com suas Comunidades Eclesiais de Base, suas pastorais, sobretudo a Comissão Pastoral da Terra mas, também, o Conselho Indigenista Missionário - CIMI - e ainda seus párocos mais ou menos ligados e, até mesmo, contra a Teologia da Libertação com/contra sua percepção da questão da terra e da lei. E, sobretudo, com/contra sua visão de colono do sul do país, legalista por sua inserção territorial específica de um Estado dentro de um Estado. 4- Com/contra o movimento sindical, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - Contag - e os mais diferentes sindicatos, e toda uma cultura já materializada nesse campo específico, sobretudo a tensão entre o legal, enquanto direito a ser estendido à categoria, e a invenção de direitos. Registre-se que a Reserva Extrativista não é uma figura jurídica dada. É, muito mais, invenção de direitos o que, por si mesmo, indica sua relação com/contra a legalidade. 5- Com/contra o Movimento Ambientalista que via mais a floresta do que os Povos da Floresta e, reconheçamos, menos no Acre do que nas escalas nacional e internacional. Registre-se que a Reserva Extrativista é uma ruptura teórica com o conceito de unidade de conservação ambiental que não incorpora o homem e sua cultura como seu protagonista e aponta para aquilo que Enrique Leff chamou racionalidade ambiental (LEFF, 1994). 6- Com/contra os Partidos Políticos que, assim como expressavam, nas diferentes circunstâncias, as demandas postas pelos seringueiros, ao mesmo tempo que- 85 A Territorialidade Seringueira riam tutelá-los. Aqui o PMDB, o PT, o PV, o PC do B e sua dissidência o PRC foram os mais significativos. Aqui, o fato do principal intelectual seringueiro, Chico Mendes, ser ele mesmo comunista jogou um papel relevante nesse jogo de espelhos com/contra o qual o movimento dos seringueiros foi tecendo sua identidade. 7- Com/contra o Movimento Cultural - Varadouro ou pelo Projeto Seringueiro que se encontra com o Projeto Integração do Ministério da Cultura - que busca inventar, nas circunstâncias, uma identidade para um Acre/para uma Amazônia que parecia não ser nosso/a posto que invadido/a por “paulistas” ou pelo “capital estrangeiro”. Ser seringueiro e/ou ser caboclo que se faz índio, ou melhor, Caxinauá, Kampa, Jamamadi, Apurinã, Kulina. Foi sobretudo através do movimento sindical que, no Acre, os seringueiros inventaram sua identidade e a materializaram na proposta de Reserva Extrativista. Através de múltiplos encontros/confrontos os seringueiros vão se fazendo através dessas outras identidades, delas se apropriando/negando e, assim, se definindo, num sentido muito preciso do que seja definir, isto é, que busca se delimitar, num processo de autonomia que, sabemos, mergulha numa trajetória histórica secular. Esse Seringueiro Autônomo, ocupante, que dominava a paisagem acreana, com seu discurso da ação não verbaliza propostas políticas, no entanto elas existem; não propõe alvos claros contra os quais se desenvolve o combate, porém eles não estão ausentes; não define estratégias explícitas para alcançar o fim desejado, porém, estas se fazem o tempo todo presentes. Por sua dinâmica, se faz presente e ausente, contínuo e descontínuo, definido e indefinido. Em outras palavras, o discurso da ação não oferece visibilidade enquanto tal. (MARONI, 1982 :18) Esse Seringueiro Autônomo é que se constituirá no sujeito da resistência, de uma luta para afirmar um determinado modo de ser, de existir. A TERRITORIALIDADE SERINGUEIRA Resumo: O artigo parte do pressuposto que na expressão “luta de classes” o termo forte é “luta” e não “classes”, acompanhando o historiador inglês E. Thompson e o sociólogo francês P. Bourdieu. Assim, é a luta que cria o movimento social entre os seringueiros, evidenciando-se que são as lutas, e não o contrário, que dão origem às classes. O movimento social é visto, assim, rigorosamente, como “mudança de lugar” (social). O movimento dos seringueiros significa a passagem da ação territorial à identidade que ela inventa, validando a teoria da ação de que é através das lutas que o implícito cresce e ganha a dimensão do explícito. Palavras-chave: Teoria da Ação, Luta territorial, Identidade. 86 GEOgraphia – Ano 1 – No2 – 1999 Gonçalves RUBBER-TAPPER’S TERRITORIALITY Summary: This article has the pressuposition that in the expression “class struggles” the main term is “struggle” and don’t “classes”, likewise the English historian E. Thompson and the French sociologist P. Bourdieu. So, the struggle create the social movement among rubber-tappers, showing that the struggles originate classes, not the opposite. The social movement is seen just as “change of (social) place”. The rubber-tappers movement means the way from the territorial action to the identity that it creates. So, it validates the action theory in which it is through the struggles that the implicit grows and acquires the concret dimension of the explict. Keywords: Action Theory, Territorial Struggle, Identity. BIBLIOGRAFIA ABRAMOVAY, Ricardo (1992): Paradigmas do Capitalismo Agrário em Questão, São Paulo Ed. Hucitec. 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