segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008
RESUMO DE LIVRO
ORLANDI, Eni Puccinelli (org.) Discurso Fundador: A formação do país e a construção da identidade nacional. São Paulo: Pontes, 1993.
“O discurso fundador, tal como o tratamos nessa reflexão conjunta, não se apresenta como já definido, mas antes como uma categoria do analista a ser delimitada pelo próprio exercício da análise dos fatos que o constituem...” (p. 7)
“... os discursos fundadores são discursos que funcionam como referência básica no imaginário constitutivo desse país. E a nossa tarefa é então mostrar como é que eles se estabilizam como referência na construção da memória nacional” (p.7)
“... os sentidos não têm origem, não pertencendo, de direito, a lugar nenhum... há uma história de constituição dos sentidos... O fato é que na constituição dos sentidos eles podem sofrer um deslizamento, um processo de transferência que faz com que apareçam como deslocados”.
“A organização dos sentidos é trabalho ideológico” (p. 7)
“... as práticas sócio-históricas são regidas pelo imaginário, que é político” (p. 7)
-As forças desorganizadoras também fazem parte do processo de instituição dos sentidos. Desmontar as certezas... as relações de forças são silenciadas “... é esse o trabalho que procuramos trazer para a reflexão sobre o discurso fundador. Sem defini-lo categoricamente, procuramos pensá-lo como a fala que transfigura o sem-sentido em sentido” (p. 8). Os textos apresentados neste livro servem para “refletir sobre a questão da formação dos sentidos” (p. 9.).
- Conhecermos o “modo pelo qual idéias que lhe parecem naturais são formadas em um processo com um percurso às vezes mais, às vezes menos longo, mas sempre repleto de particularidades que desaparecem freqüentemente no efeito de evidência produzido na relação dos sujeitos com seus discursos. É essa naturalidade, e essa sensação de evidência que procuramos deslocar em nossa reflexão” (p. 9).
VÃO SURGINDO SENTIDOS (Eni P. Orlandi, p. 11)
“Como do sem-sentido se faz sentido e irrompe o sentido novo? Como, diante de um mundo novo, com coisas, seres e paisagens ainda não nomeados vai surgindo um sentido, vão surgindo nomes?” (p. 11).
- No livro de 90, dedicou-se aos processos de apagamento dos sentidos diferentes.
“Como, de um lado, a partir da certeza do já-dito, e, de outro, do nunca experimentado, sentidos chegam e se transformam em outros, abrindo um lugar para a especificidade de uma história particular, na sua forma plural: as histórias do Brasil” (p. 11).
“O sem-sentido é considerado perigoso e irresponsável” Pêcheux. “Como significar o sem-sentido? Como significam os novos sentidos tanto para o europeu como para os habitantes do Novo Mundo?” (p. 11).
“Nesse livro estaremos assim explorando a dimensão do discurso que é mais difícil de apreender: a de seu acontecimento. É nessa dimensão que melhor se pode observar a relação com o sem-sentido, já que, embora no discurso, estrutura e acontecimento se entrelacem inextricavelmente, na dimensão estruturante o sem-sentido se deixa construir com a aparência do sentido estável, coerente e homogêneo”. (p.11).
Construção do significar
Apagamento por uma memória já estabelecida dos sentidos (o já-dito)
Resistência ao apagamento e a conseqüente produção de outros sentidos
O retorno do recalque (do que foi excluído pelo apagamento)
- O desaparecimento rápido de nossa memória nacional pede um inventário dos lugares em que ela se encarnou eletivamente e que, pela vontade dos homens ou o trabalho dos séculos ficaram como seus mais claros símbolos: festas, emblemas, monumentos e comemorações, ma também louvações, arquivos, dicionários e museus (Pierre Nora).
“... enunciados, como os dos discursos fundadores, aqueles que vão nos inventando um passado inequívoco e empurrando um futuro pela frente e que nos dão a sensação de estarmos dentro de uma história de um mundo conhecido... são enunciados que ecoam e reverberam efeitos de nossa história em nosso dia-a-dia, em nossa reconstrução cotidiana de nossos laços sociais, em nossa identidade histórica” (p. 12).
“Ainda que nem sejam exatamente os que repetimos em nosso discurso social, diferentes, já do que encontramos nos documentos históricos. Não são os enunciados empíricos, são suas imagens enunciativas que funcionam. O que vale é a versão que ficou”. P. 12.
“São espaços da identidade histórica (lugares de memória): é memória temporalizada, que se apresenta como institucional, legítima” (p. 13).
- São nesses lugares de memória que o sem-sentido passa a ter sentido. “Não estamos pensando a história dos fatos, e sim o processo simbólico, no qual, em grande medida, nem sempre é a razão que conta: inconsciente e ideologia aí significam” (p. 13). Não falamos de história factual, mas das relações com a linguagem e com os sentidos... Aquela que ao significar, nos significamos... “nos constroem um imaginário social que nos permite fazer parte de um país, de um Estado, de uma história e de uma formação social determinada” (p.13).
“Mas também se fundam sentidos onde outros sentidos já se instalaram” (p. 13)
- É possível a ruptura, pois como diz Pêcheux, “não há ritual sem falha” (1991). É possível instaurar-se uma nova ordem de sentidos. “O que o caracteriza como fundador – em qualquer caso, mas precisamente neste – é que ele cria uma nova tradição, ele re-significa o que veio antes e institui aí uma memória outra” (p. 13).
“O sentido anterior é desautorizado. Instala-se outra tradição de sentidos que produz os outros sentidos nesse lugar. Instala-se uma nova filiação. Esse dizer irrompe no processo significativo de tal modo que pelo seu próprio surgir produz sua memória. Esse processo é a instalação do discurso fundador, irrompe pelo fato de que não há ritual sem falhas, e ele aproveita fragmentos do ritual já instalado – da ideologia já significante – apoiando-se em retalhos dele para instalar o novo”. (p. 13).
“Essa é também uma das características do discurso fundador: a sua relação particular com a filiação. Cria tradições de sentidos projetando-se para frente e para trás, trazendo o novo para o efeito do permanente... É talvez esse efeito que o identifica como fundador: a eficácia em produzir o efeito do novo que se arraiga, no entanto, na memória permanente (sem limite). Produz desse modo o efeito do familiar, do evidente, do que só pode ser assim”. (p. 14.)
“Em se plantando tudo dá... Aí já se produziu um discurso sobre o Brasil, a partir de um enunciado fundador. Nesses percursos e ressonâncias, isso vai dar no traço ideológico da fala sobre a preguiça inerente à raça...”p. 14 (Ideologia do ser brasileiro – reverbera sentidos).
- Os fatos reclamam sentidos, daí sua historicidade. “... há outros objetos simbólicos que constituem igualmente discursos fundadores” p. 14.
- OS SENTIDOS NÃO PARAM NO LUGAR.
- FILME: Aguirre, cólera dos deuses. Os espanhóis constroem um “nós” que não é o índio, mas já não é o lugar do espanhol. Realiza um deslocamento de sentidos, pois a epopéia que na essência é busca do El Dorado, é mostrada como a busca de poder e fama.
- A prática simbólica deles realiza esse deslocamento, já que o El Dorado é inatingível, “Instituem um outro lugar de sentidos estabelecendo uma outra região para o repetível (a memória do dizer), aquela que a partir de então vai organizar outros e outros sentidos, a dos latino-americanos. É a isso que chamamos discurso fundador” p. 15.
- Era preciso dar nomes, tornar visível, esclarecer e domesticar o acontecimento que era esse encontro com o desconhecido, o Novo Mundo. Tornar familiar uma realidade hostil. “Todo o percurso em busca do Eldorado é uma relação com a loucura com a conquista, com os sentidos do sem-sentido. Romper com o Velho Mundo e instalar o Novo a partir daquilo que encontravam. Nomes eram dados arbitrariamente, assim como eram arbitrários os limites que impunham ao acaso para ter um país configurado... Dar sentidos é construir limites, é desenvolver domínios, é descobrir sítios de significância, é tornar possíveis gestos de interpretação”. P. 15
“Constroem-se os domínios e se instituem, ao mesmo tempo, os lugares legítimos para os domínios sejam respeitados” p. 15
“Nesse cenário procuramos compreender apenas um instante fátuo e de importância crucial: os gestos fundadores, aqueles que assentam a turbulência do desconhecido e do sem-sentido no provisório descanso do que faz sentido, daquilo que acalma a relação do homem com o símbolo” p. 16.
- Houve uma ruptura no mundo dos migrantes, em meio ao sem-sentido, não se reconheceram no caminho. “Daí a necessidade constante de dar sentidos ao novo, num movimento de identificação, que retorna sobre si” p. 16.
“O fundador busca a notoriedade e a possibilidade de criar um lugar na história, um lugar particular. Lugar que rompe no fio da história para reorganizar os gestos de interpretação” p. 16.
“...existem lendas que constituem a identidade mas não são discursos fundadores. A do Saci, a do lobisomem não são. A das Amazonas é. E o que faz dela uma lenda que é um discurso fundador?... ela faz parte da origem do país, ou melhor, ela é constitutiva da delimitação do país. O Brasil é o país das Amazonas’ p. 16.
“Um fato real... era re-criado até tornar-se fantástico... Que terreno fértil esse que confunde a realidade, a imaginação (a ficção, a literatura) e o imaginário (ideologia, o efeito de evidência construído pela memória do velho mundo)” p. 17.
“Nasce de um fato real, passa para o maravilhoso, se enriquece de detalhes concretos de origens diversas da experiência dos conquistadores e se tece uma trama coerente que dá verossimilhança à lenda, produzindo evidência sobre a história do país, que não pode se confundir com as lendas que se contam sobre ele... Aí se processa o mecanismo ideológico de construção imaginária da realidade com seus efeitos de evidência” p. 17.
“E aí está a marca – discursiva, não conteudística – do discurso fundador: a construção do imaginário necessário para dar uma cara a um país em formação; para constituí-lo em sua especificidade como um objeto simbólico” p. 18.
“O que nos importa é observar esse movimento entre o real da descoberta (sem-sentido), a fantasia (imaginação), e a ideologia (imaginário), produzindo a realidade dessa história que se está fazendo. E que produz o efeito de que a ideologia sempre está fora da história (oficial). Por seu lado, essa história aproveita, do discurso fundador, o fato de que nele há ainda uma indistinção entre imaginação, imaginário e realidade” p. 18.
“A noção de discurso fundador, como podemos observar, é capaz, em si, de muitos sentidos. Um deles, que ainda não mencionamos aqui, é o que liga a formação do país à formação de uma ordem de discurso que lhe dá uma identidade” p. 18.
“Em um sentido geral, assujeitar é civilizar o gentil para não exterminá-lo” p. 20.
- Região de sentidos: estão os dizeres que constroem o ser brasileiro.
“Preguiça, mentira, ócio, confiança desmesurada no futuro, e maus costumes, eis as qualidades que são atribuídas como naturais ao brasileiro... E que resultam na derrota do emprenho dos colonizadores” p. 21
“... o que sabe línguas, apaga a língua indígena em função do português, o que forja o ferro, o faz para os conquistadores... Não exercem suas profissões a partir das necessidades do país... Sua produção não se integra no fazer do país, mas para fazer um país. Esta é a ambigüidade dos habitantes nascentes, esta é a clivagem do discurso fundador: fazer um país (brasileiro?) para os portugueses. Divididos, diante do desconhecido e do sem-sentido, entre o que já tem uma história (uma memória) e o que resiste a um sentido que lhe vem de fora”. p. 22.
“A metáfora aí é um modo de ir para o mesmo, mas produz ruptura. Isso porque no discurso fundador o opositor não existe: a história é no agora” p. 22.
- O “mesmo” abriga um “outro”, um “diferente” que o constitui na aparência da mesmice.
- Sítio de significância – estabelece uma nova paisagem enunciativa – a de um novo país.
- Historicidade do processo discursivo: O nascimento do Acre passou por uma instauração de significado.
“Pela reflexão que vimos desenvolvendo já se pode ver que o discurso fundador pode ser observado em materiais discursivos de diferentes naturezas e dimensão: enunciados, mitos, lendas, ordens de discurso, mecanismos de funcionamento discursivo etc. Fica assim em aberto a possibilidade de se explorarem materiais de qualquer natureza e dimensão. O que define o discurso fundador, a nosso ver, não são esses materiais, mas a historicidade tal como a enunciamos anteriormente...” p. 23.
“...a ruptura que cria uma filiação de memória, com uma tradição de sentidos e estabelece um novo sítio de significância. O discurso fundador se faz em uma relação de conflito com o processo de produção dominante de sentidos, aí produzindo uma ruptura, um deslocamento. Não se trata pois, quando falamos em discurso fundador, de pensar em fundação de sentidos como se eles pudesse ter uma origem punctural... sentido e sujeito se constituem ao mesmo tempo e não têm uma origem circunscrita referível.
O que estamos dizendo do discurso fundador contempla a instância da produção dos sentidos... A noção que se relaciona ao que estamos dizendo do discurso fundador é, na instância do sujeito, a da função do autor.
O eu do autor remete a um indivíduo sem equivalente que, em um tempo e lugar determinados, cumpriu um certo trabalho, Ele se define em relação a uma obra.
Mas se a função autor pode ser assim concebida (cf. Foucault, 1983) como instituindo um quadro restrito e privilegiado de produtores originais de linguagem, preferimos de nosso lado de-sacralizar essa noção e estendermos a função autoria para o cotidiano, toda vez que o produtor de linguagem se coloca na origem, produzindo um texto com unidade, coerência, não-contradição e fim... o autor é um sujeito responsável pelo que diz... Freud, Marx e Saussure são fundadores de discurso, e não apenas autores (Orlandi, 1990; 1992) ” p. 24.
“... embora a noção de discurso fundador possa corresponder, no dia-a-dia, a discursos que produzem rupturas localizadas e que são função da atividade discursiva que é em si estrutura e acontecimento, portanto capaz do novo, do deslocamento na filiação da memória – preferimos guardar o nome de discurso fundador para o que se chama, em Foucault instauração de discursividade: quando os autores não são apenas autores de suas obras, mas quando produzem alguma coisa a mais: a possibilidade e a regra de formação de outros textos” p. 24.
“No caso presente, analisamos justamente esse fato de linguagem: a formação de um discurso, ou seja, a situação específica do discurso fundador, que aqui estudamos não na ordem da ciência, mas no da história da formação de um país. E concluímos que é discurso fundador o que instala as condições de formação de outros, filiando-se à sua própria possibilidade, instituindo em seu conjunto um complexo de formações discursivas, uma região de sentidos, um sítio de significância que configura um processo de identificação para uma cultura, uma raça, uma nacionalidade” p. 24.
“E são vários os caminhos a serem percorridos no entendimento do que seja o discurso fundador, quando se trata de pensarmos a formação de um país” p. 25.
INDEPENDÊNCIA E MORTE
(Eduardo Guimarães)
- Aborda o enunciado “INDEPENDÊNCIA ou MORTE!” Para apreende os seus efeitos de sentido que aí se dão. “... o enunciado em questão é posto como o enunciado que inaugura a nação brasileira”p. 28
- Semântica da enunciação: considera o sentido como função da situação, onde o sujeito, como locutor, é o parâmetro organizador, sendo ao mesmo tempo, fonte, origem do sentido.
“Para nós, a enunciação é histórica, portanto não se reduz a um evento em uma situação, e não se reduz tampouco a um ato do sujeito, ou de falar com alguém, ou de apropriar-se da língua... A enunciação é, então, um acontecimento de linguagem, perpassado pelo interdiscurso, que se dá como espaço de memória no acontecimento. É um acontecimento que se dá porque a língua funciona ao ser afetada pelo interdiscurso” p. 28.
- A autora questiona o fato de enunciado significar em fez do acontecimento que antecedeu o 7 de setembro que foi a convocação da Assembléia Constituinte (junho de 1822). Mais significativo para a instauração da nação é a constituição, mas a frase é que marcou a história. “Esta enunciação é vista no imaginário brasileiro como inaugural da nação brasileira” p. 29.
-Qual o lugar da enunciação? “A perspectiva desta enunciação é a dos proprietários portugueses e brasileiros radicados no Brasil” p. 29. O que entrou na história foi a força do imperador e não a da Constituinte ou a do povo. De quem é a independência de que se fala; de quem é a morte? Independência para os proprietários radicados no Brasil ou a morte dos mesmos. É um compromisso que D. Pedro firma com os proprietários, a declaração de independência não é uma declaração de guerra, mas a afirmação da sobrevivência, não necessariamente física, mas como classe social.
“Ou seja, a enunciação inaugural da nação brasileira é uma enunciação sobre a sobrevivência dos proprietários de terras... comemorar a enunciação deste enunciado é comemorar a sobrevivência dos proprietários brasileiros e portugueses radicados no Brasil, relativamente a Portugal” p. 30
“Então, o imaginário sobre nossa independência interpreta como universal para todos os brasileiros o que era específico para uma classe social” p. 30.
OS PRIMÓRDIOS DA IMPRENSA NO BRASIL
(ou: de como o discurso jornalístico constrói memória)
Bethania Mariani
“Ao invés de propiciar a inscrição do Brasil na modernidade do século XIX, o surgimento oficial de uma imprensa brasileira reinstalou, reforçou as diferenças entre a Corte e a Colônia, entre o Velho e o /Novo Mundo, uma vez que não deu vol e vez aos brasileiros” p. 32.
“Este falar sobre o Brasil a partir de jornais passa a integrar, e ao mesmo tempo divulgar, o conjunto de discursos (literários, etnológicos, políticos, religiosos, etc) que desde o século XVI vem produzindo sentidos, instaurando memória... reflexão sobe a participação da imprensa na constituição histórica da memória oficial do Brasil”.
Divulgar discursos que produzem sentidos instauradores da memória nacional.- Analisar os processos discursivos que vão provendo o brasileiro de uma definição que, por sua vez, é parte do funcionamento imaginário da sociedade brasileira” p. 32.
JORNAIS
Capta, transforma e divulga acontecimentos, opiniões e idéias.
- O jornal lê o presente e organiza o futuro. Legitima o passado a virar memória, pois regra os fatos do presente, no futuro. “... o discurso jornalístico toma parte no processo histórico de seleção dos acontecimentos que serão recordados no futuro... uma vez que ao selecionar está engendrando e fixando sentido pára estes acontecimentos, a imprensa acaba por constituir no discurso um modo de recordação do passado... o discurso jornalístico tanto se comporta como uma prática social produtora de sentidos como também, direta ou indiretamente, veicula as várias vozes constitutivas daquele imaginário.” p. 33.
“O brasileiro não fala nestes jornais (Correio Braziliense e Gazeta do Rio de Janeiro), ele é falado pelo europeu” p. 33.
“Em sua gênese, portanto, a Gazeta do Rio de Janeiro traz a marca de censura prévia”p. 33 – o governo nomeou por decreto censores. “Nos jornais, a auto-censura passa a ser praticada como uma forma de defesa do dizer, um dizer que se restringe à idéia de informação” p. 35.
- informar é fruto de dupla censura: a) externa: a do Estado e do sistema jurídico; b) interno: a da própria atividade jornalística. Havia o efeito de transparência produzido pelo apagamento do sujeito.
O JORNAL CORREIO BRAZILIENSE p. 36.; A GAZETA DO RIO DE JANEIRO (p. 39).
“O tema da construção da memória histórica representa com certeza uma questão que vem sendo cada vez mais desenvolvida sistematicamente pela Análise do Discurso, sobretudo quando analisado do pondo de vista de como a história se faz materialmente presente, enquanto memória, no discurso... os processos discursivos que atuam na perpetuação e cristalização de determinados sentidos em detrimento de outros, ou seja, processos discursivos que tecem e homogeneízam a memória de uma época. O papel da memória história seria, então, o de fixar um sentido sobre os demais (também possível) em uma dada conjuntura... considerar que ocorre um silenciamento temporário dos sentidos excluídos” p. 41.
“A memória é constituída por faltas, lacunas que são repletas de historicidade” p. 41.
- Se a memória fosse homogênea, repetiríamos de modo infindável sentidos imutáveis. O apagamento produzido pelo discurso jornalístico “apresenta fissuras, espaços de resistência onde outros sentidos podem emergir” p. 42.
MANIFESTOS MODERNISTAS:
A IDENTIDADE NACIONAL NO DISCURSO E NA LÍNGUA
(José Horta Nunes)
- Serão analisados dois manifestos: a) Manifesto de Gilberto Freyre (1926) – é um movimento nacional pelo regionalismo; privilegia os elementos naturais; fala das curiosidades e das singularidades do Brasil a partir da perspectiva do europeu. Trata do olhar europeu que busca as coisas que mais lhe agradam. Recusa a imitação, prefere enfatizar a originalidade. O que é característico e o que lhe é pitoresco ou curioso? É o discurso sobre as curiosidades do Brasil, que, por sua vez, formam a nacionalidade. O discurso sobre a paisagem acentua o aspecto natural e substitui o que é estrangeiro. O brasileiro não é identificado com o índio. “... o Brsil é isto: combinação, fusão, mistura”. b) Manifesto de Oswald de Andrade (1928) – a antropofagia, o referencial é a cultura indígena.
“... observamos o modo como se diz ‘nós’, brasileiros, no discurso, ou seja, o modo como se sustentam as posições enunciativas ao se falar quem somos, quem fomos, como nos caracterizamos etc., diante das formações discursivas em jogo quando se rala sobre o brasileiro” p. 43.
A BOA NOVA DA MEMÓRIA ANUNCIADA:
O DISCURSO FUNDADOR DA AFIRMAÇÃO DO NEGRO
Pedro de Souza
- Duais posições: a) o escravo como um instrumento passivo diante do domínio dos senhores brancos. b) o negro como um agente ativo que se rebela contra o escravismo. “Destruir, portanto, a perspectiva histórica de que os escravos não lutaram contra o cativeiro é o mote fundamental deste discurso de reação. Neste plano, a estratégia é transformar em mito a passividade do negro e estabelecer a resistência e o ativismo dos escravos como a verdade histórica” p. 59.
- O autor trabalha com a questão da instituição da verdade, a elaboração da subjetividade para os indivíduos da raça negra. DISCURSO – conjunto regular de fatos lingüísticos. DISCURSO como acontecimento – “... como processo de produção de sentidos provenientes do confronto de forças analisáveis segundo coordenadas históricas de tempo, espaço e posições de poder... o que interessa observar é o processo que o instaura como discurso fundador de uma forma-sujeito num campo social preciso em que a afirmação subjetiva de um grupo do socialmente excluídos está em questão” p. 60.
- Identificarmos o efeito fundador do manifesto. “Trata-se de observar, na forma lingüística e na estrutura enunciativa, o interdiscurso ou efeito do pré-construído que dá existência a um modo de subjetividade para o negro” p. 61.
- Produzir no anteriormente-dito o efeito do novo.Produção do novo a partir do já-dito.
“No caso do discurso fundador da afirmação do negro, é o pressuposto do conceito de verdade histórica que constitui o imaginário sustentador das referidas reconstruções parafrásicas da memória discursivas pertinente à esfera do saber historiográfico... antes de ser um fato, Palmares é uma narrativa que, conforme as condições de produção, adota a feição de uma lenda ou de uma testemunho alçado ao valor de verdade histórica” p. 65.
- “Nós” é uma referência dêitica. Subjetividade negra – o eu negro.
A ANTIÉTICA DA VANTAGEM E DI JEITINHO
NA TERRA EM QUE DEUS É BRASILEIRO
(o funcionamento discursivo do clichê no processo de constituição da brasilidade)
Maria Cristina Leandro Ferreira
“Assimilamos os sentidos assim produzidos pelas muitas vozes que nos definem e os incorporamos ao funcionamento imaginário da sociedade” p. 69.
- Há um discurso submerso no discurso oficial – o silêncio fazendo sentido. Analisar a constituição da discursividade da brasilidade.
- O estereótipo é a impressão que fica, é inalterável, o típico, o peculiar. Impregnação dos sentidos. O efeito do repetível atua na significação do estereótipo. Deslizamento de sentido – a polissemia. Não há fossilização perfeita do sentido. Patriotismo – sentidos que circulam no imaginário de uma nação. Sentir-se brasileiro, ou seja, cidadão. É uma atitude frente ao país: amá-lo.
- O enunciado pode ter seu surgimento historicamente localizado.
SER BRASILEIRO HOJE
Luiz Francisco Dias
- Analisa os processos discursivos que configuram o ser brasileiro. Como os traços de memória, enquanto materialidade discursiva, exterior e anterior à existência de uma seqüência dada, intervêm para constituí-la. “A enunciação de uma seqüência lingüística se constitui em discursividade segundo as condições históricas e obedecendo às condições formais de ordem lingüística”. P. 82-83.
- A constituição do discurso é regulada pelo interdiscurso (Coutrine).
- A unicidade do sujeito e da linguagem é um efeito ideológico elementar à constituição do discurso.
- RAREFAÇÃO DA BRASILIDADE, impõem à linguagem a fixação de um sentido específico no lugar de memorial.
- O discurso oficial é uma cristalização fixadora de uma memória de nação.
A FUNDAÇÃO DE UM DESTINO PARA A PÁTRIA ARGENTINA
Maria Teresa Celada
- O discurso que se aponta como fundador não garante os efeitos de fundação que pretende. São vontades fundacionais.
- O objetivo é acenar as modalidades de sedimentação de determinados sentidos num ponto determinado do interdiscurso.A produção de sentido é regulada.
- A falta de sentido gera inquietação. Há um esforço por instaurar e legitimar uma ordem de coisas. Territorialização de práticas em função de seu relacionamento com a verdade (eficácia do dizer).
- Discurso Fundador: opera como metáfora inicial de empreendimentos posteriores.
“...a produção dos efeitos que atribuímos a nossa fundador é muito mais do que um reconhecimento de significações que se repetem, O discurso não seria fundador por dizer alguma coisa pela primeira vez; nem por que se possa determiná-lo a parte de evocações anafóricas que repetem ou retomam co-referencialmente aquela mesma cosia” p. 109.
- O SENTIDO é uma errância, é uma dispersão sem a origem. “No discurso, por sua própria constituição, não há fundação num sentido absoluto ou num grau zero. Por isso, não se trata da procura de um limiar ou de uma origem, mas de uma interrupção de praticada nos pontos de concentração em que a constituição ou sedimentação dos sentidos pode ser reconhecida” p. 109-110.
RESSONÂNCIAS FUNDADORAS E IMAGINÁRIAS DE LÍNGUA
Silvana M. Serrani
- O presente trabalho trata da paráfrase na análise do discurso. “... propus conceber a paráfrase enquanto ressonância interdiscursiva de significação. Aqui procurei mostrar que as ressonâncias interdiscursivas constituem mecanismos essenciais e lugar privilegiado para estudar o discurso fundador de um imaginário social...” p. 113.
- O discurso fundador não é um fato datado, que se daria em uma certa época, em uma certa região. “... analisar esse discurso fundador de entendido, entendido como aquele que cria um outro lugar do qual falar” p. 116.
“... uma análise do discurso fundador na perspectiva propugnada aqui, seja o enfoque da análise desse corpus... A analise , então, em vez de estar destinada a estabelecer quais presença ou ausências de signos distinguem tipos de discurso entre si, tenciona mostrar como o funcionamento discursivo de uma determinada operação lingüística permite a um conjunto de seqüências discursivas, consideradas as condições de produção, integrar (contraditoriamente) elementos de seu exterior heterogêneo”.
“Como se sabe, a noção de interdiscurso remete ao exterior específico de uma Formação Discursiva (FD),[1] concebida como constitutivamente composta por elementos que provêm de fora – isto é, de outras FD – e esses elementos fornecem-lhe suas evidências discursivas fundamentais. A linearidade, a dimensão horizontal do discurso, ou seja, a cadeia do discurso, é estudada mediante a noção de intradiscurso. O que nos interessa destacar aqui é que justamente a análise dominante da dimensão interdiscursiva é que evidenciará elementos e o modo de constituição de um discurso fundador de sentidos” p. 117.
“... uma das principais condições de possibilidade da Análise do Discurso é a repetição e um dos modos exemplares de realização desta é a paráfrase” p. 119
- Ressonância é uma paráfrase, ou seja, o efeito de vibração semântica em que é produzida a significação. São efeitos de sentido de determinadas construções sintático-enunciatvas, na estruturação dominante de um discurso. Metodologicamente é preciso montar uma cadeia de repetibilidade. É preciso estudar essas “...ressonâncias interdiscursivas que funcionam como marcas fundadoras da construção das representações dominantes de um determinado imaginário” p. 125.
SONHANDO A PÁTRIA
Os fundamentos de repetidas fundações
(Mônica Graciela Zoppi Fontana)
- Por que na Argentina tudo dá errado? “Como conseguir que passado, presente e futuro se alinhem ordenadamente como continuidade, como racionalidade causal?” p. 128.
- Perpetuamos discursivamente o momento da fundação.
- O discurso político perpetua o ato fundacional das mais diversas formas. O discurso fundador político constrói-se como o lugar do novo positivo. “... que fecharia definitivamente um passado trágico e que permitiria, então prever um futuro promissor. Assim, o discurso alfonsinista não só perfila-se como promessa de mudança, mas ocupa o lugar de garantia dessa mudança, isto é, de condição necessária para que ela ocorra” p. 131.
- O dizer-se fundacional do discurso vianista é uma reformulação repetida ao longo dos anos: “Se abre uma nova etapa da história desse estado”. O passar do tempo não afeta o autoconferido caráter fundador deste discurso. É um fundar constante.
“A vertigem de fundações renovadas aprisiona o devir histórico numa sucessão acelerada, na qual o passado imediato some na fugacidade de um presente de emergência projetado para um futuro iminente” p. 132.
“... o grande paradoxo de um discurso que se diz fundacional é que ele se inscreve na história, negando-ª Dito de outra maneira, o caráter fundacional de um discurso não é mais do que o efeito de sentido produzido pela transmutação de dimensão temporal do acontecer histórico em mera representação do tempo, sob a forma de um relato ou narração histórica. Desta maneira, o tempo histórico torna-se uma imagem do tempo, que configura um lugar de narrador situado imaginariamente fora dele... um discurso que se pretende fundacional precisa produzir, como efeito do seu funcionamento enunciativo, uma ilusão de corte ou ruptura com os processos de sentido sedimentados como memória discursiva ” p. 133.
- As fundações vianistas clausuram o passado mediato pelo fato de se construírem sobre ele, ora negando-o (esquecimento narrativo), ora fechando-o no espaço cristalizado dos rituais comemorativos. Cria a ilusão da homogeneidade e da não-contradição.
- O Gesto Fundacional é aquele que permite montar uma narração histórica sustentada em certos esquecimentos estratégicos do passado, evidenciando-se como resolução imaginária do dilema fazer representável as contradições de devir históricos.
- Os cortes temporais[2] constituem as fundações. O discurso vianista produz um efeito de sentido de ruptura. É uma enunciação épica do presente. “... os processos pelos quais se desenha uma imagem do passado originário, isto é, analisando a representação que se faz no/pelo discursivo, da cena originária (e mítica) das primeiras fundações” p. 135.
- A DÊIXIS FUNDADORA[3] serve de sustentação discursiva para o atual gesto fundacional. O tom épico é adquirido em conseqüência de certas práticas discursivas ritualizadas de tipo comemorativo.
- O vianismo opera o apagamento do passado recente, mas recupera o passado originário[4]. O vianismo legitima sua enunciação, apresenta-se como continuador e herdeiro daqueles homens visionários.Com essa inscrição no interdiscurso o gesto fundacional do discurso vianista funciona discursivamente como um re-funda. O discurso vianista mobiliza uma DÊIXIS FUNDADORA que lhe permite não só reforçar a ilusão fundacional, mas legitimar essa fundação, inscrevendo-a num processo fundador mais vasto, cuja origem coincide com as origens da nação. A revolução foi um processo não-concluso, foi retomado pelo governo pt. A ilusão da continuidade é necessária para construir a representação imaginária de uma história linear e homogênea.
- Rituais discursivos da continuidade (Courtine, 1986) cuja presença produz um efeito de memória que funciona como gel histórico. Ilusão de uma história imóvel, o passado se presentifica. “... o político fica capturado nas malhas atemporais do mítico” p. 137. Congelamento imaginário do tempo histórico. O presente funciona como o lugar imaginário onde o tempo pode ser apreendido discursivamente na sua totalidade. Presente épico – grávido da presença do passado – saturado de agoras, imobilizado no tempo pelos efeitos de memória. O tempo atual é definido como decisivo, pura obra de titãs, o momento requer agir heróico. Basta observar os rituais comemorativos instaurados como prática freqüente durante o mandato do PT.
- A luta pelo sentido estabelece laços com o passado ou impõe rupturas. Tudo é construído pelo discurso.
“...o discurso da organização nacional, funcionando como memória discursiva, constitui-se como o discurso fundador dos processos de significação que sustentam os efeitos de sentido produzidos no discurso alfonsinista” p. 147.
SENTIDO, SUJEITO E ORIGEM
PAUL HENRY
“Meu propósito aqui é medir as conseqüências do fato de que não é possível dar ao problema do sentido e da significação, tal como ele coloca aos lingüistas, uma respostada definitiva. Vou sustentar que essa questão só pode permanecer aberta” p. 151.
- não há um código genético na palavra.
“A análise do discurso que tenta produzir, como resultado da análise, certas relações de paráfrase ou de equivalência semântica, de metáfora ou de metonímia, ao invés de tomá-los só como dados, ao invés de, por exemplo, opor a priori um sentido próprio e sentidos derivados... a categoria de discurso implica uma des-individualização do sentido e da significação” p.162.
BIBLIOGRAFIA
BENJAMIN, Walther. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultural. São Paulo: Brasiliense, 1987.
GOLDMAN, N. O discurso como objeto da história.
MAINGUENEAU, D. Gênese do discurso.
[1] Formação Discursiva é o espaço de reformulação-paráfrase, onde é determinado o que pode e deve3 ser dito em uma situação dada, de uma conjuntura histórica determinada.
[2] A partir dos quais se pode começar tudo de novo.
[3] Conceito definido por Maingueneau como “As situações de enunciação anteriores que a dêixis atual utiliza para repetição e da qual retira boa parte de sua legitimidade”.
[4] É produzido pela deixis fundadora a partir do mecanismo de presentificação.
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