A primeira proposta do Barão de Rio Branco foi a compra do território do
Acre, ficando o Brasil com a obrigação de se entender com o Bolivian Syndicate;
depois, a de permuta de territórios. A Bolívia recusou uma e outra. Agravou-se
a crise, e o mês de Janeiro de 1903 representou um momento dramático na
relações entre o Brasil e Bolívia. A 24 de Janeiro a resolução chefiada por
Plácido de Castro se achava de todo vitoriosa, tendo submetido e aprisionado a
guarnição boliviana de Porto Acre. Por sua vez, o general Pando, presidente da
Bolívia, estava em marcha, à frente de tropas, para invadir a região e submeter
os insurretos, enquanto o governo brasileiro preparava forças de terra e mar
com destino ao Acre.
Estava-se na expectativa de uma
guerra, com a opinião pública apaixonada e exaltada nos dois países.
Manifestações populares exigiam do governo uma ação violenta e imediata. Nos
círculos militares e políticos tinha-se como inevitável a solução pelas armas.
O presidente da República indagava já dos governadores do Amazonas e do Pará
que auxílios poderiam prestar, como conhecedores da região, as brigadas
policiais daqueles Estados. O assunto principal de todos os jornais e de todas
as reuniões era o Acre. Da questão técnica, em geral, quase nada conhecia o público
em tais discussões; era o sentimento, a paixão que fornecia os argumentos.
Enquanto os brasileiras se agitavam
em manifestações exaltadas no Rio – o Barão do Rio Branco trabalhava pela paz
no seu gabinete em Petrópolis. O seu temperamento de negociador encontra agora
ocupação adequada. Mantém-se, de janeiro a março, numa atividade febril,
ininterrupta, de quase todas as horas. Comunica-se, em constantes conferências
telegráficas, com os ministros da Guerra e da Marinha; discute, também pelo
telégrafo, com o governo boliviano; redige, quase todos os dias, despachos de
orientação ao ministro do Brasil em La Paz; conferencia pessoalmente, a cada
momento, com o ministro da Bolívia no Brasil. As suas decisões caem sobre os
acontecimentos com uma perfeita precisão, como se houvessem sido calculadas e
estudadas com rigor. Ele mede com certeza todo o seu alcance: as providências
enérgicas se alternam com os apelos conciliatórios; sem transigir quanto ao fim
essencial, deixa sempre aberta a porta para o entendimento e a negociação
amigável.
A 18 de Janeiro de 1903, Rio Branco
comunica à Bolívia que o Brasil dava ao artigo 2º do Tratado de 1867 uma nova
inteligência: a fronteira pela linha do paralelo de 10º 20’, e faz sentir ao
nosso vizinho “que o contrato de arrendamento, com os poderes dados ao Bolivian
Syndicate, é uma monstruosidade em Direito, importando alienação de soberania
feita em benefício de sociedade estrangeira sem capacidade sem capacidade
internacional. É concessão para terras da África, indigna do nosso continente”.
A 24, diante da notícia de que o presidente Pando pretendia ir combater os
brasileiros no Acre, “o nosso presidente resolveu concentrar tropas nos Estados
de Mato Grosso e Amazonas”.
Das notícias chegadas de La Paz
concluía-se que o governo boliviano recusa todos os alvitres de moderação e
senso diplomático. O vice-presidente da República, amigo do Brasil, havia sido
exilado. A uma primeira notícia, dizendo que o general Pando suspendera a
expedição militar, seguia-se outra em que se confirmava a partida do
presidente, ao mesmo tempo que o governo boliviano recusava entrar em
negociações sem que fosse pacificado o Acre e libertada a sua guarnição. A
despeito de ter autorizado Cláudio Pinilla, ministro, desde o dia 24, o general
Pando, a 26, saía de sua capital à frente de tropas.
Decide-se Rio Branco, então, por uma
medida extraordinária: em combinação com o presidente da República, os
ministros da Guerra e da Marinha, determina a ocupação militar do território do
Acre.
A 3 de fevereiro escrevia Rio
Branco:
O Govêrno Brasileiro não quer romper as suas relações
diplomáticas com o da Bolívia. Continua pronto para negociar um acôrdo honroso
e satisfatório para as duas partes, e deseja muito sinceramente chegar a êste
resultado. O Sr. Presidente Pando entendeu que é possível negociar marchando
com tropas para o norte. Nós negociaremos também fazendo adiantar fôrças para o
sul, com o fim já declarado.
Foi
decisivo, pela sua importância e significação, êsse despacho do 3, enviado ao
ministro do Brasil em La Paz, que o deveria passar, por cópia, ao ministro do
Exterior da Bolívia, Eliodoro Villazon:
Petrópolis, 3 de fevereiro de 1903, - Causou a mais
penosa impressão ao Presidente da República e a tôda a Nação Brasileira a
certeza de haver o Sr. Presidente Pando resolvido, no dia 26 de janeiro, partir
para o território do Acre com o propósito de submeter pelas armas os seus habitantes,
sem esperar o resultado da negociação de que encarregara no dia 24 o Sr.
Pinilla, e que, apenas iniciada, nos dava as melhores esperanças de um acordo
próximo, honroso para as duas partes e vantajoso para a Bolívia. Sendo o Acre
um território em litígio, pretendido também pelo Brasil e pelo Peru desde o
paralelo de dez graus e vinte minutos até a linha da nascente do Javari ao
marco do Madeira, e brasileiros todos os habitantes da região, não podemos
concordar em que ali penetrem tropas ou autoridades da Bolívia. Dos três
litigantes, Bolívia, Peru e Brasil, é a êste que melhor cabe a ocupação
administrativa provisória desta parte do território contestado, atenta a
nacionalidade de sua população.
Vossa Excelência fica, portanto, autorizado para mostrar ao
Govêrno Boliviano que as suas expedições em marcha não devem ultrapassar o
indicado paralelo, e para declarar-lhe que, tanto pelo dever de não permitir
que sejam maltratados ou exterminados os nossos compatriotas, levantados contra
a dominação estrangeira e senhores de todo o país, como para satisfazer ao
desejo, que manifestou no dia 23 de janeiro o Sr. Villazon quando disse que o
seu govêrno aceitaria a discussão imediata, se o Brasil se responsabilizasse
pela pacificação, iremo pacificar o território contestado, enviando para êsse
efeito tropas que ao mesmo tempo protejam a população, mantenham a ordem,
tornem impossível incursões para os lados do Abunã e do Orton e repilam
qualquer agressão. As tropas brasileiras farão a polícia do território contestado,
ao oriente do rio Iaco, ocupando-o até solução do litígio por via
diplomática....
Três
dias depois chegava a resposta da Legação do Brasil em La Paz:
O govêrno boliviano aceita a
situação provisória indicada apelo Brasil no despacho telegráfico de 3 de
fevereiro, comunicação pela Legação do Brasil, podendo portanto o govêrno
brasileiro ocupar militarmente e administrar o território em litígio, ao
oriente do Iaco.
Mas a 11 sugeria Villazon que o
litígio fôsse submetido à arbitragem do Tribunal de Haia, ao que replicou Rio
Branco:
Diga arbitragem é recurso
bastante demorado e para ser empregado depois se fôr indispensável. O interêsse
dos dois países é que cheguemos quanto antes ao arranjo amigável das
dificuldades presentes, o que, havendo boa-vontade, é perfeitamente possível.
Convém, portanto, entremos com urgência na negociação apenas iniciada e
interrompida de um acôrdo direto.
Enquanto isso, Rio Branco continuava
a negociar com Cláudio Pinilla as cláusulas de um “modus-vivendi” a ser estabelecido
durante o tempo necessário à discussão de um acordo definitivo.
Nos últimos dias de fevereiro,
porém, a questão do Acre ficava despojada de uma das suas dificuldades: o
Bolivian Syndicate. A 27 e 28 era assinado em Nova York o termo de renúncia do
Sindicato a todos os direitos e favores que lhe haviam sido concedidos por
contrato firmado em 11 de julho de 1901 entre Félix Aramayo, ministro da
Bolívia em Londres, e Frederick Whitridge, de Nova York, para a administração
fiscal, polícia e exploração do Território do Acre ou Aquiri, contrato aprovado
pelo Congresso Nacional da Bolívia e promulgado pelo Presidente Pando.
Fora este o primeiro exito
diplomático do Barão do Rio Branco no caso do Acre. Ele construíra o problema,
desde o princípio, com a idéia de separar a Bolívia do Bolivian Syndicate, de
negociar com cada um dêles separadamente. Pensou começar a negociação pela
Bolívia, comprando-lhe o Acre ou adquirindo-o mediante compensações, para
entender-se depois com o Sindicato; diante da sua recusa, abriu caminho até o
Sindicato; afastou-o da questão, deixando assim as duas nações livres uma em
face da outra. Pois tudo indicava que, sem o prestígio e o incitamento do
poderoso sindicato estrangeiro, a Bolívia se tornaria razoável e conciliadora.
De Berlim, em outubro de 1902, Rio
Branco se comunicara com Assis Brasil, nosso ministro em Washingto, a fim de se
informar da posição do governo norte-americano. A Bolívia vinha solicitando a
interferência dos Estados Unidos e procurando interessá-lo através do
Sindicato. Rio Branco sempre se recusou a pedir essa intervenção estrangeira em
favor do Brasil. O que ele pleiteava, por intermédio de Assis Brasil, era
neutralidade dos Estados Unidos; desejava que eles não cobrissem a organização
comercial do Sindicato com a autoridade oficial do governo. E isto foi o que
conseguiu a sua ação diplomática, argumentando junto às chancelarias americanas
com o perigo dessa ameaça de transplantação do sistema sul-africano para o
nosso continente.
Foi nesta base, exatamente, que
Assis Brasil, como representante de Rio Branco, dirigiu as negociações para a
desistência do Sindicato, a quem o Brasil pagou cento e dez mil libras, além de
mil para o advogado e quatro mil para o agente, embora ressalvando que o fazia
para evitar controvérsias e evitar que a Bolívia pagasse uma indenização maior
se o negócio fôsse liquidado mais tarde, mas que não reconhecia, como nunca
reconhecera, a validade do contrato, porque o território era litigioso e porque
isso implicava concessão a uma sociedade estrangeira de poderes soberanos
intransferíveis.
Afastado o Sindicato, Rio Branco
tornou mais firme a sua insistência junto à Bolívia para estabelecimento de um
modus-vivendi que permitisse as negociações em torno de um acordo definitivo.
A Bolívia cede, afinal. Assina-se a
21 de março em La Paz o modus-vivendi, pelo qual as tropas brasileiras ficariam
ocupando o território em litígio e também passariam ao sul do paralelo com o
fim de evitar conflitos entre os acreanos e as forças bolivianas. Regulava
ainda o acordo questões econômicas a respeito de postos aduaneiros ou fiscais e
de exportação da borracha.
Não se tratava mais, na discussão que ia começar para o acordo
definitivo, de compreender o Tratado de 1867, mas de criar um novo Tratado, dentro
das novas condições da fronteira do Acre habitado por brasileiros – eis o ponto
de partida do Barão do Rio Branco. Ele teve a coragem de ultrapassar os
convênios existentes para atingir o problema na sua zona mais difícil e
perigosa: o povo que habita ao norte e ao sul do paralelo de 10º 20’ não quer
submeter-se à soberania da Bolívia e o Brasil não pode ficar indiferente a esse
pronunciamento de uma população brasileira. Mas, por outro lado, ele vê o
direito da Bolívia e não deseja uma solução que o desrespeite pela conquista.
Não deseja solução nenhuma que não se harmonize com o Direito Internacional e
com a tradição na política exterior do Brasil. Por isso colocou o problema na
base de aquisição do Acre mediante compensações territoriais e pecuniárias. Um
acordo em que não houvesse vencido nem vencedor.
Iniciadas as negociações em julho, só em agosto os plenipotenciários
bolivianos concordaram com a idéia de uma compensação pecuniária em troca do
Acre, mas devendo o Brasil abrir mão também de algum pequeno território, a fim
de que a negociação diplomática não se transformasse numa simples operação de
compra e venda. No dia 22 de julho era apresentada aos bolivianos uma proposta
concreta: o Acre em troca de um milhão de libras esterlinas, a construção de
uma via férrea da cachoeira Guajará-Mirim a Santo Antônio, no Madeira, dois
pequenos territórios junto ao rio Madeira. Nesse mesmo dia, em conferência com
os dois colegas brasileiros, Rio Branco manifesta a opinião de que seria talvez
necessário fazer algumas concessões no Baixo Paraguai brasileiro, de acordo,
aliais, com o pensamento do governo do Império em 1867, que era dar ali à
Bolívia portos para o seu comércio exterior. Concessão esta, porém, que ele não
lançara na primeira proposta, guardando-a, como trunfo, para as discussões
finais. A 24 de julho os plenipotenciários bolivianos declaravam inaceitável a
proposta brasileira do dia 22. Por sua vez a contraproposta por eles apresentada
a 13 de agosto continha tais exigências territoriais – territórios no Amazonas
e em Mato Grosso, nas duas margens do Madeira, a oeste do rio Paraguai, a oeste
do Jauru, ao sul do seu afluente Bagres, a oeste do Alto Guaporé – que Rio
Branco nem consultou ninguém sobre ela: recusou-a imediatamente. Seguiram-se
conversações particulares entre plenipotenciários brasileiros e bolivianos,
lentas, penosas, quase enervantes. Rio Branco sabia, porém, que a primeira
qualidade diplomática, como a política, é a paciência, a capacidade de esperar
sem irritação ou desânimo. Duas vezes, a pedido seu, reuniu-se o Ministério. E
nenhuma solução definitiva aparecia.
A 17 de novembro de 1903, em Petrópolis, assinavam os plenipotenciários
brasileiros e bolivianos o Tratado pelo qual terminava a questão do Acre e se
estabeleciam as fronteiras entre o Brasil e a Bolívia. Pelo Tratado de
Petrópolis o Brasil incorporava ao seu território não só os 142.000 quilômetros
quadrados – reconhecidos sempre pela nossa chancelaria como bolivianos e pelo
Barão do Rio Branco, pela primeira vez, declarados litigiosos – como também
mais 48.000 quilômetros quadrados, nos quais estavam contidas as mais ricas
florestas do Acre superior, nunca disputados à Bolívia, por todos reconhecidos
como da sua exclusiva propriedade. Incorporávamos, na verdade, cerca de 200.000
quilômetros quadrados, todo o território habitado por brasileiros, tanto ao
norte como ao sul do paralelo 10º 20’. Um território mais vasto do que o de
qualquer destes Estados; Ceará, Rio Brande do Norte, Paraíba, Pernambuco,
Alagoas, Sergipe, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Santa Catarina. Oferecíamos
em troca uma área de 2.296 quilômetros quadrados, entre os rios Madeira e
Abunã, habitada, aliás, por bolivianos, e mais 723 quilômetros quadrados sobre
a margem direita do rio Paraguai, dentro de terrenos alagados, 116 sobre a
lagoa de Cáceres, 20,3 sobre a lagoa Mandioré e 8,2 sobre a margem meridional
da lagoa Gaíba. Dávamos 3.164 quilômetros quadrados em troca de cerca de
200.000 quilômetros quadrados do Acre. Para estabelecer o equilíbrio nesse
desnível de quantidade, o Brasil oferecia à Bolívia mais duas compensações: o
pagamento de dois milhões de libras esterlinas e a construção da estrada de
ferro Madeira-Mamoré, esta última, aliás, de utilidade para o comércio e a
economia de ambos os países. Era uma empresa, a estrada, já prometida pelo
Brasil no Tratado de 1867, e recomendada no Império por alguns dos seus
principais estadistas, como o Visconde do Rio-Branco, o Marquês de São Vicente,
o Barão de Cotegipe e Tavares Bastos.
BIBLIOGRAFIA:
LINS, Alvaro – Rio-Branco:
Biografia pessoal e História política, São Paulo, 1965.
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