terça-feira, 16 de abril de 2013

OS ARGUMENTOS DA DIPLOMACIA BRASILEIRA NO PROCESSO DE ANEXAÇÃO DO TERRITÓRIO ACREANO



A primeira proposta do Barão de Rio Branco foi a compra do território do Acre, ficando o Brasil com a obrigação de se entender com o Bolivian Syndicate; depois, a de permuta de territórios. A Bolívia recusou uma e outra. Agravou-se a crise, e o mês de Janeiro de 1903 representou um momento dramático na relações entre o Brasil e Bolívia. A 24 de Janeiro a resolução chefiada por Plácido de Castro se achava de todo vitoriosa, tendo submetido e aprisionado a guarnição boliviana de Porto Acre. Por sua vez, o general Pando, presidente da Bolívia, estava em marcha, à frente de tropas, para invadir a região e submeter os insurretos, enquanto o governo brasileiro preparava forças de terra e mar com destino ao Acre.
            Estava-se na expectativa de uma guerra, com a opinião pública apaixonada e exaltada nos dois países. Manifestações populares exigiam do governo uma ação violenta e imediata. Nos círculos militares e políticos tinha-se como inevitável a solução pelas armas. O presidente da República indagava já dos governadores do Amazonas e do Pará que auxílios poderiam prestar, como conhecedores da região, as brigadas policiais daqueles Estados. O assunto principal de todos os jornais e de todas as reuniões era o Acre. Da questão técnica, em geral, quase nada conhecia o público em tais discussões; era o sentimento, a paixão que fornecia os argumentos.
            Enquanto os brasileiras se agitavam em manifestações exaltadas no Rio – o Barão do Rio Branco trabalhava pela paz no seu gabinete em Petrópolis. O seu temperamento de negociador encontra agora ocupação adequada. Mantém-se, de janeiro a março, numa atividade febril, ininterrupta, de quase todas as horas. Comunica-se, em constantes conferências telegráficas, com os ministros da Guerra e da Marinha; discute, também pelo telégrafo, com o governo boliviano; redige, quase todos os dias, despachos de orientação ao ministro do Brasil em La Paz; conferencia pessoalmente, a cada momento, com o ministro da Bolívia no Brasil. As suas decisões caem sobre os acontecimentos com uma perfeita precisão, como se houvessem sido calculadas e estudadas com rigor. Ele mede com certeza todo o seu alcance: as providências enérgicas se alternam com os apelos conciliatórios; sem transigir quanto ao fim essencial, deixa sempre aberta a porta para o entendimento e a negociação amigável.
            A 18 de Janeiro de 1903, Rio Branco comunica à Bolívia que o Brasil dava ao artigo 2º do Tratado de 1867 uma nova inteligência: a fronteira pela linha do paralelo de 10º 20’, e faz sentir ao nosso vizinho “que o contrato de arrendamento, com os poderes dados ao Bolivian Syndicate, é uma monstruosidade em Direito, importando alienação de soberania feita em benefício de sociedade estrangeira sem capacidade sem capacidade internacional. É concessão para terras da África, indigna do nosso continente”. A 24, diante da notícia de que o presidente Pando pretendia ir combater os brasileiros no Acre, “o nosso presidente resolveu concentrar tropas nos Estados de Mato Grosso e Amazonas”.
            Das notícias chegadas de La Paz concluía-se que o governo boliviano recusa todos os alvitres de moderação e senso diplomático. O vice-presidente da República, amigo do Brasil, havia sido exilado. A uma primeira notícia, dizendo que o general Pando suspendera a expedição militar, seguia-se outra em que se confirmava a partida do presidente, ao mesmo tempo que o governo boliviano recusava entrar em negociações sem que fosse pacificado o Acre e libertada a sua guarnição. A despeito de ter autorizado Cláudio Pinilla, ministro, desde o dia 24, o general Pando, a 26, saía de sua capital à frente de tropas.
            Decide-se Rio Branco, então, por uma medida extraordinária: em combinação com o presidente da República, os ministros da Guerra e da Marinha, determina a ocupação militar do território do Acre.
            A 3 de fevereiro escrevia Rio Branco:
           
O Govêrno Brasileiro não quer romper as suas relações diplomáticas com o da Bolívia. Continua pronto para negociar um acôrdo honroso e satisfatório para as duas partes, e deseja muito sinceramente chegar a êste resultado. O Sr. Presidente Pando entendeu que é possível negociar marchando com tropas para o norte. Nós negociaremos também fazendo adiantar fôrças para o sul, com o fim já declarado.

Foi decisivo, pela sua importância e significação, êsse despacho do 3, enviado ao ministro do Brasil em La Paz, que o deveria passar, por cópia, ao ministro do Exterior da Bolívia, Eliodoro Villazon:

Petrópolis, 3 de fevereiro de 1903, - Causou a mais penosa impressão ao Presidente da República e a tôda a Nação Brasileira a certeza de haver o Sr. Presidente Pando resolvido, no dia 26 de janeiro, partir para o território do Acre com o propósito de submeter pelas armas os seus habitantes, sem esperar o resultado da negociação de que encarregara no dia 24 o Sr. Pinilla, e que, apenas iniciada, nos dava as melhores esperanças de um acordo próximo, honroso para as duas partes e vantajoso para a Bolívia. Sendo o Acre um território em litígio, pretendido também pelo Brasil e pelo Peru desde o paralelo de dez graus e vinte minutos até a linha da nascente do Javari ao marco do Madeira, e brasileiros todos os habitantes da região, não podemos concordar em que ali penetrem tropas ou autoridades da Bolívia. Dos três litigantes, Bolívia, Peru e Brasil, é a êste que melhor cabe a ocupação administrativa provisória desta parte do território contestado, atenta a nacionalidade de sua população.
Vossa Excelência fica, portanto, autorizado para mostrar ao Govêrno Boliviano que as suas expedições em marcha não devem ultrapassar o indicado paralelo, e para declarar-lhe que, tanto pelo dever de não permitir que sejam maltratados ou exterminados os nossos compatriotas, levantados contra a dominação estrangeira e senhores de todo o país, como para satisfazer ao desejo, que manifestou no dia 23 de janeiro o Sr. Villazon quando disse que o seu govêrno aceitaria a discussão imediata, se o Brasil se responsabilizasse pela pacificação, iremo pacificar o território contestado, enviando para êsse efeito tropas que ao mesmo tempo protejam a população, mantenham a ordem, tornem impossível incursões para os lados do Abunã e do Orton e repilam qualquer agressão. As tropas brasileiras farão a polícia do território contestado, ao oriente do rio Iaco, ocupando-o até solução do litígio por via diplomática....




Três dias depois chegava a resposta da Legação do Brasil em La Paz:

     O govêrno boliviano aceita a situação provisória indicada apelo Brasil no despacho telegráfico de 3 de fevereiro, comunicação pela Legação do Brasil, podendo portanto o govêrno brasileiro ocupar militarmente e administrar o território em litígio, ao oriente do Iaco.

            Mas a 11 sugeria Villazon que o litígio fôsse submetido à arbitragem do Tribunal de Haia, ao que replicou Rio Branco:

     Diga arbitragem é recurso bastante demorado e para ser empregado depois se fôr indispensável. O interêsse dos dois países é que cheguemos quanto antes ao arranjo amigável das dificuldades presentes, o que, havendo boa-vontade, é perfeitamente possível. Convém, portanto, entremos com urgência na negociação apenas iniciada e interrompida de um acôrdo direto.

            Enquanto isso, Rio Branco continuava a negociar com Cláudio Pinilla as cláusulas de um “modus-vivendi” a ser estabelecido durante o tempo necessário à discussão de um acordo definitivo.
            Nos últimos dias de fevereiro, porém, a questão do Acre ficava despojada de uma das suas dificuldades: o Bolivian Syndicate. A 27 e 28 era assinado em Nova York o termo de renúncia do Sindicato a todos os direitos e favores que lhe haviam sido concedidos por contrato firmado em 11 de julho de 1901 entre Félix Aramayo, ministro da Bolívia em Londres, e Frederick Whitridge, de Nova York, para a administração fiscal, polícia e exploração do Território do Acre ou Aquiri, contrato aprovado pelo Congresso Nacional da Bolívia e promulgado pelo Presidente Pando.
            Fora este o primeiro exito diplomático do Barão do Rio Branco no caso do Acre. Ele construíra o problema, desde o princípio, com a idéia de separar a Bolívia do Bolivian Syndicate, de negociar com cada um dêles separadamente. Pensou começar a negociação pela Bolívia, comprando-lhe o Acre ou adquirindo-o mediante compensações, para entender-se depois com o Sindicato; diante da sua recusa, abriu caminho até o Sindicato; afastou-o da questão, deixando assim as duas nações livres uma em face da outra. Pois tudo indicava que, sem o prestígio e o incitamento do poderoso sindicato estrangeiro, a Bolívia se tornaria razoável e conciliadora.
            De Berlim, em outubro de 1902, Rio Branco se comunicara com Assis Brasil, nosso ministro em Washingto, a fim de se informar da posição do governo norte-americano. A Bolívia vinha solicitando a interferência dos Estados Unidos e procurando interessá-lo através do Sindicato. Rio Branco sempre se recusou a pedir essa intervenção estrangeira em favor do Brasil. O que ele pleiteava, por intermédio de Assis Brasil, era neutralidade dos Estados Unidos; desejava que eles não cobrissem a organização comercial do Sindicato com a autoridade oficial do governo. E isto foi o que conseguiu a sua ação diplomática, argumentando junto às chancelarias americanas com o perigo dessa ameaça de transplantação do sistema sul-africano para o nosso continente.
            Foi nesta base, exatamente, que Assis Brasil, como representante de Rio Branco, dirigiu as negociações para a desistência do Sindicato, a quem o Brasil pagou cento e dez mil libras, além de mil para o advogado e quatro mil para o agente, embora ressalvando que o fazia para evitar controvérsias e evitar que a Bolívia pagasse uma indenização maior se o negócio fôsse liquidado mais tarde, mas que não reconhecia, como nunca reconhecera, a validade do contrato, porque o território era litigioso e porque isso implicava concessão a uma sociedade estrangeira de poderes soberanos intransferíveis.
            Afastado o Sindicato, Rio Branco tornou mais firme a sua insistência junto à Bolívia para estabelecimento de um modus-vivendi que permitisse as negociações em torno de um acordo definitivo.
            A Bolívia cede, afinal. Assina-se a 21 de março em La Paz o modus-vivendi, pelo qual as tropas brasileiras ficariam ocupando o território em litígio e também passariam ao sul do paralelo com o fim de evitar conflitos entre os acreanos e as forças bolivianas. Regulava ainda o acordo questões econômicas a respeito de postos aduaneiros ou fiscais e de exportação da borracha.
Não se tratava mais, na discussão que ia começar para o acordo definitivo, de compreender o Tratado de 1867, mas de criar um novo Tratado, dentro das novas condições da fronteira do Acre habitado por brasileiros – eis o ponto de partida do Barão do Rio Branco. Ele teve a coragem de ultrapassar os convênios existentes para atingir o problema na sua zona mais difícil e perigosa: o povo que habita ao norte e ao sul do paralelo de 10º 20’ não quer submeter-se à soberania da Bolívia e o Brasil não pode ficar indiferente a esse pronunciamento de uma população brasileira. Mas, por outro lado, ele vê o direito da Bolívia e não deseja uma solução que o desrespeite pela conquista. Não deseja solução nenhuma que não se harmonize com o Direito Internacional e com a tradição na política exterior do Brasil. Por isso colocou o problema na base de aquisição do Acre mediante compensações territoriais e pecuniárias. Um acordo em que não houvesse vencido nem vencedor.
Iniciadas as negociações em julho, só em agosto os plenipotenciários bolivianos concordaram com a idéia de uma compensação pecuniária em troca do Acre, mas devendo o Brasil abrir mão também de algum pequeno território, a fim de que a negociação diplomática não se transformasse numa simples operação de compra e venda. No dia 22 de julho era apresentada aos bolivianos uma proposta concreta: o Acre em troca de um milhão de libras esterlinas, a construção de uma via férrea da cachoeira Guajará-Mirim a Santo Antônio, no Madeira, dois pequenos territórios junto ao rio Madeira. Nesse mesmo dia, em conferência com os dois colegas brasileiros, Rio Branco manifesta a opinião de que seria talvez necessário fazer algumas concessões no Baixo Paraguai brasileiro, de acordo, aliais, com o pensamento do governo do Império em 1867, que era dar ali à Bolívia portos para o seu comércio exterior. Concessão esta, porém, que ele não lançara na primeira proposta, guardando-a, como trunfo, para as discussões finais. A 24 de julho os plenipotenciários bolivianos declaravam inaceitável a proposta brasileira do dia 22. Por sua vez a contraproposta por eles apresentada a 13 de agosto continha tais exigências territoriais – territórios no Amazonas e em Mato Grosso, nas duas margens do Madeira, a oeste do rio Paraguai, a oeste do Jauru, ao sul do seu afluente Bagres, a oeste do Alto Guaporé – que Rio Branco nem consultou ninguém sobre ela: recusou-a imediatamente. Seguiram-se conversações particulares entre plenipotenciários brasileiros e bolivianos, lentas, penosas, quase enervantes. Rio Branco sabia, porém, que a primeira qualidade diplomática, como a política, é a paciência, a capacidade de esperar sem irritação ou desânimo. Duas vezes, a pedido seu, reuniu-se o Ministério. E nenhuma solução definitiva aparecia.
A 17 de novembro de 1903, em Petrópolis, assinavam os plenipotenciários brasileiros e bolivianos o Tratado pelo qual terminava a questão do Acre e se estabeleciam as fronteiras entre o Brasil e a Bolívia. Pelo Tratado de Petrópolis o Brasil incorporava ao seu território não só os 142.000 quilômetros quadrados – reconhecidos sempre pela nossa chancelaria como bolivianos e pelo Barão do Rio Branco, pela primeira vez, declarados litigiosos – como também mais 48.000 quilômetros quadrados, nos quais estavam contidas as mais ricas florestas do Acre superior, nunca disputados à Bolívia, por todos reconhecidos como da sua exclusiva propriedade. Incorporávamos, na verdade, cerca de 200.000 quilômetros quadrados, todo o território habitado por brasileiros, tanto ao norte como ao sul do paralelo 10º 20’. Um território mais vasto do que o de qualquer destes Estados; Ceará, Rio Brande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Santa Catarina. Oferecíamos em troca uma área de 2.296 quilômetros quadrados, entre os rios Madeira e Abunã, habitada, aliás, por bolivianos, e mais 723 quilômetros quadrados sobre a margem direita do rio Paraguai, dentro de terrenos alagados, 116 sobre a lagoa de Cáceres, 20,3 sobre a lagoa Mandioré e 8,2 sobre a margem meridional da lagoa Gaíba. Dávamos 3.164 quilômetros quadrados em troca de cerca de 200.000 quilômetros quadrados do Acre. Para estabelecer o equilíbrio nesse desnível de quantidade, o Brasil oferecia à Bolívia mais duas compensações: o pagamento de dois milhões de libras esterlinas e a construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré, esta última, aliás, de utilidade para o comércio e a economia de ambos os países. Era uma empresa, a estrada, já prometida pelo Brasil no Tratado de 1867, e recomendada no Império por alguns dos seus principais estadistas, como o Visconde do Rio-Branco, o Marquês de São Vicente, o Barão de Cotegipe e Tavares Bastos. 



BIBLIOGRAFIA:

LINS, Alvaro – Rio-Branco: Biografia pessoal e História política, São Paulo, 1965.

            

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