terça-feira, 7 de junho de 2022

Livro: Não foi Revolução nem Acreana (Autor Eduardo Carneiro - UFAC) Entrevista

 




Como surgiu a ideia do livro?

O livro Não foi Revolução nem Acreana é parte de um projeto que tem como objetivo propor uma revisão da História do Acre, já que, muito do que sabemos do passado acreano, está referenciado em livros que não foram escritos por historiadores de formação, portanto, sem o rigor científico que temos hoje, sem a crítica às fontes, sem o compromisso com a verdade. A faculdade de história no Brasil tem início nos anos 1940 e no Acre em 1970. Então, os escritores que moldaram o nosso imaginário sobre o passado acreano eram militares, jornalistas, engenheiros e advogados e a maioria assumiu uma visão “acreanocêntrica” dos fatos e um estilo epopeico da escrita da história. Temos muitos livros de literatura (romances históricos) que gozam do status de História, porém, trabalham com a verossimilhança, com a imaginação, com as emoções e o prazer estético, não citam documentos comprobatórios do que afirmam. Nenhuma faculdade de História atualmente adota a epopeia como modelo de escrita da história. Entretanto, essa forma não científica de narrar o passado ainda é utilizada aqui no Acre e é, por isso, que equivocadamente a nossa história aparece como uma “saga” de grandes feitos e de grandes heróis. Isso massageia o ego coletivo, porém, está baseada em equívocos e manipulações da história. Então, o projeto revisionista que propus foi enquadrar a narrativa do passado do Acre nos métodos e técnicas de redação científica, tentando aproximar o conhecimento histórico, ao máximo, da verdade e, consequentemente, distanciando-o da “história politicamente correta” que vigora hoje. Revisar a história é isso: criticar a ortodoxia, o oficial, o tradicionalmente aceito, mediante a releitura das fontes, descoberta de novos acervos e emprego de novos métodos e teorias na produção do conhecimento.

 

O que significa “história politicamente correta”?

É aquela narrativa do passado que não tem compromisso com a verdade e sim com os interesses políticos dos vencedores, ou seja, das elites dominantes que protagonizaram ou fizeram parte dos eventos. É uma história que obedece a um projeto de criação e manutenção de identidade coletiva. Identidade essa que singulariza um povo de forma positiva, criando consenso e otimismo e, com isso, docilização e apatia. O que eu fiz foi tentar desacreanizar a história do Acre, pois ela é muito ideologicamente marcada. Ela é etnocêntrica.

 

Pode dar uma sinopse do livro?

O livro propõe um olhar revisionista da fase militar do processo de nacionalização das terras banhadas pelos afluentes dos rios Purus e Juruá. Nós conhecemos o evento como “Revolução Acreana”, porém, o nome dado é uma expressão mal empregada, que não descreve com fidelidade o evento em si, pelo contrário, o reinventa como algo que ele não foi. Então, no livro, eu explico o conceito de revolução, desde o emprego dele na astronomia do século XV. Mostro a evolução do conceito até chegar na dita Revolução Francesa, que se tornou o evento de referência para a semântica moderna da palavra. Então, eu fiz a pergunta: será que o significado de “revolução” que temos nas ciências humanas atualmente é o mesmo que os brasileiros na Amazônia tinham em fins do século XIX?  Certamente que não! Eu historicizei o uso da palavra “revolução” no Brasil, mostrando o quanto ele era mal-empregado. É por isso que temos diversos movimentos contestatórios chamados de revolução: “revolução de beckman”, “revolução praieira”, “revolução pernambucana”, “revolução federalista”, “revolução de 1930”, “revolução de 64”. Tais eventos têm nome de “revolução”, mas não foram revolução. O conceito de “revolução” em seus nomes foi politicamente empregado. A escolha do termo não passou por critérios científicos e sim ideológicos. O desafio que assumi foi mostrar que a Revolução Acreana foi inventada como revolução. Eu mostro como os jornais da época chamavam-na de outros nomes: guerra do Acre, revolta do Acre, insurreição do Acre, etc. Porém, a “revolução” prevaleceu, não que fosse a tipologia mais adequada, mas que era a politicamente correta.

 

No livro eu também tento provar que a “Revolução Acreana” não foi acreana. A pergunta que eu me fiz foi: qual o sentido da palavra Acre em fins do século XIX, na Amazônia brasileira? Certamente não era o mesmo do atual. Quando lemos um documento da época com o quadro semântico que temos hoje da palavra Acre, cometemos anacronismo. Na época, Acre não era um topônimo, não fazia referência a um lugar. A palavra dava nome a um rio. “Revolução Acreana” era a revolução feita às margens do rio Acre. Acontece que hoje aprendemos a dita “revolução” como uma espécie de mito fundador da acreanidade, que é um erro grotesco. Pois, os principais membros da Junta Revolucionária eram funcionários do Estado do Amazonas e o próprio rio Acre fazia parte da bacia hidrográfica do município amazonense Floriano Peixoto. Foi o Estado do Amazonas que incentivou a migração de nordestinos para essa região e, quanto mais a migração adentrava em território estrangeiro, mais o Amazonas estendia sua jurisdição – criando postos aduaneiros e policiais. Quem perderia com a bolivianização da região era o Amazonas, que já administrava a região. Todo o “processo” revolucionário foi amazonense. Afinal, o Acre não existia e aquelas terras eram pensadas como brasileiras por meio de topônimo amazonense. O Amazonas era o Estado mais próximo da Bolívia e não existia outra maneira de pensar a brasilidade daquelas terras sem a amazonensidade delas. Todo território nacional estava dividido em Estados e o mais próximo da Bolívia era o Amazonas. No livro, eu reúno várias provas do envolvimento do Estado do Amazonas com a dita “Revolução Acreana”, desde José Carvalho, Galvez, Expedição Floriano Peixoto (equivocadamente chamada de Expedição dos Poetas) e até Plácido de Castro. Quando as terras acreanas foram nacionalizadas pelo Tratado de Petrópolis e o governo federal criou a figura inconstitucional do Acre Território, o Estado do Amazonas contratou o advogado Rui Barbosa para ingressar uma ação pública contra a União pela perda do Acre. Ninguém sabe, mas o Brasil teve que indenizar o Amazonas, pois, juridicamente, essas terras deveriam pertencer àquele Estado. A partir da Constituição de 1934, o Brasil se obrigou em indenizar o Amazonas. O pagamento foi feito como provo no livro. O interessante foi que, para o pagamento acontecer, era preciso mensurar o valor do Acre. E, na contabilidade feita, consta os gastos que o Estado do Amazonas teve com a Revolução Acreana. Então, prova cabal de que a “revolução” foi Amazonense. Nada foi feito por iniciativa popular, muito menos pelos seringalistas locais. Os autores intelectuais do “evento fundador do Acre” foram os políticos e comerciantes de Manaus. Foram eles também que financiaram a “Revolução”. Alguns dos nossos heróis não passam de mercenários contratados. É difícil para mim dizer isso. Mas foi a conclusão que cheguei.

 

Portanto, a “Revolução Acreana” é um “nome de fantasia” dado ao evento, porém, basta tirarmos essa “etiqueta” do evento, basta desembrulharmos os fatos do seu envólucro ideológico, para termos uma visão do passado mais isenta.  E foi isso que fiz. Esse não foi o primeiro livro que escrevi sobre o assunto. Já se foram mais de seis livros. Todos eles denunciando as manipulações da história oficial.

 

Como foi o processo de escrita?

Já estudo o assunto há mais de dez anos. Defendi meu mestrado, doutorado e pós-doutorado sobre o mesmo. Pesquisei nos acervos que estão no Rio de Janeiro, Pernambuco, Brasília, Manaus e os de Rio Branco. O trabalho foi árduo, pois o que encontrei foi um volume muito grande de livros “embriagados” de acreanismo, ou seja, presos a um projeto identitário. Por isso, que desconsiderei tudo que havia lido sobre Revolução Acreana e voltei-me às fontes primárias e, delas, fiz suscitar um novo conhecimento do assunto, mais isento de paixões e ideologias. Tudo que afirmo está lastreado em documentos e, assim, pude garantir a cientificidade da escrita. Além, do mais, esse livro passou por uma banca de pós-doutorado, o que, por si, já garante a seriedade do mesmo.

 

Qual a importância do livro para a história do estado?

O livro propõe uma leitura alternativa à oficial sobre a nacionalização das terras banhadas pelos afluentes dos rios Purus e Juruá. Um livro baseado na análise de uma vasta documentação. Infelizmente, a conclusão que cheguei fere um pouco o sentimento de acreanidade, porém, eu prefiro provocar feridas narcisistas no eu acreano e ter uma imagem dele mais próxima do real, do que me embriagar de acreanismo e sentir orgulho de um eu acreano que não existe. Acredito que o povo não precisa de uma epopeia, muito menos de heróis. O que todos nós queremos é uma educação emancipatória que promova a conscientização política e não a alienação por meio da manipulação da história. Não precisamos de comemorações cívicas, o que precisamos é de cidadania! 


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