Muito e muitos falam da Amazônia, porém ainda são escassos os estudos sobre as suas cidades. Este texto que resulta de uma pesquisa já concluída cujo objetivo foi recuperar a história das cidades na Amazônia identificou relações sociais que não se tornaram vencedoras, revelando o virtual que não se transformou em real, mas que se colocou num determinado momento histórico como possibilidade de emersão de outros modos de vida, de formas de espacialização diferentes das que se tornaram dominantes para as cidades amazônicas. A resistência indígena, por exemplo, em diferentes épocas, constituía-se no inconformismo com as novas relações sociais de produção que se impunham aos vários povos indígenas. O processo de ocupação e de resistência foi contínuo, mas não linear, no tempo e no espaço, refletindo múltiplas dimensões da vida no território das quais ficaram resíduos na paisagem urbana.
Essa parte da pesquisa foi utilizada apenas de modo transversal até porque carecia de maior aprofundamento, visto que, as cidades pretéritas da Amazônia não são apenas eventos localizados num espaço geográfico, mas determinações de espaço e tempo enquanto produtos históricos que ultrapassam a noção de localização e de duração para vincular-se à dimensão da história e da produção e reprodução não apenas de objetos, mas principalmente da vida.
Quando os europeus iniciaram o processo de colonização da Amazônia, a região não era um grande vazio demográfico, portanto, não estava desocupada (Lathrap, 1975; Porro, 1992; Denevan, 1992). A ocupação nos primeiros séculos significou "uma forma peculiar de colonização que longe de acrescentar novos contingentes humanos à área, sangrava-os ininterruptamente em suas populações indígenas" (Moreira Neto, s/data, p. 17) A ocupação, na perspectiva do colonizador, teve início a partir do século XVII e se limitou à parte litorânea da região conhecida como Nova Luzitânia, não se estendendo para o interior que praticamente não foi alvo da "ocupação" portuguesa nos seiscentos.
O presente texto não pretende fazer a História na Cidade da Amazônia, mas recuperar a História das Cidades da Amazônia. Por outro lado, não abrange toda a Amazônia, mas uma parte dela, a que corresponde à área da antiga Capitania de São José do Rio Negro que em linhas gerais é o atual Estado do Amazonas. Finalmente, embora faça incursões sobre a criação de vilas e povoados nos séculos XVII e XVIII, se concentra no período entre 1860 a 1910, caracterizado por grande atividade econômica decorrente da exploração da borracha.
A criação do que viriam a ser depois as primeiras cidades desta parte da Amazônia não ocorreu de forma autônoma ou dissociada, tampouco diferente do restante da região. O que ocorreu nesta parte da Amazônia de certo modo ocorreu em toda a região e representou as determinações de Portugal enquanto estratégia de ampliação de novos mercados para os países europeus.
As primeiras tentativas de ocupação portuguesa no Amazonas ocorreram na segunda metade do século XVII, quando dois missionários jesuítas entraram em contato com os índios Tarumãs, reunindo-os numa missão localizada possivelmente na foz do rio Tarumã. A missão foi abandonada em 1661, mas durante esse período serviu especialmente como ponto de apoio para os descimentos de índios, 600 no primeiro ano e mais 700 um ano depois (André Barros, apud Moreira Neto, s/data, p. 16).
Em 1660, a Ordem das Mercês criou a missão Saracá (Silves), que não estava situado nas margens do Rio Amazonas e sim para o interior às margens do Rio Urubu, que se constitui no mais antigo povoamento contínuo dos portugueses no Amazonas. A mesma ordem religiosa criou a missão Santo Elias de Jaú, que mais tarde deu origem à cidade de Airão no baixo curso do rio Negro.
Ainda na década de sessenta, em 1669, foi criada a primeira guarnição militar portuguesa no interior da Amazônia, o Forte de São José do Rio Negro, situado a dezoito milhas da foz do rio Negro que originou a cidade de Manaus. Esses povoamentos serviram de base à ocupação portuguesa, especialmente no vale do rio Negro, e para a exploração mais ao norte com a criação de uma missão no rio Branco pelos missionários carmelitas. Essas ocupações e mais o povoado Cabori também no rio Negro constituíam-se nas únicas formas de povoamento português no Amazonas ao final do século XVII (Reis, 1989, p. 67-70; Menezes, 1985, p. 56).
Na metade do século XVIII, durante o governo do Marquês de Pombal,(1750-77), Portugal adotou medidas que modificaram o processo de colonização na parte ocidental da Amazônia. No ano de 1755 foram criadas a Capitania de São José do Rio Negro, a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão e, por meio do Diretório[1], foi abolida a administração temporal que os religiosos exerciam nas missões indígenas que passaram a ficar sob responsabilidade de administradores leigos, bem como foi determinada a transformação de aldeias em vilas e povoados. No período de cinco anos que vai de 1755 a 1760, quarenta e seis missões foram elevadas à categoria de vilas em toda a Amazônia (Corrêa, 1989, p. 259-60), das quais nove estavam na Capitania de São José do Rio Negro: “Borba, criada em 1756; Barcellos, em 1758; Moura, em 1758; Serpa, em 1759; Silves, em 1759; São Paulo de Olivença, em 1759; Ega, em 1759; São José do Javari, em 1759; e São Francisco Xavier de Tabatinga, em 1759” (Universidade do Amazonas, 1983, p. 201). Além das vilas havia ainda onze núcleos de povoamento. Ao término do período pombalino, a Capitania de São José do Rio Negro contava com vinte e três povoações e uma população não indígena da ordem de 1.476 habitantes (CEDEAM, 1983, p. 64-74).
Ao final do século XVIII, Portugal já tinha consolidado o seu domínio na Amazônia Ocidental, garantido a posse da região e praticamente definido os limites fronteiriços ao norte e a oeste existentes até hoje. A presença portuguesa era mais acentuada no vale do rio Negro e no Alto Solimões, incipiente no Baixo Amazonas e no Vale do Madeira e inexistente nos demais vales.
A localização dos povoados demonstra à primeira vista uma estratégia militar de Portugal em ocupar e conquistar a região. No caso da Amazônia Ocidental, a preocupação era especialmente com os espanhóis, em decorrência de não se ter estabelecido, até metade do século XVIII, a fronteira dos domínios da Espanha e dos de Portugal. Por causa disso eram comuns as incursões dos espanhóis a oeste pelo Solimões e ao norte através do rio Negro, onde também havia disputas com holandeses e ingleses. O Tratado de Limites foi assinado entre Portugal e Espanha em 1750 e estabelecia o princípio uti possidetis. No que se refere a Amazônia, garantia a Portugal todas as terras ocupadas do Rio Amazonas à margem direita a oeste do rio Javari e à esquerda também a oeste do rio Japurá, ficando as terras ao Norte das vertentes que drenarem para o Orinoco com a Espanha (Carnaxide, 1979, p. 106).
No Alto Solimões, os primeiros povoamentos não indígenas foram criados pelos espanhóis por volta de 1689, quando estabeleceram cinco missões religiosas sob responsabilidade dos jesuítas. Após algumas tentativas, em 1710 os portugueses destruíram as missões e se apoderaram das vilas e povoados, entregando-os aos cuidados dos carmelitas portugueses. Em 1743, um viajante descreveu a situação no Solimões: "Coari é o último dos seis povoados dos missionários carmelitas portugueses, cinco dos quais formados a partir dos destroços da antiga missão do padre Samuel Fritz e compostos de um grande número de diversas nações, a maioria transplantado" (La Condamine, 1992, p. 73).
A ocupação portuguesa da Amazônia nos séculos XVII e XVIII não pode ser vista apenas como uma questão política para estabelecer o domínio espacial de um vasto território. Embutida na estratégia de defesa estava uma questão econômica motivada pelo mercantilismo português que colocava a Amazônia como uma alternativa para a reconstrução de "seu empório asiático", perdido para outras nações européias (Dias, 1977, p. 427).
As vilas criadas no século XVIII estavam localizadas em pontos estratégicos às margens do rio Amazonas ou na foz de seus principais afluentes e tinham como funções: defesa, cobrança e controle de tributos, entreposto comercial de produtos extrativos e agrícolas, base para o preiamento de índios e sede do poder temporal, representação do Estado e do poder espiritual através das missões religiosas.
As vilas também representavam para os colonizadores espaços privilegiados de expansão de um projeto civilizatório com a imposição da língua portuguesa e restrições ao uso da língua geral, obrigatoriedade da freqüência à escola e o incentivo ao casamento entre soldados e índias.
O casamento entre soldados e índias tinha como objetivo difundir a cultura dos brancos e era persuadido pelo Diretório e considerado pelos governantes como "utilíssimo para por este modo facilitar a civilização dos índios, sendo um dos meios mais importantes para o estabelecimento desta Capitania" (Universidades do Amazonas, 1983, p. 201).
Mas apesar do processo desigual de como se davam as relações, houve neste caso quase sempre um efeito contrário. "Os casamentos, que tanto persuadiu a lei de 4 de abril de 1775, têm sido pela maior parte pouco afortunados; porque em lugar de as Índias tomarem os costumes de Brancos, estes têm adotados os daquelas" (Diário do Ouvidor Sampaio, 1866, p. 92). Isto mostra que a realidade está carregada de dimensões em que se imbricam a cultura e a natureza e nem sempre a ação de poder é capaz de modificá-las em sua inteireza, visto que cada relação se estabelece numa espacialidade cheia de contradições.
A espacialidade das vilas do século XVIII refletia a realidade vivenciada pelas populações da época e tinha a ver com a sua realidade específica apesar das imposições do colonizador. A captura da tartaruga, por exemplo, constituía-se numa das principais ocupações dos moradores das vilas e dos povoamentos que utilizavam a carne na alimentação e recolhiam os ovos para a retirada do óleo destinado à exportação ou ao consumo nos povoados como fonte de energia para iluminação.
Na época da coleta dos ovos, que correspondia ao período da vazante, as vilas ficavam praticamente vazias, pois as pessoas se dirigiam às praias para escavação dos tabuleiros, retirando os ovos e fazendo a purificação do óleo. "Numa manhã cerca de 400 pessoas estavam reunidas nas bordas do banco de areia, tendo cada família preparado seu abrigo (...) Havia grandes tachos de cobre, para o preparo do óleo e centenas de jarros vermelhos estavam espalhados pela areia" (Bates, 1979, p. 241).
Os quintais destinados às tartarugas para posterior consumo faziam parte da paisagem das vilas e a sua construção constituía-se em alguns casos numa obrigação do poder público. Entretanto, na maioria das vezes eram as pessoas que construíam estes “viveiros”. "A outra face da casa dá para um pomar não cercado onde algumas laranjeiras fornecem sombra a um viveiro de tartarugas, preparado para alojar espécimes vivos. No pátio de todas as casas se encontra um desses tanques, sempre bem provido, pois a carne de tartaruga constitui a base essencial da alimentação dos habitantes" (Agassiz, 1975, p. 137).
O espaço que ia sendo produzido refletia não apenas uma determinação externa, mas se constituía a partir das condições específicas. Obviamente estas eram apenas residuais, porém de qualquer forma o espaço produzido não estava imune a elas.
Ao final do século XVIII, as povoações estavam dispersas no sentido linear, estendendo-se na direção leste/oeste desde a foz do rio Amazonas, penetrando cerca três mil quilômetros até a vila de São Francisco Xavier de Tabatinga. A direção da penetração do povoamento contrastava com a pouca densidade da ocupação portuguesa no sentido norte/sul que se limitava, ao norte, à ocupação do vale do rio Negro e, e ao sul, à vila de Borba e ao povoado São Francisco de Crato no rio Madeira.
Durante os séculos XVII e XVIII, predominou na Amazônia a exploração das drogas do sertão e a agricultura, introduzida a partir de 1750, limitada às proximidades das margens dos rios e concentrada principalmente na parte leste da região na Amazônia Oriental. O domínio político de Portugal sobre a região foi garantido, no plano interno, especialmente pela posição estratégica dos fortes e dos povoamentos. Entretanto, não se pode dizer que até esta data tenha ocorrido a interiorização de atividades econômicas e nem que tenha ocorrido um significativo povoamento na perspectiva do colonizador. Pierre Gourou estima que a população do que hoje corresponde ao Estado Amazonas atingiu no final do século XVIII, 14.749 habitantes (1950, p. 32). Possivelmente o autor superestimou os dados pois, segundo o Diário do Ouvidor Sampaio a população não índia da Capitania do Rio Negro, em 1775, era de 1.129 habitantes, e o Recenseamento publicado em 1781, ambos já referidos, totaliza uma população para a mesma área de 1.476 pessoas. Não existem evidências da ocorrência de crescimento tão elevado da população em apenas duas décadas.
Tal situação se refletia na espacialidade das vilas que se constituíam em pequenos pontos para estocagem de produtos extrativos e agrícolas. A agricultura teve certo impulso em decorrência dos incentivos concedidos pela política pombalina. O principal produto de exportação na segunda metade do século XVIII foi o cacau, não havendo certeza de que fosse originado apenas de lavoura, mas possivelmente era uma atividade em sua maior parte extrativista (Santos, 1980, p. 18). No final do século XVIII, as vilas perdem o ímpeto como locus de defesa em decorrência do acordo diplomático celebrado entre Portugal e Espanha que fixou os limites da Amazônia Lusitana. Em 1783, por exemplo, o Forte de São José do Rio Negro foi desativado, demonstrando que, com a consolidação do domínio português na Amazônia, algumas bases intermediárias perderam as funções de defesa.
Do ponto de vista espacial, não houve mudanças significativas quanto ao surgimento de novas vilas e/ou povoados nas primeiras décadas do século XIX na Capitania de São José do Rio Negro. Na década de vinte, entretanto, houve mudanças importantes refletidas na criação e/ou supressão de vilas.
Em 1825, o Governo Imperial, através do aviso nº 283, aboliu a Junta Governativa do Rio Negro, incorporando a Capitania à Província do Pará. Em 1833, foi executado o Código do Processo Penal, instrumento jurídico criado em 1832 que unificava a legislação no que diz respeito à divisão territorial do Brasil recém separado de Portugal. Esse código teve grande importância para a produção do espaço da Amazônia, pois determinou a não transformação da Capitania de São José do Rio de Negro em Província e estabeleceu a sua divisão em Termos e Comarcas. Foi criada a Comarca do Alto Amazonas com quatro vilas que deveriam servir de sede aos Termos: Barra do rio Negro, atual Manaus, Luséa, atual Maués, Teffé e Mariuá atual Barcellos (Guimarães, 1992, p. 92). Pelo mesmo ato as demais vilas retornaram à condição de povoado.
Em meados do século XIX, vários acontecimentos contribuíram para a modificação da paisagem da Amazônia e determinaram, em linhas gerais, o arcabouço do que viria a ser a malha urbana do Amazonas. Dentre os acontecimentos estão: a elevação do Amazonas à categoria de Província em 1850, a introdução da navegação a vapor em 1853, a exploração extensiva dos seringais e o movimento revolucionário dos cabanos, a Cabanagem que foi a mais importante revolução popular da Amazônia ocorrida entre 1834 a 1840 (Di Paolo, 1986).
Quando foi instalada a Província do Amazonas em 1852, que em linhas gerais corresponde ao Estado do Amazonas, havia uma cidade, Barra do Rio Negro, capital da nova Província, vinte e oito freguesias e trinta e um povoados.
Desses acontecimentos, a exploração do látex e a interiorização da navegação a vapor foram os que tiveram maior relevância na configuração da malha urbana, especialmente na Amazônia Ocidental. A introdução da navegação a vapor, além de melhorar a comunicação decorrente da facilidade de transporte, transformou os povoados e vilas em pontos de paradas obrigatórias não apenas para desembarque e embarque de cargas, mas para tomar lenha que servia de combustível para os vapores.
Na Amazônia, (...) os transportes se fizeram por água; eles tiveram também necessidade de mudar: a navegação só se faz de dia, é preciso escalas para a noite. São precisas também outras escalas onde se possam mudar as guarnições de remadores ao longo dos rios de circulação. Essas margens se povoaram de pequenos centros; a navegação a vapor não os suprimiu, ela reclamou ao contrário um novo tipo de escala, o porto de lenha; sendo as caldeiras tocadas a lenha, de 30 a 30 quilômetros mais ou menos era preciso refazer a provisão de combustível, isto é, dizer o número de portos (Deffontaines, 1944, p. 146).
No período mais intenso da exploração da borracha, entre 1860 e 1910, foram sendo criadas vilas nos altos rios à margem direita do rio Amazonas, ao mesmo tempo foi diminuindo o povoamento do vale do rio Negro que por volta de 1890 contava com apenas dezoito povoados dos trinta e dois existentes no final do século XVIII. Esse processo embora tenha se acentuado com a exploração do látex já aparece como tendência desde meados do século XIX. Barcellos, que teve grande importância por ter sido a primeira sede da Capitania, contava, em 1845, com apenas 72 habitantes, embora 50 anos antes a sua população tivesse atingido 640. Em todo o vale do rio Negro, em meados do século XIX, não havia mais de 7.000 habitantes não indígenas, com um decréscimo de aproximadamente 20% da população em 60 anos (Loureiro, 1978, p. 184).
Criava a estrutura do poder municipal: Superintendência (Chefe do Poder Executivo), Intendência Municipal (Câmara de Vereadores) composta por nove membros. Dividiu o Estado do Amazonas em vinte e três municípios: Manaus, Itacoatiara, Silves, Urucará, Parintins, Barreirinha, Maués, Borba, Manicoré, Humaitá, Codajás, Coari, Tefé, Fonte Boa, São Paulo de Olivença, São Felipe do Rio Javari, Canutama, Labrea, Antimary, Moura, Barcellos, São Gabriel da Cachoeira e Boa Vista do Rio Branco. A divisão municipal criada e estruturada nesta época serviu de base para a existente hoje, que de maneira geral, é apenas uma derivação daquela.
A divisão municipal criada no governo de Eduardo Ribeiro (1892-1896) continha uma estratégia de hegemonia no espaço. Esse processo se estabelecia por meio de uma força de deslocamento de valores que tinha nas cidades e /ou vilas seu ponto de apoio. A divisão municipal estabelecida na época era uma estratégia política de consolidação do processo cuja principal característica era a imposição. As cidades e/ou as vilas foram concebidas como o local da troca, do poder, da guarnição, mas também e principalmente propulsoras de novos modos de vida.
Por exemplo, na última década do século XIX, algumas vilas do interior possuíam jornais. Levantamento realizado no acervo do Instituto Histórico e Geográfico do Amazonas foram localizados os seguintes periódicos: "O Itacoatiara" (1874), "Foz do Madeira" (1876) em Itacoatiara; "O Rio Madeira" (1881), "Commercio do Madeira" (1884), "Correio do Madeira" (1885) e "Gazeta de Manicoré" (1886) em Manicoré; "Commercio do Purus", "O Purus" e "O Labrense" entre 1886 a 1890 em Lábrea. Além desses (Reis, 1989, p. 209), aponta o "Humaythaense" (1894), "Thriumpho" (1889) em Barcelos.
Embora com predomínio de informações locais e regionais, estes jornais traziam notícias do Brasil e do mundo, especialmente sobre artes. É possível encontrar colunas com capítulos da novela de Eça de Queirós "O mandarim", contos de Machado de Assis ou ainda citações de Vitor Hugo. Até 1889, o número de jornais impressos no interior e na capital ultrapassava a cem (Reis, 1989, p. 209).
A atividade desenvolvida no período da borracha deu certo impulso na criação de vilas e povoados. Entretanto, não significou quantitativa e qualitativamente um processo de surgimento de cidades similar à importância econômica do período. Ao contrário, determinou a existência de poucas cidades, dispersas e com pouca importância regional em termos populacionais e econômicos. Apesar de a economia da borracha ter representado no período de 15 anos (1898 a 1912) no mínimo 20% das exportações brasileiras anualmente (Santos, 1980, p. 290), os benefícios ficaram reduzidos a duas cidades: Belém e Manaus onde uma minoria reteve parte do excedente econômico, transformando-as nas mais importantes cidades da Região. Manaus, por exemplo, cresceu como um centro de comércio, poucas indústrias de beneficiamento de produtos extrativos e entreposto para escoamento de borracha e entrada de artigos manufaturados, mas não encontrou caminhos para transformar o capital comercial em industrial e entrou em crise com o declínio da produção do látex.
A existência de pequenas cidades, distribuídas de forma linear, com infra-estrutura urbana mínima, localizadas quase sempre nas margens dos rios e sem articulação entre si, decorre do tipo de atividade econômica baseada no extrativismo vegetal, com produtos destinados à exportação em estado in natura ou no máximo semibeneficiados. Este tipo de atividade não contribuiu para a criação de infra-estrutura visando à transformação da matéria-prima na própria Região. Em decorrência, tampouco havia a criação de atividades urbanas complementares à transformação da matéria-prima que exigisse concentração de mão-de-obra, o que poderia ensejar a criação de novas vilas.
E por que isso não ocorreu? Há um limite da atividade extrativa para a criação e dinamização do espaço urbano em decorrência da composição orgânica do capital empregado, com predominância do capital variável sobre o capital constante, em virtude da ausência quase total de equipamentos e maquinaria. A exploração da força de trabalho era facilitada pela abundância de mão-de-obra, ausência de mecanismos de mediação entre patrões e empregados e pelas condições de isolamento a que era submetido o seringueiro. Apenas parte da riqueza extraída dos seringais foi apropriada localmente, enquanto a maior parte ficou retida nas mãos de uma minoria privilegiada, internamente os exportadores de borracha e as casas aviadoras e externamente os importadores de borracha nos mercados americanos e ingleses e no Brasil por segmentos de classe do Centro-Sul.
A riqueza retida localmente, Belém e Manaus não foi aplicada na reprodução da atividade econômica, mas em consumo supérfluo e em obras suntuosas. O idealismo de uma elite residente em Belém e Manaus era a fantasia, o capricho e a extravagância, enquanto nos seringais, os meios de trabalho utilizados pelos seringueiros eram quase somente seus corpos. Como já sustentamos, a riqueza produzida na Amazônia na época da borracha provinha de dois líquidos: da seiva da hevea brasiliensis e do sangue dos seringueiros (Oliveira, 2000), pois "os meios de trabalho não são só medidores do grau de desenvolvimento da força de trabalho humana, mas também indicadores das condições sociais nas quais se trabalha" (Marx, 1988, p. 144).
Pode-se inferir, que no período do boom da borracha a maioria da população não estava nas poucas vilas existentes, mas embrenhada no interior da floresta. As vilas e as poucas cidades continuaram com as mesmas funções para as quais haviam sido criadas: representação do poder público para arrecadação de impostos, sede das missões religiosas, base para a circulação de produtos extrativos para exportação e internação de produtos alimentícios básicos que vinham de Belém e Manaus. A estreita relação com o mercado externo fez com que as vilas, especialmente as da Amazônia Ocidental, não conseguissem se dinamizar, alternando curtos períodos de pequena dinamicidade com longos de grande estagnação.
A partir de 1910 e acentuando-se a partir de 1920, mais um desses períodos de estagnação abateu-se sobre a Região. No entanto, a crise não foi generalizada, especialmente para a população local. Em primeiro lugar porque a economia da borracha não contribuiu para a melhoria do nível de renda das populações locais que eram e continuaram sendo muito pobres. Em segundo lugar, a crise provocou o refluxo de parte dos migrantes nordestinos para a região de origem, diminuindo a pressão sobre as fontes de alimentos. Finalmente houve certo aumento na produção de outros produtos extrativos, especialmente a castanha e a madeira que absorveu a mão-de-obra liberada dos seringais.
Mas há uma dimensão espacial neste processo, pois a resistência veio da população nativa (não necessariamente indígena, mas cabocla) ou dos que já haviam se fixado e se adaptado à Região e tinham por isso conhecimentos sobre o espaço, conseguindo estabelecer novas formas de sobrevivência. Neste sentido, a borracha levou à destruição, mas também criou os mecanismos da resistência. Isso parece tanto mais verdadeiro quando comparado ao impacto ocasionado no interior da Amazônia e nos dois principais centros urbanos, Belém e Manaus.
Isso ocorreu porque as cidades são espaços produzidos socialmente, são produtos datados e por isso refletem as condições específicas do lugar e dos conflitos a ele inerente que não podem ser considerados exclusivamente econômicos, pois têm dimensões culturais, políticas e ideológicas e retratam o vivido de quem as constrói.
As cidades amazônicas que foram criadas ou dinamizadas a partir da economia da borracha, embora pequenas e com pouca ou nenhuma importância para as outras regiões do país, têm organização e estrutura que extrapolam sua dimensão específica, configurando formas e estilos que estão além da circunscrição do lugar, refletindo o lugar no mundo e o mundo no lugar. Nelas encontram-se instituições regionais, nacionais e até internacionais, influenciando de forma direta ou indireta a sua dinâmica. Todavia têm especificidades que não escapam ao lugar em que estão sendo produzidas. Portanto, é preciso entendê-las por meio de características específicas, tentando não vê-las como pedaços de uma cultura mais geral, nem com a mesma dimensão e complexidade dos núcleos urbanos mais dinâmicos. Em outras palavras, as cidades amazônicas são tempos e espaços produzidos a partir do específico, tendo dimensões gerais.
Notas
[1] "DIRECTORIO que se deve observar nas povoaçoens dos indios do Pará e Maranhaõ" (sic) foi o instrumento criado pelo governador do Pará e Maranhão Francisco Xavier de Mendonça Furtado em 3 de maio de 1757, ratificado pelo Rei de Portugal em 1758, estabelecendo as normas a serem observadas nas povoações dos índios do Pará e Maranhão.
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© Copyright José Aldemir de Oliveira, 2006
Ficha bibliográfica:
OLIVEIRA, José ALDEMIR de. Tempo e espaço urbano na Amazônia no período da borracha. Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2006, vol. X, núm. 218 (35).
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