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[I]
Na minha juventude amazonense, Rio Branco fazia parte das conversas familiares. Meu pai havia morado nove anos no Acre, destino de centenas, talvez de milhares de imigrantes árabes desde o final do século XIX. Atraídos pela economia extrativista da borracha, esses imigrantes deixaram a Síria e o Líbano e foram trabalhar em Rio Branco, Xapuri, Sena Madureira, Cruzeiro do Sul. Penso que esta saga ainda não foi narrada pelos historiadores. No entanto, todo ser humano tem sua história pessoal, que é um capítulo minúsculo - e às vezes ocultado - da história coletiva. Em 1904, ano da revolução acreana, meu avô paterno saiu de Beirute e foi morar em Rio Branco.
Eram tantos os imigrantes libaneses nesta cidade, que uma das ruas do Segundo Distrito era conhecida como Nova Beirute. Mais de trinta anos depois, meu pai e seu primo Said Farhat desembarcaram em Rio Branco, onde já moravam vários parentes, alguns nascidos no Brasil.
Território da mais recente fronteira brasileira da Amazônia Ocidental, o Acre foi também uma nova pátria desses imigrantes do Oriente Médio e de milhares de nordestinos que, já na década de 1870, foram trabalhar nos seringais da região. Homens que trabalhavam para escravizar-se, segundo a expressão certeira de Euclides da Cunha, que viajou para as cabeceiras do Purus em 1905. No livro À margem da História (1909), Euclides reuniu vários ensaios e crônicas sobre essa viagem. Nesses textos indispensáveis para a compreensão da formação social, histórica e geográfica do Acre, Euclides discorreu sobre índios, seringueiros e caucheros.
Em outros ensaios ele analisou as péssimas condições de trabalho nos seringais e a importância do Purus como um dos grandes eixos de navegação regional. Por fim, ele mencionou um projeto relevante para o Brasil e seus vizinhos, sobretudo o Peru: um projeto ambicioso e de grande alcance geopolítico, econômico e cultural. Mais de um século depois, esse sonho de Euclides está se realizando: a ligação da Amazônia brasileira com o Pacífico.
[II]
Visitei Rio Branco pela primeira vez no começo da década de 1990, quando Jorge Viana foi eleito prefeito da capital. Voltei para lá em junho deste ano. Ou seja, depois das duas gestões de Jorge Viana no governo do Estado. O Acre, de fato, mudou. A transformação não foi apenas política, mas também moral, ética, cultural e econômica.
Hoje o Acre situa-se na vanguarda de experiências ecológicas e educacionais que vêm gerando avanços sociais significativos. Avanços que têm a ver com uma administração competente que derrotou as máfias da corrupção e do crime organizado. Mas há outro aspecto a ser considerado: as idéias ousadas que se tornam factíveis.
A economia acreana, antes estagnada e quase totalmente dependente de repasses de verbas federais, foi dinamizada. Em seu segundo mandato, o governo Viana fez um rigoroso e detalhado estudo de zoneamento ecológico-econômico a fim de conhecer a potencialidade do meio ambiente, a vocação econômica de cada sub-região, o perfil social e antropológico de índios e caboclos.
No fundo, esse estudo contempla um leque fantástico de biodiversidade, que inclui manejo florestal, reservas e assentamentos extrativistas, potencial florestal madeireiro e não-madeireiro, uso da terra e estrutura fundiária, mapeamento e zoneamento em terras indígenas e formação educacional e profissional em aldeias, vilas e municípios.
Com suas estações ecológicas, parques estaduais e unidades de conservação de uso sustentável, o Acre está mostrando para o Brasil e para o mundo que é possível alcançar o desenvolvimento sem devastar a floresta. Isto se chama planejamento, visão de futuro. A intervenção criteriosa no presente só é possível a partir do conhecimento científico e cultural da região.
E tudo isso só é possível quando se tem um forte laço histórico-afetivo com a Amazônia e seu povo. Aos que só pensam em transformar a floresta em pasto e plantação de soja, sugiro que visitem o Acre e leiam os documentos do Zoneamento Ecológico-Econômico (Governo do Estado do Acre, 2006).
Há outras coisas que me impressionaram em Rio Branco: a Biblioteca da Floresta Marina Silva, as Casas de Leitura e a própria fisionomia da cidade. Sem contar, é claro, a hospitalidade dos rio-branquenses. Mas deixo essas coisas e pessoas para a próxima crônica.
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