sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

A CULTURA NA CORDA BAMBA DA DEMOCRACIA: O REI AINDA VIVE... E RONDA

Por João Veras - músico, advogado e mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina.

Algo tem mudado no campo das políticas públicas de cultura no Acre. E ainda não são os tão esperados aportes financeiros para a pasta da cultura, a efetiva extinção das miudezas da porca política clientelista e promotora de privilégios, e o fim da burocracia na gestão da magia.

O novo é parcial e convive ainda com vícios, mas pode já ser avistado nos gestos, nas palavras, na potência do diálogo. O novo é ainda um projeto que se desliza sobre o papel e se procura nos debates. O novo ainda está na possibilidade do exercício democrático, na conformidade do que, em 1988, a Constituição Federal estabeleceu e a nossa constituição estadual instrumentalizou com a criação, em 1989, de um dos meios efetivadores da participação social na gestão pública que é o conselho de cultura. Se já estamos, sociedade e agentes públicos, preparados, isto são outros quinhentos e espero muito não esperar tanto.

A ausência de políticas públicas de cultura que valorizem, efetivamente, as manifestações da cultura local é um fato comum na nossa história de gestão pública. Como também é fato histórico a ausência de participação e transparência nessas gestões.

Vale registrar um sopro de quase ensaio de gestão democrática ocorrido, aqui, na década de 80, em que, com os ventos da chamada nova república, provamos uma experiência de participação do movimento cultural local na gestão da política cultural. Depois, tudo voltou ao que sempre foi.

Com a ascensão da “esquerda” ao poder, não aconteceu, como tanto esperávamos, a mudança. Não vimos nem democracia, nem política cultural. Muito pelo contrário, o que se sentiu, exceção ao curto período em que Gregório Filho esteve, de novo, à frente da gestão cultural, foi um exercício antidemocrático de gestão pública. Com uma ingrata novidade: uma política de indiferença às manifestações locais e de “eliminação” covarde dos seus críticos. Um governo cujo maior pavor era ser criticado, contraditado. De 1999 a 2006 vivemos períodos turvos. Eu sou testemunha, eu fui/sou presa, eu tenho memória.

Hoje estamos iniciando um processo em que se delineia a tentativa, da parte dos poderes públicos, nas três esferas de governo, de considerar a área cultural como merecedora de suas políticas de gestão com uma certa visão de participação e transparência. Nesse processo, percebo que as idéias contrárias (não à democracia, mas à falta dela) vêm quase que deixando de ser consideradas armas de crime e seus autores (críticos) meliantes criminosos.

Até a instalação do Conselho Estadual de Cultura-CONCULTURA, que se deu em 2005, esperamos 16 anos para ver o governo do estado cumprir com aquela determinação. E tal cumprimento se deveu a dois fatos, pela ordem de importância (na visão governamental): a assinatura do Protocolo de Intenções, proposto pelo Ministério da Cultura de Gilberto Gil, pelo qual os seus signatários locais se comprometiam em se integrar ao sistema nacional de cultura para o que deveriam instalar seus respectivos sistemas estadual e municipais. Um dos itens essenciais era justamente a criação do Conselho de Cultura. O segundo fato se assenta na progressiva mobilização de reivindicação e pressão dos produtores culturais locais, o que culminou, sob a liderança do Observatório Permanente das Artes, o temido OPA, com a realização do Seminário sobre Conselho Cultura, do qual foi tirada uma reivindicação formal e uma proposta de formato de Conselho de Cultura.

O governo Jorge Viana concordou em assinar o protocolo do MINC, o que se deu, a seu estilo midiático, em ato espetacular no palco do teatrão (show da “democracia” para Gil ver). Todavia, para não variar o conhecido estilo antidemocrático de governar, o formato do conselho contido no decreto de instalação não levou em consideração a proposta tirada do movimento artístico por ocasião do referido seminário.

Mas a instalação do conselho, por si só, sobretudo por sua estrutura, em nada resolveria, naquele período, as aspirações de participação do movimento cultural, mesmo porque, ainda na gestão daquele governo, na sua última fase, se sucedeu uma resistência orquestrada, tudo para que o conselho não funcionasse, no sentido de cumprir o seu papel constitucional de espaço/instrumento de democratização da gestão pública de cultura.

Estou certo de que, hoje, estamos passando por um processo diferente no interior do CONCULTURA. Estamos caminhando, não sem dificuldade, para a formalização de um ambiente de diálogo. Dialogo esse que tem resultado numa preocupação institucional de criação e reestruturação do arcabouço jurídico relativo à área cultural. Concordo que tal processo não tem a velocidade devida. Ele é irritantemente lento. Atribuo, como um dos fatores, à falta de dedicação e objetividade da gestão estadual da cultura e do próprio conselho, especialmente em razão da dificuldade de manter um quorum regimental em suas sessões plenárias. Ainda falta compromisso de grande parte de seus membros.

O município de Rio Branco, através de sua atual gestão cultural, inspirada e apoiada pelo CONCULTURA e, também, no compasso do cumprimento do Protocolo de Intenções do MINC, vem desenvolvimento um processo de institucionalização de seu sistema de cultura que julgo, sob o ponto de vista legal, consistente. A sua primeira conferência de cultura, ocorrida em 2007, firmou o quadro jurídico para a formalização de sua política de cultura. O sistema municipal tem agora o que não tinha: respaldo legal. O conselho municipal de política cultural tem um formado inovador, cujo funcionamento, sob o prisma democrático, necessita de um tempo maior para ser avaliado. O melhor ainda se encontra no processo pelo qual a gestão municipal de cultura vem desenvolvimento suas ações com vistas ao funcionamento do seu sistema.

Penso que estamos participando de um tempo de formalização de um arcabouço jurídico que, espero, retire, de algum modo, o poder total do gestor público para impor-lhe obediência às normas do sistema (legal) e às aspirações populares em parte representada pelo movimento cultural que, sem perder a autonomia de se expressar por seus organismos, atua nos fóruns institucionais dos conselhos de cultura.

Preferiria não apostar tanto - como de fato estou - no direito como garantia de que teremos um futuro bem melhor para as políticas públicas de cultura no Acre. Na verdade, minha maior esperança se encontra no exercício permanente de cidadania que cada um de nós, produtores ou não, deveria, só ou acompanhado, investir, apostar, tornar vital. Mas não posso deixar de compreender o contexto que tanto nos tem tornado, nós artistas acreanos, servidores públicos (no sentido funcional mesmo) ao invés de servidos.

Nesse passo, tenho me perguntado até quando iremos continuar sendo levados (e aceitando) a optar entre o andar de um jabuti com febre e o de um leão morto.

Um comentário:

Valden disse...

Muito bom seu blog, espero que possamos trocar muitas idéias.

Valden Rocha

www.homoabilis.blogspot.com