sexta-feira, 12 de junho de 2009

O PARADIGMA DA QUESTÃO DO ACRE PARA A DIPLOMACIA BRASILEIRA NA AMÉRICA LATINA.

Universidade Federal do Rio Grande do Sul Comitê Acadêmico: História e Fronteiras Cyntia Sandes Oliveira cyntiasandes@gmail.com
Palavras-Chave: diplomacia, Barão do Rio Branco, história, Brasil, Fronteiras, relações internacionais. INTRODUÇÃO A história da definição das fronteiras brasileiras é permeada de uma série de acontecimentos que datam desde a condição de Império em que outrora esteve o Brasil. O acontecimento sobre o qual se foca este artigo, versa em torna das definições da fronteira entre Brasil e Bolívia, no início de século XX, momento em que à chancelaria brasileira respondia o célebre Barão de Rio Branco. A importância do estudo desde caso, em especial, dentre tantos, reside em ter sido ele a primeira grande conquista da diplomacia brasileira em diálogos bilaterais, além de representar a mudança de paradigma da própria chancelaria brasileira. É a partir das ações do Barão de Rio Branco, que o Brasil passa a ter uma maior visibilidade e credibilidade internacional e a sua diplomacia deixa de ser de prestígio como fora até então, para passar a adotar uma postura pragmática, mais voltada para a América, em especial para os Estados Unidos, deixando as relações com os seus vizinhos latinos americanos em um plano secundário. Neste sentido, o artigo se pretende a questionar a validade da anexação do território que corresponde ao território do Acre, no Brasil, concluindo apenas parcialmente as reais implicações desta ação ao longo da argumentação do tema. Fora também importante revisitar certos autores em torno da discussão teórica de fronteira, partindo desta para uma análise voltada para o caso brasileiro em específico. Ainda, pretende-se expor as articulações da chancelaria brasileira e tentar entender os atos da mesma que por si só não ficam claros. DESENVOLVIMENTO Para a reflexão em torno do tema proposto buscou-se analisar as idéia dos principais autores em política externa e relações internacionais do Brasil, dentre eles, Amado Cervo(2002), Clodoaldo Bueno(2002), José Honório Rodrigues(1966), Bradford Burns(1960), entre outros. Além disso, buscaram-se outros instrumentais de análise como declarações oficiais e artigos referentes ao tema proposto para na busca de realizar uma nova reflexão. A corrente determinista das fronteiras, articulada no Real Politik alemão, por Ratzel, tem o território como chave para o desenvolvimento e a perenização de uma nação na figura de um Estado. Este ultrapassa a concepção meramente política de representatividade e faz valer a importância das fronteiras, de forma que o pensamento Ratzeliano acredita que “... o Estado deve procurar constantemente rearticular o todo fragmentário que constitui a sua porção territorial”, (RATZEL. F pg.38). Sob a ângulo brasileiro, era sine qua non para o Brasil no momento em questão definir seus litígios fronteiriços, o que se deu num exercício de articulação que chegou ao seu ponto máximo no sob a era do Barão do Rio Branco. Ainda, vale ressaltar que “o caráter da fronteira territorial vista como espaço de conflito, de disputa entre dois grupos ou duas culturas é normalmente conceituada como um produto histórico, resultante de forças de conflito”, o que, no quadro histórico vislumbrado encaixa-se perfeitamente, sendo a fronteira entre Brasil e Bolívia definida como produto de uma disputa que já durava algumas décadas. Como ressalva Lenz em relação ao pensamento de Frederick Jackson Turner, em seu trabalho acerca das fronteiras argentinas, "(...) nas sociedades latino-americanas a experiência não contribuía apenas para a liberdade de oportunidades, mas para o estabelecimento de hierarquias duradouras".(SILVA apud LENZ), o que veio a se constatar dada à perenidade dos acordos firmados. Em relação às aspirações brasileiras com a sua política de definição de fronteiras no final do século XIX e início do século XX, cabe a citação: “A fronteira constitui também um construto jurídico, um caráter legitimador e bélico. E é ainda, uma construção ideológica e sua maior fetichização está em toma-las como naturais. Há uma necessidade que o cidadão assimile e reproduza a identidade acional, para tanto há uma doutrinação patriótica no próprio sistema formal de ensino, segundo Weber, por isso mesmo que se reescreve continuamente a história, porque as interpretações ficam a cargo dos interesses contemporâneos, justificando a existência do Estado nacional e o exercício do seu poder legítimo.”(MORAES, 2002) Era preciso a legitimação da República que de pronto se instaurara. Neste sentido, o reconhecimento internacional e a boa relação com os países vizinhos, além da rápida aproximação com a maior país republicano da época, os Estados Unidos, conduziram as ações da diplomacia brasileira, que veio a tomar como prioridade naquele momento, a definição definitiva das fronteiras nacionais, calcada na negociação, o que legitimava não só a ação, mas mantinha e fomentava a boa relação do Brasil com seus países vizinhos. Neste sentido, cabe a citação: “Embora essa aproximação não tenha significado “alinhamento automático”e tenha servido aos propósitos do chanceler no plano sub-regional (América do Sul), marcou o movimento decisivo de um processo de aproximação que sobreviveu a lê próprio(o Barão do Rio Branco) e que afinal levaria o Brasil (...) a integrar-se no subsistema de poder liderado pelos Estados Unidos.”(CERVO e BUENO, 2002). Tal dá uma visão clara dos reais objetivos brasileiros com as suas ações de fronteira. A essa altura o Brasil já era tido por imperialista por seus vizinhos latino-americanos, e o alinhamento com os EUA só veio a potencializar tal situação, ainda que tenham havido esforços no estreitamento doa laços entre vizinhos. A questão do Acre, como é conhecida na historiografia brasileira, a disputa fronteiriça entre Brasil e Bolívia começa muito antes de 1902, ano em que assume como ministro das Relações Exteriores do Brasil, o Barão de Rio Branco. Já no século XIX, a região era alvo de disputas entre brasileiros, bolivianos e peruanos. Não por coincidência “a indústria de veículos terrestres e motor a combustão interna será o principal fator dinâmico das economias industrializadas, durante um largo período com compreende o último decênio do século passado (XIX) e os três primeiros do século XX” (FURTADO, 1920), tal contextualiza-se no fato de ser a região dotada de grande quantidade de árvores de onde se extraia a tão cobiçada borracha. A fim de apaziguar os ânimos, o Brasil lança uma proposta a fim de resolver a situação e em 1864. Neste momento o Brasil encontrava-se envolvido na Guerra do Paraguai, e os bolivianos desaprovavam as ações brasileiras no Paraguai, de forma que, o concerto de Ayacucho tinha por principal objetivo a neutralização da Bolívia e relação ao conflito, no sentido de garantir que esta não entraria na Guerra ao lado do Paraguai. Neste contexto, é assinado o Tratado de La Paz de Ayacucho, que determinava os limites entre os dois países pautando-se no princípio do uti possidetis. O segundo artigo do referido tratado definia as fronteiras entre Brasil e Bolívia da seguinte maneira: “La frontera entre el Imperio del Brazil y la República de Bolivia partirá del Río Paraguay en la latitud de 20º 10', donde desagua la Bahía Negra; seguirá por el medio de esta de esta hasta su fondo y de ahi en línea recta a la Laguna de Cáceres, cortándola por el medio; irá de aqui a la Laguna Mandioré y la cortará por el medio, así como las Lagunas Gaiba y Uberaba, en tantas rectas cuantas fueren necesarias, de modo que queden del lado del Brasil las Tierras Altas de las Piedras de Amolar y de la Insua. (trecho modificado por el Tratado de 1903) Del extremo norte de la Laguna Uberaba irá en línea recta al extremo sur de Corixa-Grande, salvando las poblaciones brasileñas y bolivianas, que permanecerán respectivamente del lado de Brasil o de Bolivia; del extremo sur de Corixa-Grande irá en líneas rectas al norte del Cerro de la Buena Vista y a los Cuatro Hermanos; de estos, también en línea recta, hasta las nacientes del Río Verde; bajará por este Río hasta su encuentro con el Guaporé y por medio de este y del Mamoré hasta el Beni, donde comienza el Río Madera. (trecho con algunas alteraciones por el Tratado de 1903 y por las Notas Reversales de 1958)De este río hacia el oeste seguirá la frontera por una paralela, salida de su margen izquierda en latitud sur 10º 20', hasta encontrar el Río Javary.Si el Javary tuviere a sus nacientes al norte aquella línea Este-Oeste, seguirá la frontera, desde la misma latitud, por una recta a buscar el origen principal del dicho Javary. (trecho modificado por el Tratado de 1903).” Contudo, o ciclo da borracha conduzira milhares de pessoas para a região, dentre as quais grande parte de seringueiros brasileiros. Além de empresas interessadas nos lucros do processo de extração, encontrando-se a Bolivian Sindicate entre elas. Ao Bolivian Syndicate “a Bolívia havia praticamente transferido a soberania do território para explorar a borracha”(RICUPERO, 2002), em outras palavras, o governo boliviano arrendara toda a área para a Bolivian Syndicate, o que gerou forte descontentamento dos seringueiros locais, os quais irromperam contra o governo boliviano. Ainda, a companhia em questão fazia forte oposição a quaisquer ações do governo brasileiro sobre o referido território , além de possuir a prerrogativa de mobilizar a ação dos governos de onde se originavam os seus investidores, em particular dos Estados Unidos, da Grã-bretanha e da França. A situação era delicada, uma vez que milhares de brasileiros instavam-se em conflito com o governo boliviano na região em decorrência das ingerências da Bolivian Sindicate, chegando até a máxima de declarar independência da região e pedir anexação ao Brasil, em 1899, segundo Burns. Dessa maneira, uma atitude por parte do governo brasileiro era fundamental, neste sentido, o governo decretou o bloqueio a navegação no rio Amazonas em direção ao Acre, o que isolou e enfraqueceu a Bolivian Syndicate e também o Peru, os quais abandonaram a região posteriormente. Dessa forma, restava apenas a resolução junto ao governo Boliviano. Em 1902, a ascensão de um novo governador na Bolívia, fez com que a situação atingisse seu ápice, pois impostos e leis severos foram impostos aos brasileiros residentes na região. A mudança de postura do Brasil na área faz parte de um processo geral de mudança sobre o qual passou a nossa diplomacia. Diferente de Olynto de Magalhães, anterior Ministro das Relações Exteriores, que advogava pelos plenos direitos na região, Rio Branco utilizou-se do princípio de uti possidetes, o mesmo do tratado anterior, mas desta vez, voltando-se para a questão do número de habitantes brasileiros na região. “A presença de milhares de brasileiros, talvez sessenta mil, constituía, de acordo com as próprias fontes de La Paz, noventa e nove por cento da população de um território, onde os bolivianos, além de raros, se sentiam, nas palavras do seu governador, Lino Romero, tão “estrangeiros aqui como se sentiriam nas mais remotas colônias da Ásia. Tanto os homens como a natureza nos são completamente adversos .”(RICUPERO, 2002) Neste sentido, pode-se dizer que princípio do uti possidetis, que sustentava o tratado anterior “caducara”, no sentido estrito de que a quase totalidade da população que residia naquela região era brasileira. Isto levou à diplomacia brasileira a declarar o seu desejo de adquirir o Acre, mediante compensações financeiras e territoriais, já que o problema era essencialmente do fundo político. Segundo o próprio Barão do Rio Branco, quando da leitura da exposição de motivos, a proposta principal, que viria a ser celebrada na assinatura do Tratado de Petrópolis, em 17 de novembro de 1903, compreendia a troca do território em litígio por: “1º O pequeno território triangular, entre o Madeira e o Abuña (...) de 3.500 quilômetros quadrados; 2º Um encravamento de dois hectares, à margem direita do Madeira, (...) para que aí se estabelecesse um posto aduaneiro; 3º Uma indenização de um milhão de libas esterlinas; 4º A construção e território brasileiro, desde a primeira cachoeira do Rio Mármore, (...), até a de Santo Antônio do Madeira, de uma ferrovia, (...)”(PARANHOS,1903) O tratado de Petrópolis defina a fronteira do Brasil segundo a ilustração a seguir, articulando mais um capítulo da história diplomática brasileira e de definição de fronteiras. Figura 1 Definição da fronteira, Tratado de Petrópolis. CONSIDERAÇÕES FINAIS O processo de ocupação do território do Brasil foi caracteristicamente lento, a Amazônia (região que abriga o Acre) foi ocupada muito lentamente, a alteração neste processo se deu com o advento do ciclo da borracha, que atraiu pessoas para essa área. Findado o ciclo a região entrou em estagnação e decadência, até a segunda metade do séc. XX, quando houve injeção de capitais e estímulos governamentais para que a ocupação se efetivasse. Vargas e Kubischek fomentaram políticas de ocupação territorial, além deles também o fizeram os militares (1964-1985), desenvolvendo uma política de expansão no intuito de construir o Brasil-potência: abriram estradas, e abriram a Amazônia a projetos de alto impacto ambiental, curvando-se aos interesses multinacionais, fazendo diversas concessões não muito benéficas ao país. “Todos esses problemas vem sendo discutidos por cientistas que estudam a Amazônia e as questões fronteiriças da bacia platina, são demonstrações de que a produção do território, e a sua integração política a um país, dependem da ideologia política dominante, do momento histórico vivido, e das disponibilidades de capital e tecnologia. Não se pode esquecer que esta transformação nem sempre é comandada pelo país que detém a soberania do espaço em transformação, havendo, naturalmente, grande interferência internacional” (ANDRADE, 1995) Assim, a anexação pelo Brasil do território que hoje corresponde ao Estado do Acre, teve toda uma carga simbólica para o ideário nacional, Rio Branco foi tido como um herói nacional, ao anexar tamanha extensão territorial sem partir para recursos bélicos. Ainda, poder-se-ia argumentar contra a indenização que fora paga pelo Brasil, todavia, “os preços continuaram sua marcha ascensional, alcançando no triênio 1909-1911, a média de 512 libras por tonelada”(FURTADO, 2003), de forma que pode-se concluir em favor da compensação de tal indenização. “A obra de Rio Branco definindo as fronteiras, defendendo o status quo territorial e o equilíbrio político na América do Sul completa-se com a deseuropeização da nossa política externa”(RODRIGUES, 1966), dessa maneira, procurou-se com este artigo vislumbrar os principais reveses da política externa brasileira no que tange as definições da fronteira brasileira com a Bolívia e as implicações, nem sempre tão evidentes, de tal ação para a articulação da diplomacia brasileira e do futuro desta. REFERÊNCIAS: ANDRADE, M. C. A questão do território no Brasil. Editora Hucitec, São Paulo-Recife, 1995 BURNS, E. Relações Internacionais do Brasil durante a Primeira República. In: História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Ed. Européia, 1960. CERVO, Amado & BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil. 2ª. Edição. Brasília: Editora UnB, 2002. FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 32º edição. São Paulo. Companhia Editora Nacional, 2003. LENZ, Maria Heloisa. Crescimento econômico e crise na Argentina de 1870 a 1930: a Belle Époque. Porto Alegre. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2001. 406 p. Mimeografado. MORAES, C. R Território e História do Brasil. São Paulo, 2002. RODRIGUES, José Honório. Interesse Nacional e política externa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966. RICUPERO, Rubens. Edição Comemorativa dos 100 anos de paz nas fronteiras do Brasil. Disponível em: http://www2.mre.gov.br/missoes_paz/port/capitulo4.html. Acesso em: 08/06/2006. Tratado de La Paz de Ayachuco. Disponível em: http://es.wikisource.org/wiki/Tratado_de_Ayacucho. Acesso em: 08/06/2006

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