domingo, 20 de setembro de 2009

Do Acre aos Andes (XI)

Fonte:http://www.pagina20.com.br/index.php?option=com_content&task=blogcategory&id=19&Itemid=24 Marcos Vinícius Neves mvneves@riobranco.ac.gov.br 30-Ago-2009 Depois da extraordinária experiência da rebelião liderada por Juan Santos Atahualpa e de um século inteiro de paz e autonomia para os povos indígenas do Antisuyu, o século dezenove traz uma nova e terrível ameaça: o ciclo da borracha. Uma história relativamente familiar para os acreanos. Breve história dos Ashaninka – filhos do Sol e da Floresta (V) Em 1848 o Presidente da Republica do Peru, Dom Ramon de Castilla, pensa poder encontrar na região da selva uma solução para a falta de trabalhadores da região costeira do Peru. Os padres franciscanos são então encarregados de diagnosticar o potencial dos recursos humanos entre os Campa. Mas, mais uma vez, os índios do rio Perene, como ocorreu durante os últimos cem anos, detém a expedição e a obrigam a retroceder. Apesar deste insucesso inicial, este período marcou a retomada do interesse peruano pela ocupação e exploração da região de selva da montaña. Cabe, então, ao Prefeito do Departamento de Junin coordenar as ações de retomada dos territórios perdidos durante o período de Juan Santos Atahualpa. Uma ação marcada pela violência, pela fundação de fortificações, pelo seqüestro de mulheres e jovens e pelo estimulo à migração de estrangeiros que quisessem se estabelecer nesta região. Este período, portanto, ficou marcado pelo abandono das idéias de cristianização dos índios e pelo forte militarismo do governo peruano que realiza sucessivas expedições armadas à selva, onde tem que enfrentar a forte resistência dos “Chunchos” (outro nome utilizado para os Campas ou povos Antis). Uma nova expedição realizada em 1876 consegue chegar até o Cerro de la Sal e reabrir a via dos rios Perene e Tambo para a expansão dos não-indios. E vale ressaltar que esta expedição ao chegar ao Gran Pajonal, centro cultural e político a partir do qual Juan Santos Atahualpa havia deflagrado sua vitoriosa rebelião, se deparou com noticias de uma grande reunião anual dos Antis neste local para celebrar rituais em memória de Juan Santos, revelando que a lembrança do “messias” estava viva e que provavelmente os Campa aguardavam seu retorno a qualquer momento. (Varese, 1973) Entretanto, o final do século, irá assistir a chegada de uma nova ameaça à integridade sócio-cultural e ao domínio territorial dos Antis sobre a região da “selva” peruana. Tratava-se do ciclo da borracha que atingiu toda a Amazônia com uma força e uma velocidade assustadoras. Com isso dezenas de aventureiros de poucos escrúpulos se espalharam pela vasta região de Iquitos, Gran Pajonal, Ucayali, Manu ou por onde quer que houvesse arvores de caucho e seringa. E desta vez as estratégias utilizadas para implantar um regime de dominação das populações nativas foram ainda mais sofisticadas e diversificadas. Além do aprisionamento de jovens escravos indígenas e da morte de seus líderes e de mulheres e homens mais maduros ou idosos que apresentavam maior resistência aos invasores, uma nova estratégia se revelou extremamente bem sucedida: estimular as tradicionais rivalidades tribais. Assim, bastava entregar aos Cunibo certa quantidade de rifles Winchester que deveriam ser pagos com escravos Campa. Logo a seguir se entregavam aos Campa outros winchester que deveriam ser pagos com escravos Cunibo ou Amuesha. Tinha início assim um longo período de quarenta anos, durante os quais as “correrias” espalharam violências e horrores de toda sorte entre as populações indígenas da floresta. Se calcula, por exemplo, que só na primeira década do século XX, quarenta mil índios Witoto foram exterminados pelos trabalhos forçados a que foram submetidos. Por toda a selva personagens como Araña em Iquitos e Fitzcarrald no Ucayali e no Madre de Dios, enriqueceram rapidamente às custas de milhares de vidas indígenas enquanto a revolução industrial em curso na Europa e Estados Unidos exigia mais e mais borracha extraída da Amazônia para alimentar sua produção incessante e crescente. Nada muito distinto do que, no mesmo período, estava acontecendo nas florestas acreanas. E também de forma muito semelhante aos acontecimentos registrados no Brasil, rapidamente o caucho assume papel estratégico nas rendas do governo peruano. Em 1910 calcula-se que cerca de um quinto de todas as exportações do Peru se devem à borracha do caucho e da seringa. Entretanto, tão repentinamente quanto havia começado, o ciclo da borracha acabou diante da produção sistemática de borracha nas plantações inglesas e holandesas do Sudoeste Asiático, que derrubou definitivamente o preço da borracha no mercado internacional. Mas para os povos indígenas da floresta amazônica o preço pago durante o “ciclo do ouro negro” foi demasiadamente alto uma vez que tribos e etnias inteiras desapareceram ou foram reduzidas à pálidas sombras do que haviam sido. Neste sentido, os Campas se constituem em uma quase-exceção na medida em que, de uma ou outra forma, haviam conseguido resistir e sobreviver, mesmo sabendo que daí por diante a montaña e a floresta nunca mais voltariam a ser as mesmas.

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