terça-feira, 24 de julho de 2012

O Acre e a globalização tardia


Alceu Ranzi*

Está enganado quem pensa que a globalização é um fenômeno moderno ou do Século XXI. A globalização é antiga e atingiu o Brasil em 1500, com a chegada dos portugueses. Logo a seguir africanos escravizados foram trazidos para o nosso país para produzir um produto em demanda na Europa. Esse produto era o al-zucar dos muçulmanos. Mão de obra africana para o plantio de cana, de origem asiática. Das terras americanas seguia o açúcar que cruzava o Atlântico, a bordo de navios portugueses, para ser distribuído na Europa.

A pergunta a ser respondida é por quais razões, o Acre, por quase 400 anos, ficou à margem do mundo globalizado?
Afinal, de outras partes do interior da Amazônia, já temos notícias desde a viagem de Orellana e Carvajal (1541-1542). Nessa oportunidade parte da Amazônia foi revelada desde os contrafortes dos Andes Equatorianos até Belém. Foi também quando surgiu a lenda das Amazonas.

Anteriormente, em 1533 o Império Inca já havia capitulado para o bando de aventureiros de Francisco Pizarro. O império Inca se estendia para o Oeste pelas nascentes de vários rios amazônicos. Vale lembrar que a cidade de Cuzco, antiga capital dos Incas, banhada por rios que alimentam o Amazonas, está a menos de 600 km de Rio Branco.

Partindo do Peru, em 1559, Lope de Aguirre com Pedro de Ursúa e Fernado de Guzman iniciaram a descida dos Andes pelo Rio Huallaga, atingiram o Rio Amazonas e acabaram chegando ao Atlântico. Lope de Aguirre e seus companheiros não passaram pelo Acre.

Pedro Teixeira, de 1637 a 1639, navegou pelo Rio Amazonas e Napo, refazendo nos dois sentidos a viagem de Orellana – (Belém-Quito-Belém). Uma das boas fontes desse feito é a descrição do Pe. Cristóbal de Acuña – Novo Descobrimento do Rio Amazonas.

Em 1743, Charles Marie de La Condamine foi o primeiro cientista a fazer esse já conhecido caminho (Quito-Belém), relatando na Europa a existência da borracha e do curare.

Para comparar a distância temporal dos acontecimentos, tomemos como exemplo o ensino superior. Data de 1692 a fundação da Universidade em Cuzco. A Universidade do Acre só foi fundada quase 300 anos depois.

No Beni, na atual Bolívia, fundaram-se missões religiosas espanholas a partir dos anos de 1690. Na mesma época já havia missionários pregando em Manaus, com a fundação da Paróquia Nossa Senhora da Conceição. Só duzentos anos depois os primeiros missionários cristãos passaram a fazer desobrigas ao longo dos rios do Acre. A Prelazia do Acre e Purus data de 1919 e a Prelazia do Juruá, em Cruzeiro do Sul, só veio a ser criada em 1931.

Com o Tratado de Madri (1750), os Portugueses, entre outras ações, para defender seus territórios, mandaram construir o Forte Príncipe da Beira, na margem direita do Rio Guaporé, no atual Estado de Rondônia. Para chegar ao local designado, oficiais, escravos, soldados, religiosos e engenheiros partiam de Lisboa, cruzavam o Atlântico, subiam o Amazonas, o Madeira, o Mamoré e o Guaporé. De Lisboa para o Forte Príncipe da Beira seguiam barcos, material bélico e de construção. Tudo passava bem perto do Acre, na boca do Rio Abunã. E a região do Acre, da margem esquerda do Madeira à margem direita do Javari, um vasto mundo desconhecido, continuava parte das “tierras no descobiertas” pertencentes à Espanha.

Entre os anos de 1783 e 1792, Alexandre Rodrigues Ferreira empreendeu sua Viagem Philosophica pela Amazônia, na ocasião passou pelo Madeira e o Guaporé, também esteve bem perto do Acre.

Tanto Orellana, como Aguirre, Pedro Teixeira e La Condamine passaram pelas bocas do Purus e do Juruá. As expedições não adentravam esses rios, nem cruzavam as atuais terras do Acre. O Purus e o Juruá eram as principais vias de acesso às terras acreanas, mas não efetuam a ligação do Atlântico com os Andes.

Quem ingressava pelas bocas desses rios, a partir do Solimões/Amazonas, terminava obrigatoriamente voltando ao ponto de partida. Essa pode ser uma das mais fortes razões de que, enquanto em todas as frentes, a globalização avançava patrocinada pelos Portugueses e Espanhóis, o Acre tornou-se refúgio de vastas populações de tribos isoladas. 

Até pouco mais de cem anos atrás o Acre, por sua hidrografia, continuava desconhecido e fora do eixo de expedições, de aventureiros, de cientistas e missionários.

Tudo mudou com a invenção do automóvel e a necessidade de borracha. Finalmente o Acre foi envolvido pela teia do mundo globalizado. Os cearenses descobriram que o Acre era repleto de seringueiras, a terra da melhor borracha, cheio de índios, de malária e de febre amarela. Navios carregados de borracha desciam os rios do Acre e de lá para os portos da Europa e America do Norte. 

Com a borracha o Acre ficou “enredado” no mundo globalizado. O Acre exportava um único e valioso produto e praticamente tudo o que consumia era importado.

A malária doença originada na África, trazida pelos navios negreiros, talvez tenha sido, mesmo antes da busca por borracha, o primeiro sinal da globalização que chegou ao Acre.

*Instituto Histórico e Geográfico do Acre

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