domingo, 15 de setembro de 2013

A História de Wilson Pinheiro (por Marcos Vinícius)

A HISTÓRIA DA HISTÓRIA DE WILSON

A VOZ QUE NÃO SE PODE CALAR



A história do Acre possui características únicas frente a história de outras regiões brasileiras ou mesmo em relação a própria história nacional. Apesar de que muitos de seus eventos foram engendrados a partir do País que lhe deu origem.


O Acre se constitui na fronteira mais ocidental do Brasil. Como tal


Passados 20 anos da morte de Wilson Pinheiro, líder pioneiro em sua luta e sua morte, caminho que seria seguido com todas as suas consequencias por outros homens tão determinados quanto ele, o que ficou ? O que mudou ? No Acre e no Brasil a situação de trabalhadores, camponeses, indíos e seringueiros melhorou ? Se tudo continua na mesma, então o que teria acontecido ? Seriamos nós incapazes de mudanças ? Estaria nossa sociedade eternamente condenada à exclusão de parcelas significativas de sua população ?


Resumo Boris Fausto

A década de 60 era promissora para o Acre. Depois de décadas de lutas e contradições, finalmente o Território Federal do Acre havia se transformado no Estado do Acre. Poderia, a partir de então ser o senhor de seu destino. Seus habitantes, passaram a possuir em 15 de junho de 1962, autonomia para escolher seus próprios governantes, sonho acalentado e buscado por muitas gerações de acreanos.
Porém, não demorou muito e o golpe militar de 1964 fez todas as esperanças democráticas acreanas cair por terra. Logo, o primeiro governador eleito diretamente pela vontade soberana do povo acreano seria deposto. A história do Acre continuaria a ser dirigida por forças externas à sociedade acreana ainda por mais duas décadas.
Por isso, precisamos ainda recorrer às forças nacionais e internacionais para entender as linhas de desenvolvimento da história acreana do anos que se seguiram.


O Golpe militar de 64 tinha alguns objetivos bastante claros quando foi instituído. O principal era: “reformar o sistema econômico capitalista, modernizando-o com um fim em si mesmo e como forma de conter a ameaça comunista. Para atingir esse propósito era necessário enfrentar a caótica situação econômico-financeira que vinha dos últimos meses do Governo Goulart; controlar a massa trabalhadora do campo e da cidade; promover uma reforma do Estado.” (470)
Para tanto uma serie de medidas foi, desde o início do governo Castelo Branco, implementada. A começar pelo lançamento do PAEG (Programa de Ação Econômica do Governo que consistia essencialmente em reduzir o déficit do setor público, contrair crédito privado e comprimir salários (qualquer semelhança com a atual política econômica do governo não é mera coincidência).
Em poucos anos, o resultado da mudança dos eixos da economia brasileira começa a surtir efeito. Enquanto a sociedade brasileira vive seus piores dias em relação à restrição de seus direitos políticos e individuais, os indicadores econômicos registram índices cada vez mais favoráveis. “Em 1968 e 1969, o país cresceu em ritmo impressionante, registrando a variação respectivamente de 11,2% e 10,0% do PIB, o que corresponde a *,1% e 6,8% no calculo per capita. Começava assim o período do chamado “milagre econômico”.” (482)
O governo Médici, um dos mais repressivos e violentos de toda a história brasileira, conseguiu um acelerado crescimento da economia brasileira entre 1969 e 1973 graças à conjuntura internacional de créditos baratos e forte entrada de capitais estrangeiros, especialmente para os setores industriais (dentre os quais o mais beneficiado foi a industria automobilística). Some-se a isso, ainda, um forte aparato de propaganda que embalado pela popularização da televisão e pelas conquistas do futebol em 1970 criou a imagem de que “Esse é um pais que vai pra frente”.
Porém, esse período de crescimento econômico não significou maior distribuição de renda, ou ampliação do direitos e benefícios sociais. Pelo contrário o que houve foi o aumento significativo da concentração de renda nas classes sociais mais elevadas. Seria preciso primeiro aumentar o bolo, para só depois dividi-lo, nas palavras do Ministro da Economia da época, Delfim Neto. Com isso o Brasil se destacaria no contexto mundial pela posição de destaque em seu potencial industrial e por seus indicadores muito baixos na saúde, educação, habitação, etc.
Era a implantação do “Capitalismo Selvagem” que não contemplava nem a natureza nem muito menos as populações locais. O melhor exemplo disso foi a construção da Transamazônica, construída para assegurar o controle da região (segundo a ótica dos militares) que causou enormes danos ambientais, engordou o caixa de muitas empreiteiras e não beneficiou em nada a população das regiões atingidas pelo projeto.
Em 1973, a ocorrência da primeira crise do petróleo, ameaçou o plano do governo militar. Ainda assim manteve-se a ótica desenvolvimentista através da implantação do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) que buscou consolidar a política de substituição de importações, agora mais centradas no setor da energia. Isso custou o aumento significativo do endividamento brasileiro e, apesar dos indicadores econômicos gerais do período entre 1974 e 1978 apresentarem resultados satisfatórios, a situação econômica brasileira era potencialmente muito perigosa.


Apesar de reprimidas as lideranças sindicais populistas, os sindicatos mantiveram e mesmo aumentaram sua importância, graças principalmente à administração dos recursos da previdência dos trabalhadores sindicalizados. Com isso a CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores Agricolas), já em 1968, começou a agir independentemente ao governo e incentivou a organização de federações de sindicatos rurais em todo o país.
Os numeros desse crescimento são significativos: os sindicatos rurais eram 625 em 1968, 1.154 em 1972, 1.745 em 1976 e 2.144 em 1980. Os trabalhadores sindicalizados saltaram de 2,9 milhões em 1973 para 5,1 milhões em 1979.
Essa condição geral foi ainda mais estimulada pela ação da Igreja através da CPT (Comissão  Pastoral da Terra). Com isso, os movimentos sociais rurais passaram a enfatizar a luta pela posse da terra e pela extensão ao campo dos direitos trabalhistas, chamando atenção para as novas realidades do meio rural. (498)
Mas não foi só no campo que o movimento sindical cresceu. Surgiram novos sindicatos de trabalhadores de “colarinhos brancos”, como médicos, sanitaristas e outras categorias, além dos já tradicionais sindicatos de professores, bancários, etc.
Além disso o movimento operário ressurgiu em novas bases mais independentes do estado, principalmente no setor automobilístico que havia crescido enormemente graças à política de incentivos desse setor adotada pelo governo militar. Surgiram novas lideranças como Luís Inácio da Silva (Lula) e o novo sindicalismo foi capaz de articular as grandes greves de 1978 e 1979 que reuniram milhões de trabalhadores.
Ao mesmo tempo, a situação econômica do início do Governo Figueiredo, não era mais tão favorável quanto nos anos anteriores e foi necessário “frear o carro” em fins de 1980. “A expansão da moeda foi severamente limitada, os investimentos da empresas estatais foram cortados; as taxas de juros internos subiram e o investimento privado também declinou.” (502) A recessão de 1981-1983 teve pesadas consequências. Calcula-se que o declínio da renda foi mais grave do que o ocorrido nos anos seguintes à crise de 1929.

Segue resumo da situação política e econômica oficial na Amazônia.





Texto ideal:

Introdução:
A conquista da voz trabalhadora – criação dos sindicatos rurais
Os jornais e a contradição da sociedade
A academia se apropria e multiplica a voz


 


O Acre é a fronteira ocidental do Brasil. É justo considerar que Brasiléia, nascida Brasília, seja a fronteira do Acre. Uma cidade simples, como são as cidades amazônicas. A margem do rio Acre, fronteira da Bolívia, marco extremo de um território tomado a força do vizinho, faz cem anos. Mas, sem remorsos, questão de justiça.
Cidade ocidental pacata, tranquila apesar dos percalços de uma vida sustentada por uma borracha que não dá mais aquilo tudo. Mas como mudar de vida se tudo o que esse povo mais preza é viver nesse ritmo amazônico de colher da floresta o que ela tem a oferecer. Castanha, seringa, patoá, açaí, pupunha, caça. Subsistência garantida. Tempo pra criar os filhos e melhorar a vida.
Tudo nos seus lugares. Os pequenos caciques locais a achar que mandam, o povo a fingir que obedece e aqui e ali gritando pra lembrar que são eles que governam. Os políticos satisfeitos porque agora o Acre era um estado e isso significava mais vagas legislativas, executivas, etc. Tudo calmo.
Aí vem o golpe militar. Linha dura de novo, indicações, conchavos políticos outra vez, tudo como Dantes no quartel de Abrantes. A tudo a elite se adapta.
Mas logo chegam os novos planos militares para desenvolver a amazônia, para conter o avanço dos comunistas que ameaçavam vir da América Central e via Andes tomar de assalto terras brasileiras proclamando, enfim a revolução popular maoista no Brasil. Desculpas e histórias mil, mas muito dinheiro vindo de fora cheios de planos perfeitos para aumentar seu já vasto domínio sobre a pobre América Latina.
Tratemos de desenvolver a industria, diversifiquemos nossa produção agrícola, realizemos a expansão da fronteira agropecuária, mas não esqueçamos do arrocho salarial, do imposto alto, do empréstimo de um dinheiro que nunca será pago mesmo. Pronto, estava preparado o pacote que resultaria numa bolha de falsa prosperidade chamada  de “milagre economico”.
Afinal de contas, Esse é um país que vai pra frente, são Sessenta milhões em ação e o Brasil é campeão. Tudo ao vivo pela televisão. É isso mesmo, o Brasil é o país do futuro.
No Acre, quase isso. A televisão ainda não havia chegado e o rádio era ainda o grande responsável pelas emoções futebolísticas e nacionais. Mas haviam novas promessas no ar. O Acre voltaria a ser a terra da promissão. Bastava vender seringais, cortar sua madeira, transforma-la em pasto e plantar boi. Logo chegariam os investidores com dinheiro abrindo negócios e desenvolvendo a região. “Venha para o Acre. O filé mignon da Amazônia”.
O que ninguém podia esperar é que o efeito fosse tão devastador. No curto espaço de três anos, a calmaria das cidades acreanas foi transformada num inferno de conflitos, ameaças, assassinatos. O que havia sido vendido como desenvolvimento e bem estar foi traduzido em uma invasão de grileiros, especuladores, misturados a poucos investidores reais e a uma multidão de trabalhadores expulsos pelo latifúndio que já havia tomado o Centro-Sul do Brasil.
Logo todas as estruturas da secular sociedade acreana foram transtornadas de uma forma como nunca havia acontecido antes. Os ciclos de bem estar anteriores haviam sido criados a partir da exploração da floresta, especialmente da borracha. Agora não, tratava-se de derrubar a floresta, desalojar famílias que a gerações ocupavam aquelas colocações, romper as cadeias de dependência mútua que geriram a sociedade acreana durante toda sua história. Coronéis falidos, comerciantes perdidos, seringueiros expulsos, toda uma sociedade refém de uma sigla oficial POLAMAZONIA.
Havia que resistir. A mesma sociedade pacata e tranquila, armou-se, contatou canais de organizações de resistência, destacou homens de coragem para a linha de frente da luta. A igreja, a CONTAG, o Varadouro, os grupos clandestinos que podiam apoiar a resistência contra a devastação da terra acreana.
Mais uma vez os seringueiros, os índios, os ribeirinhos foram chamados a lutar pelo Acre. Era uma voz coletiva que dizia não. Dessa vez os líderes capazes de unir o povo vieram do interior da própria sociedade em convulsão. Alguns tombaram, é verdade, mas a voz que se levantava era a da paz perturbada pelos que chegavam de fora como formigas cortadeiras no roçado. Criaram-se os empates, forma pacífica de impedir a retirada da floresta. Único modo de não deixar que o Acre se tornasse terra devastada de matas e homens. Era o povo da floresta em levante contra o estado, por justiça, mais uma vez.
Logo o governo, o país foram obrigados a ver que não havia possibilidade do Acre permanecer naquele estado explosivo de coisas. A convulsão social estava por demais próxima. O jeito foi nomear novos governadores qe tentassem minimizar os conflitos sociais. Trata de tentar reverter tudo de novo. Retrato do Brasil que pensava que sabia pra onde ia, mas não saia do lugar.
Era tarde. O conflito estava posto, a guerra iniciada, o empate decidido.
Wilson pagou com sua morte pela cegueira de um país que esquece que é feito pelos seus habitantes, que não podem ser assim desrespeitados.
Logo Wilson pioneiro de uma luta pela permanência. Wilson que não deixou uma palavra escrita ou gravada conhecidas, mas que deixou seu corpo numa terra que exigia e exige respeito. Sua história de lutas não pode ser subestimada jamais. O Acre é brasileiro porque quis. Seu povo, que vive da floresta não poderia deixar de lutar ao se ver mais uma vez ameaçado em sua integridade.
Hoje isso se condensa numa única palavra que reúne e resume todo esse sentimento, toda essa luta secular.



O PODER DO SILENCIO


Seu nome: Wilson Pinheiro. Um homem alto, determinado, de fala mansa e rara, mas de olhar poderoso.
Por um mês procuramos, em vão, sinais de sua voz. Nada.
Nenhum papel de pão manuscrito, nenhum documento do Sindicato, nenhuma entrevista nos jornais, nenhuma frase solta e memorizada pela multidão que instintivamente seguia os passos daquele homem de uma coragem evidente. 
Foi pelas vozes alheias que começamos a conhecer a história do Wilson. Sobram relatos do dia 21 de julho de 1980, quando três balas desferidas pelas costas puseram fim a sua vida. O primeiro dos líderes da floresta a morrer sem razão, por uma causa. Mas não o ultimo a pagar com sua vida para que outros pudessem continuar vivendo de acordo com suas tradições ancestrais. Foram esses relatos da morte, da comoção popular, do enterro, da indignação, da dor e das juras de vingança, publicadas nos jornais acreanos e repetidas nas entrevistas feitas com as pessoas que participaram dessa história, que nos fizeram começar a ouvir o som da voz daquele homem calado.
Não pudemos evitar um calafrio na espinha ao conhecer a história do homem enterrado de bruços pela multidão, com uma moeda na boca para evitar a fuga de seus assassinos. Os signos populares são poderosos. A sina de um homem pode ser sintetizada em um único gesto.
Não pudemos, tão pouco, evitar um enjôo desagradável ao ler matérias do jornal oficial que diziam que a culpa da malfadada “Tensão social” vivida pela população acreana naqueles anos terríveis era dos agitadores, dos subversivos, dos comunistas que só queriam conflagrar a multidão para destruir a ordem vigente.
Se bem entendemos essa história, era o povo que estava tentando manter a ordem das coisas de um Acre invadido por pessoas inescrupulosas, que pouco sabiam da gente que vivia do que a floresta tinha pra oferecer, que só se interessavam por tirar o máximo possível no menor tempo possivel. Quem subvertera a ordem natural das coisas havia sido o então chamado “Capitalismo Selvagem”, o Governo Militar, o Governo Biônico Estadual; para os quais só contavam índices econômicos favoráveis e um povo manso que obedecesse prontamente o que lhe era determinado. Era preciso progredir, alcançar e desenvolver as fronteiras de um país subdesenvolvido (outra palavra da moda na  época). Afinal de contas “Esse é um país que vai pra frente”. “Brasil, o país do futuro”. E o que é o progresso ? Estradas asfaltadas, bois no pasto, horizontes sem homens monotonamente preenchidos por soja para exportação. Não importa o preço a ser pago. No máximo, uma ou duas gerações de brasileiros cerceados, sem liberdade de ir e vir, falar, pensar, plantar, sonhar, buscar a felicidade, enfim. Milhões de brasileiros entre 30 e 40, anos que sabem bem o preço que foi pago por tamanha estupidez oficial encastelada nas estruturas de poder desse país.
Naquela época eram eles que falavam, o Wilson calava, mas agia. Usava sua enorme força vital para conduzir o povo em uma marcha pacífica pelo “empate” do progresso. Todos sabiam que não se podia vence-los. Eles possuíam a polícia, as forças armadas, o capital, a justiça, tudo de seu lado. E o povo o que tinha ? Somente sua determinação e coragem frente à força bruta. Mas, se não se podia vencer os opressores podia-se pelo menos “empatar” com eles. E lá iam eles, mulheres e crianças à frente, impedir mais uma derrubada. Centenas de Wilsons, anônimos, calados, transformando suas ações em uma voz que gritava.
Da culminância da dor, a vingança. Morte trocada. Para um Wilson morto, uma outra morte, um Nilão, culpado ou não, um deles. Era o mínimo que podiam fazer se quisessem sobreviver. Aceitar de braços cruzados a morte de Wilson significaria a derrota e a condenação à morte de muitos outros homens de um povo submetido ao terror instituído. Existe razão possível na guerra ?
As versões estão lá, para todos verem. Quem perder algum tempo lendo as matérias publicadas no “Varadouro”, no “Nós Irmãos”, na “Gazeta do Acre”, no “O Rio Branco” e no “O Jornal” vão poder constatar pessoalmente a mobilização popular que se espalhava por todos os vales do Acre - de Boca do Acre até Brasiléia, de Sena Madureira até Cruzeiro - contra a invasão predatória e ofensiva dos “paulistas”. Quem se detiver em ler as páginas que apenas começam a amarelar daqueles jornais ficará sabendo do descaso oficial com a captura dos assassinos de Wilson e depois a fúria com que os assassinos de Nilão foram perseguidos, presos e torturados. “Operação Pega Fazendeiro”, “Balas de Aço”, “Os sete dias de Brasiléia”. Uma sequencia de manchetes que nunca precisariam ter sido publicadas, se nossos governantes fossem homens sensatos e esse um país justo.
Anos se passaram desde então. A luta continuou e as manchetes dos jornais seguiram estampando notícias de crimes de encomenda, de conflitos eminentes, de empates vitoriosos e de ações públicas insuficientes. Outros homens tombaram antes que a floresta acreana e o modo de se viver com ela pudessem ser salvos. Poucos culpados foram presos por seus crimes. Mas o povo venceu. No que era possível, mas venceu. Reservas extrativistas foram demarcadas, o povo da floresta fez uma aliança que mostrou a todos a existência de um povo que só queria tranquilidade e justiça pra tocar sua vida. A voz de Wilson e de seu povo foi forte o suficiente para se fazer ouvir.
O Acre nunca mais seria o mesmo então. Os governantes até continuariam os mesmos, nas mesmas famílias que à décadas. Mas havia algo novo na paz que aos poucos voltava às cidades acreanas. O povo das cidades também havia assistido à chegada de milhares de famílias expulsas de suas casas, presenciado a miséria que explodia em suas invasões periféricas e ouvido as vozes que se levantaram de dentro da floresta. Os educados filhos da cidade, viram que tudo o que acontecera em Xapuri, Brasiléia, Boca do Acre, Quinari, Tarauacá, era questão de resistência de um povo. Era preciso reconhecer que nada daquilo havia sido coisa de comunista, de subversivo, de políticos cassados, de ambientalistas pós-modernos, de ativistas burgueses, de intelectuais urbanos.
Mais uma vez a voz que vinha do interior foi expressa por veículos estranhos ao povo que falava. Foi a vez das monografias acadêmicas, das dissertações de mestrado, das teses de doutorado. O que era coragem e sabedoria popular foi logo promovido à ciência, multiplicando os títulos, as abordagens, os recortes epistemológicos, as linhas teórico-metodológicas de pesquisa, economia, história, sociologia, antropologia, expressões e palavras estranhas ao povo que de sujeito se tornou objeto (de pesquisa).
Diferente daquelas manchetes de jornais que não deveriam ter sido escritas, alguns dos novos títulos revelaram o aprendizado de uma sociedade civilizada com o que havia de mais antigo e inovador em sí mesma, a voz do povo. “Ocupação recente das terras do Acre (Transferencia de capitais e disputa pela terra)” (1982); O sertanejo, o Brabo e o Posseiro (Os cem anos de andanças da população acreana)” (1985); “Conflitos pela terra no Acre” (1987); “Os ‘Imperadores do Acre’ – uma análise da recente expansão capitalista na Amazônia” (1988); “Modernização da agricultura – pecuarização e mudanças – o caso do Alto Purus” (1991); “Seringueiros e Sindicato: Um povo da floresta em busca de liberdade” (1991); “Capital e trabalho na Amazônia Ocidental” (1992); entre tantos outros publicados nos corredores das UNBs, UFACs, UFMGs, PUCs.
Isso sem falar nas prateleiras das livrarias dos shopping-centers repletos de livros sobre a devastação da Amazônia, sobre a vida e a morte de Chico Mendes, sobre ecologia, etc. Será possível que essa sociedade de consumo rápido e desenfreado tenha realmente ouvido aquela voz que silenciou na boca de um Wilson Pioneiro ? Talvez nunca saibamos ao certo.
O que parece certo é que o Acre continua no seu caminho, Tentando construir um destino próprio. Não importa se diferente das receitas caseiras ou internacionais. Aqui existe uma voz que nunca foi escrita, da qual não se registrou o timbre, da qual não restou nenhuma frase, mas que não deixa de ser repetida e ouvida por seringais e cidades dessa Amazônia Ocidental. Uma certa voz, de um certo homem alto e determinado, de fala mansa e rara, dono de um olhar e um silêncio poderosos.


PS: Este deveria ser um artigo de história, na mais pura acepção pragmática da ciência. Porém, como não sentir e escrever com o coração sobre uma tal história de dor e vida ?

 Pesquisa: Equipe do Departamento de Patrimônio Histórico e Cultural – FEM

Texto: Marcos Vinicius Neves

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