A
HISTÓRIA DA HISTÓRIA DE WILSON
A
VOZ QUE NÃO SE PODE CALAR
A
história do Acre possui características únicas frente a história de outras
regiões brasileiras ou mesmo em relação a própria história nacional. Apesar de
que muitos de seus eventos foram engendrados a partir do País que lhe deu
origem.
O
Acre se constitui na fronteira mais ocidental do Brasil. Como tal
Passados
20 anos da morte de Wilson Pinheiro, líder pioneiro em sua luta e sua morte,
caminho que seria seguido com todas as suas consequencias por outros homens tão
determinados quanto ele, o que ficou ? O que mudou ? No Acre e no Brasil a
situação de trabalhadores, camponeses, indíos e seringueiros melhorou ? Se tudo
continua na mesma, então o que teria acontecido ? Seriamos nós incapazes de
mudanças ? Estaria nossa sociedade eternamente condenada à exclusão de parcelas
significativas de sua população ?
Resumo
Boris Fausto
A
década de 60 era promissora para o Acre. Depois de décadas de lutas e
contradições, finalmente o Território Federal do Acre havia se transformado no
Estado do Acre. Poderia, a partir de então ser o senhor de seu destino. Seus
habitantes, passaram a possuir em 15 de junho de 1962, autonomia para escolher
seus próprios governantes, sonho acalentado e buscado por muitas gerações de
acreanos.
Porém,
não demorou muito e o golpe militar de 1964 fez todas as esperanças
democráticas acreanas cair por terra. Logo, o primeiro governador eleito
diretamente pela vontade soberana do povo acreano seria deposto. A história do
Acre continuaria a ser dirigida por forças externas à sociedade acreana ainda
por mais duas décadas.
Por
isso, precisamos ainda recorrer às forças nacionais e internacionais para
entender as linhas de desenvolvimento da história acreana do anos que se
seguiram.
O
Golpe militar de 64 tinha alguns objetivos bastante claros quando foi
instituído. O principal era: “reformar o sistema econômico capitalista,
modernizando-o com um fim em si mesmo e como forma de conter a ameaça
comunista. Para atingir esse propósito era necessário enfrentar a caótica
situação econômico-financeira que vinha dos últimos meses do Governo Goulart;
controlar a massa trabalhadora do campo e da cidade; promover uma reforma do
Estado.” (470)
Para
tanto uma serie de medidas foi, desde o início do governo Castelo Branco,
implementada. A começar pelo lançamento do PAEG (Programa de Ação Econômica do
Governo que consistia essencialmente em reduzir o déficit do setor público,
contrair crédito privado e comprimir salários (qualquer semelhança com a atual
política econômica do governo não é mera coincidência).
Em
poucos anos, o resultado da mudança dos eixos da economia brasileira começa a
surtir efeito. Enquanto a sociedade brasileira vive seus piores dias em relação
à restrição de seus direitos políticos e individuais, os indicadores econômicos
registram índices cada vez mais favoráveis. “Em 1968 e 1969, o país cresceu em
ritmo impressionante, registrando a variação respectivamente de 11,2% e 10,0%
do PIB, o que corresponde a *,1% e 6,8% no calculo per capita. Começava assim o período do chamado “milagre
econômico”.” (482)
O
governo Médici, um dos mais repressivos e violentos de toda a história
brasileira, conseguiu um acelerado crescimento da economia brasileira entre
1969 e 1973 graças à conjuntura internacional de créditos baratos e forte
entrada de capitais estrangeiros, especialmente para os setores industriais
(dentre os quais o mais beneficiado foi a industria automobilística). Some-se a
isso, ainda, um forte aparato de propaganda que embalado pela popularização da
televisão e pelas conquistas do futebol em 1970 criou a imagem de que “Esse é
um pais que vai pra frente”.
Porém,
esse período de crescimento econômico não significou maior distribuição de
renda, ou ampliação do direitos e benefícios sociais. Pelo contrário o que
houve foi o aumento significativo da concentração de renda nas classes sociais
mais elevadas. Seria preciso primeiro aumentar o bolo, para só depois
dividi-lo, nas palavras do Ministro da Economia da época, Delfim Neto. Com isso
o Brasil se destacaria no contexto mundial pela posição de destaque em seu
potencial industrial e por seus indicadores muito baixos na saúde, educação,
habitação, etc.
Era
a implantação do “Capitalismo Selvagem” que não contemplava nem a natureza nem
muito menos as populações locais. O melhor exemplo disso foi a construção da
Transamazônica, construída para assegurar o controle da região (segundo a ótica
dos militares) que causou enormes danos ambientais, engordou o caixa de muitas
empreiteiras e não beneficiou em nada a população das regiões atingidas pelo
projeto.
Em
1973, a ocorrência da primeira crise do petróleo, ameaçou o plano do governo
militar. Ainda assim manteve-se a ótica desenvolvimentista através da
implantação do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) que buscou consolidar
a política de substituição de importações, agora mais centradas no setor da
energia. Isso custou o aumento significativo do endividamento brasileiro e,
apesar dos indicadores econômicos gerais do período entre 1974 e 1978
apresentarem resultados satisfatórios, a situação econômica brasileira era
potencialmente muito perigosa.
Apesar
de reprimidas as lideranças sindicais populistas, os sindicatos mantiveram e
mesmo aumentaram sua importância, graças principalmente à administração dos
recursos da previdência dos trabalhadores sindicalizados. Com isso a CONTAG
(Confederação Nacional dos Trabalhadores Agricolas), já em 1968, começou a agir
independentemente ao governo e incentivou a organização de federações de
sindicatos rurais em todo o país.
Os
numeros desse crescimento são significativos: os sindicatos rurais eram 625 em
1968, 1.154 em 1972, 1.745 em 1976 e 2.144 em 1980. Os trabalhadores
sindicalizados saltaram de 2,9 milhões em 1973 para 5,1 milhões em 1979.
Essa
condição geral foi ainda mais estimulada pela ação da Igreja através da CPT
(Comissão Pastoral da Terra). Com isso,
os movimentos sociais rurais passaram a enfatizar a luta pela posse da terra e
pela extensão ao campo dos direitos trabalhistas, chamando atenção para as
novas realidades do meio rural. (498)
Mas
não foi só no campo que o movimento sindical cresceu. Surgiram novos sindicatos
de trabalhadores de “colarinhos brancos”, como médicos, sanitaristas e outras
categorias, além dos já tradicionais sindicatos de professores, bancários, etc.
Além
disso o movimento operário ressurgiu em novas bases mais independentes do
estado, principalmente no setor automobilístico que havia crescido enormemente
graças à política de incentivos desse setor adotada pelo governo militar.
Surgiram novas lideranças como Luís Inácio da Silva (Lula) e o novo
sindicalismo foi capaz de articular as grandes greves de 1978 e 1979 que
reuniram milhões de trabalhadores.
Ao
mesmo tempo, a situação econômica do início do Governo Figueiredo, não era mais
tão favorável quanto nos anos anteriores e foi necessário “frear o carro” em
fins de 1980. “A expansão da moeda foi severamente limitada, os investimentos
da empresas estatais foram cortados; as taxas de juros internos subiram e o
investimento privado também declinou.” (502) A recessão de 1981-1983 teve
pesadas consequências. Calcula-se que o declínio da renda foi mais grave do que
o ocorrido nos anos seguintes à crise de 1929.
Segue
resumo da situação política e econômica oficial na Amazônia.
Texto
ideal:
Introdução:
A
conquista da voz trabalhadora – criação dos sindicatos rurais
Os
jornais e a contradição da sociedade
A
academia se apropria e multiplica a voz
O
Acre é a fronteira ocidental do Brasil. É justo considerar que Brasiléia,
nascida Brasília, seja a fronteira do Acre. Uma cidade simples, como são as
cidades amazônicas. A margem do rio Acre, fronteira da Bolívia, marco extremo
de um território tomado a força do vizinho, faz cem anos. Mas, sem remorsos,
questão de justiça.
Cidade
ocidental pacata, tranquila apesar dos percalços de uma vida sustentada por uma
borracha que não dá mais aquilo tudo. Mas como mudar de vida se tudo o que esse
povo mais preza é viver nesse ritmo amazônico de colher da floresta o que ela
tem a oferecer. Castanha, seringa, patoá, açaí, pupunha, caça. Subsistência
garantida. Tempo pra criar os filhos e melhorar a vida.
Tudo
nos seus lugares. Os pequenos caciques locais a achar que mandam, o povo a
fingir que obedece e aqui e ali gritando pra lembrar que são eles que governam.
Os políticos satisfeitos porque agora o Acre era um estado e isso significava
mais vagas legislativas, executivas, etc. Tudo calmo.
Aí
vem o golpe militar. Linha dura de novo, indicações, conchavos políticos outra
vez, tudo como Dantes no quartel de Abrantes. A tudo a elite se adapta.
Mas
logo chegam os novos planos militares para desenvolver a amazônia, para conter
o avanço dos comunistas que ameaçavam vir da América Central e via Andes tomar
de assalto terras brasileiras proclamando, enfim a revolução popular maoista no
Brasil. Desculpas e histórias mil, mas muito dinheiro vindo de fora cheios de
planos perfeitos para aumentar seu já vasto domínio sobre a pobre América
Latina.
Tratemos
de desenvolver a industria, diversifiquemos nossa produção agrícola, realizemos
a expansão da fronteira agropecuária, mas não esqueçamos do arrocho salarial,
do imposto alto, do empréstimo de um dinheiro que nunca será pago mesmo.
Pronto, estava preparado o pacote que resultaria numa bolha de falsa
prosperidade chamada de “milagre
economico”.
Afinal
de contas, Esse é um país que vai pra frente, são Sessenta milhões em ação e o
Brasil é campeão. Tudo ao vivo pela televisão. É isso mesmo, o Brasil é o país
do futuro.
No
Acre, quase isso. A televisão ainda não havia chegado e o rádio era ainda o
grande responsável pelas emoções futebolísticas e nacionais. Mas haviam novas
promessas no ar. O Acre voltaria a ser a terra da promissão. Bastava vender
seringais, cortar sua madeira, transforma-la em pasto e plantar boi. Logo
chegariam os investidores com dinheiro abrindo negócios e desenvolvendo a
região. “Venha para o Acre. O filé mignon da Amazônia”.
O
que ninguém podia esperar é que o efeito fosse tão devastador. No curto espaço
de três anos, a calmaria das cidades acreanas foi transformada num inferno de
conflitos, ameaças, assassinatos. O que havia sido vendido como desenvolvimento
e bem estar foi traduzido em uma invasão de grileiros, especuladores,
misturados a poucos investidores reais e a uma multidão de trabalhadores
expulsos pelo latifúndio que já havia tomado o Centro-Sul do Brasil.
Logo
todas as estruturas da secular sociedade acreana foram transtornadas de uma
forma como nunca havia acontecido antes. Os ciclos de bem estar anteriores
haviam sido criados a partir da exploração da floresta, especialmente da
borracha. Agora não, tratava-se de derrubar a floresta, desalojar famílias que
a gerações ocupavam aquelas colocações, romper as cadeias de dependência mútua
que geriram a sociedade acreana durante toda sua história. Coronéis falidos,
comerciantes perdidos, seringueiros expulsos, toda uma sociedade refém de uma
sigla oficial POLAMAZONIA.
Havia
que resistir. A mesma sociedade pacata e tranquila, armou-se, contatou canais
de organizações de resistência, destacou homens de coragem para a linha de
frente da luta. A igreja, a CONTAG, o Varadouro, os grupos clandestinos que
podiam apoiar a resistência contra a devastação da terra acreana.
Mais
uma vez os seringueiros, os índios, os ribeirinhos foram chamados a lutar pelo
Acre. Era uma voz coletiva que dizia não. Dessa vez os líderes capazes de unir
o povo vieram do interior da própria sociedade em convulsão. Alguns tombaram, é
verdade, mas a voz que se levantava era a da paz perturbada pelos que chegavam
de fora como formigas cortadeiras no roçado. Criaram-se os empates, forma
pacífica de impedir a retirada da floresta. Único modo de não deixar que o Acre
se tornasse terra devastada de matas e homens. Era o povo da floresta em
levante contra o estado, por justiça, mais uma vez.
Logo
o governo, o país foram obrigados a ver que não havia possibilidade do Acre
permanecer naquele estado explosivo de coisas. A convulsão social estava por
demais próxima. O jeito foi nomear novos governadores qe tentassem minimizar os
conflitos sociais. Trata de tentar reverter tudo de novo. Retrato do Brasil que
pensava que sabia pra onde ia, mas não saia do lugar.
Era
tarde. O conflito estava posto, a guerra iniciada, o empate decidido.
Wilson
pagou com sua morte pela cegueira de um país que esquece que é feito pelos seus
habitantes, que não podem ser assim desrespeitados.
Logo
Wilson pioneiro de uma luta pela permanência. Wilson que não deixou uma palavra
escrita ou gravada conhecidas, mas que deixou seu corpo numa terra que exigia e
exige respeito. Sua história de lutas não pode ser subestimada jamais. O Acre é
brasileiro porque quis. Seu povo, que vive da floresta não poderia deixar de
lutar ao se ver mais uma vez ameaçado em sua integridade.
Hoje
isso se condensa numa única palavra que reúne e resume todo esse sentimento,
toda essa luta secular.
O PODER DO SILENCIO
Seu nome: Wilson Pinheiro. Um homem alto,
determinado, de fala mansa e rara, mas de olhar poderoso.
Por um mês procuramos, em vão, sinais de sua voz.
Nada.
Nenhum papel de pão manuscrito, nenhum documento do
Sindicato, nenhuma entrevista nos jornais, nenhuma frase solta e memorizada
pela multidão que instintivamente seguia os passos daquele homem de uma coragem
evidente.
Foi pelas vozes alheias que começamos a conhecer a
história do Wilson. Sobram relatos do dia 21 de julho de 1980, quando três
balas desferidas pelas costas puseram fim a sua vida. O primeiro dos líderes da
floresta a morrer sem razão, por uma causa. Mas não o ultimo a pagar com sua
vida para que outros pudessem continuar vivendo de acordo com suas tradições
ancestrais. Foram esses relatos da morte, da comoção popular, do enterro, da
indignação, da dor e das juras de vingança, publicadas nos jornais acreanos e
repetidas nas entrevistas feitas com as pessoas que participaram dessa
história, que nos fizeram começar a ouvir o som da voz daquele homem calado.
Não pudemos evitar um calafrio na espinha ao
conhecer a história do homem enterrado de bruços pela multidão, com uma moeda
na boca para evitar a fuga de seus assassinos. Os signos populares são
poderosos. A sina de um homem pode ser sintetizada em um único gesto.
Não pudemos, tão pouco, evitar um enjôo desagradável
ao ler matérias do jornal oficial que diziam que a culpa da malfadada “Tensão social” vivida pela população
acreana naqueles anos terríveis era dos agitadores, dos subversivos, dos
comunistas que só queriam conflagrar a multidão para destruir a ordem vigente.
Se bem entendemos essa história, era o povo que
estava tentando manter a ordem das coisas de um Acre invadido por pessoas
inescrupulosas, que pouco sabiam da gente que vivia do que a floresta tinha pra
oferecer, que só se interessavam por tirar o máximo possível no menor tempo
possivel. Quem subvertera a ordem natural das coisas havia sido o então chamado
“Capitalismo Selvagem”, o Governo Militar, o Governo Biônico Estadual; para os
quais só contavam índices econômicos favoráveis e um povo manso que obedecesse
prontamente o que lhe era determinado. Era preciso progredir, alcançar e
desenvolver as fronteiras de um país subdesenvolvido (outra palavra da moda
na época). Afinal de contas “Esse é um
país que vai pra frente”. “Brasil, o país do futuro”. E o que é o progresso ? Estradas
asfaltadas, bois no pasto, horizontes sem homens monotonamente preenchidos por
soja para exportação. Não importa o preço a ser pago. No máximo, uma ou duas
gerações de brasileiros cerceados, sem liberdade de ir e vir, falar, pensar, plantar,
sonhar, buscar a felicidade, enfim. Milhões de brasileiros entre 30 e 40, anos que
sabem bem o preço que foi pago por tamanha estupidez oficial encastelada nas
estruturas de poder desse país.
Naquela época eram eles que falavam, o Wilson
calava, mas agia. Usava sua enorme força vital para conduzir o povo em uma
marcha pacífica pelo “empate” do progresso. Todos sabiam que não se podia
vence-los. Eles possuíam a polícia, as forças armadas, o capital, a justiça,
tudo de seu lado. E o povo o que tinha ? Somente sua determinação e coragem
frente à força bruta. Mas, se não se podia vencer os opressores podia-se pelo
menos “empatar” com eles. E lá iam eles, mulheres e crianças à frente, impedir
mais uma derrubada. Centenas de Wilsons, anônimos, calados, transformando suas
ações em uma voz que gritava.
Da culminância da dor, a vingança. Morte trocada.
Para um Wilson morto, uma outra morte, um Nilão, culpado ou não, um deles. Era
o mínimo que podiam fazer se quisessem sobreviver. Aceitar de braços cruzados a
morte de Wilson significaria a derrota e a condenação à morte de muitos outros homens
de um povo submetido ao terror instituído. Existe razão possível na guerra ?
As versões estão lá, para todos verem. Quem perder
algum tempo lendo as matérias publicadas no “Varadouro”, no “Nós Irmãos”, na
“Gazeta do Acre”, no “O Rio Branco” e no “O Jornal” vão poder constatar
pessoalmente a mobilização popular que se espalhava por todos os vales do Acre
- de Boca do Acre até Brasiléia, de Sena Madureira até Cruzeiro - contra a
invasão predatória e ofensiva dos “paulistas”. Quem se detiver em ler as
páginas que apenas começam a amarelar daqueles jornais ficará sabendo do
descaso oficial com a captura dos assassinos de Wilson e depois a fúria com que
os assassinos de Nilão foram perseguidos, presos e torturados. “Operação Pega
Fazendeiro”, “Balas de Aço”, “Os sete dias de Brasiléia”. Uma sequencia de
manchetes que nunca precisariam ter sido publicadas, se nossos governantes
fossem homens sensatos e esse um país justo.
Anos se passaram desde então. A luta continuou e as
manchetes dos jornais seguiram estampando notícias de crimes de encomenda, de
conflitos eminentes, de empates vitoriosos e de ações públicas insuficientes.
Outros homens tombaram antes que a floresta acreana e o modo de se viver com ela
pudessem ser salvos. Poucos culpados foram presos por seus crimes. Mas o povo
venceu. No que era possível, mas venceu. Reservas extrativistas foram
demarcadas, o povo da floresta fez uma aliança que mostrou a todos a existência
de um povo que só queria tranquilidade e justiça pra tocar sua vida. A voz de
Wilson e de seu povo foi forte o suficiente para se fazer ouvir.
O Acre nunca mais seria o mesmo então. Os
governantes até continuariam os mesmos, nas mesmas famílias que à décadas. Mas
havia algo novo na paz que aos poucos voltava às cidades acreanas. O povo das
cidades também havia assistido à chegada de milhares de famílias expulsas de
suas casas, presenciado a miséria que explodia em suas invasões periféricas e
ouvido as vozes que se levantaram de dentro da floresta. Os educados filhos da
cidade, viram que tudo o que acontecera em Xapuri, Brasiléia, Boca do Acre,
Quinari, Tarauacá, era questão de resistência de um povo. Era preciso
reconhecer que nada daquilo havia sido coisa de comunista, de subversivo, de
políticos cassados, de ambientalistas pós-modernos, de ativistas burgueses, de
intelectuais urbanos.
Mais uma vez a voz que vinha do interior foi
expressa por veículos estranhos ao povo que falava. Foi a vez das monografias
acadêmicas, das dissertações de mestrado, das teses de doutorado. O que era
coragem e sabedoria popular foi logo promovido à ciência, multiplicando os
títulos, as abordagens, os recortes epistemológicos, as linhas
teórico-metodológicas de pesquisa, economia, história, sociologia,
antropologia, expressões e palavras estranhas ao povo que de sujeito se tornou
objeto (de pesquisa).
Diferente daquelas manchetes de jornais que não
deveriam ter sido escritas, alguns dos novos títulos revelaram o aprendizado de
uma sociedade civilizada com o que havia de mais antigo e inovador em sí mesma,
a voz do povo. “Ocupação recente das terras do Acre (Transferencia de capitais
e disputa pela terra)” (1982); O sertanejo, o Brabo e o Posseiro (Os cem anos
de andanças da população acreana)” (1985); “Conflitos pela terra no Acre”
(1987); “Os ‘Imperadores do Acre’ – uma análise da recente expansão capitalista
na Amazônia” (1988); “Modernização da agricultura – pecuarização e mudanças – o
caso do Alto Purus” (1991); “Seringueiros e Sindicato: Um povo da floresta em
busca de liberdade” (1991); “Capital e trabalho na Amazônia Ocidental” (1992);
entre tantos outros publicados nos corredores das UNBs, UFACs, UFMGs, PUCs.
Isso sem falar nas prateleiras das livrarias dos
shopping-centers repletos de livros sobre a devastação da Amazônia, sobre a
vida e a morte de Chico Mendes, sobre ecologia, etc. Será possível que essa
sociedade de consumo rápido e desenfreado tenha realmente ouvido aquela voz que
silenciou na boca de um Wilson Pioneiro ? Talvez nunca saibamos ao certo.
O que parece certo é que o Acre continua no seu
caminho, Tentando construir um destino próprio. Não importa se diferente das
receitas caseiras ou internacionais. Aqui existe uma voz que nunca foi escrita,
da qual não se registrou o timbre, da qual não restou nenhuma frase, mas que
não deixa de ser repetida e ouvida por seringais e cidades dessa Amazônia
Ocidental. Uma certa voz, de um certo homem alto e determinado, de fala mansa e
rara, dono de um olhar e um silêncio poderosos.
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