domingo, 14 de junho de 2015

AO FUTURO GOVERNADOR DO ACRE E EX-GOVERNADOR DO FUTURO: CONSELHOS DO TEMPO

ARTIGO - memória
AO FUTURO GOVERNADOR DO ACRE E EX-GOVERNADOR DO FUTURO: CONSELHOS DO TEMPO
O que segue foi publicado no jornal O Rio Branco em 28 de setembro de 2006. O texto foi endereçado ao governo que tomaria posse no ano seguinte - o do Binho - Uma cópia foi entregue pessoalmente, no começo de 2007, ao já empossado Presidente da Fundação de Cultura Daniel Zen. Nove anos se passaram. O ex-governador mora em Brasilia com a família. O Zen, que à época integrava uma banda pop local que não existe mais, virou politico, antes foi Secretário de Educação. O diretor de teatro citado não faz mais teatro - parece que hoje mora em Rio Branco. O grupo de teatro citado não existe mais. A última versão do Festival de Teatro do Acre quase não contou com peças locais, mormente dos municípios. O ex-governado Romildo vive a lamentar pelos cantos o que deixou de fazer. Quanto aos conselhos dados, fica a critério de cada avaliar se foram seguidos. De minha parte, vejo que os atuais políticos, suas famílias e partidos estão muito bem! Viva a cultura acreana!
AO FUTURO GOVERNADOR DO ACRE E EX-GOVERNADOR DO FUTURO: CONSELHOS DO TEMPO
João Veras*
Há alguns dias, assisti, no teatro Hélio Melo, a peça “Anjos da Noite”, do grupo de teatro “Arte é viver”, do município de Feijó. A apresentação fazia parte da programação do VIII Congresso Acreano de Teatro realizado pela Federação de Teatro do Acre-FETAC com a participação de 12 grupos de teatro de todo o Estado. Feijó tem, hoje, quase 40 mil habitantes. Foi fundado em 1906 e é o segundo maior município do Acre em extensão. Mas Feijó conta apenas com um grupo de teatro e não possui casa de espetáculo. A exemplo dos demais municípios do Estado do Acre, Feijó nunca conheceu qualquer plano de ação cultural. Aliás, nem órgão gestor, nem orçamento o poder municipal tem para a cultura.
Ao final da apresentação, o diretor da peça, Hector Magalhães, que também atua e é o autor do texto do espetáculo, agradeceu a oportunidade da apresentação em Rio Branco, sonho antigo, e falou da velha dificuldade de sempre para se fazer teatro no Acre e da resistência sua e de seu grupo no município de Feijó, essas coisas que nós de Rio Branco e dos demais municípios, que teimamos em fazer arte, muito bem conhecemos.
Visivelmente emocionado, Hector chamou ao palco seu pai, um senhor que estava justamente ao meu lado no escuro do teatro. O senhor que subiu ao palco, para surpresa dos presentes, era Romildo Magalhães. Ex-prefeito de Feijó, ex-deputado estadual e ex-governador do Estado (90/94). A cena comoveu. A plateia dividida entre sentimentos ouvia do ex-governador a declaração de que não conhecia o lado artístico do filho e do orgulho que estava sentindo naquele momento.
Não sei se o evento moveu o ex-governador a refletir sobre as suas gestões na área cultural. É possível. Eu não resisti. A propósito, sai do teatro pensando sobre o tempo e o poder. O mundo gira e não congela nada, mas marca. O que fazemos hoje pode definir, e define, nossos rumos, nossas vidas amanhã. Isto vale também para os administradores públicos que trabalham para o presente e o futuro de vidas, que administram esperanças e são eleitos e pagos para tornar o local em que vivemos e as pessoas e relações cada vez melhores, hoje e amanhã. Já ouvi de um ex-gestor cultural que o poder cega. Muitos creditam a essa cegueira a razão pela qual administradores públicos tanto falham no exercício de seu papel, na consecução de seu dever de administrar a coisa pública para o bem de todos e de acordo com as aspirações destes.
Uso aqui como referência especificamente a área cultural. Tendo em mente as “gestões públicas” nesta área nas últimas décadas. Não conheço os programas dos atuais candidatos ao governo para a cultura. Por tal motivo, resolvi, sem a pretensão da verdade e limitado à minha parca observação da nossa breve história contemporânea, elencar alguns conselhos pertinentes a uma reflexão honesta sobre a importância do poder em nossas vidas e, sobretudo, para o futuro da cultura acreana. O que faço me dirigindo ao governador que administrará o Acre de 2007 a 2010:
1 – Não censure, nem deixe que se censure. Isto é feio, ilegal, imoral e dizem que engorda.
2 – Não elimine, nem deixe que se elimine, quem pensa e se manifesta diferente. Não seja um administrador excludente.
3 – Dialogue. Mais que isso, crie canais de diálogo. Este é o verdadeiro norte para governar.
4 – Não se comporte com indiferença frente a qualquer manifestação do cidadão. Não responder a quem lhe dirige é, além de tudo, falta de educação.
5 – Possibilite a informação e a transparência. Não há razão para que não seja assim.
6 – Não deixe de participar da comunidade e também de possibilitar a participação dela.
7 – Considere e respeite o imaginário do povo. Seus sonhos, criatividades, invenções...
8 – Procure pela arte que se faz aqui. Busque saber do nosso teatro, da nossa música, do nosso cinema, das nossas artes plásticas, da nossa literatura, dos nossos sabores e sentimentos estéticos. Se não conseguir procure saber o motivo.
9 - Procure saber se há cinemas, teatros e bibliotecas nos municípios, assim como as programações dos rádios e televisões, e aproveite para imaginar o que é que as crianças, os jovens e os idosos dos municípios fazem, sobretudo, nos finais de semana. Imagine o que assistem, o que ouvem, o que lêem, o que aprendem a gostar no campo das artes. Quais os seus imaginários e suas aspirações estéticas.
10 – Se pergunte pelo mercado cultural de arte acreana e o que que o Estado pode fazer por ele.
11 – Se pergunte porque as escolas não são usadas como centros culturais, sendo naturalmente isto. Porque que elas não divulgam a cultura local, especialmente a literatura, nem estimulam a criação artística. Porque que a educação artística não é realidade.
12 – Se pergunte porque até hoje não se estabeleceu no Acre uma política pública de cultura. Porque que a imensa maioria das prefeituras não têm órgãos gestores, nem orçamentos, de políticas culturais. Porque o orçamento do Estado para a cultura é tão parco.
13 – Se pergunte porque que o Sistema Público de Comunicação do Estado ainda não conseguiu se fazer espaço das manifestações culturais acreanas, do pensamento, da reflexão e do diálogo, bem como porque que não se estimula que as empresas de comunicação façam o mesmo, e em razão disto porque que as diversas manifestações artísticas acreanas não são conhecidas de nós.

Talvez, no futuro, possamos sentar no teatro para assistir outras cenas do “Arte de viver”, com ou sem ex-governador ao lado, mas com outra qualidade de comoção. Talvez o ex-governador do futuro possa ter consciência de seu presente, orgulho do seu tempo e do que realizou, e não somente orgulho do seu filho. Talvez... Talvez...
*músico, compositor, poeta e membro titular do Conselho Estadual de Cultura

Nenhum comentário: