quinta-feira, 21 de maio de 2009

Do Acre aos Andes (I)

Por Marcos Vinicius. Fonte: http://www.pagina20.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=6292&Itemid=24 Nas ultimas semanas vimos como o Acre foi inventado a partir do fim do século XIX. Agora chegou a hora de vermos o que o Acre era antes. Forças antigas, caminhos, contatos e tradições esquecidas que voltam à tona para orientar o que será. ProblematizandoTudo parece indicar que a partir do ano que vem a Estrada do Pacífico será totalmente concluída e passaremos a desfrutar da possibilidade de um contato mais intenso com os Andes e sua magnífica cultura milenar que transborda em cada rua de Cuzco, em cada uma das centenas de ruínas Incas, ou de outras culturas ainda mais antigas, espalhadas por diversos países dessa outra América que fala espanhol, quéchua e muitas outras línguas e que conhecemos tão pouco. Quem já teve oportunidade de conhecer o Lago Titicaca, Macchu Picchu e os picos nevados, que nos fazem sentir tão pequenos diante da força incomensurável da natureza, sabe do que estou falando. Por outro lado, seria um grave erro ver essa possibilidade de novos e mais profundos contatos com nossos vizinhos andinos apenas por seus aspectos positivos. A situação da fronteira do Acre com o Peru já é bastante grave e complicada há muitos anos. Madeireiros e traficantes estão apertando o cerco sobre as comunidades indígenas e tradicionais de uma vasta região da floresta amazônica ocidental. E pra piorar ainda mais a situação a estes se juntam agora grandes empresas petrolíferas, numa reedição do tempo em que a Amazônia foi território de ninguém à disposição de toda sorte de “conquistadores” a serviço do capital internacional. Na verdade, os movimentos do capitalismo sobre as regiões produtores de matérias primas são cíclicos. E toda história da Amazônia revela exatamente essas idas e vindas dos “colonizadores”. Sejam eles os portugueses e espanhóis do século XVI, os ingleses e norte-americanos do ciclo da borracha do século XIX, ou os atuais agentes transnacionais que representam os gigantes e poderosos conglomerados financeiros globais. Os resultados dessa história, que só aparentemente parece se repetir de tempos em tempos, são bem conhecidos: a expropriação das populações tradicionais e regionais e a retro alimentação do circulo vicioso da exclusão de muitos e o enriquecimento de poucos. Por isso, mais que nunca, é chegada a hora de nos perguntarmos: pra onde nos levará essa estrada? Um caminho antigoJá tive oportunidade de escrever, aqui nesta coluna, sobre a forma como estou tentando entender a história de uma vasta região que chamei de “Grande Aquiry” e que se estende desde a cordilheira, passando pela montaña florestada e chegando até as densas florestas das terras baixas amazônicas. Uma região antiga, anterior à configuração do atual estado do Acre, que era culturalmente muito sofisticada e foi interligada por diversos laços comerciais e sociais dos quais pouco sabemos atualmente. Uma história que podemos entrever através da arqueologia, através dos relatos dos viajantes do século XVI ao XIX, através da cultura material indígena dos povos que ainda hoje habitam toda essa vasta área. Com isso estou dizendo que a, aparentemente nova, Carretera Interoceânica nada mais é do que a reedição de um caminho que já existiu e que deixou marcas que até hoje são visíveis se quisermos, ou pudermos, enxergá-las. Mas também que, como naquela outra época, uma nova utilização deste caminho haverá de provocar conseqüências tanto para os que moram lá, como para os de cá da fronteira. E devemos nos preparar para isso, antes que seja tarde. Acredito firmemente, portanto, que a estrada do Pacífico haverá de mudar tudo por aqui em um futuro não muito distante, mas também que há maneiras de usar essas mudanças a nosso favor. Por isso, nas próximas semanas espero poder trazer a esta coluna a história dos Incas que dominaram o Altiplano, a história dos povos Antis da grande floresta, a história do Mojos que se desenvolveram nos Llanos (terras alagáveis) ao sul, bem como os pontos comuns entre todos estes povos e histórias. Quem sabe, neste caso, o fortalecimento da cultura tradicional e o aprofundamento de nossa consciência histórica possa ser uma poderosa maneira de encarar os desafios advindos dos “novos” tempos que já se anunciam.

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