domingo, 3 de maio de 2009

A INSUSTENTABILIDADE DO MOVIMENTO CULTURAL DO ACRE*

Por João Veras - é conselheiro titular da cadeira de música do Concultura-Ac.
Estamos vivendo, no Brasil, um forte ambiente de institucionalização da participação social, o que tem ocorrido por meio da jovem experiência formal de compartilhamento, entre o estado e a sociedade, nas formulações e avaliações das políticas públicas estatais, pela via dos conselhos. Nós produtores culturais temos participado, aqui no Acre, da efetivação da proposta, formulado pelo Ministério da Cultura, de sistemas federal, estaduais e municipais de cultura, cuja base centra-se no vetor da participação social no âmbito da construção de políticas públicas de cultura. A idéia tem sido facilmente aceita, principalmente porque, não se pode duvidar, se coaduna com as aspirações históricas de participação dos movimentos culturais, assim como empresta legitimação social aos poderes públicos para efetivar suas políticas para a área. Todavia, não estou convencido de que, nosostros deste lado do balcão, estejamos em condições de garantir uma representatividade qualitativa e legítima frente aos órgãos colegiados disponíveis. Não estou certo, ainda, de que nossa atuação, de nós da sociedade, seja sustentável sob ponto de vista político. E a questão perpasa, sobretudo, pela maneira pela qual representamos e somos representados. Trago aqui a experiência porque passa, neste aspecto, a representatividade no Conselho Estadual de Cultura-Concultura. Observa-se, historicamente no Acre, um movimento social de cidadania cultural atuante. Sua visibilidade se encontra no conjunto de atuações de organizações culturais, formais e informais, assim como de ações individualizadas de produtores culturais, caracterizando, de fato, um movimento da sociedade civil no campo das reivindicações de políticas públicas, muito embora não devamos deixa de considera visível certo caráter de precariedade desse movimento tendo em vista a sua relativa organicidade. A realização, em 2004, do Seminário sobre Conselho de Cultura, o ato formal de implantação, em 2005, do Concultura, e a realização, que se seguiu, do Fórum Estadual do Movimento Cultural do Acre, através do qual foram eleitos os representantes das áreas artísticas para ocuparem as cadeiras da sociedade civil no Concultura, se constituem em atos que foram, em grande medida, resultados diretos da ação desse movimento. Cabe mencionar, ainda, a recente participação igualmente substanciosa do movimento cultural nos debates e definição do arcabouço jurídico do Sistema de Cultura da Cidade de Rio Branco. Pelo conjunto mais recente de sua atuação, se há algo que esse movimento parece desejar, esse algo pode se chamar participação. Todavia, apesar do avanço no campo da integração desse movimento ao processo de institucionalização da participação social na máquina pública, é patente que, comparando com outras épocas, o mesmo tem sofrido uma significativa oscilação para baixo, melhor dizendo, tem se apresentado em quantidade e representatividade muito aquém do que já foi e, sobretudo, das condições e potência de organização que hoje a sociedade civil, na esfera da cultura, dispõe. As demandas culturais, bem assim a população de produtores culturais se apresentam muito mais diversas e maiores que no passado. No entanto, as organizações representativas têm desaparecido em proporção inversa, o mesmo acontecendo em relação àquela efetiva atuação individualizada. A mim parece evidente vivermos, em todas as instâncias da sociedade brasileira, um descrédito tanto da representatividade coletiva autônoma quanto do exercício individual da cidadania, o que felizmente não se constitui fato absoluto, tampouco imutável. É possível, nesse sentido, estarmos provando o germinar de um novo movimento de atuação diferenciada nos diversos mecanismos de participação constituintes, por exemplo, do Conselho Municipal de Política Cultural de Rio Banco, que tem revelado novos protagonistas e novas possibilidades, não obstante sua lógica de representatividade não dar ênfase à representação dos organismos coletivos. No que este cenário atual de relativa inércia da representatividade coletiva tem resultado para o sistema institucional de representação do movimento cultural, é, a meu ver, o quadro de isolamento de grande parte daqueles conselheiros que foram eleitos para representarem a sociedade civil no Concultura, o que ocorre, a meu ver, graças a ausência de base social organizada que os sustentem e a quem, eles, os conselheiros, devem, em última instância, satisfação. Tal afastamento autoriza a possibilidade de sustentação de uma representatividade de caráter autárquico, pelo qual o representante passa a representar a si próprio (quando representa alguma coisa), pelo menos às suas crenças e idéias, e não, também, ao médio das proposições do movimento a quem representa. Os representados, nesse caso, ficam, ao longo do período do mandato, reféns da disposição e do compromisso moral e político do representante, considerando a ausência de dispositivo institucional que possibilite a deposição daquele represente que não esteja cumprindo com as suas obrigações de representação face às aspirações do conjunto dos representados. Não se pode deixar de considerar, por outro lado, que esta situação também enfraquece o representante e, por isto, a qualidade de sua representação, na medida em que, solitário, ele não dispõe de uma base que lhe dê força, sustentação e legitimidade sociais, tão necessárias à manutenção política do mandato. É evidente que esse distanciamento retira a substância da representação e coloca em xeque, numa medida significativa, o sentido da participação. Outro aspecto oriundo dessa nova fase da relação estado/sociedade é atribuir, especialmente por razões pragmáticas, uma centralidade aos conselhos de cultura entendendo estes como os únicos lócus e protagonistas do exercício político da cidadania cultural. Penso que tal entendimento só reforça o estado de imobilismo social o qual contribui para a subsunção do movimento ao bojo desse sistema de paridade institucional, quadro que possibilita sua neutralização política senão o condiciona, para não dizer condena, ao papel de objeto moderno de cooptação à força estatal, e, o que não é menos pior, tudo sob a máscara da participação. Penso que devamos conceber a organização social do movimento cultural, independentemente dos órgãos de paridade estatal, como imprescindível à dinâmica, à diversidade e à pluralidade das ações participativas da sociedade com vistas à consecução de processos de construção, manutenção e renovação das políticas públicas. Nesse passo, creio que o movimento cultural, diante de um modelo de institucionalização da participação que seja alheio a uma base social ativa, autônoma e externa que a legitime, muito dificilmente se sustenta como efetiva possibilidade de representação e participação sociais conseqüentes. * Este artigo é dedicado a Dalmir Ferreira.

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