sexta-feira, 13 de abril de 2012

A CAPITAL DO ACRE É INSUSTENTÁVEL

POR JAIRON NASCIMENTO


A formação do mundo pós-moderno ocorre em meio a situações conflitivas de uma profunda crise civilizatória que tem se manifestado através dos repetidos ciclos econômicos, nas perdas das identidades culturais de muitos povos e nações, na fragmentação social crescente, na crise de governabilidade e de credibilidade política.

O capitalismo do final do século XX contaminou e destruiu o tecido social formado durante vários séculos. Grandes somas de nações e populações foram ou estão sendo empurradas para o desamparo coletivo cuja pobreza parece mostrar-se irreversível e crônico.

A cultura do consumismo, hoje transnacionalizada, alcança todas as partes do planeta por mais distante e inóspito que seja, sem que, contudo, o consumo essencial e indispensável tanto para vida material e espiritual esteja plenamente acessíveis a todos os que nele habitam.

Na esteira desta questão, identifica-se também uma progressiva perda de sensibilidade humana na medida em que as pessoas são transformadas e/ou reduzidas a meros e passivos consumidores tendo como resultado a prevalência da ética do poder e do possuir que tem levado a violência cotidiana sem controle e as discriminações de crenças, gênero, raças, estilos de vida e preferências. Estes são os impulsos externos que atingem de forma devastadora a política e a sociedade de Rio Branco também. 

No lado interno, o declínio da economia gomífera adicionado à implantação da pecuária extensiva marcou o inicio de um progressivo processo de transição de uma cidade predominantemente florestal para uma outra de base urbana. Mais que isso: Nos últimos 13 anos de governo protagonizado pelo Partido dos Trabalhadores, oito repetiu-se incansavelmente ser ele da floresta.

Todavia, o que nela constatou-se foi a crescente falta de oportunidades econômicas e sociais, motivada, pelo decréscimo da sua capacidade produtiva e pela falta de investimentos, responsáveis pela desarticulação das relações urbano-florestais, pelo processo de concentração urbana exagerada bem como pela perda da influência das florestas e do campo no processo de organização da vida urbana. Administrada na contramão da lógica e do bom senso, Rio Branco depende cada vez menos, para seu funcionamento, das áreas florestais e campesinas de seu entorno, submetendo-se assim a um intenso e acelerado processo de favelização e periferização.

A tragédia não pode ser personalizada, mas a prefeitura tem sido incapaz de ações que possam atenuar os problemas descritos e de esboçar soluções para resolver problemas domésticos mínimos. A prefeitura continua incapaz de compreender que os principais problemas socioambientais de Rio Branco estão em um modelo de desenvolvimento irracional, socialmente desigual e ambientalmente degradador, em que predominam a fragmentação das relações espaciais, das identidades coletivas e da desarticulação das relações urbano-florestais.

Periferização

Nos últimos 40 anos, Rio Branco recebeu o maior contingente populacional do Estado do Acre, que ocupou as margens do Rio Acre e seus afluentes da área urbana, para montante e para jusante, dentro das planícies de inundações e no primeiro terraço, dando origem a mais de 40 bairros totalmente desprovidos de infraestrutura. Em alguns casos, submetem seus habitantes a condições sub-humanas de vida. Anualmente, em média, por ocasião do pico do período chuvoso que ocorre entre os meses de dezembro a março, cerca de 60 mil a 100 mil pessoas necessitam ser evacuadas pela Defesa Civil, resultando em custos que fazem falta aos já comprometidos cofres da municipalidade.

O nível e qualidade de vida da maioria da população de Rio Branco são muito baixos. Aproximadamente 60% desta ganha menos de dois salários mínimos e mais de 60% moram em áreas invadidas de forma espontânea ou induzida cuja arquitetura predominante é a dos barracos, que oferecem à cidade um traço característico de periferização. 

O núcleo urbano de Rio Branco tem sofrido nos últimos anos um acentuado crescimento, cuja manifestação tem ocorrido em forma de novos loteamentos e áreas de invasão. A malha urbana apresenta-se totalmente irregular ou dispersa, indicando que a cidade tem sido ocupada e o planejamento é uma prática absolutamente ausente no governo local.

O centro urbano de Rio Branco ocupa apenas 5% da cidade e abriga quase todas as atividades administrativas, o comércio e as instituições sociais. Suas ruas são estreitas e com forte mobilidade em sua direção, principalmente de automóveis, que tornam as vias obstruídas, saturando-o.

Os bairros consolidados da parte interna da cidade e suas numerosas áreas de expansão urbana deram origem a crescentes áreas de comércio e serviços, onde grande parte da população de baixa renda, em função de suas baixíssimas condições financeiras, se vê cerceada de suas possibilidades de mobilidade e de acesso a outras partes da cidade, dirigindo-se para esses microcentros para efetuarem suas compras, dotando-os assim, de dinamicidade e de estruturas concêntricas.

Existe em Rio Branco uma clara tendência de artificialização dos sistemas ambientais manifestadas através da pavimentação de extensas áreas, com reduzidas quantidades de áreas verdes, inexistência de arborização e a manifestação de um inexpressivo sistema de parques e praças desarticulados, desequilibrados e em fase de degradação em função da má conservação, configurando em reforço à insustentabilidade.

A capital do Estado do Acre não possui um limite entre a área urbana e rural. Este limite poderia, por exemplo, ser definido por parques e/ou bosques (unidades de conservação) urbanas, funcionando como uma espécie de zona de amortização natural entre o urbano e o rural ou filtro aos impactos decorrentes da ocupação desordenada, que atuam como um dos fatores principais da periferização.

Soluções existem
Nossa cidade está submetida a uma lógica do transporte individual. O transporte público é ineficiente sob vários aspectos, caro e muito pouco diversificado. A bicicleta, meio de transporte do povo pobre cujo uso é expressivamente majoritária, não ocupa quase nenhum espaço no sistema viário urbano. São praticamente inexistentes espaços amplos para caminhada, pedestres e para o ócio.

A principal cidade do Estado do Acre está desenhada e mantida para o consumo excessivo de combustível fóssil e energia elétrica. Todos os prédios públicos não levam em conta na sua arquitetura os princípios bioclimáticos regionais. Pelo contrário, foram desenhados para o uso ininterrupto do ar condicionado e da iluminação artificial. Inexistem iniciativas para uso alternativo de energias.

Ademais, a densa rede de drenagem não funciona de acordo com as leis naturais, é permanentemente agredida pelo lançamento de dejetos líquidos e sólidos e tem sido intensamente alterada pelo próprio poder público municipal. A capacidade produtiva de Rio Branco é quase inexistente. Além disso, os seus governantes até hoje não foram capazes de lhe dar uma função compatível ao potencial que existe.

Rio Branco tem tido a função tão somente de oferecer serviços públicos e privados, os quais são responsáveis por cerca de 50% dos empregos oferecidos à população. Aproximadamente 35% da mão de obra ativa trabalham de três a quatro meses por ano nas fazendas de pecuária extensiva da região do entorno da cidade. O resto do ano, ou seja, de sete a oito meses, essa população dedica-se a atividades informais. Os 15% restantes ocupam-se na incipiente indústria e na agroindústria, que lutam para sobreviver. 

A capital do Acre é uma cidade consumidora, que produz quase nada do que consome, obrigando-se, portanto, a trazer de longas distâncias alimentos e todo tipo de bens e consumo, conforme se observa nas gôndolas dos supermercados. Não se recicla ou reutiliza-se praticamente nada e assim, predomina em parte expressiva da população o paradigma do desperdício, com o estímulo do poder público municipal.

Portanto, o modelo de desenvolvimento urbano implantado em Rio Branco é insustentável nas suas três dimensões: econômica, social e ambiental. Soluções existem, desde que haja compromisso social, competência técnica e criatividade administrativa.

Jairon Nascimento é professor associado da Universidade Federal do Acre e doutor em Geociências e Meio Ambiente

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