sexta-feira, 15 de junho de 2012

BREVES NOTAS SOBRE O HEROISMO HUMANO NA HISTÓRIA: BRAVURA, GLÓRIA E IMORTALIDADE.


“Em todas as épocas da história do mundo, encontraremos o grande homem como o salvador indispensável do seu tempo. Como disse, a História do mundo é a biografia dos grandes homens [...] o culto aos heróis há de perdurar para sempre” (CARLYLE, s/d, 23).

“O culto do herói sempre justifica um contexto autoritário” (FEIJÓ, 1984, p. 42).

A concepção de heroísmo é movente. Vários tipos de heróis são identificados no decorrer da história. As qualidades e desventuras que assumem são marcadamente influenciadas pelas aspirações políticas do grupo social que as fazem circular. O antropólogo e linguista Joseph Campbell num dos mais clássicos livros sobre o assunto O herói de mil faces faz, especificamente no capítulo Transformações do herói, um minucioso estudo de pelo menos seis tipos de herói: o humano, o guerreiro, o amante, o tirano, o redentor e o santo. Buscou com isso traçar o curso da história legendária da raça humana ao longo dos seus estágios típicos. O herói aparece em cena e assume várias formas, atendendo as necessidades de cada “raça”.
Apesar das “mil faces”, o mito do herói, segundo Campbell (1988), é uma metáfora semelhante empregada nas diversas culturas. Os heróis têm “jornadas” quase idênticas, passando por rituais de separação, iniciação e retorno. A explicação para tal semelhança, de acordo com o antropólogo, é que o mito é uma produção espontânea da psique “e se torna parte da vida cultural de um povo” (FEIJÓ, 1984, p. 20).
O escritor Campbell tem por principal objeto de estudo os clássicos exemplos da mitologia universal. Feijó (1984) e Carlyle (s/d), no entanto, trabalham com figuras reais e históricas.  A seguir, algumas tipologias de heroísmo e seus respectivos representantes: o profeta (Maomé), o revolucionário (Che Guevara), o bandido (Robin Hood), o músico/roqueiro (Joh Lennon), o poeta (Dante), o presbítero (Lutero), o gênio (Rousseau), o político/estadista (Napoleão).
O status de herói geralmente é atribuído postumamente. Eles não nascem heróis, não foram predestinados para tal. A heroificação deles tem uma história. E toda história, como já foi visto, é entremeada por relações de poder. Os estágios: separação, iniciação e retorno, também são cumpridos nesses casos - eles saem do mundo dos mortais, passam pela metamorfose simbólica e voltam para os mortais em forma glorificada.
O herói sempre vira um instrumento de poder da classe dominante. Isso não quer dizer que os excluídos não tenham seus heróis. A história oficial foi quem conspirou contra os heróis deles, negando-lhes memória. O herói da elite é quem entra na história, o do povo não tem vez na ordem do discurso, é interditado, vira anônimo. A memória é sempre um instrumento da classe dominante.
A historiografia durante muitos anos foi o lugar privilegiado do culto aos heróis. Thomas Carlyle (s/d), no século XIX, foi quem firmou as bases dessa filosofia. Na Inglaterra, no auge das transformações industriais e no apogeu dos movimentos sociais ele pregava a necessidade do culto aos heróis para evitar a anarquia e a revolução.

Carlyle defende um caráter divino nos heróis e que uma sociedade fundada em seu culto seria estável e respeitaria a hierarquia como coisa sagrada [...] cultivar o ensinamento dos feitos heroicos para a juventude respeitar a ordem e conservar a história sem mudanças. Ele chega a ser taxativo: o verdadeiro herói é filho da ordem; sua missão é garanti-la [...] o problema é que sua teoria acabou impregnando todo um pensamento histórico (FEIJÓ, 1984, p. 34).

A história assim concebida seria a biografia dos grandes homens. Homens esses eleitos pela divina providência. Os arquétipos são aqueles que destacaram de alguma forma no período significativo das “origens”, se tornando, por isso, a matriz heroica dos antepassados da comunidade.   
Os heróis e o heroísmo são frutos da imaginação humana. Um comportamento pode ser considerado heroico para um grupo social e repugnante para outro. Os heróis “podem ser produzidos e desfeitos, ao sabor de novos interesses ou paixões” (MICELI, 1994, p. 12). Mil são as faces do herói, no entanto, para efeito desse trabalho, apenas a do guerreiro será abordada aqui.
Na mitologia grega, o herói era fruto da união de um humano com um deus, portanto, era um semideus que herdava poderes extraordinários dos deuses e a mortalidade dos homens. Aos heróis, a mitologia atribui realizações grandiosas, impossíveis de serem realizadas por homens comuns. Realizações esses que geralmente são acompanhadas de muito derramamento de sangue. A violência que acompanha a trajetória do herói não é tão notada, pois a narrativa batiza como nobres e altruístas as motivações dele. Os heróis são sempre guiados por ideias briosos.
A perspectiva bélica do herói permeia até hoje o imaginário da civilização ocidental. As guerras produziram os mais ilustres heróis dos civilizados, que por mera coincidência, são os responsáveis diretos pelo assassinato de dezenas e até centenas de vidas humanas. Não é preciso citar nomes, basta dizer que matar o outro é uma prática habitual dos heróis ocidental, que chegam ao Olimpo por “salvarem” de cruéis inimigos toda uma coletividade.
É práxis no mundo ocidental justificar a guerra criando um motivo nobre para ela. Os motivos sempre são elevados. É por isso que os EUA nunca figura como vilão nas inúmeras guerras que promovem no oriente. A história oficial e o jornalismo “canalha” sempre mostram o lado “bonzinho” da tragédia. Muito sangue é derramado, mas a macabra tarefa é feita com “dignidade”.
No mundo capitalista, a maioria das guerras é produzida em defesa do capital. Nelas causas materiais, intimamente ligadas aos grupos socioeconômicos e, em geral, ao egoísmo humano são incrivelmente beatificadas. A história, escrita oficial da elite, resume todas as motivações em jogo na quimera do idealismo, altruísta de regra. Negando que: “na guerra, os mais mesquinhos apetites humanos são expostos à consagração da história” (MICELI, 1994, p.78).
Para finalizar: o Herói não pode ser aquele que mata ou o responsável por ela, não há nobreza nenhuma nisso. O Herói deve ser aquele que resolve conflitos respeitando a vida. A bravura deve estar nos gestos de tolerância e não nos de eliminação do outro; no amor e não no ódio; na vida e não na morte; no altruísmo e não na xenofobia; no amor e não na violência. Numa guerra não há vencedores no sentido pleno da palavra. Nela todos se tornam estúpidos, insanos e bárbaros. Esse modelo militar de heroísmo não deve ser incentivado.

Eduardo Carneiro – professor da Universidade Federal do Acre.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. Trad. Adail Sobral. São Paulo: Pensamento. 1988.
CARLYLE, T. Os heróis e o culto dos heróis. São Paulo: Cultura Moderna, s/d.
FEIJÓ, Martin Cezar. O que é herói. São Paulo: brasiliense, 1984.


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