III – O CULTO DO SANTO DAIME
7. Os Sistemas
de Juramidan
Os sistemas
de Juramidan
As
experiências alucinatórias não são simples manifestações imaginárias,
psicopatológicas, sem sentido ou força social. Enquanto vividas no
enquadramento ritual de envolvimento do corpo, arte e mente, necessária e
dialeticamente, essas experiências interagem com “aspectos econômicos e sociais
do ambiente em que concretamente existem” | MOTTA (94:121 |. A visão do mundo,
produto da decodificação das mirações, insere-se num projeto de ordem pelo qual
antigas expectativas “estruturam um mapeamento da realidade” | VELHO (125:33
ss.) |. Elas integram, portanto, modelos socioculturais específicos. Os dois
conjuntos mágico-religiosas, cujo ritual descreveremos a seguir, tecidos numa
espécie de todo ordenado, para aqueles comprometidos com ele, parecem mediar um
conhecimento genuíno, o conhecimento das “condições essenciais nos termos das
quais a vida tem que ser necessariamente vivida” | GEERTZ (57:146) |.
Juramidan, patente recebida por Raimundo Irineu Serra no astral, é o chefe
império, imperador e pai da raça. É em torno dele, do impacto causado por ele,
enquanto viveu e desempenhou as funções de mestre, de seu hinário e do
testemunho dos que com ele conviveram, que se estruturam muitos grupos. O Alto
Santo e a Colônia 5 mil, por serem bem estruturados, ilustram esses. Ainda que
constituindo dissidência do primeiro, o segundo, em seus pontos principais,
prossegue repetindo os mesmos rituais e doutrinas centrais. O fato desses
grupos relacionarem-se com o contexto macrossocial permite-nos descobrir sinais
de modelos de projeto de ordem diferenciados, como veremos oportunamente.
A lenda
que envolve os acontecimentos referentes à iniciação dos primeiros mestres do
Santo Daime possui versões que variam segundo a ótica de cada informante.
Enquanto antigos membros do Círculo Regeneração e Fé negam ou minimizam os
poderes de Mestre Irineu, os seguidores desse garantem que Antonio Costa,
julgando-se menos capaz, teria pedido à virgem mãe que entregasse a missão a
Raimundo Irineu Serra. Todos, contudo, são unânimes em confirmar a presença de
ambos no período de aprendizagem (I, IX, X, XI, XIII).
Primeiras
Experiências
Segundo
AJS, um peruano, do Departamento de Loreto, Crescêncio Pizango, teria convidado
Antonio Costa para tomar a ayhuasca. Ambos, na ocasião, trabalhavam perto de
Cobija, pelo rio Tahuamano, num seringal da Casa Soarez. JR, atual secretario
do Alto Santo, cria um contexto antropomórfico, fitolátrico e profilático,
dando primazia ao Mestre Irineu (IX). Leôncio Gomes da Silva, que assumiu a
presidência do Alto Santo, confirma tal versão (X).
O
Padrinho Sebastião, discípulo e, segundo suas palavras, continuador e precursor
do próprio Mestre Irineu, transmite o que apreendeu do relato oral mítico (XI).
Conforme
demonstraremos, essas experiências pioneiras, envoltas pela reconstituição de
uma narrativa mítica primordial, ultrapassam idiossincrasias individuais e se
projetam na própria institucionalização dos primeiros núcleos ou “sessões” de
Santo Daime.
A
reconstituição histórico-estrutural do grupo pioneiro, em Brasiléia, que mais
tarde originou o Círculo Regeneração e Fé, confirma a presença de traços
culturais pertencentes às populações primitivas, em especial os Caxináwa
brasileiros e peruanos já em acelerado processo de integração aos valores da
sociedade global. Estaria, no caso, ocorrendo o fenômeno da reinterpretação
mencionado acima.
Conforme
registramos, os grupos apresentam dois tipos de rituais. Ou se limitam à
ingestão do Daime e “trabalhos” de concentração ajudados por música produzida
por fonógrafo e gravador, ou recorrem ao canto e à dança ao som de maracas e
outros instrumentos musicais. Outro traço que identifica os Sistemas de
Juramidan diz respeito a preparação, indicação e legitimação de seus mestres ou
padrinhos. Trata-se de combinação das figuras do pajé indígena, do sacerdote
católico e a figura do guia espiritual dos cultos populares afro-brasileiras.
Constatamos assim o fenômeno da reinterpretação no próprio processo de
legitimação de seus líderes.
A
Legitimação dos Mestres
A
Sagração de um mestre, isto é, o processo de reconhecimento do status de
vidente, conselheiro, curandeiro ou orientador espiritual, não ocorre por
acaso, depende de uma série de circunstâncias, tais como o tipo de estrutura do
grupo, período de confirmação de suas qualidades especiais e a possibilidade
política junto à irmandade. Na verdade o processo de sagração fundamenta-se na
rede de relações que o futuro líder consegue, consciente ou inconscientemente,
estabelecer entre membros do grupo, extrapolando até mesmo os limites da
comunidade de referência.
Os
grupos mais complexos como o da UDV prevêem a possibilidade dos iniciados
chegarem a mestre, depois de passar pelos níveis intermediários do oficialato.
Nesse caso o processo não apresenta traumas ou divisões dos núcleos, pois ele é
previsto e estimulado. Ainda assim, em decorrência da disputa política pelo
cargo, podem ocorrer crises internas e até o seccionamento do grupo.
Enquanto
esteve vivo o Mestre Irineu autorizou vários de seus oficiais mais adiantados a
fazer o Daime e ministrar o serviço em suas próprias casas. Tal fato
justificava-se especialmente no inverno, quando as estradas se tornam de
difícil tráfego e os ramais secundários praticamente desaparecem. Exigia desses
novos líderes que doassem a metade da bebida feita ao centro sede, que fizesse
o Daime de acordo com seus ensinamentos, recomendando a participação de pessoas
previamente instruídas e preparadas. Contudo, a morte de Mestre Irineu suscitou
acirrada disputa entre os novos líderes. Tal fato ocorreu em virtude da
estrutura do grupo não prever mais de um mestre. Mesmo a sagração de Irineu Serra foi
parcialmente contestada pelos freqüentadores do CRF. Lá Antonio Costa ocupava o
cargo de general, tendo Raimundo Irineu Serra “comandante em chefe” (XIII).
É
sempre o grupo que legitima o futuro líder. Neste sentido torna-se importante o
período de iniciação que pode durar indefinidamente. O candidato vai
desenvolvendo suas aptidões. Ás vezes “a pessoa já chega e no primeiro trabalho
com a ‘luz’ executa um serviço direitinho” (MM). Os informantes explicam que
não depende só do esforço, o merecimento por ter passado por outras encarnações
também conta; a pessoa, no caso, já está num estágio de evolução superior a
muitos que freqüentam a sessão. Além do tipo de estrutura e tempo de iniciação
no grupo, outro fator que pesa decisivamente na sagração de um mestre. Trata-se
do subgrupo de apoio dentro da irmandade. Esse às vezes compõe-se de parentes
do pretendente ao cargo.
Antonio
Costa e Raimundo Irineu Serra
O
informante SJS comenta que “apesar de Irineu reconhecer que Antonio Costa tinha
mais virtude, ele queria ser igual ao chefe”. Os exames “realizados
ocultamente”, isto é, durante os transes extáticos constituem importante
instrumento de legitimação do pretendente a chefe. A coragem é então virtude
decantada pelo grupo. Ser homem significa suportar as terríveis provas físicas
e psíquicas, sobretudo “vividas no astral”. (XXXVIII). Indica-nos o informante
que para cada pessoa a Rainha da Floresta e outros seres divinos, determinavam
três diferentes. Como último exame Antonio Costa teria que passar num engenho
de roda de navalha, meter a cabeça com a máquina trabalhando e passar do outro
lado. A viúva de Antonio Costa confirma a versão(XL). Antigos moradores de
Brasiléia ainda falam da presença de Antonio Costa na região, como curandeiro,
profundo conhecedor de ervas e conselheiro de autoridades (I). Antigos
discípulos de Antonio Costa continuam trabalhando com o Daime na mesma cidade
(XIV, XV). Informações complementares confirmam nossa hipótese de
reinterpretação, conservando com mais evidência a influência dos cultos
afro-brasileiras e ameríndios (XV).
Leôncio
Gomes da Silva e Sebastião Mota Melo
A morte
do Mestre Irineu precipitou o desligamento de mais de cem membros do Alto Santo, liderados pelo padrinho
Sebastião, solidificando assim a recém criada Colônia 5 mil, Leôncio e sua
esposa, contudo, defendem a preferência do Mestre Irineu por esse último (XVI,
XVII, XVIII).
A
legitimação do Padrinho Sebastião é descrita e defendida por ele mesmo,
repetindo os clássicos vôos xamanísticos (XIX). O próprio hinário do Padrinho
Sebastião procura confirmar sua chamada (11 E 15).
Francisco
Fernandes
É o
atual responsável pela direção dos trabalhos espirituais do Alto Santo, sendo
também presidente do Centro Espírita Fluente Luz Universal. A legitimação de
sua escolha, contudo, parece não ser unânime. Visitando o grupo em 1981
constatamos a existência de um princípio de divisão. Os descontentes com a nova
direção alegam excessiva severidade com que o Francisco Fernandes, ou Sr.
Tetéu, vem dirigindo a irmandade. Todavia, o atual comandante vibrante e
respeitado oficial da casa, vem em seu hinário legitimando o novo presidente,
que todos chamam de assessor. O hinário do Sr. Tetéu (48, 49, 50) parece ter
como tema central sua confirmação como escolhido de Mestre Irineu e do Sr.
Leôncio Gomes da Silva. No caso, estaria ocorrendo menos uma contestação das
qualidades especiais do Sr. Tetéu do que uma disputa pelo poder entre os
familiares de Leôncio Gomes da Silva que reivindicam o comando da irmandade.
O Santo
Daime
Demonstramos
em outra parte que o Daime é a mesma bebida utilizada em grande parte da
Amazônia Ocidental e conhecida por ayahuasca, iagê, mariri, etc. O
participantes dos Sistemas de Juramidan empregam estes termos, e ainda as
expressões folha rainha, chacrona ou mescla ao se referirem especificamente à
Psychotria Spruce. A imprecisão terminológica pode estar indicando a
preservação de certas origens étnicas. Torna-se, pois, interessante fazer algumas
considerações de ordem etnolinguística, sociocultural e mítica/funcional em
torno do assunto, aprofundando também alguns aspectos sobre o preparo, efeitos
sagrados e interditos em torno da beberagem ou dos vegetais empregados.
Do
ponto de vista etnolinguística será possível tentar, rapidamente, justificar a
transformação da expressão “ayahuasca” para Daime, o que reforça a tese da
reinterpretação proposta até aqui, com referência ao processo de passagem
etnológica e etológica.
Ainda
desconhecemos os resultados de pesquisas realizadas na região, de uma
perspectiva sociolingüística, que pudesse revelar o processo de unificação
lingüística, ou monolingüístico, através do qual novos ângulos da passagem das
populações primitivas e rústicas para estágios mais adiantados de urbanização
fossem suficientemente esclarecidos. Recentemente o Dr. MAURIZIO GNERRE (59) se
propôs a trabalhar numa pesquisa visando estudar, com metodologia
sociolingüísitica, a relação entre desintegração das sociedades tribais do Acre
e a situação lingüística em que elas se encontravam. No Acre, em quase todos os
grupos indígenas encontram-se repertórios lingüísticos individuais constituídos
de duas até quatro línguas. As línguas representam diferentes níveis de
prestígio social e a aculturação lingüística procede na direção da aquisição de
uma variedade de português e do abandono das línguas dos grupos indígenas menos
integrados (como os Culinas no Rio Purus), até o português, passando, por
línguas de status intermediário como o Caxinava, o Quexua dos “peruanos” e o
espanhol falado por mestiços peruanos e bolivianos.
Ora,
diante da situação social e lingüística do Acre, em constante mudança nos
últimos anos, onde 70% dos atuais 300.000 habitantes do estado vive fora dos
centros maiores e os grupos indígenas constituem minoria absoluta (3% da
população do Estado), propunha o pesquisador a instituição de relações
possíveis entre incidência de multi e bi-linguismo nas comunidades indígenas
(ou indígenas-caboclas) e os comportamentos sociais complexos de tais
comunidades. Com certeza, podemos concluir que a mudança da expressão “quichua”
ayahuasca (jayahuasca ou hayahuasca) significando (bejuco ou liana de los
muertos), segundo estudos de NARANJO (96:36) para dá-me, dame ou Daime, revela
não apenas a reinterpretação cultural-religiosa, mas fundamentalmente, o
processo de urbanização. O próprio “insediamento dos índios” |GNERRE (59) |
teria favorecido a fusão não só entre diferentes grupos como também entre
índios e caboclos. Os grupos de diferentes famílias (Pane, Arawak) se
apresentariam “misturados também com mestiços peruanos e o multilinguismo que é
fenômeno já tradicionalmente presente na área geográfica do Alto Amazonas, do
Sul do Acre, até o Uaupés” | SORENSEN (129), MELATTI (83) |.
Lembramos,
confirmando nossa argumentação, o registro “Santo Dá-me” feito por NUNES
PEREIRA (99) no início da década de 60. Tal registro revela a conservação da
grafia espanhola. Nos depoimentos e hinários por nós levantados raramente
encontramos a mesma expressão, predominando a forma “daí-me” ou “daime”.
Por
outro lado não devemos explicar o fenômeno ora em discussão apenas sob a
variável cultural, há aspectos que ultrapassam qualquer tipo de determinismo e
nos coloca diante de comportamentos simbólicos e míticos universais.
Por ser
preparada com vegetais o daime e todo o complexo ritual relaciona-se
necessariamente com os elementos terra, água, ar, fogo e céu. As
mirações produzidas pelos alucinógenos sempre contendo intensa movimentação
multicoloria de luzes resplandecentes, confundem-se com a luminosidade do Sol,
da lua e das estrelas (2). Por isso pelo fenômeno da contiguidade repete-se o
da mitificação e simbolização para se constituir finalmente, em hierofania, ou
seja, complexo de crenças através das quais objetos, seres e fenômenos da
natureza passam a possuir poderes não naturais, de uma ordem sobrenatural,
sobre a qual não temos domínio. Essas Hierofanias, conforme definição de ELIADE
(45) e OTTO (103) indicam a irrupção do sagrado.(43)
Podemos, assim, considerar o culto do Santo Daime como conjunto de
manifestações de hierofanias macro e microscósmicas, uranianas, biológicas e
tópicas. Tais hierofanias cobrem todos os aspectos religiosos da irmandade, mas
é, sobretudo, com referência aos vegetais (coleta, limpeza, feitio, pessoas
envolvidas, etc. ) que essas hierofanias aparecem, subsistem e se reforçam
reinterpretadas.
Os
encarregados da coleta e todo o processo de produção da bebida precisam estar
preparados espiritualmente. Os mais experientes e dedicados são encarregados da
tarefa que se realiza durante a lua nova, quarto crescente ou lua cheia. A
descrição do feitio (XXI) documenta as hierofanias.
No
Jagube “os poderes de cima” e os “poderes de baixo” se interpenetram e
vislumbram o arquétipo da terra-mãe (4, 37); lembra-nos, a propósito, ELIADE
(49) que a lua é um astro que cresce, decresce e desaparece, astro cuja vida
está submetida à lei universal do devir, do nascimento e da morte. Como o
homem, a lua tem uma “história” patética, porque a sua decrepitude, como a
daquele, termina na morte. Durante três noites o céu estrelado fica sem lua.
Mas esta “morte” é seguida de um renascimento: a lua nova. Por ser um astro
ligado aos ritmos da vida, a lua está associada às águas e aos vegetais. A
identificação da lua com Nossa Senhora da Conceição, mais que simples
empréstimo ou reinterpretação, revela a permanente ligação da vida com suas
fontes naturais e espirituais. O jagube, sendo “filho da terra” (4) acompanha o
ritmo da vida, regido pela força lunar. Outros signos relacionam o jagube ao
jardim e às flores, que por extensão também se aplica aos outros seres divinos.
Tudo isto faz descortinar o conjunto lua – água - vegetação, confirmando “o
caráter sagrado de certas beberagens de origem divina” | ELIADE (47:204) | (44)
Podemos
também indicar traços de uma hierofania tópica(45),
tal fato se relaciona com os vegetais e com a própria bebida. Assim, os lugares
onde os vegetais são encontrados e onde se realiza o feitio são referentes de
manifestações sagradas.
Numa
perspectiva macrocósmica o daime é visto como “fermento que leveda a massa”,
que contagia o profano e o transforma em sagrado, puro. Quem ingere o daime sem
observar os interditos pode provocar uma entropia do sagrado. Por estar fraco a
pessoa estará sujeito a graves conseqüências. Mas, à medida em que o sangue vai
se adaptando aos alucinógenos, novas “páginas mentais” vão sendo aprendidas
pelo aluno (XXII). Outro informante associa o Jagube ao mito do paraíso edênico
(XXIII). Quando o Daime “pega” ele balança tudo quanto há, a pessoa viaja por
diferentes planos do astral, penetra os jardins do Palácio de Juramidan (10,
11, 17, 38).
Dificilmente o daime é ingerido por uma só pessoa. Sua
ingestão é sempre ritualizada, geralmente em reuniões familiares ou durante as
“sessões”. Por isso, sempre que possível, ao se transferirem para lugares onde
não existe o culto, seus devotos se reúnem e sob a presidência do mais
experiente realizam o ritual. O fato pode ocorrer em ocasiões especiais.
O Caminho para
o Astral
O
sonho, ou atividade onírica durante o sono paradoxal, e a experiência
alucinatória são considerados como manifestações extraordinárias através das
quais se pode penetrar e conhecer a verdadeira “realidade”, a da “vida
espiritual, onde cada um dos participantes encontra-se com seu verdadeiro EU,
descobrindo sua personalidade. Com isto ele conseguirá antecipar seu futuro e
rever seu passado. Esta realidade, porém, interpenetra a realidade da “vida
material”. Ainda que ambas sejam importantes, a segunda é transitória e função
da primeira. Uma “vida espiritual” plena. Portanto, penetrar o astral torna-se
fundamental, por isso quanto mais autodisciplina e submissão aos trabalhos na
espiritualidade mais se desvenda e se corrige o espírito. Assim podemos
considerar o processo ritualístico como caminho indispensável para a
penetração, conhecimento, através de trabalhos sempre mais profundos, dos
diversos e complexos planos evolutivos do astral. Aliás, afirmou JR que uma das
funções do daime e das sessões, é substituir “os difíceis e complicados
exercícios de concentração pelos quais
os praticantes letrados de teosofia e outras correntes espiritualistas
conseguem nos manuais”. Podemos, pois, descrever os elementos e partes do
ritual como caminho a percorrer para atingir os planos desejados. Trataremos
inicialmente dos diferentes tipos de sessão, da seqüência-padrão das sessões e
da dança.
As Sessões
O Culto
do Santo Daime pode ser descrito como extenso ritual, através do qual,
simbolicamente, os grupos organizam a vida mágico-religiosa e disciplinam
estados mentais paradoxais. Tais estados se caracterizam pela permanente
vivência de duas formas simultâneas de percepção da realidade, aparentemente
contraditórias: o tempo e espaço da vigília coexistem com aqueles percebidos
durante o sono paradoxal(46) e
as experiências alucinatórias vividas nos momentos de transe extático. O culto
é também mítico. Neste sentido ele estabelece “um conjunto semiológico
autônomo, valendo-se essencialmente de gestos e linguagem”, conforme
conceituação de LUC DE HEUSCH (32).
Sessões
Exotéricas e Esotéricas
Em
algumas sessões participa apenas um pequeno grupo de oficiais, os mais
adiantados, nós a designamos neste trabalho de “esotéricas”. As outras sessões
podem ser freqüentadas por qualquer pessoa, são por isso aqui consideradas
exotéricas.
As
pessoas que necessitam de “trabalhos” espirituais especiais também participam
das sessões esotéricas e há algumas constituídas apenas de dirigentes e
oficiais da “doutrina”.
Os “festejos
bailados, festejos e missas são sessões exotéricas mas os trabalhos de
mesa, concentrações e feitios (XXI) classificam-se entre as esotéricas.
Não se
pode precisar as funções que as diferentes sessões desempenham. Cada
acontecimento, num contexto de envolvimento do corpo, arte e mente, jamais será
suficientemente explicado ainda que se utilize das distinções entre funções
“latentes” e funções manifestas”.
As
sessões, com pequenas variações, apresentam uma estrutura-padrão, exceto as
sessões de feitio. Embora as fases do feitio sejam constantes não há sempre o
mesmo ritual. Em todas as sessões, todavia, teremos a presença do “Santo
Daime”, das preces (terços/rosários), da poesia ritualista cantada (hinário) e
dos momentos de “trabalho” quando ocorrem as experiências alucinatórias (sonhos
e mirações).
Por
ocasião dos festejos tornam-se indispensáveis os instrumentos musicais (de
percussão e de sopro) e os maracás (latas cilíndricas com cabos de madeira,
contendo pedras ou sementes).
Durante
os festejos bailados, realizados no salão de reuniões, atinge-se o instante
mais forte do ritual, instante bem dionisíaco, de efervescência social e fusão
das consciências, quando se torna difícil separar o social do individual, são
verdadeiros estados mentais coletivos paradoxais, com ininterrupta
interpretação da realidade e da fantasia. São as cerimônias previstas no
calendário litúrgico. As demais sessões têm lugar nas residências, nos limites
das colônias da irmandade, nas colônias de irmãos localizadas em pontos distantes
das sedes ou na cidade de Rio Branco.
Seqüência
padrão das sessões
A
descrição das fases de cada sessão obedece à seqüência observada por ocasião da
pesquisa participante. Deixando de lado as diferenças entre os diversos tipos
de sessão observados, por serem circunstanciais, pode-se afirmar que as partes
abaixo apresentadas formam a estrutura do ritual.
ABERTURA:
Após rezarem o terço, fardados ou não, todos os participantes comungam, adultos
e crianças, postando-se em filas organizadas segundo o sexo. Ao receberem a
bebida, antes de ingeri-la, pronunciam a expressão “Deus me Guie”. A seguir
tomam o Santo Daime. A pessoa que está dirigindo a sessão sempre é a primeira a
comungar;
PREPARAÇÃO:
nos minutos que sucedem à comunhão ou seja, os efeitos psicofísicos, permanecem
compenetrados. Murmuram algum tipo de prece ou sussurram entre si, comentam
discretamente sobre variados assuntos. Os
que vão bailar (se é festejo bailado) já buscam os quadriláteros
demarcados no chão do templo, e se apresentam fardados: os homens trajam calça
azul e camisa branca e as mulheres vestem blusa branca e saia azul. Todos levam
à altura do peito, lado direito, um signo de Salomão. Os demais participantes
acomodam-se, buscando cada um a posição que melhor lhe convenha, ocupando
cadeiras, poltronas e bancos de madeira, junto às paredes laterais. O
comandante chama os soldados e oficiais à formação. Eles trabalharão bailando
enquanto os outros permanecerão concentrados em seus lugares “trabalhando” para
si mesmos e/ou dando reforço(47)
aos demais.
TRABALHO:
É o ápice de cada sessão. Se é sessão apenas de concentração o silêncio é
total; todos visam penetrar o astral, onde se sentirão “totalmente outro sem
deixar de ser ele mesmo”. Desejam a limpeza e saúde do corpo, da mente, do espírito.
Esperam encontrar os seres divinos em seus respectivos planos. Entre esses
seres divinos, aqueles que representam o “Anjo da Guarda” de cada um, parentes
vivos ou desencarnados. Viajam pelos distintos planos do astral. Mas a visão
suprema, o encontro sempre pretendido por todos, é a do Imperador Juramidan,
que já viveu inúmeras encarnações: nas figuras de Imperadores, Profetas, Buda,
apóstolos, deuses incas; veio por último no Jesus Cristo negro, o próprio
Mestre Irineu. Sendo festejos, com hinário e dança, estas experiências são mais
fortemente inspiradas pelo ritmo e têm o reforço das chamadas presentes nos
milhares de hinos já incorporados à doutrina;
ENCERRAMENTO:
Ocorre depois de duas a seis horas de reunião, o que depende do “decreto” do
serviço daquele dia. As entidades são despedidas e o trabalho começa a ser
fechado. Rezam o terço e se colocam “fora de forma” por ordem do mesmo
comandante(48)
Limitamo-nos
acima a registrar apenas os gestos, palavras e atos referentes ao ritual do
ponto de vista religioso, aqueles acontecimentos centrais que contextuam as
experiências alucinatórias. Tudo o que acontece antes e depois das sessões
constituem excelente material etnográfico. Por exemplo, os momentos que sucedem
os fenômenos estritamente religiosos, ou os intervalos, quando alguns tomam a
caiçuma, outra bebida de origem indígena composta de macaxeira fermentada,
açúcar, cravo, gengibre e canela. A caiçuma tem sabor agradável e serve para
alimentar e diminuir o gosto travoso deixado pelo Santo Daime. Outros vão até a
“taberna” situada a poucos metros do salão de reuniões, tomam café, comem
biscoito e conversam sobre assuntos do dia-a-dia e mais discretamente sobre
suas últimas mirações.
A Dança
Apesar
da aparente rigidez em sua coreografia, a dança (ou bailado) não esconde seu
aspecto dionisíaco. É o que ocorre nos chamados festejos oficiais. Nestas
ocasiões comemoram entre outros motivos, o nascimento, em dezembro, e a morte,
em julho, do Mestre Irineu. A Irmandade durante estes festejos usa farda especial.
As mulheres com blusa e saia brancas, com saiote e fitas pendentes da manga da
blusa. Os homens vestem-se de branco com uma lista verde ao longo das pernas da
calça e um signo de Salomão no paletó.
Apresentam-se
formando dois eles, um composto de homens, outro de mulheres, obedecendo os
dois quadriláteros concêntricos. Os figurantes vão dançando e cantando uma
poesia ritualizada (hinário), em ritmos ora de valsa, ora marcha ou mazurca,
numa monótona compulsão, por repetições de frases inteiras. Uma cumulativa
força, na harmonia total, movendo-se como se fossem um só. Há no teto do salão
onde dançam uma enorme estrela de Salomão, no interior dela uma lua nova e bem
no centro repousa uma águia.
Cantam
em uníssono, enquanto se movem suave mas com grave passo de ave, inclinando-se
levemente para a direita e para a esquerda. Os maracás vão repetindo o bater
das pulsações, ou imitando o passo marcial, horas e horas, com interrupções
rápidas de duas em duas horas. Eles nos fazem lembrar as cerimônias descritas
por vários etnólogos BENEDICT
(17:103:112); LOWIE (78:23-48)|.
ANDRADE
(5:306-308), um ano após nossas primeiras pesquisas de campo, descreveu essa
dança. Quem dança deve ter, na mão direita, um maracá, que bate a cada tempo;
na marcha, os maracás são batidos lateralmente (para o mesmo lado) três vezes,
e para cima uma vez. Diz-se que o maracá dá três batidas e uma chamada. Esta
corresponde ao primeiro tempo, que é o mais forte. Na valsa, há uma chamada e
duas batidas, mas os participantes chamam a valsa de compasso “dois por um”,
indicando que ela começa em anacruse, como a marcha. Na mazurca, também de
ritmo ternário, cada conjunto de três compassos forma a unidade dos passos
coreográficos, e por isto diz-se que a mazurca tem nove tempos, três vezes três.
De dentro de seus retângulos, as pessoas estão viradas uma para a outra, duas a
duas; assim dão três passos, um com cada pé, sem saírem de seus lugares; no
segundo compasso, uma está ao lado da outra, dão mais três passos e no terceiro
compasso, cada uma está de costas para seu par e de frente para o par de seu
vizinho. Cada qual deu um giro de 180°, isto é, dançou o primeiro compasso
virado para o vizinho à esquerda, o segundo ao lado dele e o terceiro voltado
para o vizinho da direita; o quarto compasso é a repetição do primeiro, em
frente à mesma pessoa, para recomeçar o ciclo; o quinto compasso corresponde ao
segundo e, no sexto, cada qual volta à posição em que começou a dança. Na
mazurca não há chamadas, só batidas, porque ela não começa em anacruse. Dessa
forma, os dançantes jamais dão as costas para a mesa central. Não há outros
gestos além da troca de pés e das batidas e chamadas de maracás, o que indica
certamente uma aculturação indígina nos passos da dança, embora seus nomes
sejam transplantados de danças européias como a valsa e a mazurca, e de marcha,
onde simplesmente o binário se torna “quaternário”, porque há quatro batidas de
maracá, correspondendo a dois compassos.
A dança
ritualizada e os demais atos estimulam a criatividade dos grupos, restituindo e
tornando homogêneas as durações individuais, contribuindo para a unificação de
diferentes ordenações corpóreo-temporais. Como essas ordenações caracterizavam
até então tradições culturais diferentes, elas tendem a resistir; sob o impacto
dos fenômenos totais modificam-se e se unificam, confirmando aliás a conexão
entre religião e sociedade. RADCLIFFE-BROWN (110), por isso justificou a
necessidade de estudos antropológicos das relações entre a música (e a dança) e
os ritos religiosos, citando uma frase do Livro dos Ritos de Confúcio:
“Ritos,
música, castigos e leis têm um único e mesmo fim: unir os corações e
estabelecer a ordem” (110:181)
8. O RITUAL DE TRANSCENDÊNCIA E DESPOLUIÇÃO
Penetrar
o astral e conhecer os planos de vida espiritual exige passar progressivamente
pelas lições vividas durante as mirações num permanente processo de limpeza:
cada gesto, palavra ou pensamento pode ajudar ou dificultar a evolução. À
exceção da dança, realizada durante os festejos bailados, os demais atos mágico-religiosos
realizam-se também nos momentos da vida diária, individual ou coletivamente,
entre os residentes nas colônias (comunidades) ou incluindo os que moram na
cidade. Foi praticamente impossível durante a pesquisa de campo separar os
momentos religiosos dos demais considerados tradicionalmente profanos. Mesmo em
suas atividades familiares, profissionais, os referenciais éticos, implícitos
ou explícitos nas “Santas Doutrinas” conseguem exercer poderosa influência.
Contudo, alguns dos ritos mais objetivamente ligados à busca de transcendência
e purificação, presentes em momentos importantes das sessões, se destacam
constituindo-se na espinha dorsal dos Sistemas de Juramidan. Eles constituem o
assunto desse capítulo.
Os
efeitos causados, direta e/ou indiretamente, pelo consumo da Banisteriopsis
Caapi Spruce e Psychotria Spruce e outros aditivos já foram descritos por
diversos pesquisadores | PRANCE & PRANCE (107), LINDGREN & RIVIER (77),
NUNES PEREIRA (99) e COELHO (29) | não havendo divergências significativas ente
os mesmos. Tentando descrever o fenômeno no contexto do ritual, classificamos e
descreveremos tais efeitos segundo três momentos básicos, que, com ligeiras
modificações repetem-se ciclicamente, englobando aspectos biopsíquicos e
mágico-religiosas.
O primeiro momento é o da ESTASE e se
identifica pela parada ou paralisia do sangue e de certos humores do corpo. A
desorganização biológica e psíquica do ritmo passa a se constituir, para os
participantes do culto, em “modificações do ritmo da própria existência que
pode chegar a verdadeira dissociação rítmica, diferente da dissociação da
síndrome esquizofrênica” (7:122). Os grupos, pelo contrário, assimilam a
dissociação rítmica e a incorporam aos momentos criativos quando corpo, arte e
mente se interpenetram. É possível descobrir vários aspectos ligados à
interpretação da primeira fase do ciclo onírico. Elas se situam nos mais
diversos campos da percepção. Há interpretações exclusivamente
mágico-religiosas, portanto míticas. Outras fazem menção a relações
psicofarmacológicas da bebida e imediata ação de purgação ou limpeza dos
órgãos, comprovando assim a ação vermífuga da harmina. Os informantes costumam
associar essas interpretações. Veremos
oportunamente que as principais interpretações podem ser circunscritas a um
locus significante central e principal que se expande de uma dimensão
microcósmica, dos sistemas biológicos internos do indivíduo, para dimensões
espirituais coletivas, entre os membros dos grupos, e macrocósmicos quando
incluem fenômenos universais. Assim a limpeza do organismo, que começa minutos
após a ingestão, metafórica e de fato pode provocar a limpeza do ambiente onde
as pessoas se encontram, da próprias pessoas e da natureza. Tudo, porém deve
começar pela “peia”, ou seja o “amansamento do sangue”. A estase, por extensão
a reorganização rítmica, ou disritmica, vale dizer o “ruído”(49) interno provocado pelos
alucinógenos é o primeiro passo para a ordem. É o “tempo” a “duração” do Santo
Daime.
A
segunda fase, denominada por nós de ÊXTASE 1, começa a se manifestar pelo
“balanço”, isto é, a pessoa se sente totalmente agitada, sob poderosa “força”
como que “uma ferroada de marimbondo”, podendo a seguir perder os sentidos,
dormir, ou, se puder e preferir, de acordo com o tempo de prática, entrar num
estado de “transe”. Nestas circunstâncias “ela se sente num outro plano mas
consciente e presente no tempo e espaço onde se realiza a sessão”. Ela pode ver
e conversar mentalmente com os seres divinos num determinado plano do “astral”,
conservando-se lúcida, respondendo a perguntas dos circundantes. Ela está em
duas realidades simultaneamente, podendo “se firmar em uma ou noutra”.
Pertencem a esse estágio as provas a que os candidatos a Mestre do Daime se
submetem. No início dessa fase geralmente ocorrem distorções visuais, acústicas
e da concepção do tempo. O êxtase 1 marca também o segundo momento da
“disciplina” e início dos trabalhos espirituais propriamente dito surgindo não
raro representações da morte. A pessoa “se sente diante da morte”, está
morrendo. Tornam importantes, nestes momentos, o “reforço” ou seja conforto que
aprece na forma de hinos, palavras de ânimo dos demais, preces recitadas ou a
própria atividade mecânica de canto e dança. O reforço no caso pode ser
considerado como “a contrapartida sensorial das atividades de substituição
”conforme formulação do etólogo MICHAEL CHANCE aqui simplificada como “certos
atos que lhe permitem estabelecer um controle sobre seu estado nervoso interno”
(26:90).
A
terceira e última fase, às vezes se confundindo com o “somo paradoxal” ou
atividade onírica é a do ÊXTASE 2 e se caracteriza pelas visões agradáveis,
viagens a lugares desconhecidos (ou conhecidos), salões dourados, seres
resplandescentes, jardins, flores, príncipes, reis, profetas e outras
teofanias. O sono paradoxal corresponderia à segunda fase do sono normal não se
confundindo, porém, com ele(50)
A
experiência alucinatória, caracterizada pelos estados mentais extáticos sem
perda da lucidez, de um ponto de vista neurobiológico não se confunde com o
estado mental do sono paradoxal. Contudo ambos relacionam-se complexamente com
a sensação, a imaginação, o pensamento e os sentimentos. Os estímulos químicos
afetam igualmente o sistema nervoso durante o sono e a vigília. Por isto as
“mirações” extáticas e os sonhos devem ser incluídos, no presente caso, como
experiências sensoriais pertencentes igualmente ao ciclo onírico.
Durante
a efervescência ou recolhimento ritualizado, as sensações de dor ou de prazer,
alegria ou tristeza, passam a ser moldadas pela imaginação. O pensamento
mágico-religioso se encarrega de sistematizar este conjunto de reações
emocionais estabelecendo ou renovando sentimentos e atividades mentais
coletivas.
No
estágio do êxtase 2 evidencia-se ainda mais a atuação da imaginação sobre a
sensação, moldando formas variadas de percepção do corpo e do mundo exterior. O
pensamento simbólico, mítico, porém, encarrega-se da sistematização e
organização desse tipo de percepção. Nesta fase manifestam-se os vôos
xamanísticos, entrevista com entidades no astral, seres divinos, recepção de
novos hinos e profundas revelações sobre o passado e o futuro de cada devoto.
Embora
distintas, as três fases do ciclo onírico se interpenetram sendo impossível
traçar com precisão suas fronteiras, especialmente quando as rodadas do Santo
Daime se sucedem e os ciclos oníricos se confundem. As fases, no contexto dos
estados mentais acima esboçados, e o sono paradoxal manifestados em situação
aparentemente desvinculadas das sessões, recebem diferentes interpretações que
passaremos a expor.
Os
sonhos e as experiências alucinatórias
O
projeto de ordem que estamos investigando tem como referencial simbólico e
normativo principal as experiências oníricas/alucinatórias, fenomenologicamente
denominadas de “ciclo onírico”. Após o rito de iniciação (passagem pelo ciclo
onírico) a pessoa poderá progressivamente descobrir “quem ela já foi em outras
encarnações e desenvolverá a mediunidade ajudada pelo ser divino (o Santo
Daime), dominando técnicas de concentração, de transes extáticos, “trabalhando”
nos diferentes planos do astral.
A
absorção de substâncias tóxicas que produz fisiologicamente estados de êxtase
tem força de rito para aqueles que atribuem tais estados não a causas
verdadeiras mas às influências especiais (82:140). No culto do Santo Daime as
influências ancoram-se numa tradição firmada nas “Santas Doutrinas”,
compartilhadas pela irmandade, legitimada nos hinários. Por isso a importância
do complexo prece, canto, dança, jejum e outros gestos, palavras e atos
codificadores do ritual. É através da associação dos diversos ritos que os
estados de êxtase ou oníricos se transformam em campo e formas de manifestação
sagrada ou profana. Três experiências indicam graus de compreensão e aceitação
das “Santas Doutrinas” e não são mutuamente excludentes.
Apesar
da MIRAÇÃO se constituir no tipo de experiência almejado por todos não está
afastada a possibilidade de se trabalhar com o SONHO/REVELAÇÃO tomando cuidado
permanente de não se deixar enganar pelo SONHO/ILUSÃO.
O
sonho/ilusão é a seqüência de fenômenos psíquicos (imagens, representações,
atos e idéias). Tal seqüência ocorre involuntariamente. Do ponto de vista
neurobiológico, o sonho/ilusão corresponderia ao período de sono paradoxal(51), ele reflete a vontade da
matéria, da carne, é fantasia criada pela pessoa. LM por exemplo afirma que a
fantasia “é uma coisa que não pode ser, mas que domina o sujeito”. Devemos
estar alerta, pois existe “o ponto negativo” mesmo na própria pessoa e adverte:
“se a gente não tiver cuidado, rapaz, cai na armadilha”. Nestas ocasiões a
pessoa pensa que o negócio está certo mas é sem fundamento. Dentro dos
“trabalhos” a fantasia ou nasce dentro da pessoa ou poderá estar sob corrente
negativa. Diz o informante que “lá dentro da sede já o fizeram de mestre” e dá
exemplo de uma ocasião em que “trabalhando”, forças negativas vieram a ele
insinuando que ele era “poderoso a ponto de ir lá e pegar uma estrela daquela e
balançar”.
Um
critério para testar se um sonho ou “miração” é autêntico consiste na prova do
íncubo. O sonho deve permanecer secreto por algum tempo até que venham novas
mensagens em sinal de confirmação. A corroboração ocorre pela reiteração de
signos coerentes e convergentes com as “Santas Doutrinas”. Se o sonho não se estrutura
e não se fundamenta nas recomendações doutrinárias não haverá a indispensável
receptividade dos demais. Por isso o sonho precisa ficar provisoriamente
incubado. Revelado deverá encontrar sinais do mesmo no sonho ou “miração” do
outro. A coerência terá por parâmetro a harmonia com o discurso onírico
individual e coletivo. O sonho ou miração contaminada pela ilusão versa
geralmente sobre acontecimentos ou pretensões consideradas profanas e que
muitas vezes ameaçam a harmonia do grupo. A identificação do “duplo” ou do EU
INFERIOR com personagens míticos, heróis, antigos profetas, reis ou como
explicou LM ser portador de poderes extraordinários e violentamente rejeitada a
princípio pelo grupo. O sonho está contaminado por forças negativas, do peso da
matéria. É o desejo exercendo seu império com fluídos(52) enganadores.
O
sonho/revelação são os mesmos fenômenos experimentados de forma
predominantemente involuntária, depois que a pessoa já conheceu e trabalhou com
o “ser divino”. Ele é considerado como aviso de futuras “mirações”. Encontra
registro. Sua leitura, porém, torna-se precursora ou providente. Prepara a
pessoa para as próximas experiências. A informante LC, em sua casa, dormindo,
sonhou com uma entrevista com Mestre Irineu transfigurado num bonito moço
loiro. No jardim ele era um príncipe. Ela entrava no jardim e lhe pedia flores.
Confiou o sonho a amigos mais íntimos e ao próprio Mestre. Na miração seguinte,
durante o trabalho ela viu o que havia sonhado(XXIV). Na verdade depois do rito
de iniciação não ocorre mais o sonho, mesmo a fantasia dali para frente não
será interpretada como simples imaginação. Será, contraditoriamente,
advertência, aviso dado pelos seres divinos.
A
miração ainda que sujeita à fantasia (quando a imaginação atende muito mais ao
estado de impureza da matéria, ao peso da “vida material”) se manifesta nos
dois últimos estágios do ciclo onírico. Espaço, tempo, objetos e seres,
inclusive o “duplo” da própria pessoa que mira localizam-se nos distintos
planos, do astral na realidade da “vida espiritual”.
A
miração depende do reforço, do companheirismo, da solidariedade e assistência
dos irmãos mais adiantados. Por isso LGS afirma que “fechando o olho é melhor,
às vezes tanto faz fechar os olhos ou abri-los, tudo é a mesma coisa. A pessoa
está vendo tudo, espiritual...o corpo fica quietinho”. Quando não há sintonia
entre a conversa dos circundantes e o que a pessoa está vendo, esta fica por
fora, havendo sintonia, “uma conversa toda por dentro daquilo que a gente está
vendo, em lugar de atrapalhar, faz é alimentar”.
As
visões extáticas(53) pelos aspectos
fenomenológicos assemelham-se às clássicas experiências de possessão, contudo
alguns adeptos negam que haja a incorporação de espíritos(54) Assim, as entrevistas, vôos
(deslocamento no espaço e no tempo) e outros atos realizados nos diversos
planos do astral; bem como, nos casos de autoscopia(55) quando o “duplo” se faz
acompanhar numa viagem interior pelo próprio corpo(56) (XXV) temos a explicação de que
se trata de um poder milagroso do “ser divino” e não substituição do espírito
por outro.(57)
Embora
nem todos os comungantes estejam no mesmo estágio do Mestre (Padrinho Sebastião
ou outro) e oficiais adiantados, podemos falar de um transe xamânico(58) individual e de outro coletivo.
Visões de
Iniciação
À
medida que os praticantes do culto do Santo Daime assimilam as técnicas de
concentração, automaticamente, pelo reconhecimento coletivo, galgam postos mais
elevados na hierarquia. Começam como soldados podendo chegar a comandantes. O
processo depende fundamentalmente da experiência extática inicial que poderá
ocorrer na primeira ingestão do Santo Daime.
As
mirações iniciais variam quanto ao grau de profundidade, clareza das imagens e
enquadramento aos princípios doutrinários. Podemos classifica-las de visões
de iniciação imediata e de iniciação progressiva. Ambas, porém,
fazem parte do processo permanente de aperfeiçoamento. A iniciação estritamente
falando só termina quando o discípulo passa a oficial da casa. Por se tratar de
uma estrutura ritual que admite a existência desse grupo adiantado, cujos
componentes comunicam-se entre si durante as sessões exotéricas, procurando
estabelecer e sustentar uma corrente espiritual, sugerimos uma distinção entre transe
xamânico individual e transe xamânico coletivo. No primeiro caso as visões
e, especialmente a “chegada da força e do tempo” ocorrem independente da
influência dos demais, mesmo em ausência deles. No segundo as manifestações
concorrem para uma harmonização de todos, no estabelecimento de uma corrente.
Essas últimas caracterizam sessões específicas como a concentração, trabalho de
mesa, de cura, etc.
A visão
xamânica inicial do Padrinho Sebastião ilustra fenômeno do transe extático
individual de cura como preparação e sinal para as futuras funções espirituais,
repetindo modelo clássico descrito por ELIADE (48:165)(59) Notáveis marcas correspondentes
ao êxtase 2, associadas à estase, com projeção do duplo, fazem do depoimento do
Padrinho Sebastião um exemplo clássico (XIX).
A Prece
A
prece, entre os seguidores de Juramidan, é, simultaneamente gesto, palavra e
ato que tanto pertencem à religião como à magia. Mesmo não possuindo eficácia
física ela serve para regulamentar, disciplinar, tonificar as consciências,
contribuindo para fazer e refazer periodicamente o ser moral da irmandade. Ela
expressa a força social sem deixar de respeitar e estimular a criatividade
individual.
Enquanto
rito a prece faz desaparecer a fronteira entre o religioso e o mágico. Assim,
na abertura de cada sessão o terço é prece religiosa; alterando o Padre Nosso,
porém, passa a ter força mágica:
“... vamos nós ao vosso reino...”
A prece
também consagra o recinto, é magia. Após a comunhão, no início do ciclo
onírico, espera-se o vômito purgativo, ocasião em que corpo e mente alteram-se.
A ingestão do Daime para quem observou interditos apresenta-se potencialmente
carregada de energia, é mana. Comungando, em permanente atitude de prece,
firmado na s “Santas Doutrinas”, com a irmandade, o Santo Daime terá mais
eficácia, nesta situação, por causa e apesar da estase o devoto atingirá o
êxtase.
Há
prece mental e oral quando a palavra se transforma num verdadeiro gesto eficaz,
ainda que não possa rigorosamente separá-las pois em realidade até a oração
interior é ainda uma oração, e “para que haja linguagem não é necessário que a
palavra seja materialmente pronunciada” (82:145). Durante a miração com mais
razão pois basta imaginar ou expressar simultaneamente o desejo na forma de
prece mental para que o desejo se concretize naquilo que se deseja ver. É
sempre um ato mental. Assim, durante o ciclo onírico, as preces mentais superam
os exercícios devocionais rogativos, passando a se constituir em autênticos
atos criadores, mágicos, cuja eficácia, por exemplo, facilita o deslocamento do
EU SUPERIOR ou duplo. Tais atos podem ordenar e d4esordenar a realidade da
“vida espiritual” em homologia com a realidade da “vida material”. Com justa
razão os pensamentos devem controlar o desejo, policiar a imaginação por dentro
e por fora.
Durante
as concentrações forma-se uma corrente de energia, quando cada um, e todos, dão
o reforço. A mente deve estar em ordem, despoluída, em permanente estado de
oração.
Por
outro lado é preciso estar consciente o tempo todo, isto é, com juízo perfeito
para não se embaraçar. Os doentes mentais precisam passar por tratamento
rigoroso. A “luz”, com a prece de todos, num “pensamento positivo” estabelece
as condições ideais para uma terapia coletiva narcoanalítica (cf. 51:1045)(60)
Assim,
no extenso ritual mágico-religioso, a prece ultrapassa limites do tempo e
espaço da vigília. É considerada vital durante o “trabalho” no astral, no tempo
e espaço oníricos, quer nos estereótipos dos hinários, quer nos hinários
contados e bailados. A prece, que normalmente pertence aos momentos apolíneos,
racionais conquista espaço entre os fenômenos dionisíacos, relacionando-se
dialeticamente com a consciência coletiva. Neste momentos de estados intensos,
a consciência coletiva parece diminuir ou suspender sua pressão sobre as
consciências individuais que nelas participam. Na profundidade mais íntima do
EU de cada discípulo de Juramidan a consciência coletiva se encontra. A prece
enquanto ato mental individual tem seu fundamento no fenômeno social. Como
percebem MAUSS, cada um pode criar sua prece, sem que a prece deixe de ser
instituição social. A partir do momento em que a prece, falada ou moldada no
ritmo dos hinários, criada (“recebida”) pelo indivíduo, é incorporada no
ritual, ela deixa de ser individual (82:122). A consciência coletiva está
inteiramente em cada participante e cada participante está na consciência
coletiva (63:134).
Dessa
forma os cantos rezados dos “hinários” contam a história das mirações dos
discípulos constituindo-se, entre outras coisas, façam a revisão e aprofundem
seus trabalhos.
O Hinário
Se o
Santo Daime, dança, sonhos, mirações e preces conduzem os participantes a um
nível de realidade acima do dia-a-dia, e se, magicamente, eles aspiram
livrar-se das impurezas físicas, morais e espirituais, não é menos verdade que
a prece cantada abre outras dimensões da articulação entre sensação,
imaginação, pensamento e sentimentos. A música(61)
junta-se ao mito para soldar múltiplos fenômenos sociais totais. A propósito,
veremos a seguir alguns aspectos relacionados com a concepção, origem,
conteúdo, legitimação, simbologia, estrutura e funções dos milhares de hinos
incorporados aos Sistemas de Juramidan.
O
hinário é a coleção de poemas recebidos pela pessoa e num sentido mais profundo
designa simultaneamente um só hinário, “o tronco da missão”, chamado de
CRUZEIRO recebido pelo Mestre Irineu (1).
Quanto
a forma de hinos podem ser descritivos, narrativos, orações de confissão ou
chamadas de determinados seres divinos.
O
“passar a limpo”(62), ou processo de
legitimação dos hinos obedecem critérios de ordem doutrinária e estética. Visa
verificar o grau de desenvolvimento do aluno e a necessária facilidade de
memorização e execução do novo hino.
Ainda que moldados, os hinos trazem as marcas de seu
autor que não ultrapassam limites impostos pelas “Santas Doutrinas” e expressos
nos hinários dos irmãos mais desenvolvidos. Por isso os novos hinários devem,
inicialmente, passar todo o CRUZEIRO(63),
a seguir, caso seu autor o deseje, percorrer os hinários circunscritos por um
“círculo de projeção”(64)
Há pois uma eurritmia padronizada e o “passar a
limpo” tem inclusive a função de efetuar pequenas correções.
JP destaca que apesar do Padrinho Sebastião não saber
ler “teve a felicidade de ver uma igreja na miração”. Na igreja dois anjos
tocavam hinos com trombetas. Quando os anjos acabaram de tocar, retiraram as
trombetas e passaram a cantar. O cântico “transferia-se para a mente do
Padrinho, pessoa digna de receber que “aquela música (recebida por qualquer
pessoa) nunca será esquecida. Explica que quando ela recebe, passa a “cantar
pela primeira vez como há de ser cantado pelo resto da vida. Quem estiver perto
vai escrevendo “ou grava e escreve logo que é prá botar no caderno e que faz
parte do hinário”. LC depois de circunstanciar a miração do príncipe no jardim
florido conta ter encontrado com as companheiras e sustentado com elas um
diálogo, na forma de um hino, sobre as “flores divinas celestiais” fornecendo
sua interpretação. Mais tarde descobre, conversando com Mestre Irineu que o hino
daquela miração é um desdobramento do hino desse denominado “O Jardineiro”
(XXIV).
Simbolicamente, para os informantes, cada hinário é ramos
do tronco da missão, de onde aquele recebe v ida, que se prolonga,
manifestando-se em forma de flores (os hinos) que vão nascendo.
O CRUZEIRO é composto de 132 hinos, além de 12 hinos
de confissão, cantados quatro vezes no ano: nos dias dedicados a São João,
Nossa Senhora da Conceição, Natal e Reis.
São múltiplas as funções dos hinários, algumas delas
práticas e manifestas, outras inconscientes, percebidas pelo pesquisador ao
tentar investigar a tese principal do trabalho. Não pretendemos, nem será
possível esgotar todas as funções, contentamo-nos com um breve comentário em
torno das que se relacionam diretamente com nosso argumento central.
Prece cantada com força de rito, o hinário funciona
como breviário. Um guia místico que ajuda a conduzir as experiências extáticas
ou, nos níveis do excesso de energia, colabora na solução de problemas diários.
Quando MM toma o Santo Daime e se sente “pego”, estando numa miração, ele deve
imediatamente escutar os hinos que estão sendo cantados. Ligado ao hino e à
energia espiritual ele vai “ter toda aquela lição” como se fosse “um professor
lendo uma apostila, todinha na nossa cabeça, nós estamos dentro dele, estamos
ouvindo e vendo”. O hinário tem força “nele está a palavra de Cristo na terra,
na mão dos homens, palavra de Deus”.
Os hinos contêm a história da doutrina, além de
ensinar, dar conforto espiritual, identifica e chama os seres divinos, faz
“igualar as mirações”. Impossível compreendê-los fora do universo simbólico e
do extenso ritual. Espécie de psicografia de dramas vividos, em êxtase
dialeticamente relacionados com a estase. Portanto, cada hinário documenta a
trajetória espiritual de seu “dono” por uma seqüência de consultas e diálogos
com os seres divinos, revelando momentos de tensão, apreensão, tristeza e
alegria. É também sinal de confiança do Mestre e da Rainha da Floresta. LM
viajou a Brasília para operar seu filho. De repente, em miração, recebe o hino
“Pensamento Positivo” (16). Noutra ocasião em Manaus submetendo-se a uma
operação recebeu um hino que lhe garantiu o amor e a confiança de Deus (18).
JR fala
da homogeneidade dos hinários. Em todos “é como se estivéssemos vendo o Mestre
Irineu falando para nós indicando também a parte que o irmão está recebendo.
Ele fala pedindo, rogando à divindade, ou ao Mestre que rogue por ele”.
Entre os membros do CEFLURIS, além do uso paralelo da
“Santa Maria”(65), a partir de 1978
aproximadamente, começa a se instituir o “presente” de hinos dos irmãos mais
adiantados aos que ainda não possuem hinário. Atingindo determinado grau de
desenvolvimento espiritual o “dono” de um hinário deve fechá-lo. Será então
considerado professor(66) Em seus trabalhos espirituais ele
poderá receber hinos orientados “como se estivesse ouvindo a voz de um irmão
menos desenvolvido cantando”. Na verdade “trata-se do EU SUPERIOR daquele
irmão. O professor receberá o hino em lugar do irmão e lhe oferecerá como um
“presente”. Com o presente esse poderá iniciar seu próprio hinário.
Quanto à estrutura os versos dos hinos podem ser de
cinco, sete, dez e até doze sílabas, havendo constância métrica entre os versos
de cada estrofe; são comuns as rimas em ão, al, ade, entes, ir, um ala, er, ar
e outras; há rimas perfeitas e imperfeitas, usadas com naturalidade.
As melodias são singelas, cada frase melódica
correspondendo a um verso da estrofe. Como a melodia toda corresponde ao
tamanho da estrofe, ela se repete até esgotar o conteúdo do hino; alem disso,
no cantar, os versos são repetidos, como para facilitar a memorização; todos os
devotos sabem os hinos de cor. (5:302). Lembra ainda a folclorista J. ANDRADE
não ter encontrado nenhuma melodia semelhante às músicas da Igreja Católica
Apostólica Romana, contudo nas letras dos hinos estão claros os elementos
católicos, tais como a devoção a Nossa Senhora da Conceição como Virgem Mãe, a
concepção de São João Batista como menino-pastor como aparece nas bandeiras da
Festa de São João. (5:204). Traços de religião mediúnico de aculturação
africana coexistem com elementos religiosos do “índio americano no ritual da
bebida com miração e nas letras que se dirigem ao sol a lua, às estrelas” como
seres de realidade divina, a quem pertencem também Juramidan, Equior. Dona
Soloina e a Rainha da Floresta.
O CRUZEIRO e os demais hinários que dele se ramificam
simbolizam simultaneamente a missão plantada por Juramidan e metaforicamente a
missão de cada espírito, sua passagem por este planeta preparando-se para sua
total transformação em seres divinos. Por isso quando se canta o hinário de um
irmão, o “decreto” do serviço é fixado antecipadamente, determinando até que
ponto do mesmo irão naquela sessão. Caso não concluam o hinário numa sessão,
deverão continuar na próxima.
Vimos neste capítulo alguns dos ritos que compõem o
extenso ritual de transcendência e despoluição. O ciclo onírico e os três tipos
de experiências paradoxais contextuam uma vasta rede de comunicação envolvendo
situações concretas. Neste sentido o sonhar não é apenas “uma experiência
universal” (64:191) generalizada, mas possui referentes empíricos definidos. Os
modelos socioculturais aqui estudados configuram uma visão do mundo ou
princípio de realidade, através da interpretação imaginativa alternativa,
aproveitando expressão cunhada por R. RIBEIRO (114:141) em seus estudos dos
cultos afrobrasileiros do Recife. Lá como aqui no culto do Santo Daime as
estruturas de plausibilidade orientam cognitivamente para universos simbólicos
e míticos “partilhados por certos indivíduos mas não comuns a todos os membros
da sociedade”. Em outras palavras, as experiências oníricas, ainda que
diferentes dos acontecimentos do estado de vigília, articulam-se coma a conduta
dos devotos, fornecendo-lhes padrões de institucionalização e socialização.
Padrões que os Sistemas de Juramidan desenvolvem objetivamente no projeto de
ordem.
Além deste sentir-se acima dos acontecimentos
profanos do dia-a-dia, os devotos podem mais porque se sentem menos
contaminados pelo provisório da “vida material”. Ao se constituir em “locus
significante” a limpeza do corpo, da mente e do espírito pela contiguidade
atinge também atividades da “vida material” consideradas impuras, mas
necessárias para a evolução dos espíritos. Cada deslocamento significando a
morte e a ressurreição, encurta o processo de purificação
do espírito, e mais próximo este se apresenta de sua transformação em estados
semelhantes aos astros.
O tempo também se
despolui, numa inversão metafórica: a realidade da vigília, objetiva,
imponderável, passa a ser fantasia, irrealidade. O tempo, espaço, objetos e
seres vistos nos planos do astral tornam-se “cósmicos”.
O complexo
mágico-religioso assenta suas bases num pensamento simbólico modelador das interpretações
dos efeitos psicofísicos, portanto as sensações e percepções não são produtos
exclusivos da imaginação. As emoções e sentimentos, individuais e coletivos em
permanente fusão, são também responsáveis pelas peculiaridades desses estados
mentais e atos psíquicos. Aquelas podem alterar o significado de antigos
símbolos em função de experiências concretas. As Santas Doutrinas abrangem,
pois, cerimônias que atualizam e inovam os clássicos sacramentos do
cristianismo que fazem parte dessas “fantasias pragmáticas indispensáveis, sem
as quais a civilização não pode existir”. FIRTH (53:238).
Os
Sacramentos
A reinterpretação
dos sacramentos não visa somente justificar as fantasias pragmáticas do ciclo
onírico através das quais expressam as necessidades e pressões concretas do
cotidiano. Busca principalmente estabelecer condições para o fluir das emoções
e sentimentos, quase sempre castrados pela religiosidade oficializada nas
várias denominações(67)
Mas por trás do rito está o mito, daí a presença do pensamento simbólico,
repetindo sempre as hierofanias universais; estas são constantemente
atualizadas nos sacramentos expressando o conjunto de crenças que o legitima.
Os sacramentos são
reinterpretados ou subsistem sob outros nomes. No primeiro caso encontram-se a comunhão
e a confissão presentes em todas as sessões; casamento e extrema-unção
são optativos. Não há crisma; o batismo e a ordenação subsistem
nos ritos de iniciação, aquele seguindo o ritual católico, usando, porém, o
Daime em lugar da água.
9.
As Santas Doutrinas
Os ritos de confissão podem ser classificados “lato
sensu” e “stricto sensu”. A confissão “lato sensu” compreende gestos palavras e
atos de contrição, de reconhecimento dos pecados. Constituem preparação para a
ingestão da bebida. Durante o ciclo onírico os fiéis precisam confessar suas
culpas mentalmente. No segundo estágio do ciclo ocorre “disciplina” ou “peia”,
quando a pessoa sofre ao enfrentar visões terroríficas. Ela se identifica com
as imagens e acredita estar tendo revelações sobre seu estado espiritual. Num
sentido específico confissão tem ritual apropriado que se repete quatro vezes
no ano.
Cada rito de confissão precede o da comunhão
propriamente dita. A confissão prepara(68)
o comungante que neste ato penetra no tempo e espaço sagrado.
Podemos descrever e analisar a comunhão sob ângulos
distintos e complementares. Do ponto de vista religioso o ato de ingerir a
bebida sagrada ou comungar marca o ingresso do futuro membro da irmandade. A
partir da primeira experiência ele já inicia uma rede de relações ou trocas
simbólicas que estimula solidariedade e companheirismo.(69)
A comunhão, sem negar o mágico-religioso e por
conseqüência dele, marca o ingresso de seu praticante no contínuo processo de
evolução.
Comungar significa repetir a “eucaristia”. MM explica
que é o sangue de Cristo que estão ingerindo, “mas só vamos descobrir pelos
ensinamentos de nosso mestre”. O poder do Daime, contudo, independe de quem o
faz ou opera o ritual, o informante diz acreditar que “ali tá o verdadeiro, consagrado,
é o sangue de Cristo puro”. Apesar de ser o sangue autêntico de Cristo ele se
torna simbólico porque “ainda estamos na matéria”.
Os ritos pressupõem um pensamento mítico, mas este
não precede àqueles e vice-versa. A comunhão, ultrapassando sua abordagem
ritual, na verdade preexiste potencialmente nos grupos e independe de
determinados ritos ou mitos para que se concretize, esses porém vinculam-se
estreitamente àquela, expressando-a aquela, embora observável e pressuposta
necessita de referenciais empíricos formulados nas Santas Doutrinas. Os ritos
constituem-se em formas e expressões das doutrinas. Ritos, mitos e crenças
ajudam a instituir princípios de organização da comunhão. Paradoxalmente a
comunhão garante a sobrevivência dos grupos e justifica os Sistemas de
Juramidan. Vejamos, rapidamente, pontos centrais das crenças e suas relações
com os outros elementos no conjunto dos Sistemas.
A Linha do Daime
As doutrinas sintetizam um espiritismo mediúnico,
refletindo porém influências esotéricas que não admitem a incorporação e sim a
eficácia da concentração e busca gnóstica do EU, uma forma de ritual católico e
a noção de revelação de orientação protestante. O breve comentário a seguir
reflete uma interpretação que supomos aproximar-se bastante do modelo formulado
pelos participantes do culto(70)
Os informantes falam em uma “linha do Daime” expressa
nas “Santas Doutrinas” cujo começo nos remete diretamente ao “mito do paraíso
edênico”. Os mestres do Daime ou da Ayahuasca no Brasil, Bolívia e Peru, seriam
simples continuadores de uma linha que, em seu trajeto até hoje, apresentou
apóstolos, reis, imperadores, profetas, etc. Eles passaram pela terra uma ou
dezenas de vezes na consecução do plano divino de purificação ou evolução de
antigos “seres divinos” que perderam sua condição original de espiritualidade.
Seres divinos que souberam trabalhar e conquistaram elevados graus de
perfeição, voltam à terra ou a planos
inferiores para doutrinar os menos desenvolvidos. Muitos se transformaram em
mestres com poderes extraordinários. Os que
já lograram cumprir as condições estão num estado tão elevado de
desprendimento da matéria que chegam a se confundir com os astros. Há seres
divinos ligados aos quatro elementos fundamentais da vida: sol (fogo) terra,
vento (ar) e água (mar). A “vida espiritual” relacionada aos poderes de cima se
opõe à “vida material” correspondente aos poderes de baixo. Ambas porém se
interrelacionam e mutuamente se implicam. É preciso preparar bem a matéria para
que o espírito possa realizar bom trabalho no “astral”, função que estabelece
uma rica simbologia e por sua vez expressa a solidariedade entre palavras,
gestos, atos de confissão e comunhão, bem como obras em favor da humanidade.
Elas justificam clássica teodicéia do sofrimento | WEBER (128:316) |.
No Cruzeiro, há referências explícitas a seres(71) divinos relacionados com os
quatro elementos fundamentais da vida.(72)
No topo da hierarquia estão Jesus, Maria, José, João Batista, os Reis Magos
(Tintuma, Agarrube e Titango) Equior, Barum, Marum, B.G.Santa Isabel, etc.
Algumas entidades aparecem explicitamente ligadas à água, ao mar, às flores,
aos pássaros. Os caboclinhos se apresentam trazendo “remédios bons”.
A linha do Daime é a “linha do astral” um estágio
mais elevado do que as “de Umbanda, Aruanda, Candomblé e uma infinidade delas”.
Se a elevação espiritual da pessoa está enquadrada dentro dessa linha “você
toma o Daime, uma, duas vezes e vai automaticamente desenvolvendo com
facilidade”. Não pertencendo à linha do Daime é preciso trabalhar por
merecê-la. Depois de passar por vários “sistemas” e “linhas” SJ descobre em
Porto Velho, numa sessão preparada por seu cunhado, que pertencia à linha do
astral.
Todos procuram provar a origem divina da bebida. A
“Folha Rainha” está ligada a Nossa Senhora e, também à primeira mulher no
Paraíso. O cipó “jagube” simboliza o Adão edênico. Mas não se trata de símbolos
arbitrários. Há uma relação lógica entre o começo, queda do homem, seu processo
de redenção em Jesus Cristo e as sucessivas épocas do plano divino visando
preparar a humanidade para o dia do “apuro” final. O Santo Daime ao longo dos
milhares de anos vem sendo utilizado por pessoas especialmente chamadas por
Deus, através, principalmente, da Virgem Mãe. Tais pessoas se encarregam de
“reimplantar” as doutrinas (19). Uma cadeia de grandes servos de Deus passando
às vezes desapercebidos, como humildes agricultores, carpinteiros, pedreiros,
seringueiros, reis, príncipes, imperadores, também aparecem na hagiologia,
Sebastião Mota (para os da Colônia 5 mil) é o novo João Batista anunciando uma
espécie de “terceira volta de Cristo”. Irineu Serra foi Jesus Cristo enquanto
esteve na terra, mas continua sendo visto e reconhecido na figura do General
Juramidan no plano mais elevado do mundo astral. Para os devotos do Alto Santo,
Francisco Fernandes, ex-seringueiro, vindo do nordeste, ex-agricultor agora
residindo na sede continua a cadeia. Leôncio Gomes da Silva, o próprio Irineu
Serra são herdeiros imediatos das “santas doutrinas” entregues a eles, pelo
ensino de Crescêncio Pizango, na companhia de Antonio Costa. Pizango,
considerado o guardião da casa, tansmitiu o que recebeu de antigos reis que
trabalharam na região andina. Um deles é o Rei Uascar. A Virgem Mãe entregou a
missão a Irineu Serra, mas voltou encarnada na pessoa de Peregrina Gomes da
Silva. Ela é vista no astral como a “Rainha da Floresta”, por isso, durante os
festejos, usam na farda um distintivo com as iniciais CRF, significando “Centro
Rainha da Floresta”.(73)
O Santo Daime pode, dependendo do merecimento da
pessoa ajudar a pessoa a “cumprir o seu carma”. Se o “carma da pessoa é muito
pesado ele tem de passar por vinte encarnações”. Explica ainda SJ que se a
pessoa “entrou nessa linha do Daime e ele compreendeu, ele vai eliminando
aquele déficit, aquele peso” e acrescenta: “cada vez que ele toma o Daime ele
vai largando uma cascazinha, esse carma vai largando”. Pode inclusive “alcançar
uma encarnação só e se libertar de tudo isto” pois o fim de tudo é o “perdão” e tem que “reconhecer
Deus, nosso pai e a Virgem, nossa mãe”. Um informante do centro da Vila
Ivonete, onde aceitam a incorporação e possessão faz parte das doutrinas,
afirma que o Daime(74) é
um veículo que “o chefe de uma banca qualquer prepara ele para trabalhar em qualquer
tipo de ritual”. Explica que pode trabalhar num ritual “sadio, de uma corrente
superior sadia, e pode trabalhar numa corrente inferior”. O Daime aceita tudo
pois é “o maior livro do mundo”. É por isso, afirmam, que “nós chamamos
“Daí-me”, porque tudo aquilo que nós buscarmos dentro dele, que nós pedirmos
com amor, com fé, ele nos traz a explicação”.
A “linha do Daime” no Alto Santo e colônia 5 mil
exige disciplinado trabalho de seleção das mirações. Elas podem revelar
doutrinas sãs ou daninhas”. Visando sistematizar e codificar as lições mais importantes o hinário tronco funciona
como matriz para que a doutrina se ramifique, se multiplique, se espalhe pelo
mundo. “Ficaria muito pesado para um irmão só receber todos os ensinos do
Mestre Irineu” daí a necessidade de dividir a tarefa. Para distinguir o
sonho/ilusão da miração basta descobrir os pontos de ligação entre o núcleo da
miração expressa no novo hino e os ensinos de outros hinários, prefententemente
do próprio Irineu Serra.(75)
IV – O CULTO DO SANTO DAIME E O CONTEXTO MACROSSOCIAL
( 43) Afirma ELIADE
(45:156): “Le sacré, par conséquent, se manifeste également comme une force,
comme une puissance. Pour indiquer l’acte de la manifestation du sacré, nous
avons proposé le terme ‘hierophanie’ “.
( 44) E continua o
mesmo autor: “A embriaguez sagrada permite participar, ainda que de maneira
fulgurante e imperfeita, na modalidade divina; quer dizer que ela realiza o
paradoxo de ser verdadeiramente, e, ao mesmo tempo, de se tornar,
de ser força e equilíbrio. O destino metafísico da Lua é de viver
permanecendo, simultaneamente, imortal, é conhecer a morte como um
repouso e uma regeneração, nunca como um fim” (47:204/205).
( 45) No sentido de
que determinados lugares ou cenários, por terem sido palcos de manifestações
sagradas, passam a ser considerados como locais onde a santidade se faz
presente, passam a ser objetos de interditos e peregrinação.
( 46)
Ver pp. 70 e 72.
( 47) ... Dar reforço
pode significar ajudar a sustentar a corrente espiritual.
( 48) Dependendo do
tipo de sessão e respectivo tempo de duração, poderão ocorrer de uma a seis
rodadas (doses de bebida). Nos festejos bailados, e.g., de duas em duas horas
servem nova rodada.
Cada devoto, porém, participa conforme sua “necessidade”.
( 49) A fase inicial
de desorganização de confusão, de falta de descodificação de uma possível
mensagem cifrada simbolicamente.
( 50) Assim explica
JOUVET: “De maneira muito esquemática, os mecanismos do sonho podem ser
decompostos em 3 elementos principais. O primeiro é capital, pois explica os
outros dois. Caracteriza-se pela existência de um estado de excitação intensa,
ritmada, da maioria dos neurônios cerebrais, inclusive dos neurônios motores.
Esse estado de excitação generalizada exige de um lado, a presença de um
“pacemaker”, e de outro lado, requer um mecanismo de bloqueio das eferências
motoras: sonhamos que estamos correndo, mas nosso corpo permanece inerte, por
estar paralisado. Esta paralisia só pode ocorrer durante o sono, por ser este a
condição preparatória quase obrigatória do sonho. Acompanha, portanto, o sonho,
um estado de excitação central intensa. Ocorre com efeito uma verdadeira
tempestade cerebral durante a qual registros feitos por meio de microelétrodos
demonstram que as células nervosas apresentam uma excitação análoga ao mais
intenso estado de vigília...Ainda não sabemos se o sono que sucede ao sonho não
intervém igualmente para ‘restaurar’ até certo ponto as sinopses centrais que
acabam de ser submetidas à avalancha de estimulações intrínsecas durante a
atividade onírica. O sonho e o sono parecem, por conseguinte, estreitamente
associados” (65:97).
( 51) Lembra JOUVET
que “os principais indícios do sono paradoxal são representados pela ativação
da atividade elétrica cerebral, que se torna semelhante à da vigília no animal
ou a do estágio I do adormecimento no homem” (69:98). DEMENT nos informa que a
“fase paradoxal” do sono foi recentemente elucidada, “trata-se do sono ativado,
de rápidos movimentos oculares (REM) a que se poderia também chamar de sono
‘onírico’ porque parece ser, de fato, o estado em que o sonho aparece” (35:52).
( 52) Primeiros
sintomas de miração, podendo também ser identificado como convites iniciais.
Aquele que sabe trabalhar escolhe corretamente os melhores convites.
( 53) Sinônimo de
miração ou êxtase 2.
( 54) Verifiquei
posteriormente que a incorporação através de um “aparelho” quando o espírito da
pessoa dá lugar a outro vem sendo enfatizado no CEFLURIS.
( 55) A expressão
significa ver a si mesmo interiormente.
( 56) Geralmente esta
viagem visa a cura preparatória do futuro oficial ou Mestre.
( 57) Talvez
coexistam o espiritismo mediúnico popular e o fenômeno esotérico via
agnosticismo da “projeção do duplo”. Daí a presença dessa espécie de xamanismo
siberiano (31:257).
( 58) Usamos as
expressões: “transe xamânico” ou “visões xamânicas” aquele estado descrito
acima para as experiências realizadas pelos mestres e oficiais da casa mais
adiantados, em seus ritos de iniciação e no progressivo exercício de “mestres
do Santo Daime”, conselheiros, curadores e responsáveis pelas sessões de
festejo, concentração ou trabalho de mesa.
( 59) “... tortura e
despedaçamento do corpo, moedura da carne até o corpo se reduzir ao esqueleto,
substituição das vísceras e renovação do sangue, permanência em regiões
inferiores onde o futuro xamã será instruído pelas almas de xamãs falecidos,
ascensão ao céu para obter a consagração de Deus.
( 60) Á página 1046
EY (51) sugere que “se debe aproximar al narcoaná lisis el aspecto
psicoterápico de las curas de sueño... (acción sedativa y catártica de los
medicamentos, relajamienteo de las resistencias, producción de material
onírico). Desde este punto de vista, la cura de sueño constituye una variedad
ampliada y particularmente poderosa de la farmacopsicoterapia”.
( 61) Confirmando,
aliás, o exaustivo ensaio de ALVIN sobre o papel terapêutico da música.
Tratando dos principais efeitos psicológicos da música sobre o indivíduo, que
podem dar origem à comunicação, à identificação, à associação, à fantasia, à
expressão pessoal e ao conhecimento de si mesmo: “La música es parte de tantas
funciones y sitios, que todo ser humano est à expuesto a ella de varias
maneras; no solo la relaciona com estados de ânimo realis, sino también com las
experiências passadas” (4:112).
( 62) o processo de
legitimação se transforma numa aula para o dono do hino recém recebido e aos
discípulos presentes (XXXIV). A expressão também se aplica à verificação da
graduação do Santo Daime, por ocasião do feitio.
( 63) No sentido de
“trabalhar” todo hinário do Mestre Irineu, dele extraindo lições na forma de
hinos.
( 64) O conjunto de
ensinamentos presentes em todos os hinários.
( 65) Apesar de não
se constituir em assunto dessa monografia não poderemos omitir o uso da maconha
ou “Cannabis Sativa” de distintas formas, para fins ritualísticos e
terapêuticos.
( 66) O filho do
Padrinho Sebastião, mesmo não tendo fechado seu hinário, vem dando presentes a
vários irmãos.
( 67) Alguns
informantes referem-se à frieza do ritual católico. MM fala da eucaristia, diz que o Daime é o sangue de Cristo. Ele não
precisa ir à Igreja Católica para comungar, pois lá, quando ele ia “era uma
coisa banal, secundária... (mas o Daime) é o corpo de Cristo, o legítimo”.
( 68) SJ adverte,
porém, que durante os rituais específicos de confissão torna-se necessário
alcançar dentro de si mesmo o merecimento para “limpar o coração” e assim
reconhecer onde errou pois “o Daime mostra o erro ... não é ilusão, não é
pantomina...”
( 69) Atingimos assim
outro ângulo da comunhão. LM, por exemplo, nos colocou na categoria daqueles
que merecem confiança porque com eles “comungamos” em várias ocasiões e
justifica dizendo:
“... o Sr. comunga com a gente e a
gente pode se abrir...porque com leigo ninguém pode conversar nunca, camarada
que não participa não tem condições da gente conversar com ele...”.
( 70)
É difícil, dada a natureza deste trabalho e seus objetivos, detalhar as
múltiplas origens dos traços culturais religiosos presentes no complexo
conjunto doutrinário. Tarefa talvez impossível. Contentamo-nos em estabelecer e
relacionar os pontos pertinentes à nossa tese central.
( 71)
Ás vezes uma mesma entidade aparece sob variados nomes, apontando funções
diferentes.
( 73) Provavelmente a
sigla tenha sido usada desde o início como marca doutrinária do grupo e,
simultaneamente, ocultando este significado principal, indicar o nome oficial
do centro em Brasiléia, ou seja o Círculo Regeneração e Fé”.
( 74) Os devotos da
Vila Ivonete admitem trabalhar sem o Santo Daime.
( 75)
Cf. depoimento e hino recebido por LC (XXIV), hino 17.
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