sábado, 2 de março de 2013

O PALÁCIO DE JURAMIDAM SANTO DAIME: um ritual de transcendência e despoluição por CLODOMIR MONTEIRO DA SILVA


     



       III – O CULTO DO SANTO DAIME

7. Os Sistemas de Juramidan
Os sistemas de Juramidan
As experiências alucinatórias não são simples manifestações imaginárias, psicopatológicas, sem sentido ou força social. Enquanto vividas no enquadramento ritual de envolvimento do corpo, arte e mente, necessária e dialeticamente, essas experiências interagem com “aspectos econômicos e sociais do ambiente em que concretamente existem” | MOTTA (94:121 |. A visão do mundo, produto da decodificação das mirações, insere-se num projeto de ordem pelo qual antigas expectativas “estruturam um mapeamento da realidade” | VELHO (125:33 ss.) |. Elas integram, portanto, modelos socioculturais específicos. Os dois conjuntos mágico-religiosas, cujo ritual descreveremos a seguir, tecidos numa espécie de todo ordenado, para aqueles comprometidos com ele, parecem mediar um conhecimento genuíno, o conhecimento das “condições essenciais nos termos das quais a vida tem que ser necessariamente vivida” | GEERTZ (57:146) |. Juramidan, patente recebida por Raimundo Irineu Serra no astral, é o chefe império, imperador e pai da raça. É em torno dele, do impacto causado por ele, enquanto viveu e desempenhou as funções de mestre, de seu hinário e do testemunho dos que com ele conviveram, que se estruturam muitos grupos. O Alto Santo e a Colônia 5 mil, por serem bem estruturados, ilustram esses. Ainda que constituindo dissidência do primeiro, o segundo, em seus pontos principais, prossegue repetindo os mesmos rituais e doutrinas centrais. O fato desses grupos relacionarem-se com o contexto macrossocial permite-nos descobrir sinais de modelos de projeto de ordem diferenciados, como veremos oportunamente.
A lenda que envolve os acontecimentos referentes à iniciação dos primeiros mestres do Santo Daime possui versões que variam segundo a ótica de cada informante. Enquanto antigos membros do Círculo Regeneração e Fé negam ou minimizam os poderes de Mestre Irineu, os seguidores desse garantem que Antonio Costa, julgando-se menos capaz, teria pedido à virgem mãe que entregasse a missão a Raimundo Irineu Serra. Todos, contudo, são unânimes em confirmar a presença de ambos no período de aprendizagem (I, IX, X, XI, XIII).
Primeiras Experiências
Segundo AJS, um peruano, do Departamento de Loreto, Crescêncio Pizango, teria convidado Antonio Costa para tomar a ayhuasca. Ambos, na ocasião, trabalhavam perto de Cobija, pelo rio Tahuamano, num seringal da Casa Soarez. JR, atual secretario do Alto Santo, cria um contexto antropomórfico, fitolátrico e profilático, dando primazia ao Mestre Irineu (IX). Leôncio Gomes da Silva, que assumiu a presidência do Alto Santo, confirma tal versão (X).
O Padrinho Sebastião, discípulo e, segundo suas palavras, continuador e precursor do próprio Mestre Irineu, transmite o que apreendeu do relato oral mítico (XI).
Conforme demonstraremos, essas experiências pioneiras, envoltas pela reconstituição de uma narrativa mítica primordial, ultrapassam idiossincrasias individuais e se projetam na própria institucionalização dos primeiros núcleos ou “sessões” de Santo Daime.
A reconstituição histórico-estrutural do grupo pioneiro, em Brasiléia, que mais tarde originou o Círculo Regeneração e Fé, confirma a presença de traços culturais pertencentes às populações primitivas, em especial os Caxináwa brasileiros e peruanos já em acelerado processo de integração aos valores da sociedade global. Estaria, no caso, ocorrendo o fenômeno da reinterpretação mencionado acima.
Conforme registramos, os grupos apresentam dois tipos de rituais. Ou se limitam à ingestão do Daime e “trabalhos” de concentração ajudados por música produzida por fonógrafo e gravador, ou recorrem ao canto e à dança ao som de maracas e outros instrumentos musicais. Outro traço que identifica os Sistemas de Juramidan diz respeito a preparação, indicação e legitimação de seus mestres ou padrinhos. Trata-se de combinação das figuras do pajé indígena, do sacerdote católico e a figura do guia espiritual dos cultos populares afro-brasileiras. Constatamos assim o fenômeno da reinterpretação no próprio processo de legitimação de seus líderes.


A Legitimação dos Mestres
A Sagração de um mestre, isto é, o processo de reconhecimento do status de vidente, conselheiro, curandeiro ou orientador espiritual, não ocorre por acaso, depende de uma série de circunstâncias, tais como o tipo de estrutura do grupo, período de confirmação de suas qualidades especiais e a possibilidade política junto à irmandade. Na verdade o processo de sagração fundamenta-se na rede de relações que o futuro líder consegue, consciente ou inconscientemente, estabelecer entre membros do grupo, extrapolando até mesmo os limites da comunidade de referência.
Os grupos mais complexos como o da UDV prevêem a possibilidade dos iniciados chegarem a mestre, depois de passar pelos níveis intermediários do oficialato. Nesse caso o processo não apresenta traumas ou divisões dos núcleos, pois ele é previsto e estimulado. Ainda assim, em decorrência da disputa política pelo cargo, podem ocorrer crises internas e até o seccionamento do grupo.
Enquanto esteve vivo o Mestre Irineu autorizou vários de seus oficiais mais adiantados a fazer o Daime e ministrar o serviço em suas próprias casas. Tal fato justificava-se especialmente no inverno, quando as estradas se tornam de difícil tráfego e os ramais secundários praticamente desaparecem. Exigia desses novos líderes que doassem a metade da bebida feita ao centro sede, que fizesse o Daime de acordo com seus ensinamentos, recomendando a participação de pessoas previamente instruídas e preparadas. Contudo, a morte de Mestre Irineu suscitou acirrada disputa entre os novos líderes. Tal fato ocorreu em virtude da estrutura do grupo não prever mais de um mestre.  Mesmo a sagração de Irineu Serra foi parcialmente contestada pelos freqüentadores do CRF. Lá Antonio Costa ocupava o cargo de general, tendo Raimundo Irineu Serra “comandante em chefe” (XIII).
É sempre o grupo que legitima o futuro líder. Neste sentido torna-se importante o período de iniciação que pode durar indefinidamente. O candidato vai desenvolvendo suas aptidões. Ás vezes “a pessoa já chega e no primeiro trabalho com a ‘luz’ executa um serviço direitinho” (MM). Os informantes explicam que não depende só do esforço, o merecimento por ter passado por outras encarnações também conta; a pessoa, no caso, já está num estágio de evolução superior a muitos que freqüentam a sessão. Além do tipo de estrutura e tempo de iniciação no grupo, outro fator que pesa decisivamente na sagração de um mestre. Trata-se do subgrupo de apoio dentro da irmandade. Esse às vezes compõe-se de parentes do pretendente ao cargo.  

Antonio Costa e Raimundo Irineu Serra
O informante SJS comenta que “apesar de Irineu reconhecer que Antonio Costa tinha mais virtude, ele queria ser igual ao chefe”. Os exames “realizados ocultamente”, isto é, durante os transes extáticos constituem importante instrumento de legitimação do pretendente a chefe. A coragem é então virtude decantada pelo grupo. Ser homem significa suportar as terríveis provas físicas e psíquicas, sobretudo “vividas no astral”. (XXXVIII). Indica-nos o informante que para cada pessoa a Rainha da Floresta e outros seres divinos, determinavam três diferentes. Como último exame Antonio Costa teria que passar num engenho de roda de navalha, meter a cabeça com a máquina trabalhando e passar do outro lado. A viúva de Antonio Costa confirma a versão(XL). Antigos moradores de Brasiléia ainda falam da presença de Antonio Costa na região, como curandeiro, profundo conhecedor de ervas e conselheiro de autoridades (I). Antigos discípulos de Antonio Costa continuam trabalhando com o Daime na mesma cidade (XIV, XV). Informações complementares confirmam nossa hipótese de reinterpretação, conservando com mais evidência a influência dos cultos afro-brasileiras e ameríndios (XV).

Leôncio Gomes da Silva e Sebastião Mota Melo
A morte do Mestre Irineu precipitou o desligamento de mais de cem membros  do Alto Santo, liderados pelo padrinho Sebastião, solidificando assim a recém criada Colônia 5 mil, Leôncio e sua esposa, contudo, defendem a preferência do Mestre Irineu por esse último (XVI, XVII, XVIII).
A legitimação do Padrinho Sebastião é descrita e defendida por ele mesmo, repetindo os clássicos vôos xamanísticos (XIX). O próprio hinário do Padrinho Sebastião procura confirmar sua chamada (11 E 15).
Francisco Fernandes
É o atual responsável pela direção dos trabalhos espirituais do Alto Santo, sendo também presidente do Centro Espírita Fluente Luz Universal. A legitimação de sua escolha, contudo, parece não ser unânime. Visitando o grupo em 1981 constatamos a existência de um princípio de divisão. Os descontentes com a nova direção alegam excessiva severidade com que o Francisco Fernandes, ou Sr. Tetéu, vem dirigindo a irmandade. Todavia, o atual comandante vibrante e respeitado oficial da casa, vem em seu hinário legitimando o novo presidente, que todos chamam de assessor. O hinário do Sr. Tetéu (48, 49, 50) parece ter como tema central sua confirmação como escolhido de Mestre Irineu e do Sr. Leôncio Gomes da Silva. No caso, estaria ocorrendo menos uma contestação das qualidades especiais do Sr. Tetéu do que uma disputa pelo poder entre os familiares de Leôncio Gomes da Silva que reivindicam o comando da irmandade.

O Santo Daime
Demonstramos em outra parte que o Daime é a mesma bebida utilizada em grande parte da Amazônia Ocidental e conhecida por ayahuasca, iagê, mariri, etc. O participantes dos Sistemas de Juramidan empregam estes termos, e ainda as expressões folha rainha, chacrona ou mescla ao se referirem especificamente à Psychotria Spruce. A imprecisão terminológica pode estar indicando a preservação de certas origens étnicas. Torna-se, pois, interessante fazer algumas considerações de ordem etnolinguística, sociocultural e mítica/funcional em torno do assunto, aprofundando também alguns aspectos sobre o preparo, efeitos sagrados e interditos em torno da beberagem ou dos vegetais empregados.
Do ponto de vista etnolinguística será possível tentar, rapidamente, justificar a transformação da expressão “ayahuasca” para Daime, o que reforça a tese da reinterpretação proposta até aqui, com referência ao processo de passagem etnológica e etológica.
Ainda desconhecemos os resultados de pesquisas realizadas na região, de uma perspectiva sociolingüística, que pudesse revelar o processo de unificação lingüística, ou monolingüístico, através do qual novos ângulos da passagem das populações primitivas e rústicas para estágios mais adiantados de urbanização fossem suficientemente esclarecidos. Recentemente o Dr. MAURIZIO GNERRE (59) se propôs a trabalhar numa pesquisa visando estudar, com metodologia sociolingüísitica, a relação entre desintegração das sociedades tribais do Acre e a situação lingüística em que elas se encontravam. No Acre, em quase todos os grupos indígenas encontram-se repertórios lingüísticos individuais constituídos de duas até quatro línguas. As línguas representam diferentes níveis de prestígio social e a aculturação lingüística procede na direção da aquisição de uma variedade de português e do abandono das línguas dos grupos indígenas menos integrados (como os Culinas no Rio Purus), até o português, passando, por línguas de status intermediário como o Caxinava, o Quexua dos “peruanos” e o espanhol falado por mestiços peruanos e bolivianos.
Ora, diante da situação social e lingüística do Acre, em constante mudança nos últimos anos, onde 70% dos atuais 300.000 habitantes do estado vive fora dos centros maiores e os grupos indígenas constituem minoria absoluta (3% da população do Estado), propunha o pesquisador a instituição de relações possíveis entre incidência de multi e bi-linguismo nas comunidades indígenas (ou indígenas-caboclas) e os comportamentos sociais complexos de tais comunidades. Com certeza, podemos concluir que a mudança da expressão “quichua” ayahuasca (jayahuasca ou hayahuasca) significando (bejuco ou liana de los muertos), segundo estudos de NARANJO (96:36) para dá-me, dame ou Daime, revela não apenas a reinterpretação cultural-religiosa, mas fundamentalmente, o processo de urbanização. O próprio “insediamento dos índios” |GNERRE (59) | teria favorecido a fusão não só entre diferentes grupos como também entre índios e caboclos. Os grupos de diferentes famílias (Pane, Arawak) se apresentariam “misturados também com mestiços peruanos e o multilinguismo que é fenômeno já tradicionalmente presente na área geográfica do Alto Amazonas, do Sul do Acre, até o Uaupés” | SORENSEN (129), MELATTI (83) |.
Lembramos, confirmando nossa argumentação, o registro “Santo Dá-me” feito por NUNES PEREIRA (99) no início da década de 60. Tal registro revela a conservação da grafia espanhola. Nos depoimentos e hinários por nós levantados raramente encontramos a mesma expressão, predominando a forma “daí-me” ou “daime”. 
Por outro lado não devemos explicar o fenômeno ora em discussão apenas sob a variável cultural, há aspectos que ultrapassam qualquer tipo de determinismo e nos coloca diante de comportamentos simbólicos e míticos universais.
Por ser preparada com vegetais o daime e todo o complexo ritual relaciona-se necessariamente com os elementos terra, água, ar, fogo e céu. As mirações produzidas pelos alucinógenos sempre contendo intensa movimentação multicoloria de luzes resplandecentes, confundem-se com a luminosidade do Sol, da lua e das estrelas (2). Por isso pelo fenômeno da contiguidade repete-se o da mitificação e simbolização para se constituir finalmente, em hierofania, ou seja, complexo de crenças através das quais objetos, seres e fenômenos da natureza passam a possuir poderes não naturais, de uma ordem sobrenatural, sobre a qual não temos domínio. Essas Hierofanias, conforme definição de ELIADE (45) e OTTO (103) indicam a irrupção do sagrado.(43) Podemos, assim, considerar o culto do Santo Daime como conjunto de manifestações de hierofanias macro e microscósmicas, uranianas, biológicas e tópicas. Tais hierofanias cobrem todos os aspectos religiosos da irmandade, mas é, sobretudo, com referência aos vegetais (coleta, limpeza, feitio, pessoas envolvidas, etc. ) que essas hierofanias aparecem, subsistem e se reforçam reinterpretadas.
Os encarregados da coleta e todo o processo de produção da bebida precisam estar preparados espiritualmente. Os mais experientes e dedicados são encarregados da tarefa que se realiza durante a lua nova, quarto crescente ou lua cheia. A descrição do feitio (XXI) documenta as hierofanias.
No Jagube “os poderes de cima” e os “poderes de baixo” se interpenetram e vislumbram o arquétipo da terra-mãe (4, 37); lembra-nos, a propósito, ELIADE (49) que a lua é um astro que cresce, decresce e desaparece, astro cuja vida está submetida à lei universal do devir, do nascimento e da morte. Como o homem, a lua tem uma “história” patética, porque a sua decrepitude, como a daquele, termina na morte. Durante três noites o céu estrelado fica sem lua. Mas esta “morte” é seguida de um renascimento: a lua nova. Por ser um astro ligado aos ritmos da vida, a lua está associada às águas e aos vegetais. A identificação da lua com Nossa Senhora da Conceição, mais que simples empréstimo ou reinterpretação, revela a permanente ligação da vida com suas fontes naturais e espirituais. O jagube, sendo “filho da terra” (4) acompanha o ritmo da vida, regido pela força lunar. Outros signos relacionam o jagube ao jardim e às flores, que por extensão também se aplica aos outros seres divinos. Tudo isto faz descortinar o conjunto lua – água - vegetação, confirmando “o caráter sagrado de certas beberagens de origem divina” | ELIADE (47:204) | (44)  
Podemos também indicar traços de uma hierofania tópica(45), tal fato se relaciona com os vegetais e com a própria bebida. Assim, os lugares onde os vegetais são encontrados e onde se realiza o feitio são referentes de manifestações sagradas.
Numa perspectiva macrocósmica o daime é visto como “fermento que leveda a massa”, que contagia o profano e o transforma em sagrado, puro. Quem ingere o daime sem observar os interditos pode provocar uma entropia do sagrado. Por estar fraco a pessoa estará sujeito a graves conseqüências. Mas, à medida em que o sangue vai se adaptando aos alucinógenos, novas “páginas mentais” vão sendo aprendidas pelo aluno (XXII). Outro informante associa o Jagube ao mito do paraíso edênico (XXIII). Quando o Daime “pega” ele balança tudo quanto há, a pessoa viaja por diferentes planos do astral, penetra os jardins do Palácio de Juramidan (10, 11, 17, 38).
Dificilmente  o daime é ingerido por uma só pessoa. Sua ingestão é sempre ritualizada, geralmente em reuniões familiares ou durante as “sessões”. Por isso, sempre que possível, ao se transferirem para lugares onde não existe o culto, seus devotos se reúnem e sob a presidência do mais experiente realizam o ritual. O fato pode ocorrer em ocasiões especiais.

O Caminho para o Astral
O sonho, ou atividade onírica durante o sono paradoxal, e a experiência alucinatória são considerados como manifestações extraordinárias através das quais se pode penetrar e conhecer a verdadeira “realidade”, a da “vida espiritual, onde cada um dos participantes encontra-se com seu verdadeiro EU, descobrindo sua personalidade. Com isto ele conseguirá antecipar seu futuro e rever seu passado. Esta realidade, porém, interpenetra a realidade da “vida material”. Ainda que ambas sejam importantes, a segunda é transitória e função da primeira. Uma “vida espiritual” plena. Portanto, penetrar o astral torna-se fundamental, por isso quanto mais autodisciplina e submissão aos trabalhos na espiritualidade mais se desvenda e se corrige o espírito. Assim podemos considerar o processo ritualístico como caminho indispensável para a penetração, conhecimento, através de trabalhos sempre mais profundos, dos diversos e complexos planos evolutivos do astral. Aliás, afirmou JR que uma das funções do daime e das sessões, é substituir “os difíceis e complicados exercícios de concentração pelos  quais os praticantes letrados de teosofia e outras correntes espiritualistas conseguem nos manuais”. Podemos, pois, descrever os elementos e partes do ritual como caminho a percorrer para atingir os planos desejados. Trataremos inicialmente dos diferentes tipos de sessão, da seqüência-padrão das sessões e da dança.

As Sessões
O Culto do Santo Daime pode ser descrito como extenso ritual, através do qual, simbolicamente, os grupos organizam a vida mágico-religiosa e disciplinam estados mentais paradoxais. Tais estados se caracterizam pela permanente vivência de duas formas simultâneas de percepção da realidade, aparentemente contraditórias: o tempo e espaço da vigília coexistem com aqueles percebidos durante o sono paradoxal(46) e as experiências alucinatórias vividas nos momentos de transe extático. O culto é também mítico. Neste sentido ele estabelece “um conjunto semiológico autônomo, valendo-se essencialmente de gestos e linguagem”, conforme conceituação de LUC DE HEUSCH (32).

Sessões Exotéricas e Esotéricas
Em algumas sessões participa apenas um pequeno grupo de oficiais, os mais adiantados, nós a designamos neste trabalho de “esotéricas”. As outras sessões podem ser freqüentadas por qualquer pessoa, são por isso aqui consideradas exotéricas.  
As pessoas que necessitam de “trabalhos” espirituais especiais também participam das sessões esotéricas e há algumas constituídas apenas de dirigentes e oficiais da “doutrina”.
Os “festejos bailados, festejos e missas são sessões exotéricas mas os trabalhos de mesa, concentrações e feitios (XXI) classificam-se entre as esotéricas.
Não se pode precisar as funções que as diferentes sessões desempenham. Cada acontecimento, num contexto de envolvimento do corpo, arte e mente, jamais será suficientemente explicado ainda que se utilize das distinções entre funções “latentes” e funções manifestas”.
As sessões, com pequenas variações, apresentam uma estrutura-padrão, exceto as sessões de feitio. Embora as fases do feitio sejam constantes não há sempre o mesmo ritual. Em todas as sessões, todavia, teremos a presença do “Santo Daime”, das preces (terços/rosários), da poesia ritualista cantada (hinário) e dos momentos de “trabalho” quando ocorrem as experiências alucinatórias (sonhos e mirações).
Por ocasião dos festejos tornam-se indispensáveis os instrumentos musicais (de percussão e de sopro) e os maracás (latas cilíndricas com cabos de madeira, contendo pedras ou sementes).
Durante os festejos bailados, realizados no salão de reuniões, atinge-se o instante mais forte do ritual, instante bem dionisíaco, de efervescência social e fusão das consciências, quando se torna difícil separar o social do individual, são verdadeiros estados mentais coletivos paradoxais, com ininterrupta interpretação da realidade e da fantasia. São as cerimônias previstas no calendário litúrgico. As demais sessões têm lugar nas residências, nos limites das colônias da irmandade, nas colônias de irmãos localizadas em pontos distantes das sedes ou na cidade de Rio Branco.

Seqüência padrão das sessões
A descrição das fases de cada sessão obedece à seqüência observada por ocasião da pesquisa participante. Deixando de lado as diferenças entre os diversos tipos de sessão observados, por serem circunstanciais, pode-se afirmar que as partes abaixo apresentadas formam a estrutura do ritual.
ABERTURA: Após rezarem o terço, fardados ou não, todos os participantes comungam, adultos e crianças, postando-se em filas organizadas segundo o sexo. Ao receberem a bebida, antes de ingeri-la, pronunciam a expressão “Deus me Guie”. A seguir tomam o Santo Daime. A pessoa que está dirigindo a sessão sempre é a primeira a comungar;
PREPARAÇÃO: nos minutos que sucedem à comunhão ou seja, os efeitos psicofísicos, permanecem compenetrados. Murmuram algum tipo de prece ou sussurram entre si, comentam discretamente sobre variados assuntos. Os  que vão bailar (se é festejo bailado) já buscam os quadriláteros demarcados no chão do templo, e se apresentam fardados: os homens trajam calça azul e camisa branca e as mulheres vestem blusa branca e saia azul. Todos levam à altura do peito, lado direito, um signo de Salomão. Os demais participantes acomodam-se, buscando cada um a posição que melhor lhe convenha, ocupando cadeiras, poltronas e bancos de madeira, junto às paredes laterais. O comandante chama os soldados e oficiais à formação. Eles trabalharão bailando enquanto os outros permanecerão concentrados em seus lugares “trabalhando” para si mesmos e/ou dando reforço(47) aos demais.
TRABALHO: É o ápice de cada sessão. Se é sessão apenas de concentração o silêncio é total; todos visam penetrar o astral, onde se sentirão “totalmente outro sem deixar de ser ele mesmo”. Desejam a limpeza e saúde do corpo, da mente, do espírito. Esperam encontrar os seres divinos em seus respectivos planos. Entre esses seres divinos, aqueles que representam o “Anjo da Guarda” de cada um, parentes vivos ou desencarnados. Viajam pelos distintos planos do astral. Mas a visão suprema, o encontro sempre pretendido por todos, é a do Imperador Juramidan, que já viveu inúmeras encarnações: nas figuras de Imperadores, Profetas, Buda, apóstolos, deuses incas; veio por último no Jesus Cristo negro, o próprio Mestre Irineu. Sendo festejos, com hinário e dança, estas experiências são mais fortemente inspiradas pelo ritmo e têm o reforço das chamadas presentes nos milhares de hinos já incorporados à doutrina;
ENCERRAMENTO: Ocorre depois de duas a seis horas de reunião, o que depende do “decreto” do serviço daquele dia. As entidades são despedidas e o trabalho começa a ser fechado. Rezam o terço e se colocam “fora de forma” por ordem do mesmo comandante(48)
Limitamo-nos acima a registrar apenas os gestos, palavras e atos referentes ao ritual do ponto de vista religioso, aqueles acontecimentos centrais que contextuam as experiências alucinatórias. Tudo o que acontece antes e depois das sessões constituem excelente material etnográfico. Por exemplo, os momentos que sucedem os fenômenos estritamente religiosos, ou os intervalos, quando alguns tomam a caiçuma, outra bebida de origem indígena composta de macaxeira fermentada, açúcar, cravo, gengibre e canela. A caiçuma tem sabor agradável e serve para alimentar e diminuir o gosto travoso deixado pelo Santo Daime. Outros vão até a “taberna” situada a poucos metros do salão de reuniões, tomam café, comem biscoito e conversam sobre assuntos do dia-a-dia e mais discretamente sobre suas últimas mirações.

A Dança
Apesar da aparente rigidez em sua coreografia, a dança (ou bailado) não esconde seu aspecto dionisíaco. É o que ocorre nos chamados festejos oficiais. Nestas ocasiões comemoram entre outros motivos, o nascimento, em dezembro, e a morte, em julho, do Mestre Irineu. A Irmandade durante estes festejos usa farda especial. As mulheres com blusa e saia brancas, com saiote e fitas pendentes da manga da blusa. Os homens vestem-se de branco com uma lista verde ao longo das pernas da calça e um signo de Salomão no paletó.
Apresentam-se formando dois eles, um composto de homens, outro de mulheres, obedecendo os dois quadriláteros concêntricos. Os figurantes vão dançando e cantando uma poesia ritualizada (hinário), em ritmos ora de valsa, ora marcha ou mazurca, numa monótona compulsão, por repetições de frases inteiras. Uma cumulativa força, na harmonia total, movendo-se como se fossem um só. Há no teto do salão onde dançam uma enorme estrela de Salomão, no interior dela uma lua nova e bem no centro repousa uma águia.
Cantam em uníssono, enquanto se movem suave mas com grave passo de ave, inclinando-se levemente para a direita e para a esquerda. Os maracás vão repetindo o bater das pulsações, ou imitando o passo marcial, horas e horas, com interrupções rápidas de duas em duas horas. Eles nos fazem lembrar as cerimônias descritas por vários etnólogos  BENEDICT (17:103:112); LOWIE (78:23-48)|.
ANDRADE (5:306-308), um ano após nossas primeiras pesquisas de campo, descreveu essa dança. Quem dança deve ter, na mão direita, um maracá, que bate a cada tempo; na marcha, os maracás são batidos lateralmente (para o mesmo lado) três vezes, e para cima uma vez. Diz-se que o maracá dá três batidas e uma chamada. Esta corresponde ao primeiro tempo, que é o mais forte. Na valsa, há uma chamada e duas batidas, mas os participantes chamam a valsa de compasso “dois por um”, indicando que ela começa em anacruse, como a marcha. Na mazurca, também de ritmo ternário, cada conjunto de três compassos forma a unidade dos passos coreográficos, e por isto diz-se que a mazurca tem nove tempos, três vezes três. De dentro de seus retângulos, as pessoas estão viradas uma para a outra, duas a duas; assim dão três passos, um com cada pé, sem saírem de seus lugares; no segundo compasso, uma está ao lado da outra, dão mais três passos e no terceiro compasso, cada uma está de costas para seu par e de frente para o par de seu vizinho. Cada qual deu um giro de 180°, isto é, dançou o primeiro compasso virado para o vizinho à esquerda, o segundo ao lado dele e o terceiro voltado para o vizinho da direita; o quarto compasso é a repetição do primeiro, em frente à mesma pessoa, para recomeçar o ciclo; o quinto compasso corresponde ao segundo e, no sexto, cada qual volta à posição em que começou a dança. Na mazurca não há chamadas, só batidas, porque ela não começa em anacruse. Dessa forma, os dançantes jamais dão as costas para a mesa central. Não há outros gestos além da troca de pés e das batidas e chamadas de maracás, o que indica certamente uma aculturação indígina nos passos da dança, embora seus nomes sejam transplantados de danças européias como a valsa e a mazurca, e de marcha, onde simplesmente o binário se torna “quaternário”, porque há quatro batidas de maracá, correspondendo a dois compassos.
A dança ritualizada e os demais atos estimulam a criatividade dos grupos, restituindo e tornando homogêneas as durações individuais, contribuindo para a unificação de diferentes ordenações corpóreo-temporais. Como essas ordenações caracterizavam até então tradições culturais diferentes, elas tendem a resistir; sob o impacto dos fenômenos totais modificam-se e se unificam, confirmando aliás a conexão entre religião e sociedade. RADCLIFFE-BROWN (110), por isso justificou a necessidade de estudos antropológicos das relações entre a música (e a dança) e os ritos religiosos, citando uma frase do Livro dos Ritos de Confúcio:
“Ritos, música, castigos e leis têm um único e mesmo fim: unir os corações e estabelecer a ordem” (110:181)

8. O RITUAL DE TRANSCENDÊNCIA E DESPOLUIÇÃO
Penetrar o astral e conhecer os planos de vida espiritual exige passar progressivamente pelas lições vividas durante as mirações num permanente processo de limpeza: cada gesto, palavra ou pensamento pode ajudar ou dificultar a evolução. À exceção da dança, realizada durante os festejos bailados, os demais atos mágico-religiosos realizam-se também nos momentos da vida diária, individual ou coletivamente, entre os residentes nas colônias (comunidades) ou incluindo os que moram na cidade. Foi praticamente impossível durante a pesquisa de campo separar os momentos religiosos dos demais considerados tradicionalmente profanos. Mesmo em suas atividades familiares, profissionais, os referenciais éticos, implícitos ou explícitos nas “Santas Doutrinas” conseguem exercer poderosa influência. Contudo, alguns dos ritos mais objetivamente ligados à busca de transcendência e purificação, presentes em momentos importantes das sessões, se destacam constituindo-se na espinha dorsal dos Sistemas de Juramidan. Eles constituem o assunto desse capítulo.
Os efeitos causados, direta e/ou indiretamente, pelo consumo da Banisteriopsis Caapi Spruce e Psychotria Spruce e outros aditivos já foram descritos por diversos pesquisadores | PRANCE & PRANCE (107), LINDGREN & RIVIER (77), NUNES PEREIRA (99) e COELHO (29) | não havendo divergências significativas ente os mesmos. Tentando descrever o fenômeno no contexto do ritual, classificamos e descreveremos tais efeitos segundo três momentos básicos, que, com ligeiras modificações repetem-se ciclicamente, englobando aspectos biopsíquicos e mágico-religiosas.
  O primeiro momento é o da ESTASE e se identifica pela parada ou paralisia do sangue e de certos humores do corpo. A desorganização biológica e psíquica do ritmo passa a se constituir, para os participantes do culto, em “modificações do ritmo da própria existência que pode chegar a verdadeira dissociação rítmica, diferente da dissociação da síndrome esquizofrênica” (7:122). Os grupos, pelo contrário, assimilam a dissociação rítmica e a incorporam aos momentos criativos quando corpo, arte e mente se interpenetram. É possível descobrir vários aspectos ligados à interpretação da primeira fase do ciclo onírico. Elas se situam nos mais diversos campos da percepção. Há interpretações exclusivamente mágico-religiosas, portanto míticas. Outras fazem menção a relações psicofarmacológicas da bebida e imediata ação de purgação ou limpeza dos órgãos, comprovando assim a ação vermífuga da harmina. Os informantes costumam associar essas interpretações.  Veremos oportunamente que as principais interpretações podem ser circunscritas a um locus significante central e principal que se expande de uma dimensão microcósmica, dos sistemas biológicos internos do indivíduo, para dimensões espirituais coletivas, entre os membros dos grupos, e macrocósmicos quando incluem fenômenos universais. Assim a limpeza do organismo, que começa minutos após a ingestão, metafórica e de fato pode provocar a limpeza do ambiente onde as pessoas se encontram, da próprias pessoas e da natureza. Tudo, porém deve começar pela “peia”, ou seja o “amansamento do sangue”. A estase, por extensão a reorganização rítmica, ou disritmica, vale dizer o “ruído”(49) interno provocado pelos alucinógenos é o primeiro passo para a ordem. É o “tempo” a “duração” do Santo Daime.
A segunda fase, denominada por nós de ÊXTASE 1, começa a se manifestar pelo “balanço”, isto é, a pessoa se sente totalmente agitada, sob poderosa “força” como que “uma ferroada de marimbondo”, podendo a seguir perder os sentidos, dormir, ou, se puder e preferir, de acordo com o tempo de prática, entrar num estado de “transe”. Nestas circunstâncias “ela se sente num outro plano mas consciente e presente no tempo e espaço onde se realiza a sessão”. Ela pode ver e conversar mentalmente com os seres divinos num determinado plano do “astral”, conservando-se lúcida, respondendo a perguntas dos circundantes. Ela está em duas realidades simultaneamente, podendo “se firmar em uma ou noutra”. Pertencem a esse estágio as provas a que os candidatos a Mestre do Daime se submetem. No início dessa fase geralmente ocorrem distorções visuais, acústicas e da concepção do tempo. O êxtase 1 marca também o segundo momento da “disciplina” e início dos trabalhos espirituais propriamente dito surgindo não raro representações da morte. A pessoa “se sente diante da morte”, está morrendo. Tornam importantes, nestes momentos, o “reforço” ou seja conforto que aprece na forma de hinos, palavras de ânimo dos demais, preces recitadas ou a própria atividade mecânica de canto e dança. O reforço no caso pode ser considerado como “a contrapartida sensorial das atividades de substituição ”conforme formulação do etólogo MICHAEL CHANCE aqui simplificada como “certos atos que lhe permitem estabelecer um controle sobre seu estado nervoso interno” (26:90).
A terceira e última fase, às vezes se confundindo com o “somo paradoxal” ou atividade onírica é a do ÊXTASE 2 e se caracteriza pelas visões agradáveis, viagens a lugares desconhecidos (ou conhecidos), salões dourados, seres resplandescentes, jardins, flores, príncipes, reis, profetas e outras teofanias. O sono paradoxal corresponderia à segunda fase do sono normal não se confundindo, porém, com ele(50)
A experiência alucinatória, caracterizada pelos estados mentais extáticos sem perda da lucidez, de um ponto de vista neurobiológico não se confunde com o estado mental do sono paradoxal. Contudo ambos relacionam-se complexamente com a sensação, a imaginação, o pensamento e os sentimentos. Os estímulos químicos afetam igualmente o sistema nervoso durante o sono e a vigília. Por isto as “mirações” extáticas e os sonhos devem ser incluídos, no presente caso, como experiências sensoriais pertencentes igualmente ao ciclo onírico.
Durante a efervescência ou recolhimento ritualizado, as sensações de dor ou de prazer, alegria ou tristeza, passam a ser moldadas pela imaginação. O pensamento mágico-religioso se encarrega de sistematizar este conjunto de reações emocionais estabelecendo ou renovando sentimentos e atividades mentais coletivas.
No estágio do êxtase 2 evidencia-se ainda mais a atuação da imaginação sobre a sensação, moldando formas variadas de percepção do corpo e do mundo exterior. O pensamento simbólico, mítico, porém, encarrega-se da sistematização e organização desse tipo de percepção. Nesta fase manifestam-se os vôos xamanísticos, entrevista com entidades no astral, seres divinos, recepção de novos hinos e profundas revelações sobre o passado e o futuro de cada devoto.
Embora distintas, as três fases do ciclo onírico se interpenetram sendo impossível traçar com precisão suas fronteiras, especialmente quando as rodadas do Santo Daime se sucedem e os ciclos oníricos se confundem. As fases, no contexto dos estados mentais acima esboçados, e o sono paradoxal manifestados em situação aparentemente desvinculadas das sessões, recebem diferentes interpretações que passaremos a expor.

Os sonhos  e as experiências alucinatórias
O projeto de ordem que estamos investigando tem como referencial simbólico e normativo principal as experiências oníricas/alucinatórias, fenomenologicamente denominadas de “ciclo onírico”. Após o rito de iniciação (passagem pelo ciclo onírico) a pessoa poderá progressivamente descobrir “quem ela já foi em outras encarnações e desenvolverá a mediunidade ajudada pelo ser divino (o Santo Daime), dominando técnicas de concentração, de transes extáticos, “trabalhando” nos diferentes planos do astral.
A absorção de substâncias tóxicas que produz fisiologicamente estados de êxtase tem força de rito para aqueles que atribuem tais estados não a causas verdadeiras mas às influências especiais (82:140). No culto do Santo Daime as influências ancoram-se numa tradição firmada nas “Santas Doutrinas”, compartilhadas pela irmandade, legitimada nos hinários. Por isso a importância do complexo prece, canto, dança, jejum e outros gestos, palavras e atos codificadores do ritual. É através da associação dos diversos ritos que os estados de êxtase ou oníricos se transformam em campo e formas de manifestação sagrada ou profana. Três experiências indicam graus de compreensão e aceitação das “Santas Doutrinas” e não são mutuamente excludentes. 
Apesar da MIRAÇÃO se constituir no tipo de experiência almejado por todos não está afastada a possibilidade de se trabalhar com o SONHO/REVELAÇÃO tomando cuidado permanente de não se deixar enganar pelo SONHO/ILUSÃO.
O sonho/ilusão é a seqüência de fenômenos psíquicos (imagens, representações, atos e idéias). Tal seqüência ocorre involuntariamente. Do ponto de vista neurobiológico, o sonho/ilusão corresponderia ao período de sono paradoxal(51), ele reflete a vontade da matéria, da carne, é fantasia criada pela pessoa. LM por exemplo afirma que a fantasia “é uma coisa que não pode ser, mas que domina o sujeito”. Devemos estar alerta, pois existe “o ponto negativo” mesmo na própria pessoa e adverte: “se a gente não tiver cuidado, rapaz, cai na armadilha”. Nestas ocasiões a pessoa pensa que o negócio está certo mas é sem fundamento. Dentro dos “trabalhos” a fantasia ou nasce dentro da pessoa ou poderá estar sob corrente negativa. Diz o informante que “lá dentro da sede já o fizeram de mestre” e dá exemplo de uma ocasião em que “trabalhando”, forças negativas vieram a ele insinuando que ele era “poderoso a ponto de ir lá e pegar uma estrela daquela e balançar”.
Um critério para testar se um sonho ou “miração” é autêntico consiste na prova do íncubo. O sonho deve permanecer secreto por algum tempo até que venham novas mensagens em sinal de confirmação. A corroboração ocorre pela reiteração de signos coerentes e convergentes com as “Santas Doutrinas”. Se o sonho não se estrutura e não se fundamenta nas recomendações doutrinárias não haverá a indispensável receptividade dos demais. Por isso o sonho precisa ficar provisoriamente incubado. Revelado deverá encontrar sinais do mesmo no sonho ou “miração” do outro. A coerência terá por parâmetro a harmonia com o discurso onírico individual e coletivo. O sonho ou miração contaminada pela ilusão versa geralmente sobre acontecimentos ou pretensões consideradas profanas e que muitas vezes ameaçam a harmonia do grupo. A identificação do “duplo” ou do EU INFERIOR com personagens míticos, heróis, antigos profetas, reis ou como explicou LM ser portador de poderes extraordinários e violentamente rejeitada a princípio pelo grupo. O sonho está contaminado por forças negativas, do peso da matéria. É o desejo exercendo seu império com fluídos(52) enganadores.
O sonho/revelação são os mesmos fenômenos experimentados de forma predominantemente involuntária, depois que a pessoa já conheceu e trabalhou com o “ser divino”. Ele é considerado como aviso de futuras “mirações”. Encontra registro. Sua leitura, porém, torna-se precursora ou providente. Prepara a pessoa para as próximas experiências. A informante LC, em sua casa, dormindo, sonhou com uma entrevista com Mestre Irineu transfigurado num bonito moço loiro. No jardim ele era um príncipe. Ela entrava no jardim e lhe pedia flores. Confiou o sonho a amigos mais íntimos e ao próprio Mestre. Na miração seguinte, durante o trabalho ela viu o que havia sonhado(XXIV). Na verdade depois do rito de iniciação não ocorre mais o sonho, mesmo a fantasia dali para frente não será interpretada como simples imaginação. Será, contraditoriamente, advertência, aviso dado pelos seres divinos.
A miração ainda que sujeita à fantasia (quando a imaginação atende muito mais ao estado de impureza da matéria, ao peso da “vida material”) se manifesta nos dois últimos estágios do ciclo onírico. Espaço, tempo, objetos e seres, inclusive o “duplo” da própria pessoa que mira localizam-se nos distintos planos, do astral na realidade da “vida espiritual”.
A miração depende do reforço, do companheirismo, da solidariedade e assistência dos irmãos mais adiantados. Por isso LGS afirma que “fechando o olho é melhor, às vezes tanto faz fechar os olhos ou abri-los, tudo é a mesma coisa. A pessoa está vendo tudo, espiritual...o corpo fica quietinho”. Quando não há sintonia entre a conversa dos circundantes e o que a pessoa está vendo, esta fica por fora, havendo sintonia, “uma conversa toda por dentro daquilo que a gente está vendo, em lugar de atrapalhar, faz é alimentar”.
As visões extáticas(53) pelos aspectos fenomenológicos assemelham-se às clássicas experiências de possessão, contudo alguns adeptos negam que haja a incorporação de espíritos(54) Assim, as entrevistas, vôos (deslocamento no espaço e no tempo) e outros atos realizados nos diversos planos do astral; bem como, nos casos de autoscopia(55) quando o “duplo” se faz acompanhar numa viagem interior pelo próprio corpo(56) (XXV) temos a explicação de que se trata de um poder milagroso do “ser divino” e não substituição do espírito por outro.(57)
Embora nem todos os comungantes estejam no mesmo estágio do Mestre (Padrinho Sebastião ou outro) e oficiais adiantados, podemos falar de um transe xamânico(58) individual e de outro coletivo.

Visões de Iniciação
À medida que os praticantes do culto do Santo Daime assimilam as técnicas de concentração, automaticamente, pelo reconhecimento coletivo, galgam postos mais elevados na hierarquia. Começam como soldados podendo chegar a comandantes. O processo depende fundamentalmente da experiência extática inicial que poderá ocorrer na primeira ingestão do Santo Daime.
As mirações iniciais variam quanto ao grau de profundidade, clareza das imagens e enquadramento aos princípios doutrinários. Podemos classifica-las de visões de iniciação imediata e de iniciação progressiva. Ambas, porém, fazem parte do processo permanente de aperfeiçoamento. A iniciação estritamente falando só termina quando o discípulo passa a oficial da casa. Por se tratar de uma estrutura ritual que admite a existência desse grupo adiantado, cujos componentes comunicam-se entre si durante as sessões exotéricas, procurando estabelecer e sustentar uma corrente espiritual, sugerimos uma distinção entre transe xamânico individual e transe xamânico coletivo. No primeiro caso as visões e, especialmente a “chegada da força e do tempo” ocorrem independente da influência dos demais, mesmo em ausência deles. No segundo as manifestações concorrem para uma harmonização de todos, no estabelecimento de uma corrente. Essas últimas caracterizam sessões específicas como a concentração, trabalho de mesa, de cura, etc.
A visão xamânica inicial do Padrinho Sebastião ilustra fenômeno do transe extático individual de cura como preparação e sinal para as futuras funções espirituais, repetindo modelo clássico descrito por ELIADE (48:165)(59) Notáveis marcas correspondentes ao êxtase 2, associadas à estase, com projeção do duplo, fazem do depoimento do Padrinho Sebastião um exemplo clássico (XIX).

A Prece
A prece, entre os seguidores de Juramidan, é, simultaneamente gesto, palavra e ato que tanto pertencem à religião como à magia. Mesmo não possuindo eficácia física ela serve para regulamentar, disciplinar, tonificar as consciências, contribuindo para fazer e refazer periodicamente o ser moral da irmandade. Ela expressa a força social sem deixar de respeitar e estimular a criatividade individual.
Enquanto rito a prece faz desaparecer a fronteira entre o religioso e o mágico. Assim, na abertura de cada sessão o terço é prece religiosa; alterando o Padre Nosso, porém, passa a ter força mágica:
“... vamos nós ao vosso reino...”
A prece também consagra o recinto, é magia. Após a comunhão, no início do ciclo onírico, espera-se o vômito purgativo, ocasião em que corpo e mente alteram-se. A ingestão do Daime para quem observou interditos apresenta-se potencialmente carregada de energia, é mana. Comungando, em permanente atitude de prece, firmado na s “Santas Doutrinas”, com a irmandade, o Santo Daime terá mais eficácia, nesta situação, por causa e apesar da estase o devoto atingirá o êxtase.
Há prece mental e oral quando a palavra se transforma num verdadeiro gesto eficaz, ainda que não possa rigorosamente separá-las pois em realidade até a oração interior é ainda uma oração, e “para que haja linguagem não é necessário que a palavra seja materialmente pronunciada” (82:145). Durante a miração com mais razão pois basta imaginar ou expressar simultaneamente o desejo na forma de prece mental para que o desejo se concretize naquilo que se deseja ver. É sempre um ato mental. Assim, durante o ciclo onírico, as preces mentais superam os exercícios devocionais rogativos, passando a se constituir em autênticos atos criadores, mágicos, cuja eficácia, por exemplo, facilita o deslocamento do EU SUPERIOR ou duplo. Tais atos podem ordenar e d4esordenar a realidade da “vida espiritual” em homologia com a realidade da “vida material”. Com justa razão os pensamentos devem controlar o desejo, policiar a imaginação por dentro e por fora.
Durante as concentrações forma-se uma corrente de energia, quando cada um, e todos, dão o reforço. A mente deve estar em ordem, despoluída, em permanente estado de oração.
Por outro lado é preciso estar consciente o tempo todo, isto é, com juízo perfeito para não se embaraçar. Os doentes mentais precisam passar por tratamento rigoroso. A “luz”, com a prece de todos, num “pensamento positivo” estabelece as condições ideais para uma terapia coletiva narcoanalítica (cf. 51:1045)(60)
Assim, no extenso ritual mágico-religioso, a prece ultrapassa limites do tempo e espaço da vigília. É considerada vital durante o “trabalho” no astral, no tempo e espaço oníricos, quer nos estereótipos dos hinários, quer nos hinários contados e bailados. A prece, que normalmente pertence aos momentos apolíneos, racionais conquista espaço entre os fenômenos dionisíacos, relacionando-se dialeticamente com a consciência coletiva. Neste momentos de estados intensos, a consciência coletiva parece diminuir ou suspender sua pressão sobre as consciências individuais que nelas participam. Na profundidade mais íntima do EU de cada discípulo de Juramidan a consciência coletiva se encontra. A prece enquanto ato mental individual tem seu fundamento no fenômeno social. Como percebem MAUSS, cada um pode criar sua prece, sem que a prece deixe de ser instituição social. A partir do momento em que a prece, falada ou moldada no ritmo dos hinários, criada (“recebida”) pelo indivíduo, é incorporada no ritual, ela deixa de ser individual (82:122). A consciência coletiva está inteiramente em cada participante e cada participante está na consciência coletiva (63:134).
Dessa forma os cantos rezados dos “hinários” contam a história das mirações dos discípulos constituindo-se, entre outras coisas, façam a revisão e aprofundem seus trabalhos.

O Hinário
Se o Santo Daime, dança, sonhos, mirações e preces conduzem os participantes a um nível de realidade acima do dia-a-dia, e se, magicamente, eles aspiram livrar-se das impurezas físicas, morais e espirituais, não é menos verdade que a prece cantada abre outras dimensões da articulação entre sensação, imaginação, pensamento e sentimentos. A música(61) junta-se ao mito para soldar múltiplos fenômenos sociais totais. A propósito, veremos a seguir alguns aspectos relacionados com a concepção, origem, conteúdo, legitimação, simbologia, estrutura e funções dos milhares de hinos incorporados aos Sistemas de Juramidan.
O hinário é a coleção de poemas recebidos pela pessoa e num sentido mais profundo designa simultaneamente um só hinário, “o tronco da missão”, chamado de CRUZEIRO recebido pelo Mestre Irineu (1).
Quanto a forma de hinos podem ser descritivos, narrativos, orações de confissão ou chamadas de determinados seres divinos.
O “passar a limpo”(62), ou processo de legitimação dos hinos obedecem critérios de ordem doutrinária e estética. Visa verificar o grau de desenvolvimento do aluno e a necessária facilidade de memorização e execução do novo hino.
Ainda que moldados, os hinos trazem as marcas de seu autor que não ultrapassam limites impostos pelas “Santas Doutrinas” e expressos nos hinários dos irmãos mais desenvolvidos. Por isso os novos hinários devem, inicialmente, passar todo o CRUZEIRO(63), a seguir, caso seu autor o deseje, percorrer os hinários circunscritos por um “círculo de projeção”(64)
Há pois uma eurritmia padronizada e o “passar a limpo” tem inclusive a função de efetuar pequenas correções.
JP destaca que apesar do Padrinho Sebastião não saber ler “teve a felicidade de ver uma igreja na miração”. Na igreja dois anjos tocavam hinos com trombetas. Quando os anjos acabaram de tocar, retiraram as trombetas e passaram a cantar. O cântico “transferia-se para a mente do Padrinho, pessoa digna de receber que “aquela música (recebida por qualquer pessoa) nunca será esquecida. Explica que quando ela recebe, passa a “cantar pela primeira vez como há de ser cantado pelo resto da vida. Quem estiver perto vai escrevendo “ou grava e escreve logo que é prá botar no caderno e que faz parte do hinário”. LC depois de circunstanciar a miração do príncipe no jardim florido conta ter encontrado com as companheiras e sustentado com elas um diálogo, na forma de um hino, sobre as “flores divinas celestiais” fornecendo sua interpretação. Mais tarde descobre, conversando com Mestre Irineu que o hino daquela miração é um desdobramento do hino desse denominado “O Jardineiro” (XXIV).
Simbolicamente, para os informantes, cada hinário é ramos do tronco da missão, de onde aquele recebe v ida, que se prolonga, manifestando-se em forma de flores (os hinos) que vão nascendo.
O CRUZEIRO é composto de 132 hinos, além de 12 hinos de confissão, cantados quatro vezes no ano: nos dias dedicados a São João, Nossa Senhora da Conceição, Natal e Reis.
São múltiplas as funções dos hinários, algumas delas práticas e manifestas, outras inconscientes, percebidas pelo pesquisador ao tentar investigar a tese principal do trabalho. Não pretendemos, nem será possível esgotar todas as funções, contentamo-nos com um breve comentário em torno das que se relacionam diretamente com nosso argumento central.
Prece cantada com força de rito, o hinário funciona como breviário. Um guia místico que ajuda a conduzir as experiências extáticas ou, nos níveis do excesso de energia, colabora na solução de problemas diários. Quando MM toma o Santo Daime e se sente “pego”, estando numa miração, ele deve imediatamente escutar os hinos que estão sendo cantados. Ligado ao hino e à energia espiritual ele vai “ter toda aquela lição” como se fosse “um professor lendo uma apostila, todinha na nossa cabeça, nós estamos dentro dele, estamos ouvindo e vendo”. O hinário tem força “nele está a palavra de Cristo na terra, na mão dos homens, palavra de Deus”.
Os hinos contêm a história da doutrina, além de ensinar, dar conforto espiritual, identifica e chama os seres divinos, faz “igualar as mirações”. Impossível compreendê-los fora do universo simbólico e do extenso ritual. Espécie de psicografia de dramas vividos, em êxtase dialeticamente relacionados com a estase. Portanto, cada hinário documenta a trajetória espiritual de seu “dono” por uma seqüência de consultas e diálogos com os seres divinos, revelando momentos de tensão, apreensão, tristeza e alegria. É também sinal de confiança do Mestre e da Rainha da Floresta. LM viajou a Brasília para operar seu filho. De repente, em miração, recebe o hino “Pensamento Positivo” (16). Noutra ocasião em Manaus submetendo-se a uma operação recebeu um hino que lhe garantiu o amor e a confiança de Deus (18).
JR fala da homogeneidade dos hinários. Em todos “é como se estivéssemos vendo o Mestre Irineu falando para nós indicando também a parte que o irmão está recebendo. Ele fala pedindo, rogando à divindade, ou ao Mestre que rogue por ele”.
Entre os membros do CEFLURIS, além do uso paralelo da “Santa Maria”(65), a partir de 1978 aproximadamente, começa a se instituir o “presente” de hinos dos irmãos mais adiantados aos que ainda não possuem hinário. Atingindo determinado grau de desenvolvimento espiritual o “dono” de um hinário deve fechá-lo. Será então considerado professor(66) Em seus trabalhos espirituais ele poderá receber hinos orientados “como se estivesse ouvindo a voz de um irmão menos desenvolvido cantando”. Na verdade “trata-se do EU SUPERIOR daquele irmão. O professor receberá o hino em lugar do irmão e lhe oferecerá como um “presente”. Com o presente esse poderá iniciar seu próprio hinário.
Quanto à estrutura os versos dos hinos podem ser de cinco, sete, dez e até doze sílabas, havendo constância métrica entre os versos de cada estrofe; são comuns as rimas em ão, al, ade, entes, ir, um ala, er, ar e outras; há rimas perfeitas e imperfeitas, usadas com naturalidade.
As melodias são singelas, cada frase melódica correspondendo a um verso da estrofe. Como a melodia toda corresponde ao tamanho da estrofe, ela se repete até esgotar o conteúdo do hino; alem disso, no cantar, os versos são repetidos, como para facilitar a memorização; todos os devotos sabem os hinos de cor. (5:302). Lembra ainda a folclorista J. ANDRADE não ter encontrado nenhuma melodia semelhante às músicas da Igreja Católica Apostólica Romana, contudo nas letras dos hinos estão claros os elementos católicos, tais como a devoção a Nossa Senhora da Conceição como Virgem Mãe, a concepção de São João Batista como menino-pastor como aparece nas bandeiras da Festa de São João. (5:204). Traços de religião mediúnico de aculturação africana coexistem com elementos religiosos do “índio americano no ritual da bebida com miração e nas letras que se dirigem ao sol a lua, às estrelas” como seres de realidade divina, a quem pertencem também Juramidan, Equior. Dona Soloina e a Rainha da Floresta.
O CRUZEIRO e os demais hinários que dele se ramificam simbolizam simultaneamente a missão plantada por Juramidan e metaforicamente a missão de cada espírito, sua passagem por este planeta preparando-se para sua total transformação em seres divinos. Por isso quando se canta o hinário de um irmão, o “decreto” do serviço é fixado antecipadamente, determinando até que ponto do mesmo irão naquela sessão. Caso não concluam o hinário numa sessão, deverão continuar na próxima.
Vimos neste capítulo alguns dos ritos que compõem o extenso ritual de transcendência e despoluição. O ciclo onírico e os três tipos de experiências paradoxais contextuam uma vasta rede de comunicação envolvendo situações concretas. Neste sentido o sonhar não é apenas “uma experiência universal” (64:191) generalizada, mas possui referentes empíricos definidos. Os modelos socioculturais aqui estudados configuram uma visão do mundo ou princípio de realidade, através da interpretação imaginativa alternativa, aproveitando expressão cunhada por R. RIBEIRO (114:141) em seus estudos dos cultos afrobrasileiros do Recife. Lá como aqui no culto do Santo Daime as estruturas de plausibilidade orientam cognitivamente para universos simbólicos e míticos “partilhados por certos indivíduos mas não comuns a todos os membros da sociedade”. Em outras palavras, as experiências oníricas, ainda que diferentes dos acontecimentos do estado de vigília, articulam-se coma a conduta dos devotos, fornecendo-lhes padrões de institucionalização e socialização. Padrões que os Sistemas de Juramidan desenvolvem objetivamente no projeto de ordem.
Além deste sentir-se acima dos acontecimentos profanos do dia-a-dia, os devotos podem mais porque se sentem menos contaminados pelo provisório da “vida material”. Ao se constituir em “locus significante” a limpeza do corpo, da mente e do espírito pela contiguidade atinge também atividades da “vida material” consideradas impuras, mas necessárias para a evolução dos espíritos. Cada deslocamento significando a morte e a ressurreição, encurta o processo de purificação do espírito, e mais próximo este se apresenta de sua transformação em estados semelhantes aos astros.
O tempo também se despolui, numa inversão metafórica: a realidade da vigília, objetiva, imponderável, passa a ser fantasia, irrealidade. O tempo, espaço, objetos e seres vistos nos planos do astral tornam-se “cósmicos”.
O complexo mágico-religioso assenta suas bases num pensamento simbólico modelador das interpretações dos efeitos psicofísicos, portanto as sensações e percepções não são produtos exclusivos da imaginação. As emoções e sentimentos, individuais e coletivos em permanente fusão, são também responsáveis pelas peculiaridades desses estados mentais e atos psíquicos. Aquelas podem alterar o significado de antigos símbolos em função de experiências concretas. As Santas Doutrinas abrangem, pois, cerimônias que atualizam e inovam os clássicos sacramentos do cristianismo que fazem parte dessas “fantasias pragmáticas indispensáveis, sem as quais a civilização não pode existir”. FIRTH (53:238).

               Os Sacramentos

A reinterpretação dos sacramentos não visa somente justificar as fantasias pragmáticas do ciclo onírico através das quais expressam as necessidades e pressões concretas do cotidiano. Busca principalmente estabelecer condições para o fluir das emoções e sentimentos, quase sempre castrados pela religiosidade oficializada nas várias denominações(67) Mas por trás do rito está o mito, daí a presença do pensamento simbólico, repetindo sempre as hierofanias universais; estas são constantemente atualizadas nos sacramentos expressando o conjunto de crenças que o legitima.
Os sacramentos são reinterpretados ou subsistem sob outros nomes. No primeiro caso encontram-se a comunhão e a confissão presentes em todas as sessões; casamento e extrema-unção são optativos. Não há crisma; o batismo e a ordenação subsistem nos ritos de iniciação, aquele seguindo o ritual católico, usando, porém, o Daime em lugar da água.
9. As Santas Doutrinas
Os ritos de confissão podem ser classificados “lato sensu” e “stricto sensu”. A confissão “lato sensu” compreende gestos palavras e atos de contrição, de reconhecimento dos pecados. Constituem preparação para a ingestão da bebida. Durante o ciclo onírico os fiéis precisam confessar suas culpas mentalmente. No segundo estágio do ciclo ocorre “disciplina” ou “peia”, quando a pessoa sofre ao enfrentar visões terroríficas. Ela se identifica com as imagens e acredita estar tendo revelações sobre seu estado espiritual. Num sentido específico confissão tem ritual apropriado que se repete quatro vezes no ano.
Cada rito de confissão precede o da comunhão propriamente dita. A confissão prepara(68) o comungante que neste ato penetra no tempo e espaço sagrado.
Podemos descrever e analisar a comunhão sob ângulos distintos e complementares. Do ponto de vista religioso o ato de ingerir a bebida sagrada ou comungar marca o ingresso do futuro membro da irmandade. A partir da primeira experiência ele já inicia uma rede de relações ou trocas simbólicas que estimula solidariedade e companheirismo.(69)
A comunhão, sem negar o mágico-religioso e por conseqüência dele, marca o ingresso de seu praticante no contínuo processo de evolução.
Comungar significa repetir a “eucaristia”. MM explica que é o sangue de Cristo que estão ingerindo, “mas só vamos descobrir pelos ensinamentos de nosso mestre”. O poder do Daime, contudo, independe de quem o faz ou opera o ritual, o informante diz acreditar que “ali tá o verdadeiro, consagrado, é o sangue de Cristo puro”. Apesar de ser o sangue autêntico de Cristo ele se torna simbólico porque “ainda estamos na matéria”.    
Os ritos pressupõem um pensamento mítico, mas este não precede àqueles e vice-versa. A comunhão, ultrapassando sua abordagem ritual, na verdade preexiste potencialmente nos grupos e independe de determinados ritos ou mitos para que se concretize, esses porém vinculam-se estreitamente àquela, expressando-a aquela, embora observável e pressuposta necessita de referenciais empíricos formulados nas Santas Doutrinas. Os ritos constituem-se em formas e expressões das doutrinas. Ritos, mitos e crenças ajudam a instituir princípios de organização da comunhão. Paradoxalmente a comunhão garante a sobrevivência dos grupos e justifica os Sistemas de Juramidan. Vejamos, rapidamente, pontos centrais das crenças e suas relações com os outros elementos no conjunto dos Sistemas.

          A Linha do Daime

As doutrinas sintetizam um espiritismo mediúnico, refletindo porém influências esotéricas que não admitem a incorporação e sim a eficácia da concentração e busca gnóstica do EU, uma forma de ritual católico e a noção de revelação de orientação protestante. O breve comentário a seguir reflete uma interpretação que supomos aproximar-se bastante do modelo formulado pelos participantes do culto(70) 
Os informantes falam em uma “linha do Daime” expressa nas “Santas Doutrinas” cujo começo nos remete diretamente ao “mito do paraíso edênico”. Os mestres do Daime ou da Ayahuasca no Brasil, Bolívia e Peru, seriam simples continuadores de uma linha que, em seu trajeto até hoje, apresentou apóstolos, reis, imperadores, profetas, etc. Eles passaram pela terra uma ou dezenas de vezes na consecução do plano divino de purificação ou evolução de antigos “seres divinos” que perderam sua condição original de espiritualidade. Seres divinos que souberam trabalhar e conquistaram elevados graus de perfeição, voltam à terra  ou a planos inferiores para doutrinar os menos desenvolvidos. Muitos se transformaram em mestres com poderes extraordinários. Os que  já lograram cumprir as condições estão num estado tão elevado de desprendimento da matéria que chegam a se confundir com os astros. Há seres divinos ligados aos quatro elementos fundamentais da vida: sol (fogo) terra, vento (ar) e água (mar). A “vida espiritual” relacionada aos poderes de cima se opõe à “vida material” correspondente aos poderes de baixo. Ambas porém se interrelacionam e mutuamente se implicam. É preciso preparar bem a matéria para que o espírito possa realizar bom trabalho no “astral”, função que estabelece uma rica simbologia e por sua vez expressa a solidariedade entre palavras, gestos, atos de confissão e comunhão, bem como obras em favor da humanidade. Elas justificam clássica teodicéia do sofrimento | WEBER (128:316) |.
No Cruzeiro, há referências explícitas a seres(71) divinos relacionados com os quatro elementos fundamentais da vida.(72) No topo da hierarquia estão Jesus, Maria, José, João Batista, os Reis Magos (Tintuma, Agarrube e Titango) Equior, Barum, Marum, B.G.Santa Isabel, etc. Algumas entidades aparecem explicitamente ligadas à água, ao mar, às flores, aos pássaros. Os caboclinhos se apresentam trazendo “remédios bons”.
A linha do Daime é a “linha do astral” um estágio mais elevado do que as “de Umbanda, Aruanda, Candomblé e uma infinidade delas”. Se a elevação espiritual da pessoa está enquadrada dentro dessa linha “você toma o Daime, uma, duas vezes e vai automaticamente desenvolvendo com facilidade”. Não pertencendo à linha do Daime é preciso trabalhar por merecê-la. Depois de passar por vários “sistemas” e “linhas” SJ descobre em Porto Velho, numa sessão preparada por seu cunhado, que pertencia à linha do astral.
Todos procuram provar a origem divina da bebida. A “Folha Rainha” está ligada a Nossa Senhora e, também à primeira mulher no Paraíso. O cipó “jagube” simboliza o Adão edênico. Mas não se trata de símbolos arbitrários. Há uma relação lógica entre o começo, queda do homem, seu processo de redenção em Jesus Cristo e as sucessivas épocas do plano divino visando preparar a humanidade para o dia do “apuro” final. O Santo Daime ao longo dos milhares de anos vem sendo utilizado por pessoas especialmente chamadas por Deus, através, principalmente, da Virgem Mãe. Tais pessoas se encarregam de “reimplantar” as doutrinas (19). Uma cadeia de grandes servos de Deus passando às vezes desapercebidos, como humildes agricultores, carpinteiros, pedreiros, seringueiros, reis, príncipes, imperadores, também aparecem na hagiologia, Sebastião Mota (para os da Colônia 5 mil) é o novo João Batista anunciando uma espécie de “terceira volta de Cristo”. Irineu Serra foi Jesus Cristo enquanto esteve na terra, mas continua sendo visto e reconhecido na figura do General Juramidan no plano mais elevado do mundo astral. Para os devotos do Alto Santo, Francisco Fernandes, ex-seringueiro, vindo do nordeste, ex-agricultor agora residindo na sede continua a cadeia. Leôncio Gomes da Silva, o próprio Irineu Serra são herdeiros imediatos das “santas doutrinas” entregues a eles, pelo ensino de Crescêncio Pizango, na companhia de Antonio Costa. Pizango, considerado o guardião da casa, tansmitiu o que recebeu de antigos reis que trabalharam na região andina. Um deles é o Rei Uascar. A Virgem Mãe entregou a missão a Irineu Serra, mas voltou encarnada na pessoa de Peregrina Gomes da Silva. Ela é vista no astral como a “Rainha da Floresta”, por isso, durante os festejos, usam na farda um distintivo com as iniciais CRF, significando “Centro Rainha da Floresta”.(73)
O Santo Daime pode, dependendo do merecimento da pessoa ajudar a pessoa a “cumprir o seu carma”. Se o “carma da pessoa é muito pesado ele tem de passar por vinte encarnações”. Explica ainda SJ que se a pessoa “entrou nessa linha do Daime e ele compreendeu, ele vai eliminando aquele déficit, aquele peso” e acrescenta: “cada vez que ele toma o Daime ele vai largando uma cascazinha, esse carma vai largando”. Pode inclusive “alcançar uma encarnação só e se libertar de tudo isto” pois  o fim de tudo é o “perdão” e tem que “reconhecer Deus, nosso pai e a Virgem, nossa mãe”. Um informante do centro da Vila Ivonete, onde aceitam a incorporação e possessão faz parte das doutrinas, afirma que o Daime(74) é um veículo que “o chefe de uma banca qualquer prepara ele para trabalhar em qualquer tipo de ritual”. Explica que pode trabalhar num ritual “sadio, de uma corrente superior sadia, e pode trabalhar numa corrente inferior”. O Daime aceita tudo pois é “o maior livro do mundo”. É por isso, afirmam, que “nós chamamos “Daí-me”, porque tudo aquilo que nós buscarmos dentro dele, que nós pedirmos com amor, com fé, ele nos traz a explicação”.
A “linha do Daime” no Alto Santo e colônia 5 mil exige disciplinado trabalho de seleção das mirações. Elas podem revelar doutrinas sãs ou daninhas”. Visando sistematizar e codificar as lições  mais importantes o hinário tronco funciona como matriz para que a doutrina se ramifique, se multiplique, se espalhe pelo mundo. “Ficaria muito pesado para um irmão só receber todos os ensinos do Mestre Irineu” daí a necessidade de dividir a tarefa. Para distinguir o sonho/ilusão da miração basta descobrir os pontos de ligação entre o núcleo da miração expressa no novo hino e os ensinos de outros hinários, prefententemente do próprio Irineu Serra.(75)

          IV – O CULTO DO SANTO DAIME E O CONTEXTO MACROSSOCIAL



(                      43) Afirma ELIADE (45:156): “Le sacré, par conséquent, se manifeste également comme une force, comme une puissance. Pour indiquer l’acte de la manifestation du sacré, nous avons proposé le terme ‘hierophanie’ “.

(                      44) E continua o mesmo autor: “A embriaguez sagrada permite participar, ainda que de maneira fulgurante e imperfeita, na modalidade divina; quer dizer que ela realiza o paradoxo de ser verdadeiramente, e, ao mesmo tempo, de se tornar, de ser força e equilíbrio. O destino metafísico da Lua é de viver permanecendo, simultaneamente, imortal, é conhecer a morte como um repouso e uma regeneração, nunca como um fim” (47:204/205).
(                      45) No sentido de que determinados lugares ou cenários, por terem sido palcos de manifestações sagradas, passam a ser considerados como locais onde a santidade se faz presente, passam a ser objetos de interditos e peregrinação.
(                      46) Ver pp. 70 e 72.
(                      47) ... Dar reforço pode significar ajudar a sustentar a corrente espiritual.
(                      48) Dependendo do tipo de sessão e respectivo tempo de duração, poderão ocorrer de uma a seis rodadas (doses de bebida). Nos festejos bailados, e.g., de duas em duas horas servem nova rodada.
            Cada devoto, porém, participa conforme sua “necessidade”.

(                      49) A fase inicial de desorganização de confusão, de falta de descodificação de uma possível mensagem cifrada simbolicamente.
(                      50) Assim explica JOUVET: “De maneira muito esquemática, os mecanismos do sonho podem ser decompostos em 3 elementos principais. O primeiro é capital, pois explica os outros dois. Caracteriza-se pela existência de um estado de excitação intensa, ritmada, da maioria dos neurônios cerebrais, inclusive dos neurônios motores. Esse estado de excitação generalizada exige de um lado, a presença de um “pacemaker”, e de outro lado, requer um mecanismo de bloqueio das eferências motoras: sonhamos que estamos correndo, mas nosso corpo permanece inerte, por estar paralisado. Esta paralisia só pode ocorrer durante o sono, por ser este a condição preparatória quase obrigatória do sonho. Acompanha, portanto, o sonho, um estado de excitação central intensa. Ocorre com efeito uma verdadeira tempestade cerebral durante a qual registros feitos por meio de microelétrodos demonstram que as células nervosas apresentam uma excitação análoga ao mais intenso estado de vigília...Ainda não sabemos se o sono que sucede ao sonho não intervém igualmente para ‘restaurar’ até certo ponto as sinopses centrais que acabam de ser submetidas à avalancha de estimulações intrínsecas durante a atividade onírica. O sonho e o sono parecem, por conseguinte, estreitamente associados” (65:97).

(                      51) Lembra JOUVET que “os principais indícios do sono paradoxal são representados pela ativação da atividade elétrica cerebral, que se torna semelhante à da vigília no animal ou a do estágio I do adormecimento no homem” (69:98). DEMENT nos informa que a “fase paradoxal” do sono foi recentemente elucidada, “trata-se do sono ativado, de rápidos movimentos oculares (REM) a que se poderia também chamar de sono ‘onírico’ porque parece ser, de fato, o estado em que o sonho aparece” (35:52).

(                      52) Primeiros sintomas de miração, podendo também ser identificado como convites iniciais. Aquele que sabe trabalhar escolhe corretamente os melhores convites.
(                      53) Sinônimo de miração ou êxtase 2.
(                      54) Verifiquei posteriormente que a incorporação através de um “aparelho” quando o espírito da pessoa dá lugar a outro vem sendo enfatizado no CEFLURIS.
(                      55) A expressão significa ver a si mesmo interiormente.
(                      56) Geralmente esta viagem visa a cura preparatória do futuro oficial ou Mestre.
(                      57) Talvez coexistam o espiritismo mediúnico popular e o fenômeno esotérico via agnosticismo da “projeção do duplo”. Daí a presença dessa espécie de xamanismo siberiano (31:257).
(                      58) Usamos as expressões: “transe xamânico” ou “visões xamânicas” aquele estado descrito acima para as experiências realizadas pelos mestres e oficiais da casa mais adiantados, em seus ritos de iniciação e no progressivo exercício de “mestres do Santo Daime”, conselheiros, curadores e responsáveis pelas sessões de festejo, concentração ou trabalho de mesa.
(                      59) “... tortura e despedaçamento do corpo, moedura da carne até o corpo se reduzir ao esqueleto, substituição das vísceras e renovação do sangue, permanência em regiões inferiores onde o futuro xamã será instruído pelas almas de xamãs falecidos, ascensão ao céu para obter a consagração de Deus.
(                      60) Á página 1046 EY (51) sugere que “se debe aproximar al narcoaná lisis el aspecto psicoterápico de las curas de sueño... (acción sedativa y catártica de los medicamentos, relajamienteo de las resistencias, producción de material onírico). Desde este punto de vista, la cura de sueño constituye una variedad ampliada y particularmente poderosa de la farmacopsicoterapia”.
(                      61) Confirmando, aliás, o exaustivo ensaio de ALVIN sobre o papel terapêutico da música. Tratando dos principais efeitos psicológicos da música sobre o indivíduo, que podem dar origem à comunicação, à identificação, à associação, à fantasia, à expressão pessoal e ao conhecimento de si mesmo: “La música es parte de tantas funciones y sitios, que todo ser humano est à expuesto a ella de varias maneras; no solo la relaciona com estados de ânimo realis, sino también com las experiências passadas” (4:112).
(                      62) o processo de legitimação se transforma numa aula para o dono do hino recém recebido e aos discípulos presentes (XXXIV). A expressão também se aplica à verificação da graduação do Santo Daime, por ocasião do feitio.
(                      63) No sentido de “trabalhar” todo hinário do Mestre Irineu, dele extraindo lições na forma de hinos.
(                      64) O conjunto de ensinamentos presentes em todos os hinários.
(                      65) Apesar de não se constituir em assunto dessa monografia não poderemos omitir o uso da maconha ou “Cannabis Sativa” de distintas formas, para fins ritualísticos e terapêuticos.
(                      66) O filho do Padrinho Sebastião, mesmo não tendo fechado seu hinário, vem dando presentes a vários irmãos.

(                      67) Alguns informantes referem-se à frieza do ritual católico. MM fala da eucaristia,  diz que o Daime é o sangue de Cristo. Ele não precisa ir à Igreja Católica para comungar, pois lá, quando ele ia “era uma coisa banal, secundária... (mas o Daime) é o corpo de Cristo, o legítimo”.
(                      68) SJ adverte, porém, que durante os rituais específicos de confissão torna-se necessário alcançar dentro de si mesmo o merecimento para “limpar o coração” e assim reconhecer onde errou pois “o Daime mostra o erro ... não é ilusão, não é pantomina...”
(                      69) Atingimos assim outro ângulo da comunhão. LM, por exemplo, nos colocou na categoria daqueles que merecem confiança porque com eles “comungamos” em várias ocasiões e justifica dizendo:
         “... o Sr. comunga com a gente e a gente pode se abrir...porque com leigo ninguém pode conversar nunca, camarada que não participa não tem condições da gente conversar com ele...”.
(                      70) É difícil, dada a natureza deste trabalho e seus objetivos, detalhar as múltiplas origens dos traços culturais religiosos presentes no complexo conjunto doutrinário. Tarefa talvez impossível. Contentamo-nos em estabelecer e relacionar os pontos pertinentes à nossa tese central.



(                      71) Ás vezes uma mesma entidade aparece sob variados nomes, apontando funções diferentes.
(                      72) São os “elementais” das doutrinas esotéricas e teosóficas.




(                      73) Provavelmente a sigla tenha sido usada desde o início como marca doutrinária do grupo e, simultaneamente, ocultando este significado principal, indicar o nome oficial do centro em Brasiléia, ou seja o Círculo Regeneração e Fé”.
(                      74) Os devotos da Vila Ivonete admitem trabalhar sem o Santo Daime.
(                      75) Cf. depoimento e hino recebido por LC (XXIV), hino 17.

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