Alcidark Costa: Historiador pela UFAC e Acadêmico de Direito – UNINORTE
Fonte: http://pagina20.uol.com.br
Se a História clássica consagra a Revolução Acreana como a inauguração e surgimento de um novo povo, cabe, a partir de um novo olhar, uma reflexão a cerca de como o imaginário popular concebe a Revolução Acreana e como esta se constitui numa conformização identitária do povo acreano, cuja qual nos remete a uma reflexão da “história das mentalidades”. (Michele Perrot. Os Excluídos da História)
Conquanto, essas reflexões, sobretudo, a partir das leituras dos clássicos, proporcionam um inevitável confronto (contraponto) da linha historianovista ou nova história ao positivismo histórico que consagra a Revolução Acreana a partir de uma narrativa épica.
Parafraseando a professora Dr. Maria Jose “a memória é sagrada e a história é profana”, ou seja, a memória é a consagração dos fatos e a história uma analise crítica da memória. É a partir desse pré-suposto que, nas tendências historianovistas, a saber, a tese de doutorado da Professora Maria Jose, Invenções do Acre – de Território a Estado – um olhar social, bem como a dissertação de mestrado do professor Eduardo Carneiro, o Discurso fundador do Acre, percebe-se, tanto numa como na outra, uma desconstrução do mito da Revolução Acreana, ao passo em que a professora Maria Jose faz esse olhar histórico a partir da analise da Revolução Acreana como uma “tradição inventada”, e o professor Eduardo carneiro, em sua dissertação, faz uma analise do discurso dessa tradição como mito fundador do Acre.
Dessa forma, a “tradição inventada” do mito da revolução acreana se constitui no discurso constituinte, ou seja, ele inaugura o surgimento de uma comunidade civilizada em detrimento de uma não civilizada, mas que, muito embora não precise de um discurso que o justifique, também não é imutável no tempo e no espaço, mas se adéqüe, de acordo com o interlocutor do discurso dentro de uma realidade concreta, proporcionando uma discursividade, no caso, uma reinvenção das tradições.
Se o Estado é o interlocutor do discurso, então quem são os acreanos? Nesse sentido é importante contextualizar o Acre ou o território em litígio com os bolivianos num cenário nacional e internacional sob o aspecto político e econômico.
Conforme os tratados internacionais como a Bula papal Intercuetera (1493) e tratado de Tordesilhas (1494), as terras do “Aquiri” (Acre), em litígio na questão, pertenciam à Bolívia. Não obstante, estas foram ocupadas a partir de 1850 - 1870, por brasileiros, sobretudo, migrantes nordestinos impulsionados pela seca que insistia em não cessar e atraídos pela perspectiva de melhores condições de vida, proporcionada pela incipiente economia gumífera na região em virtude do advento da Revolução Industrial, que leva, por sua vez, o capitalismo a fase imperialista, estimulando o grande capital na busca por matéria prima, bem como zonas de influencia, o que desenvolve nos Estados Nacionais um caráter beligerante exaltando o militarismo através do patriotismo e heroísmo. No Brasil o discurso do ideal republicano fortalece cada vez mais o projeto de Estado nacional brasileiro. É a partir desses elementos que o interlocutor do discurso, o Estado, constitui uma imagética simbolista, ou seja, torna a “tradição inventada” da Revolução Acreana em símbolos que proporcionam no imaginário popular a idéia de um Acre emergido de uma luta gloriosa e que se dá a partir daí uma conformização identitária, isto é, o surgimento de uma comunidade civilizada, os acreanos, que são nordestinos e relega da historiografia os não civilizados, povos tradicionais que há milênios já ocupavam esta região.
Retornando a idéia do discurso constituinte como gênese do discurso, mas que na sua mutabilidade, conforme uma realidade material, é passível de transformações, ou seja, proporcionando a “reinvenção das tradições”. Afere-se, a partir da luta política pela elevação do Acre a Estado – Acre emancipado e Acre viável, uma reinvenção da tradição e, portanto, uma discursividade da Revolução Acreana como Mito fundador do Acre.
Se naquele primeiro momento, final do século XIX, o discurso fundador do Acre relegou a presença e a contribuição dos não civilizados (povos tradicionais), da formação histórica dessa região, no segundo momento, sobretudo, na concepção do Acre viável, esse discurso se reconstrói, ou a tradição da revolução se reinventa. Exalta-se o mito da Revolução Acreana agregado de novos valores. Quem são os acreanos agora? O nordestino, o seringalista? O indígena? Nem um, nem outro, mas sim todos, numa fusão das relações das forças produtivas que envolvem o poder do Estado e as classes subalternas, ou seja, a consciência do eu enquanto sujeito coletivo dentro de uma realidade concreta. Essa idéia, também, nos remete a uma reflexão a cerca da historia das mentalidades.
Se o conflito armado na região em litígio com os bolivianos, do ponto de vista político e social, não se configura como uma ruptura do status quo e, portanto, na constituição de uma nova ordem, pode-se dizer, no sentido mais amplo da revolução, que aquele conflito, profundamente, transformaria o imaginário daqueles que naquela lutaram e sobreviveram. Se antes do conflito eram emigrantes nordestinos, despatriados pelo governo federal, a Revolução os torna agora acreanos brasileiros, repatriados, sobretudo, pela simbologia republicana do patriotismo e heroísmo daqueles que “derramaram sangue para tornar esse pedaço de chão em território brasileiro”.
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