XXVI Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-graduação em Ciências
Sociais – ANPOCS
GT. Trabalhadores, Sindicatos e a Nova Questão Social
Mauro Rocha[1]
– PESACRE , Caxambu 2002.
Este artigo resume parte de uma
pesquisa maior realizada no município de Xapuri, situado no Acre, Brasil, e
apresentada ao Centro de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade – CPDA/UFRRJ, em 20 de dezembro de 2001, em formato de dissertação de
mestrado. O seu objetivo central é analisar as transformações pelas quais
passou a política sindical (tratada como interesse no texto) do STR de Xapuri
decorridos mais de vinte anos de sua criação.
A pesquisa foi realizada no município de Xapuri, localizado na região do
Alto Acre, em uma área de significativa relevância dentro da historiografia
acreana, uma vez que nessa região ocorreram intensos conflitos fundiários entre
brasileiros e bolivianos que resultaram na transformação dessas terras, antes
bolivianas, em solos da federação do Acre.
O STR de Xapuri origina-se em
meados dos anos 70, enquanto extensão e continuidade desse processo de
resistência e luta contra a dominação do poder político e econômico, na qual a empresa
extrativista[2], que organizava as
relações produtivas no interior dos seringais[3],
representava o passado mais recente.
O caminho metodológico da pesquisa de campo consistiu,
num primeiro momento, no levantamento dos arquivos do STR de Xapuri. Em
seguida, essas informações foram complementadas com a realização de
entrevistas, abordando diretamente as lideranças sindicais, membros
sindicalizados, políticos locais, prefeitos, vereadores, líderes religiosos
(padre, freira, bispo) representantes de organizações não-governamentais, como
o Centro dos Trabalhadores da Amazônia – CTA, Conselho Nacional dos
Seringueiros – CNS, Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Chico
Mendes – Amorex, Cooperativa Agroextrativista de Xapuri – Caex, Partido dos
Trabalhadores – PT, Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Acre –
Fetacre, Fundação Chico Mendes. Algumas fontes documentais dessas instituições
foram levantadas, principalmente em jornais, cartazes, relatórios.
O marco conceitual deste estudo insere-se no debate
relativo à criação de grupos sociais e de interesses e de como ambos são
construídos no mundo social. O tema do sindicalismo não representa a
nossa opção teórica, mas ele converge para a nossa pesquisa, na medida em que
elegemos uma organização dos trabalhadores rurais, mais precisamente um
sindicato rural, como objeto de análise, para entender, a partir de um estudo
de caso, como se constituem os grupos e os interesses[4].
Os interesses referem-se, neste trabalho, ao conjunto de demandas,
reivindicações, projetos e propostas inscritos na agenda sindical e definidos
como os temas prioritários para serem negociados junto ao aparelho estatal.
Bourdieu assinala que o mundo social
constitui-se de espaços sociais que são apreendidos pelos agentes,
conforme a lógica da diferenciação, isto é,
“...as representações dos agentes variam segundo sua
posição e os interesses que estão associados a ela e segundo seu habitus como
sistema de percepção e apreciação, como estruturas cognitivas e avaliatórias
que eles adquirem através da experiência durável de uma posição no mundo
social. O principal fator responsável pelas variações das percepções é a
posição no espaço social” (Bourdieu, 1989: 163).
Nessa perspectiva, falar de grupo social (de uma
organização sindical de trabalhadores rurais, por exemplo) e de espaço social
significa reconhecer que o poder varia correlativamente à posição social, assim
como seus interesses. O mesmo autor afirma que:
“falar de espaço social é dizer que não se pode juntar
uma pessoa qualquer com outra pessoa qualquer, descurando as diferenças
fundamentais, sobretudo econômicas e culturais” (Bourdieu, 1989: 138).
Por sua vez, Offe (1989) considera que para algumas
organizações, como os sindicatos de trabalhadores, que são mais destituídos de
poder político e econômico, se comparado às organizações patronais, existem
alguns princípios, sem os quais, elas não conseguiriam sobreviver por muito
tempo. O primeiro deles é que ser membro dos sindicatos tem valor em si mesmo;
o segundo assegura que sem “disposição de agir” dos membros sindicalizados, a
organização não consegue imprimir condições reais de mudança. É através dessas
condições mínimas que se torna possível explicar casos reais de mudança na
relação do poder:
“...aqueles em posição de poder inferior somente podem
aumentar o seu potencial de mudança por meio da superação dos custos
comparativamente mais altos da ação coletiva, através da mudança dos padrões de
acordo com os quais esses custos são subjetivamente avaliados dentro da sua
própria coletividade” (Offe, p. 70).
Neste sentido consideramos que os interesses assim
como os grupos não estão dados na realidade social, nem são, a
priori, definidos, mas são construídos e, por esse motivo, por estarem
sempre por fazer-se, por constituir-se, buscaremos entender como foram
elaborados os interesses coletivos de uma organização sindical de trabalhadores
rurais específica, enfatizando seus diferentes momentos históricos.
Este texto foi dividido em duas partes. Na primeira,
exploramos as mudanças dos interesses sindicais a partir de uma sintética
caracterização histórica sobre as condições que levaram à organização dos
seringueiros e a formação do sindicalismo rural. Na Segunda parte, analisaremos
como os seringueiros foram tendo necessidade de expressar seus interesses, por
intermédio de distintas formas de representação como o CNS, Caex, PT, Fundação
Chico Mendes, Amorex, CTA.
I – O deslocamento da luta pela terra no contexto da nova ordem econômica
Só em meados dos anos 70
que os seringueiros conseguiram constituir organizações capazes de representar
efetivamente seus interesses. A forma de organização da produção, bem como as
relações de dominação políticas edificadas na região, tornaram-se nos
principais obstáculos à organização e manifestação desse segmento social
subalterno antes deste período. Essa organização dos interesses coletivos e a
estruturação representativa desses interesses será acelerada na referida
década, com o início da "modernização" no campo acreano.
Na década de 70, com a intensificação da crise da
borracha, produto âncora da economia do Acre, iniciou-se o processo de expansão
da fronteira agropecuária, que foi acelerado com a divulgação de incentivos fiscais da União e
do Governo do Acre (1970-75). A falência dos patrões seringalistas refletida na
dívida contraída junto às agências financeiras, como o Banco da Amazônia –
Basa, colocou o valor das terras da região a preços irrisórios. Isso gerou uma
corrida acelerada, uma vez que o governo estadual investia na divulgação para os empresários do
sul do país que os interessados em aplicar capitais no Acre seriam agraciados
por uma política fiscal favorável, além de linhas de financiamentos a juros
facilitados.
Os conflitos no campo pela posse da terra
agravaram-se, nessa época, com a chegada dos “paulistas”[5],
no início daquela década, que seriam os novos proprietários dos seringais
acreanos, e que após adquirirem os títulos das terras começavam a providenciar
a expulsão dos seringueiros que nelas moravam. O STR de Xapuri ergue-se e
consolida-se, nesse momento de forte tensão no meio rural acreano, tendo como
principal bandeira/interesse política a luta pela garantia da terra.
Para isso, contou inicialmente com o respaldo da Contag e da Igreja Católica,
posteriormente teve apoio do governo estadual de Geraldo Mesquita (1975-79).
Em 1975, surgem os primeiros sindicatos de trabalhadores rurais[6]
no Acre. Entre os anos de 1975 a 1977, foram fundados sete sindicatos[7]
de trabalhadores rurais: os de Brasiléia e Sena Madureira, em 1975; em 1976, os
de Rio Branco, Tarauacá e Cruzeiro do Sul e, por fim, os de Xapuri e Feijó, em
1977. Os sindicatos rurais chegaram a reunir, em 1980, aproximadamente 15.000
mil filiados conforme noticia o Jornal O Varadouro. O STR de Rio Branco, por
exemplo, em 1979, representava nada menos que 3.553 sindicalizados; Xapuri
apresentava, em 1984, a cifra de 4.000 mil filiados (Paula, 1991: 170).
Tendo-se garantido a terra para muitos seringueiros,
com a criação das áreas extrativistas[8],
os focos de conflitos fundiários reduziram-se a pequenas áreas de seringais.
Com isso, os problemas deslocaram-se para questões de ordem mais econômico-produtivas,
bem como infra-estrutura social. No que diz respeito a essas questões
sócio-econômicas, verificamos que os seringueiros, que inicialmente cortavam
seringa para a produção de borracha e coletavam castanha, nos dias atuais,
praticam agricultura de subsistência, piscicultura, criação de pequenos
animais, criação de gado. Implantaram sistemas agroflorestais[9],
diversificaram a produção e começaram práticas de manejo florestal dos recursos
madeireiros nas áreas extrativistas. Constatou-se um crescimento das áreas
desmatadas, nas unidades extrativistas, acompanhadas pelo aumento da pecuária.
Importa mencionar, que os dois principais produtos (castanha e borracha) sofreram
uma redução média de 70% de suas produções, sendo que a borracha,
principalmente, vem tornando-se cada vez mais uma atividade secundária nas
unidades extrativistas como o PAE Chico Mendes. Inversamente, a pecuária bovina
apresentou-se como um setor bastante dinâmico na economia da região, ofertando
produtos como carne, leite e derivados para abastecer o mercado interno, sendo
o excedente voltado para exportação (Paula et all, 2000).
No PAE Chico Mendes, em 1988, existia 136 cabeças de
gado distribuídas em trinta colocações. Até 1996, esse número chegou a 698
cabeças espalhadas em cinqüenta colocações.
Nesse sentido as áreas de pastagens refletiram aumento significativo no
estado. Houve um incremento de 114% de 1985 para 1995/6. A produção agrícola apresentou
crescimento nas culturas de milho e mandioca (15%), arroz (12%), e banana (8%).
Enquanto que as culturas perenes mantiveram baixa representatividade (Paula, et
allii, 2000).
Houve, de fato, o deslocamento da luta pela terra para
a sustentabilidade na terra; entretanto, passou a vigorar o seguinte
questionamento: tendo sido a terra assegurada, como garantir agora a
permanência desses seringueiros na mesma, como garantir a sustentabilidade
dessas reservas? Nesse sentido, as principais demandas passaram a priorizar
linhas de financiamentos, créditos com juros compatíveis e a baixo custo,
abertura e recuperação de ramais, sistema de armazenamento para produção (como
galpões e armazéns), sistema de transporte para o escoamento da produção,
mercado para comercialização dos produtos, preço para os produtos, formas
alternativa de produção, construção de açudes, assistência técnica, condições
de saúde (postos de saúde, agentes de saúde, medicamentos, saneamento básico,
melhoramento das qualidades de água, do sistema sanitário), educação
(construção e recuperação de escolas, ampliação das séries, contratação e
qualificação de professores), serviços previdenciários, aposentadorias, auxílio
maternidade, documentos pessoais (carteiras de identidade, registros de
nascimento, casamentos, dentre outros documentos).
Os cursos de capacitação foram bastante demandados
pelos seringueiros, em função dessas transformações, nas quais se destacavam
novamente as preocupações econômicas. Os principais cursos realizados foram de
associativismo e cooperativismo, gestão administrativa e princípios de
contabilidade, manejo de sementes de espécies florestais, sistemas
agroflorestais, viveiros e produção de mudas, tratos culturais em plantios
perenes, olericultura, piscicultura, apicultura, criação de aves e suínos,
enxertia, melhoramento da farinha de mandioca, corte e costura, saúde
preventiva (tratamento de água e construção de fossas), alfabetização,
desenvolvimento comunitário, organização e funcionamento dos núcleos de bases
da associação.
II
– Quando novas organizações entram em cena
Essas
transformações dos interesses do STR de Xapuri ocorreram, entretanto,
concomitante à formação de um conjunto de organização de representação
econômica, política, e socio-cultural, que foram criadas direta e/ou
indiretamente a partir da matriz sindical para dar conta deles, sendo que o traço mais emblemático dos anos
90 diz respeito à perda da exclusividade do STR de Xapuri no processo de
representação política dos interesses dos seringueiros, em função do surgimento
destas entidades de intermediação na medida em que ocorreu um processo de
disputa e divisão de tarefas. Referimo-nos à criação da Cooperativa
Agroextativista de Xapuri – Caex, criada em 30 de junho de 1988 para dar conta
do processo de comercialização que sempre se constituiu num obstáculo para os
seringueiros, pois foi nele que o patrão ancorou sua dominação; da Associação
dos Moradores da Reserva Extrativista Chico Mendes – Amorex em 1993 em função
da necessidade de haver uma entidade para administrar e gerenciar a Reserva
Chico Mendes; a Fundação Chico Mendes surgida após o assassinato de Chico
Mendes em dezembro de 1988 objetivando dar continuidade à luta e memória do
líder maior do movimento sindical; do Centro dos Trabalhadores da Amazônia –
CTA em 1993 com vistas a atender a carência educacional dos seringueiros dado a
alto índice de analfabetismo; do Conselho Nacional dos Seringueiros – CNS em
1985 pois a luta pela terra era indissociável da luta política; e do Partido
dos Trabalhadores – PT em 1980 como espaço de mudança estrutural.
Isso reverteu a dinâmica do STR de
Xapuri, tornando secundário, ou menor, o seu papel, ou restringindo-o aos
assuntos previdenciários (também devido aos seus próprios limites jurídicos,
objetivos e alcances representativos), com o surgimento de uma série de
organizações que passaram a realizar as funções anteriormente desenvolvidas
pela organização sindical.
Embora a maioria dessas entidades tenha surgido na
década de 80, portanto, em épocas em que o sindicato ainda exercia o monopólio
da representação dos seringueiros, elas somente passaram a afetar, de fato, o
sindicalismo com as resoluções dos conflitos por terra, que deslocaram o eixo
de resistência desses trabalhadores para questões de ordem mais econômica e
social. O assassinato de Chico Mendes fragilizou a organização sindical, bem
como a aproximação exacerbada ao PT, com a eleição de candidatos da FPA. Na
verdade, o partido político (PT) passou a ser um dos canais privilegiados, por
excelência, pelas lideranças sindicais.
Em linhas gerais, o sindicato deixou de ser o mediador
principal dos seringueiros[10],
porque o conjunto de organizações criadas, aos poucos, foram desempenhando as
funções realizadas pela organização sindical, como ilustra bem o caso relativo
à administração da Reserva Chico Mendes, que passou a ser conduzida pelas
direções da Amorex, CNS e Caex[11]
(Esteves, 2001).
As grandes articulações nacionais e internacionais
ficaram, por exemplo, por conta do CNS, como as demandas para criação de mais
reservas extrativistas, preço para a borracha, projetos e propostas
alternativas de desenvolvimento "sustentáveis", linhas de
financiamento. Os programas educacionais ficaram sob a responsabilidade dos
dirigentes do CTA. O PT passou a exercer mais atração entre as lideranças
sindicais e, através de seus núcleos de base nas áreas rurais, promoveu a
organização política dos seringueiros e trabalhadores rurais, com ênfase na
participação político-partidária. A Fundação Chico Mendes passou a responder
pelas questões de ordem econômica como o escoamento e melhoria no sistema de
transporte, por exemplo.
No entanto, os limites entre essas entidades, por
serem de natureza distinta, nem sempre foram nítidos, quase sem exceção, como
pudemos comprovar com a recorrência dos temas, nas atas, nas entrevistas, na
prática. Houve uma concorrência pela representação dos seringueiros, sendo que
havia uma diferença central entre elas e o sindicato, qual seja, a de que os
cargos de diretoria das primeiras eram, quase que invariavelmente, comissionados
e/ou remunerados. Muitas lideranças sindicais acostumadas com sistemas de
rodízio e sem remuneração direta não se resignaram em se aproximar mais desses
espaços representativos (CNS, Amorex, Caex, CTA, Fundação Chico Mendes,
PT/prefeitura municipal), visto que elas lhes rendiam mais conforto econômico.
Conseqüentemente, essas lideranças ficaram mais
burocráticas, ou seja, passaram a se restringir aos afazeres institucionais e à
manutenção da estrutura física e financeira de suas entidades, submetendo-se,
de maneira passiva, à aprovação de projetos de desenvolvimento econômico por
parte dos agentes financeiros externos. Isso acarretou um maior distanciamento
das lideranças sindicais das bases, até mesmo pela insuficiência de lideranças,
mas sobretudo porque o trabalho de organização política, nas comunidades, na
base não foram priorizados. A desestruturação das delegacias sindicais, bem
como a falência dos núcleos da cooperativa refletiram um pouco esse
distanciamento.
Segundo Esteves
(2001), essa situação ocorreu em função das determinações econômicas que
desprenderam as decisões do âmbito do seringal, das comunidades, para a cidade.
E inseriram conseqüentemente as lideranças sindicais no mundo administrativo de
gestão financeira e institucional, imposto pela própria necessidade trazida
pelas organizações que o STR de Xapuri direta e/ou indiretamente ajudou a
criar. Essas mutações incidiram no perfil da liderança sindical que hoje
assemelha-se a de um administrador.
Esse processo foi
influenciado pela "redemocratização" do país e a conseqüente
reformulação da Constituição, em 88, que estenderam direitos sociais para os
segmentos populares mais destituídos de poder; houve uma certa incorporação dos
“debaixo”. Começaram, assim, a surgir canais públicos de participação política
nas diferentes esferas municipais, estaduais e federais, como as comissões, os
conselhos, os fóruns, que asseguraram a participação de organizações
representativas dos segmentos subalternos, como os sindicatos e federações, por
exemplo.
Ocorreu, então, com a criação desses espaços de
participação pública, um redirecionamento das estratégias sindicais que
passaram a priorizar esses canais, como locus privilegiados de
intermediação dos seus interesses, de suas demandas. Em conseqüência disso,
formas de luta como manifestações e ocupações de prédios e praças públicas ou
mesmo como os “empates”[12]
praticamente desaparecem. No caso dos "empates", a criação das áreas
extrativistas explica essa condição. Desse modo, os conflitos sociais passaram
a ser resolvidos não mais pelo enfrentamento "aberto" ou pela força,
mas nas mesas de negociações. Logo, as concepções sobre o Estado foram sendo
redefinidas. Ele passou a ser visto não mais como inimigo, como nos anos 70/80,
mas como interlocutor e parceiro (Gohn, 1997).
Essa aproximação tornou-se mais evidente, no Alto
Acre, no nível municipal com a eleição de uma liderança dos seringueiros, para
a prefeitura de Xapuri e, no estadual, com a eleição de Jorge Viana, para o
governo do Acre. O STR de Xapuri e, outros sindicatos, bem como as Ongs, com
poucas exceções, passaram a estar cada vez mais próximos desses governos,
através dos projetos de parcerias institucionais e programas de fomento
econômico, intermediados pelas secretarias executivas estaduais e municipais.
Essa relação[13]
tem minado, num certo sentido, o poder de autonomia dos sindicatos, em função
dos acordos financeiros e dos projetos de parcerias, que cortam rasteiro as
possibilidades de críticas e contestação.
Offe (1989) considerou –
e sua posição aplica-se perfeitamente para o caso em estudo – que ocorrem
processos de despolitização da vida pública, redução dos conflitos sociais, a
partir do momento em que os líderes sindicais, com status público,
funcionarem como extensão do controle governamental. Em outras palavras, o
autor sustenta que os grupos de interesses, como os sindicatos, quando assumem status
públicos, têm seu poder de pressão reduzido, porque qualquer questionamento
feito ao governo atingiria também os sindicatos.
“Qualquer atribuição de status significa que,
por um lado, os grupos auferem vantagens e privilégios, mas por outro, têm de
aceitar certas limitações e obrigações restritivas. Em um caso típico, o acesso
a posições decisórias no governo é facilitado por meio do reconhecimento
político de um grupo de interesse, mas a organização em questão torna-se
sujeita a obrigações mais ou menos formalizadas, como por exemplo o
comportamento responsável e previsível e a abstenção de demandas
não-negociáveis ou táticas inaceitáveis” (Offe, 1989. p. 240-241).
Nesse contexto
institucionalizado das negociações, as reuniões e os encontros tornaram-se as
atividades mais freqüentes de atuação das lideranças sindicais de Xapuri. Às
vezes, acontecia de ocorrer várias reuniões num mesmo dia, coincidindo,
inclusive, em alguns casos, os horários das mesmas. Em função do escasso quadro
de lideranças sindicais e do acúmulo de tarefas e atividades, esses mesmos
dirigentes não encontravam mais tempo para voltar às bases, para
ouvi-las e informá-las sobre as ações do sindicato e as decisões que deviam ser
tomadas. Desse modo, as decisões passaram a ser tomadas no nível das
lideranças, expressando certo nível de centralização política decorrente do
baixo grau de rotatividade dos quadros sindicais. Esses aspectos sinalizam para
o trabalho de organização de base que ficou relegado ao plano secundário.
Os conselhos e comissões tornaram-se os principais
meios de interlocução/reivindicação dos dirigentes sindicais. O STR de Xapuri,
bem como os outros porta-vozes dos seringueiros, CNS, Caex, Amorex, Fundação
Chico Mendes, passaram a participar de conselhos municipais de saúde, educação,
orçamento participativo; das comissões junto ao Basa para o estabelecimento de
critérios relativos a financiamentos do FNO/Procera/Prodex; junto ao Incra e
Ibama, na definição de áreas de conflitos a serem arrecadadas para fins de
reforma agrária, na seleção dos assentados; junto ao Instituto de Meio Ambiente
do Acre – Imac, para o licenciamento de queimadas e combate ao fogo; de
conselhos estaduais (Conselho Estadual de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente -
Consectma) e federais (Conselho Nacional do Meio Ambiente - Conama) de meio
ambiente.
Nos conselhos estaduais e federais, a participação
aconteceu, porém ela se deu no nível de Federação e do CNS. Esses conselhos e
comissões foram criados dentro das estruturas correspondentes, ou seja, os
conselhos municipais de educação ou saúde, por exemplo, foram criados pela
secretaria de educação ou saúde. O mesmo aconteceu com o orçamento
participativo que se consolidou na esfera da administração municipal, e assim
por diante. Como dissemos, esses mecanismos institucionais foram favorecidos
pela Carta Magna de 88, que ampliou os direitos políticos com espaços públicos
de participação popular.
A conquista da “redemocratização”, segundo o assessor
do CNS, fez com que os dirigentes sindicais se aperfeiçoassem. As lideranças
sindicais têm que estar mais preparadas para a negociação política. Mas os
dirigentes têm dificuldades em lidar com este momento. A participação nos
espaços públicos pegou as lideranças sindicais despreparadas, porque estavam
restringidas, sobretudo, pelo analfabetismo[14]
e pela falta de uma “visão mais ampla” das relações políticas, pois muitas
vezes as lideranças sindicais que participam dos espaços decisórios não sabem
as dimensões das questões que são tratadas, não têm conhecimento dos interesses
simbólicos subentendidos às mesmas.
Contudo, a ampliação dos espaços institucionais de
participação pública teve repercussão no trabalho de base. As lideranças e
porta-vozes sindicais, por estarem em número bem reduzido e por essas funções
se darem no âmbito da cidade, não encontravam mais tempo para voltar às
comunidades, no interior dos seringais. Além do mais, o envolvimento em outros
espaços de representação como a Caex, Amorex, CTA, CNS, Fundação Chico Mendes,
produziu um tipo de liderança sindical mais profissionalizada, quer dizer, mais
burocrática. O dinheiro passou a influir na organização sindical. Então, quando
havia qualquer dificuldade para ir as áreas, já tinha o rádio; os encontros
passaram a ser organizados através de avisos pelo rádio, assim como os
cancelamentos. Ter que andar longas distância, anteriormente costumeiras, era
motivo de transferir a reunião para uma outra data, quando houvesse carro para
fazer o transporte. A pauperização das delegacias sindicais, nas comunidades,
juntamente com os núcleos da cooperativa refletiu um pouco desse abandono[15].
O exemplo das mulheres (não politizadas
pelo sindicato), responsáveis pelo aumento do número de sindicalizados, é
ilustrativo do papel que o sindicato ocupa hoje, uma vez que, ao se filiarem ao
STR de Xapuri, para conseguir o auxílio-maternidade, tornaram-se as primeiras
inadimplentes, passados os quatros meses de vigência do benefício. Essas
mulheres procuram o STR de Xapuri somente nos momentos em que precisam dele,
restringindo-o às funções de mera assistência social. Paula (1999) assemelha
esse tipo de política sindical às práticas políticas clientelistas e
paternalistas enraizadas na política brasileira, mas muito presente particularmente
no Acre. No plano nacional esse assunto encontra eco na análise de Schwatzman
(1982). Na esfera local, foi recentemente bem tratado por Silva (2001), que
respalda aquela afirmação.
O aspecto político partidário, dentro desse quadro,
não tem menos relevância do que os outros elementos observados. Nesses espaços
institucionalizados de participação sindical, as concepções políticas têm
influência decisiva, e são lá que elas se afloram. Tanto em Xapuri, quanto no
nível estadual, o PT, tem hegemonia entre as organizações sindicais, inclusive
da federação. Atualmente, somente o STR de Rio Branco não está filiado a
Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Acre – Fetacre, porque mais
aproximado do PMDB. Importa dizer que, nos períodos passados, essa situação era
inversa. A influência petista na federação, e nos governos municipais e
estaduais, data de meados dos anos 90.
No entanto, apesar da fragilização política o STR de
Xapuri conseguiu aumentar significativamente o número de membros sindicalizados.
O STR de Xapuri reúne hoje 1.601 membros sindicalizados. Essa situação era
muito mais desfavorável, nos anos anteriores, quando, em termos numéricos, o
STR de Xapuri agregava menos de 500 trabalhadores rurais, todos basicamente
seringueiros.
Nas unidades extrativistas, como no PAE Chico Mendes,
o STR de Xapuri tem hegemonia em relação as outras formas de organização
social. Quase 100% dos moradores dessa reserva são sindicalizados. A Caex vem
em segundo lugar com 87% da preferência dos moradores; a associação representa
62,50%;os centros comunitários agregam 12,50%; os grupos de evangelhos reúnem
12,50%. No seringal são Miguel, ainda em processo de regularização fundiária,
60% dos moradores são sindicalizados.
É inquestionável o crescimento do
índice de sindicalização do STR de Xapuri na década de 90, e indiscutível o
grau de representatividade alcançado pelo sindicato na zona rural do município,
inclusive existem trabalhadores de outros municípios que são filiados a esse
sindicato. Todavia convém sublinhar que o poder de mobilização sindical
alcançado nos períodos anteriores não se revertia em termos formais no aumento
do contingente efetivo de seringueiros sindicalizados, por vários motivos,
dentre os quais três deles merecem destaque. O primeiro refere-se ao fato de a
mulher não ter participação formalizada no sindicato. O segundo tem a ver com o
próprio momento da luta política. E o terceiro diz respeito à criação de outros
espaços de mediação das lutas dos seringueiros.
Apesar do efetivo poder de mobilização do STR de
Xapuri que, segundo Paula (1991), chegou a reunir cerca de 4.000 seringueiros,
em 1984, esse sindicato somente conseguiu formalizar cerca de 500 membros
sindicalizados. No ano de 1988, o STR de Xapuri contabilizou 411 sócios. No ano
seguinte, a taxa de sindicalização decresceu para 368 filiados, sendo que, no
inicio da década de 90, o índice sindical caiu ainda mais, chegando na faixa de
227 sindicalizados regularizados.
Em termos gerais, esse crescimento do número de
sindicalizados pode ser explicado pelo progressivo aumento da participação da
mulher na organização sindical; em segundo lugar, merecem destaque os direitos
previdenciários, de aposentadorias, auxílio maternidade.
É evidente, nos últimos anos, que o aumento do número
de sindicalizados no STR de Xapuri, prendeu-se aos direitos sociais
previdenciários. Essa situação reflete as próprias mudanças da luta política do
sindicato, com a resolução dos conflitos por terra. Houve um aumento expressivo
do número de mulheres seringueiras, trabalhadoras rurais, no sindicato, como
forma de assegurar o recebimento desses direitos, sendo possível considerá-los
como um dos principais responsáveis pela elevação da taxa de sindicalização.
Apesar desse crescimento numérico e quantitativo de sindicalizados, o STR de
Xapuri amargou a perda do seu monopólio de representação dos seringueiros,
conforme pontuamos anteriormente.
No entanto, nos
anos 90, apesar do esvaziamento sindical ter ficado patente, o STR de Xapuri
ainda conseguiu promover algumas mobilizações políticas para obtenção de
créditos junto ao Fundo Constitucional do Norte-FNO/Prodex. Esta luta é
que tem exercido poder de atração na base sindical. Em função dela, os
seringueiros participaram, em 1993 e 1995, do Grito da Terra, movimentos
liderados nacionalmente pela Cut e Contag, que na Região Norte do país,
promoveram acampamentos e ocupações nas agências do Basa, em várias capitais,
envolvendo milhares de trabalhadores rurais. No Acre, essas mobilizações
abrangeram, em média, 800 trabalhadores rurais.
A luta contra a retirada de madeira ilegal nas áreas
das RESEX tem sido motivo de encontros nacionais. Em março de 1993, os STRs
juntamente com o CNS realizaram o Empate Amazônico Contra a Fome e a Devastação
da Floresta com o objetivo de pressionar o governo federal para ajustar o preço
da borracha. Esse movimento contou com várias manifestações, nos municípios
acreanos, e com o fechamento, por duas horas, do Ministério da Fazenda, em
Brasília, por uma caravana composta por 200 trabalhadores da região Norte
(Holanda, 1996).
Em 1992, foi realizado o III Encontro Nacional dos
Seringueiros, em Rio Branco, com a participação de 169 delegados, representando
8 estados (Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Pará Mato Grosso e Rondônia) tendo
como principal bandeira a vinculação da questão ambiental à reforma agrária. Em
1995 e 1998, foram realizados o IV e V Encontro Nacional dos Seringueiros,
respectivamente, com representantes de todos os estados que formam a Região
Amazônica Brasileira. Neles, as reivindicações centravam-se nos temas de
reforma agrária, questões de crédito, produção e mercado, organização de base e
exigência dos direitos sociais básicos de saúde, educação, previdência.
Em dezembro de 1998, o Grupo Pesacre, com apoio de
várias ONGs, empresas governamentais e organizações de produtores rurais
extrativistas, como Fetacre, STR de Xapuri, CNS, etc., organizou a 1ª Feira dos
Produtos da Floresta - Flora de Xapuri, em memória aos “Dez anos sem Chico
Mendes”.
Paralelamente a este evento, o CNS promoveu o 1º
Encontro dos Seringueiros da Amazônia, em Xapuri, financiado pelo Banco
Mundial, nele houve a participação de mais de 250 seringueiros. Apesar da
importância do evento, realizado entre os dias 17 a 22 de dezembro de 1998, ele
refletiu a desorganização do movimento confirmada pela desarticulação
das atividades programadas pelo CNS e pelo STR de Xapuri.
Os dirigentes e sindicalizados do STR de Xapuri ainda
participaram de outros eventos organizados nacionalmente pela Contag e CUT com
apoio das Fetags e STRs. As principais mobilizações foram o 7º Congresso
Nacional de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, de 30 de março a 3 de abril
de 1998, objetivando avançar na construção de um projeto de desenvolvimento
rural sustentável (com cooperativismo, escolas, saúde, educação, etc.); o 8º
Congresso Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, realizado durante
os dias 14 a 17 de março, em Brasília, que tinha como objetivo avançar na
construção de projetos alternativos de desenvolvimento rural sustentável; a
Marcha das Margaridas, em Brasília, no dia 10 de agosto, contra a fome, a
pobreza e a violência sexual feminina. Essa marcha reivindicava o
fortalecimento de um projeto alternativo de desenvolvimento rural sustentável.
Também ocorreram eventos mais relacionados às lutas
por igualdade de gênero das mulheres trabalhadoras rurais nos quais o STR de
Xapuri se fez representado, são eles: IV Conferência Mundial da Mulher, em
setembro de 1995, em Beijing - China; II Encontro Estadual de Mulheres do Acre,
em abril de 1998; Encontro Internacional de Solidariedade entre Mulheres,
realizado em Havana/Cuba, 1998; Seminário Saúde da Mulher e Direitos
Reprodutivos, janeiro de 1998; I Encontro Interestadual de Mulheres
Trabalhadoras da Floresta, em setembro de 1998, em Rio Branco; I Encontro
Internacional de Mulheres da Floresta, em dezembro de 1998, em Rio Branco/Ac
(Comitê 8 de Março, 1999). Nesses encontros, foram abordados temas relacionados
à saúde da mulher, direitos humanos, combate à violência, trabalho, renda,
combate à pobreza, educação, comunicação, participação política.
O STR de Xapuri organizou e participou de outros
encontros como o Encontro Municipal Sobre Saúde: homeopatia e fitoterapia;
Encontro da 3ª
A realização desses eventos políticos, sua capacidade
de mobilização política, assim como a repercussão, no plano nacional, expressam
por si só o grau de reconhecimento político desse segmento social. No plano
material, embora as condições de vida dos seringueiros sejam muito precárias e
estejam muito aquém de ideais, elas melhoraram significativamente, em termos
econômicos e sociais. O conjunto de políticas públicas com a intenção de
responder as demandas específicas dos seringueiros, que foram mediadas por
diferentes organizações, pontuadas ao longo do texto, comprovam como os
seringueiros institucionalizados conseguiram introduzir, viabilizar direitos
reconhecidos nas políticas públicas.
III – Considerações finais
Em
termos gerais, a luta
pela terra e a busca do reconhecimento político e autonomia econômica foram os
temas que permearam amplamente todo o processo de formação e consolidação do STR de Xapuri. Nesse
sentido foram criadas as unidades extrativistas em Xapuri (PAE Chico Mendes e
Reserva Extrativista Chico Mendes), além de áreas municipais como os pólos
municipais agro-extrativistas. Mais de 60% das terras de Xapuri foram
destinadas ao uso dos seringueiros na forma desses modelos de assentamentos
extrativistas que inovaram a política de reforma agrária no país. Recentemente
decretaram-se mais dois projetos de assentamentos em Xapuri, PAE Equador e PA
Tupá, sendo que o primeiro é agro-extrativista e o outro no modelo tradicional.
Com a resolução de grande parte dos conflitos por terra no campo em Xapuri, os
conflitos ficaram muito localizados, restritos a pequenas áreas. Os problemas
passaram a ser de ordem econômico-produtiva, ligados a temas relacionados com a
diversificação produtiva e o aumento da produtividade, ao mercado, avanço
tecnológico; e de reivindicação de direitos sociais básicos como saúde,
educação, saneamento, previdência social. A mediação dessas demandas foi feita
por um conjunto de organizações como cooperativa, associação, fundação, partido
político, Ongs, CNS.
Entretanto,
essas conquistas políticas trouxeram uma série de implicações para STR de
Xapuri sobre diferentes aspectos, a iniciar pela perda do monopólio da
representação política dos seringueiros. O STR de Xapuri deixou de ser o mediador,
por excelência, com a criação dessas organizações, na medida em que ocorreu um
processo de ‘divisão de tarefas’, fragmentação das bandeiras e disputas
(concorrências) políticas. Logo, ocorreu um processo de profissionalização e
burocratização das lideranças sindicais ocasionado pelas exigências do mercado
e pelos avanços políticos nacionais no mundo dos direitos (ampliação dos
espaços públicos de participação política) que deslocou o seringueiro para o
âmbito da cidade onde acontecem as transações comerciais e ocorre a
participação política nos espaços públicos institucionalizados.
Mesmo sem o
monopólio da representação dos seringueiros, o STR de Xapuri, conseguiu ampliar
significativamente o numero de trabalhadores rurais sindicalizados. Os pedidos
dos direitos sociais, junto ao INSS, como aposentadoria e auxílio maternidade
foram os principais responsáveis por esse resultado.
No plano da
política sindical, a organização política das bases teve papel secundário
dentro da agenda sindical do STR de Xapuri. Exemplo disso são as delegacias
sindicais, os cursos de formação de lideranças, que ficaram relegadas ao
segundo plano. Como conseqüência disso, passou a se esboçar um quadro bastante
limitado de lideranças sindicais, implicando em baixa rotatividade entre os
cargos do STR de Xapuri e das outras organizações do “movimento sindical”, num
contexto de forte conotação de centralização política sindical. Ademais, ficou
evidente a atração política das lideranças sindicais pela via partidária. O
partido passou a exercer uma posição importante dentro deste quadro político, a
canalização das demandas se dariam dentro dos parlamentos, do legislativo e
executivo municipal e estadual, como ficou explícito no decorrer do texto.
Recentemente o atual presidente do CNS, por exemplo, declarou que concorreria
ao parlamento numa candidatura para deputado estadual pelo PT, nas próximas
eleições majoritárias, em outubro de 2002.
Entretanto essa
relação com o partido (PT) condicionou, o poder de mobilização e pressão
sindical, minando sua autonomia política. Esse cenário se consolidou com a
conquista da prefeitura de Xapuri e do governo do Estado pela FPA, onde o PT é
o partido hegemônico. Através de processos políticos de cooptação, muitas
lideranças sindicais foram absorvidas pela esfera estatal e municipal, assim
como por outras formas de organização de mediação dos seringueiros.
Finalmente,
procuramos demonstrar que foi inquestionável o papel desempenado pelo STR de
Xapuri no processo de organização e "autonomia" dos seringueiros da
região do Alto Acre, particularmente do município de Xapuri. Os desafios postos
diante desse sindicato – no sentido de continuar, mesmo que simbolicamente –
para afirmar essa posição no presente e futuramente, ainda são enormes.
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COMITÊ 8
DE MARÇO. Seminário Mulher, Organização, e Políticas Públicas. Rio Branco, 3 a
4 de março de 1999. (Relatório)
[1]
O autor, sociólogo, e MSc. em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade –
CPDA/UFRRJ, é pesquisador do Grupo de Pesquisa e Extensão em Sistemas
Agroflorestais do Acre – PESACRE. E-mail: maurorocha@pesacre.org.br
; maurorocha@uol.com.br .
[2]
Empresa extrativista refere-se as relações de produção que articulavam, sob a lógica do sistema de
aviamento, o seringueiro, o seringalista, o aviador e o exportador como agentes
participantes de um processo que funcionava sob a dominação do capital, no
estágio do capital mercantil, portanto capital mercadoria que se limita à
esfera de circulação, nas formas de capital mercadoria e capital dinheiro e
nunca a de capital produtivo; era o capital das grandes potências que fazia
funcionar a empresa do seringal nativo isto porque as casas exportadoras
estavam diretamente ligadas ao capital monopolista internacional, que em última
instância, detinha o controle do sistema de aviamento (Silva, 1982).
[3]
O seringal, enquanto lugar de produção, estava dividido em duas subunidades: a
“margem” e o “centro”.A margem fazia referência aos lugares localizados
próximos das beiras dos rios. Geralmente, ali estava centralizada a parte comercial
e administrativa do seringal, dotado das seguintes instalações: barracão,
depósitos auxiliares, residência do patrão e do pessoal que trabalhava nestas
instalações. O “centro” localizava-se no interior do seringal (formado por
extensas áreas de floresta densa), aberto por uma pequena clareira. Nele o
seringueiro morava com sua família e produzia a borracha. O “tapiri” (casa do
seringueiro) e a “barraca de paxiúba”
(local onde o seringueiro produzia a borracha) eram as duas instalações
principais. A “margem” funcionava como unidade comercial e administrativa, onde
ficava a sede chamada de “barracão”.
[4] A noção de grupos e de interesses é que orientou a
base teórica desta pesquisa durante suas fases. Os interesses estavam na
própria necessidade dos agentes sociais e na própria natureza do nosso “objeto
de pesquisa”, o sindicato, que tem por obrigação, caso queira manter-se de pé,
transformar os anseios, as necessidades, os individualismos em interesses
coletivos e encaminhá-los para serem reconhecidos, pois as organizações
sindicais de trabalhadores não conseguem sobreviver, se laços de solidariedade
não envolverem as lideranças e as bases sindicais (Offe, 1989).
[5]
O termo “paulista” tem conotação política e sentido pejorativo e foi usado para
designar os fazendeiros, empresários, e especuladores do Centro-Sul do país que
vieram para o Acre atraídos pelas facilidades governamentais oferecidas àqueles
interessados em investir na região. Muitos entraram no mercado de terra. A
crise da borracha havia deixado as terras a preços bem inferiores aos
praticados no mercado. A partir desse período, o setor primário passa a ter
como eixo econômico a produção da pecuária de corte e extração madeireira, em
substituição ao extrativismo do látex. Inicia-se concomitantemente a esse
processo, a expulsão dos seringueiros que moravam nesses seringais. O termo
“paulista” surgiu, portanto, no auge dos conflitos por terra no campo, da veia
do movimento sindical.
[6]
Porém, antes de serem criados os sindicatos rurais existiram distintas formas
organizativas dos trabalhadores que reuniam trabalhadores de diferentes
atividades produtivas, do campo e da cidade. Em inícios dos anos 60 formaram-se
os “núcleos socialistas” do PCB, constituído exclusivamente por trabalhadores
urbanos, como estivadores, professores, trabalhadores da construção civil,
dentre outras atividades citadinas; as Ligas Camponesas em 1963, lideradas por
algum militante oriundo das Ligas do Nordeste, que reuniam pequenos
agricultores situados nos arredores da capital Rio Branco em 1963; a
Cooperativa Nossa Senhora da Conceição que agregava os colonos, da área do
antigo seringal Belo Jardim, em Rio Branco; e o STR de Rio Branco em princípios
de 1964, envolvendo trabalhadores rurais de atividades distintas (Costa
Sobrinho, 1992). No Acre, ao contrário do que ocorreu no restante do país, o
PCB não se organizou no campo para disputar a representação dos trabalhadores,
limitando-se a organizar os trabalhadores urbanos (Fernandes, 1999). Sobre a
atuação do PCB no contexto nacional, ver, dentre outros, Medeiros (1989); Costa
(1994). No caso das Ligas Camponesas, convém salientar, que elas não tiveram a
mesma expressão política que as Ligas do Nordeste, ficando restritas as áreas
de colônias localizadas nos arredores da capital Rio Branco, sendo que não se
têm notícias que seringueiros tenham participado delas. Essa pouca
expressividade política pode encontrar explicação, no plano local, pela
exacerbação do poder político do executivo, muito mais extremado nas regiões
mais "atrasadas". Este traço pode ser conferido em Silva, 2002.
[7]
Atualmente no Acre apenas 3 municípios dos 22 existentes não possuem sindicatos
rurais formados. São eles: Rodrigues Alves, Marechal Taumaturgo e Porto Walter.
Os trabalhadores rurais desses municípios ou se filiam no STR de Mâncio Lima ou
no de Cruzeiro do Sul. Depois da criação do STR de Xapuri foi criado em 1983 o
STR de Plácido de Castro; em 87 o STR de Assis Brasil; em 89 os STRs de Manoel
Urbano, Senador Guiomard Santos e Sinpasa em Rio Branco; nos anos 90 foram
criados os sindicatos de Acrelândia em 91; Capixaba, Porto Acre, Bujari e
Jordão em 99.
[8]
A própria peculiaridade da atividade seringueira desenvolvida por estes
trabalhadores é um traço que autoriza uma valorização diferenciada da natureza
visto que a manutenção da floresta significa a manutenção das suas condições de
vida e trabalho. E este talvez seja o traço mais significativo da identidade
seringueira, isto é, a sua vinculação com a preservação do meio ambiente. As
unidades extrativistas surgem como materialização dessa relação. Mas esta
identidade deve ser concebida não como fixa ou estática, muito menos linear,
porém seja entendida sobretudo como dinâmica, processual e contraditória. Essa contradição se expressa com maior
evidência na medida em que percebermos
que o seringueiro que cuida e protege a floresta é o mesmo seringueiro que a
derruba e explora também. A criação indiscriminada de gado associada à
exploração madeireira, principalmente “madeira de lei” (cedro, mogno,
cerejeira, cumaru, Angelim, etc) reflete tanto o conflito inerente dessa
identidade quando repercute na atuação parcimoniosa das organizações de
representação dos seringueiros de Xapuri.
Entre 1987 a 1989 foram criados quatro projetos
de assentamentos extrativistas, são eles, PAE São Luis do Remanso com 39.570
hectares no município de Capixaba com acesso pela BR-317 e com cerca de 140
famílias de extrativistas; o PAE Porto Dias, no município de Acrelândia, com
22.145 hectares, envolvendo 83 famílias de trabalhadores extrativistas; o PAE
Santa Quitéria, em Brasiléia, com 44.205 hectares, e capacidade para assentar
223 famílias; o PAE Chico Mendes em Epitaciolândia, mais conhecido como a
Reseva do Cachoeira, com uma área de 24.898 hectares e 68 famílias assentadas;
o PAE Riozinho em Sena Madureira com uma área de 35.896 hectares e 116
famílias. No decorre dos anos 90 foram
criados outros projetos de assentamentos agroextrativistas, conforme se segue:
em 1991 foi criado o PAE Porto Rico no município de Epitaciolândia com 7.530
hectares e 46 famílias assentadas e em 1998 foi vez do PAE Limoeiro no município
do Bujari, com 11.150 hectares e somente 8 famílias assentadas (ZEE/AC, 2000).
Em 23 de janeiro de 1990 foi criada a Reserva Extrativista do Alto Juruá
mediante o Decreto Lei nº 98.863 englobando uma área de 538.492 hectares.
Localizada no município de Marechal Taumaturgo de Azevedo, a Reserva Alto Juruá
possui aproximadamente 6 mil seringueiros sendo 2.300 pessoas com idade
variável entre 5 a 15 anos de idade. A produção de borracha é hoje uma
atividade secudarizada na reserva, ganhando espaço a agricultura familiar de
subsistência com base em cultivos anuais e perenes e criação de pequenos
animais, inclusive gado. Também iniciou-se recentemente a implantação os
plantios em sistemas agroflorestais. A segunda reserva extrativista do Acre a
ser criada foi a Resex Chico Mendes com uma área de 976.570 hectares através do
Decreto Lei nº 99.144 do dia 12 de março de 90 e envolve os seguintes
municípios, Assis Brasil, Brasiléia, Xapuri, Capixaba, Senador Guiomard Santos,
Rio Branco e Sena Madureira. Nesta reserva moram cerca de 1.500 famílias (sendo
destas, 714 pertencente ao município de Xapuri; 600 Brasiléia; e 150 Assis
Brasil) que vivem ainda vivem do trabalho do látex, da coleta de castanha, e do
extrativismos de outros produtos e resinas florestais, como óleo de copaíba,
dendê etc. Estes trabalhadores também praticam agricultura de subsistência,
criam pequenos animais, incluindo gado, desenvolvem os sistemas agroflorestais
e a extração dos recursos madeireiro, onde se destacam as de maior valor
comercial no mercado mundial como jatobá, cerejeira, cedro, aguano/mogno, etc
(ZEE/AC, 2000; Ibama, 2000).
[9]
Os sistemas agroflorestais são formas de produção consorciadas que se espelham
na harmonia do sistema florestal. O Grupo de Pesquisa e Extensão em Sistemas
Agroflorestais do Acre – PESACRE foi uma das entidades sem fins lucrativos que
iniciou esse processo de implantação dos sistemas agroflorestais na região, em
meados da década de 90, objetivando diminuir a pressão sobre a floresta e
aumento de renda, assim como possibilitando novas formas de utilização da terra
através de tecnologias alternativas “sustentáveis” para responder as demandas
do sistema produtivo sob a égide da temática ambiental.
[10]
Essa análise encontra ressonância pontual em Silva & Paula, 1997; Silva,
1998; Paula, 1999; Esteves, 2001a, 2001b.
[11]
A publicação dos Cadernos do Cedi 20 “Sindicalismo no campo: entrevistas”
(1990) oferece-nos uma idéia parcial das implicações que os outros canais de
representação dos trabalhadores como as associações, por exemplo, acarretam à
organização sindical sobretudo quando são criadas para serem receptoras de
repasses de recursos.
[12]
Os "empates" foram formas de resistência pacífica que visavam impedir
que áreas em litígios fossem desmatadas e funcionava da seguinte maneira:
"eles são feitos através de mutirões dos seringueiros. À medida que os
seringueiros tomam conhecimento de que têm companheiros ameaçados pelo
desmatamento (...) dos fazendeiros, se reúnem várias comunidades,
principalmente a comunidade afetada, organizam-se assembléia no meio da mata
mesmo e tiram-se lideranças, grupos de resistência que vão se colocar diante
das foices e dos motosserras e de maneira pacífica, mas organizada. Tentam
convencer os peões, que estão ali a serviço dos fazendeiros, a se retirarem da
área. Em seguida, os seringueiros costumam desmontar os acampamentos e forçar a
retirada dos peões. Muitas vezes são atacados pelas forças de segurança, porque
os fazendeiros sempre recorrem judicialmente, pedem o apoio policial. Sempre
contaram com esse apoio, o que ocasionou muitas prisões" (Grzybowski,
1989). Os "empates" além de serem ações pacíficas, estavam
alicerçados no Código Civil de 1917, no seu artigo 502 que dispunha sobre o
esforço possessório. O referido artigo defendia o direito dos posseiros contra
qualquer ação que visasse o despejo dos mesmo. Então, as organizações sindicais
passaram a atuar dessa forma, ou seja, impedindo as expulsões dos trabalhadores
rurais de suas áreas de moradia, mas de maneira organizada e pacífica. A Contag
incentivava esse tipo de prática porque era uma ação legal. Sobre os
"empates" ocorridos nos seringais do Alto Acre, consultar Duarte,
1987; Paula, 1991. O último “empate”
organizado pelo STR de Xapuri aconteceu no seringal Nova Esperança em 95 e
resultou em fracasso. As divergências entre os próprios seringueiros envolvidos
no conflito conduziram para esse resultado, demonstrando claramente como se
encontra o trabalho de organização de base hoje. A Igreja também se recusou a
apoiar os seringueiros quando foi chamada, alegando que muitos já tinham sido
mortos nos conflitos por terra, e que a situação não era mais de luta.
[13]
Importa dizer, de maneira geral, que todos os programas de desenvolvimento
econômico e social, voltados para o incremento da produção rural e ‘bem-estar
social’, como o Projeto de Construção de Casas de Farinhas, centrado na
Regional do Juruá, o Projeto Ribeirinho, em todo o Acre, de escoamento da
produção através de barcos e caminhões, o Programa de Eletrificação Rural,
abertura de ramais, o Programa Centros de Florestania de infra-estrutura
(construção de escolas, postos de saúde, centros de cultura e lazer, sistema de
saneamento alternativo, instalação de usinas, rádios comunitárias, telefonia
rural) e financiamento (Fundo de Florestania) foram mediados pela Fetacre,
juntamente com os sindicatos, com exceção do STR de Rio Branco, que é o único
sindicato que faz oposição ao governo estadual, porque ligado ao Movimento
Democrático Acreano - MDA, frente partidária ampla de direita, com hegemonia do
PMDB, que administra a prefeitura da capital, Rio Branco. Através desses programas,
foram doados barcos, motores, caminhões, e construídas e entregues prontas mais
de 100 casas de farinhas, todas equipadas com maquinários e instalações. Esse
processo, se por um lado representa o reconhecimento das demandas dos
trabalhadores do campo, por outro cerceia o poder de pressão dos sindicatos, de
modo geral, porque a forte conotação política (aproximação partidária) dessa
participação, reduz quase a zero o grau de autonomia política sindical.
[14]
Sobre o analfabetismo e suas implicações para os seringueiros ver, dentre
outros, Zanoni (1979).
[15]
A questão do dinheiro, embora esta percepção mereça um maior aprofundamento,
acarretou implicações no trabalho sindical. Muitas lideranças deixaram de
realizar o trabalho de organização comunitária, porque o sindicato não oferecia
uma remuneração e passaram a pleitear vagas nos outros canais de representação
dos seringueiros, geralmente com remuneração para os diretores e envolvidos nos
projetos, como o CNS, Amorex, Caex. Os trabalhos remunerados nas referidas
organizações, assim como as remunerações decorrentes de ocupações temporárias
dentro do seringal, realizados pelos seringueiros (pelas lideranças), como os
trabalhos de professor, de agente de saúde, de agente paraflorestal, entre
outras atividades de auxílio à pesquisas, foram tratados como ocupações de
"interesses", em contraposição aos seringueiros que se dedicam ao
movimento sindical, sem remuneração, como os delegados sindicais, como os
trabalhos sindicais.
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