domingo, 22 de julho de 2007

FORMAÇÃO HISTÓRICA DO ACRE: JURUÁ-PURÚS


MARCO ANTONIO GONÇALVES (ORG.), ACRE: HISTORIA E ETNOLOGIA. Núcleo de Etnologia Indígena Laboratório de Pesquisa Social/IFCS - UFRJ.



INTRODUÇÃO
Nossa intenção, nesta parte do trabalho, é tão somente fornecer ao leitor uma visão da formação histórico-social da região que hoje é designada Estado do Acre. O objetivo que nos motiva proceder a um corte na historiografia sobre a região, quer seja especificamente acreana quer seja amazônica, não é outro senão o de produzir um pano de fundo onde se desenrola a trama dos acontecimentos que envolveram e continuam envolvendo as populações indígenas que habitam a região. Assim, o escopo do trabalho que ora se apresenta deve ser entendido enquanto um esforço de situar as tribos indígenas no tempo e no espaço acreano. As transformações sociais e econômicas porque passou a região durante os últimos séculos produziram, sem dúvida, o mapa etnológico das populações nativas. Os "brancos" bolivianos, brasileiros e peruanos, há pelo menos dois séculos, iniciaram a ocupação da região de forma mais sistemática. As populações indígenas, a partir deste momento, se re-arrumam, não sem conflitos, de forma a se organizar no novo território agora ocupado pelo homem branco.

Nossa visão da história do Acre é orientada pela historiografia produzida sobre a região. Não temos a pretensão de realizar aqui uma história do Acre buscando interpretações dos momentos e conjunturas marcantes na construção desta história. Neste sentido, queremos deixar claro que os recortes que procedemos numa determinada historiografia e o encadeamento que demos aos temas tratados tiveram como objetivo trazer à baila a cena histórica onde se movimentam as populações indígenas procurando, desta forma, fornecer subsídios para um melhor entendimento da situação atual destas populações. Nossa proposta pode ser encarada como uma re-leitura despretensiosa das fontes que cobrem em parte a região amazônica e, mais especificamente, a região acreana. Lendo as fontes secundárias consagradas, fontes que contam e recontam o mito de origem da própria história acreana, e mesmo fontes de primeira mão como documentos-testemunhos de um tempo (cartas, ofícios, mapas, relatórios), encontra-se um, personagem que insiste em aparecer, transformando-se em cenário que vai dando sentido à história de ocupação da região: a hevea brasilienses. A história da região parece confundir-se com a própria história desta árvore. Como o "genesis": "in the begining was the tree. And darkness was upon the face of the jungle. And man, created in God's own image, moved furtively upon the forest" (WOLF, H & R., 1936 apud TOCANTINS, 1982). O homem referido pelo "genesis da seringa" não é, certamente, o indígena que habita as florestas da região onde esta árvore cresce em abundância. Para o indígena, a seringueira não era uma árvore dotada de valor especial. Não ignorava o látex que produzia e muitas das tribos davam-lhe um sentido cultural, transformando-o em objetos. O homem do genesis re-classifica esta árvore e lhe atribui um valor. Virando matéria-prima, sua utilização não cessa de expandir-se para inventos nunca antes imaginados. A matéria-prima faz os inventores do século XIX, inventores de mercadorias para uma sociedade de consumo nascente pós-revolução industrial. A borracha, a partir daí assim designada, passa a ser a mola propulsora de uma indústria que não pára de crescer dando sentido aos costumes, às idéias de prosperidade, desenvolvimento e modernidade, que marcaram uma época.

A história da região amazônica e do Acre, em particular, que foi expressão hiperbólica do "império do ouro negro", não pode ser narrada de outra forma senão através de uma "symphonia elástica". Os índios da região, desde então, perfilam seus caminhos e se vêem misturados nessa história que deixou uma marca indelével sobre seus corpos e suas sociedades.


O LÁTEX ENCANTADO: "everybody wants a pair of rubber shoes"

Os índios das florestas tropicais foram os primeiros a extrair e manipular o látex da seringueira. O látex, quando coagulava, produzia uma goma elástica que dava forma a curiosos objetos produzidos pelos indígenas: bolas e esculturas zoomorfas. Cristóvão Colombo, em segunda viagem ao novo mundo, observa que os nativos do Haiti utilizavam tal produto para confeccionar bolas que, mediante apenas um impulso, se deslocavam repetidas vezes. Este produto, como a descoberta do novo mundo, ganha desde já uma bizarra representação no imaginário europeu (cf. TOCANTINS, 1982:91). Este estranho produto ganha foros de curiosidade no velho mundo e quem viesse em expedição para o novo mundo queria, pelo menos, vê-lo. É o caso do astrônomo francês Charles Marie de La Condamine que, em 1736, vem para a América do Sul medir o arco do meridiano terrestre. Enquanto esteve no Equador, pode observar in loco as principais características do produto e fornecer a primeira descrição sobre seu processo de extração pelos índios. Mas, nesta mesma época, os portugueses já o utilizavam para fazer bombas, seringas, garrafas, botas e bolas (cf.CONDAMINE, 1944 apud id.ibid.). Alguns homens de ciência, sobretudo na França, começam a descrever as qualidades da nova descoberta e seus usos potenciais para o mundo europeu.

A indústria do látex ficou na mão dos portugueses pelo menos até o século XIX quando se deu a abertura dos portos às nações amigas, permitindo, assim, que este produto escapasse para outras partes do mundo. Na Inglaterra foi lançado como a "India-rubber"' que ficou conhecida nos meios intelectuais ingleses como um produto capaz de apagar os riscos da grafia (cf. id.:93).

Já em 1828 os franceses e os vienenses empregavam a borracha, proveniente do Pará, na fabricação de espartilhos, cintas e ligas. Os ingleses e os americanos usavam-na para fazer capas e protetores contra chuva (cf.Id.:97).

Em 1800 saem as primeiras exportações, ainda clandestinas não da matéria-prima mas dos produtos. Garrafas e sapatos de ponta fina eram produzidos em Belém e enviados para os Estados Unidos. Os objetos alcançaram êxito no mercado americano e, em 1830, uma grande quantidade de sapatos chegava a Boston. Este era um negócio dos "'droguistas" que tratavam a hevea brasilienses como mais uma das "drogas do sertão". Depois, passa para as mãos dos comerciantes de calçados. Os jornais de Boston anunciavam, frequentemente, a venda de calçados por até mesmo 5 dólares. A produção da borracha era altamente rentável, o preço de custo era da ordem de 25 centavos e a venda chegava até a 2 dólares. A indústria da borracha, desde o seu início, mostrava-se como algo vantajoso, de lucro fácil e garantido, tendo como mercado de consumo os países estrangeiros. Entre os anos de 1836 e 1856 a exportação paraense foi da ordem de 4.741.275 pares de sapatos (cf. Id.:94). O que marcou este período da borracha foi a predominância da manufatura sobre a matéria-prima, o que se inverteria brutalmente no período seguinte. Em 1850 Bates (1944) registra, em seus escritos sobre sua expedição no rio Amazonas, o incremento da coleta do produto. Porém, nesta época, a exploração do produto estava circunscrita à região do Pará, sobretudo às ilhas que ocupam a foz do Amazonas. Era o tempo da "borracha das ilhas". Só mais tarde é que a exploração da borracha levaria penetrações aos rios Jari, Xingú, Tapajós, Madeira, Purús e Juruá.

Os relatórios dos Presidentes de Província do Pará deixam patente que, a partir de 1853, a borracha catalizava toda a mão-de-obra da região e que os gêneros alimentícios para abastecer o mercado interno eram provenientes de importações (REGO BARROS, 1854 apud Id.:96). Em 1856-57 surge a primeira crise neste primeiro tempo de extração do látex, no tempo da manufatura. Os preços caíram e podia-se já vislumbrar os dramas que enfrentaria o comércio da goma elástica, com as oscilações de preços dependentes do mercado internacional. A borracha era pensada, desde estes tempos, como algo atrativo, objeto de prosperidade. Pois, se comparada à cultura do açúcar e do café, a borracha já fôra plantada, era uma dádiva divina e, portanto, o homem somente teria o trabalho da colheita. Tendo como desafio apenas a fantasmagoria da selva. Provações, também divinas, que se fossem vencidas, trariam prosperidade e vida fácil. A borracha se projetava num mundo de sonhos onde a aventura e o risco de vida podiam fazer chegar ao paraíso terrestre.

Até este momento a borracha estava vinculada a uma produção de bens, efeitos de uma moda que influenciava costumes e incrementava as indumentárias da Europa e Estados Unidos dando um ar de modernidade enquanto acessório de vestuário. Neste sentido, o mercado estava sujeito ainda a gostos e preferências, fazendo com que o produto corresse o risco de não se fixar no mercado de consumo. Devido a estes fatores, a primeira fase da produção da borracha foi marcada por oscilações nos preços do produto gerando uma época de incerteza na comercialização e exploração do látex. Mas logo irrompe uma outra fase de exploração da borracha, agora decisiva, que não dependia mais dos gostos, deixando de ser uma preferência e passando a ser uma necessidade de expansão capitalista moderna: a empresa automobilística. Vários fatores contribuíram para o emprego da borracha como acessório indispensável não mais do homem mas da máquina. A descoberta do processo de vulcanização se deu, ao mesmo tempo, pelo inglês Thomas Hancock e o americano Charles Goodyear (cf. Id.:98). Com a vulcanização abrem-se novas fronteiras para a borracha, o que se confirma com a invenção do pneumático pelo irlandês Dunlop. Estas descobertas dão um novo impulso à exploração do látex, que era procurado não só no Pará mas em toda a região amazônica, especialmente no sudeste amazonense, chegando mesmo a ultrapassar as fronteiras do Brasil, até a Bolívia e o Perú. Nestas décadas do final do século, a borracha tinha conquistado o espaço definitivo no mercado mundial e sua utilização envolvia desde pneumáticos até calças para pescar (cf. Id.ibid.). Toda a região amazônica havia, nesta época, se integrado à indústria extrativa do látex; iniciava-se o "Império do Ouro Negro" que viria transformar por completo a sociedade amazonense e instituiria as bacias do Juruá e Purús como o "quartel general" da produção da borracha. O Acre estava por vir. Nestes últimos decênios do século XIX e nas décadas seguintes do século XX, a indústria extrativa iria ganhar corpo cuja sombra se faria sentir nas populações indígenas da região. Esta seria devassada por gente de toda a parte, importando apenas fazer "fortuna"; para isso, não seriam medidas consequências no desbravamento e fixação na região.


CARTOGRAFIA DA OCUPAÇÃO

O Tratado de Tordesilhas, primeiro tratado entre Espanha e Brasil, que definia e dividia, entre os países, a América, já trazia a questão do Acre. Os portugueses percebiam a linha divisória começando no Oiapoque e terminando no golfo de São Matias, na atual República Argentina, contendo em seus limites as bacias amazônica e platina. Os espanhóis delimitavam seu território iniciando na foz do rio Parnaíba e terminando no Rio de Janeiro, empurrando os portugueses para perto do mar. Ambos os países desrespeitavam a linha imaginária. Somente no século XVIII é que os países tentam definir seus limites reais no Novo Mundo. Em 1750 se deu a assinatura do tratado de Madri no qual a Espanha, em troca da colonia de Sacramento, assegurou, assim, a Bacia do Prata para si, concordando que cada parte ficasse com o que à época ocupavam. Portugal já ocupava grande território e pôde anexar a seu antigo território grande faixa de terra a oeste da linha imaginária. O Acre, por este novo tratado, passa a pertencer a Portugal. Entretanto, em 1761 este tratado de Madri foi cancelado e a questão dos limites entre os dois países voltava a estaca zero.

Em 1777 assina-se, em Santo Ildefonso, novo tratado que trouxe a paz entre Portugal e Espanha, acabando com o litígio no Novo Mundo. Este tratado retoma os limites estabelecidos pelo Tratado de Madri, 1750, só que, além da Colônia de Sacramento, a Espanha anexa a seu território os Povos das Sete Missões. Como o grande interesse da Espanha era a bacia platina, a bacia amazônica sai intacta e continua sendo de domínio dos portugueses. Portugal investiu nesta região amazônica como área privilegiada das especiarias, exploração das "drogas do sertão". No início se constituía numa simples coleta desordenada, que aos poucos ganha um caráter de empresa; durante toda a era colonial houve várias iniciativas e programas governamentais que favoreciam uma política de cultivo e aclimatação das chamadas drogas do sertão na região amazônica. Isenção de impostos e outros favores, prêmios concedidos, como sesmarias, facilitaram a corrida para região e o estabelecimento e fixação desta indústria extrativa (cf.TOCANTINS,1961).

O tratado de Santo Idelfonso delimitava a possessão dos dois países, Portugal e Espanha, na faixa territorial entre os rios Madeira e Javari, que à época eram desconhecidos. No século XIX, a posse por esta região desencadeava conflitos entre os interessados em garantir e ampliar seus domínios na América do Sul. Em 1867 foi firmado um outro tratado, agora entre o Império do Brasil e a Bolívia, em que os rios Alto Acre, Alto Purús, Alto Juruá, e os seus tributários Xapuri, Riozinho, Iaco, Chandless e Envira se situavam no território boliviano. O "Manifesto do Povo Acreano" (cf.1909) reivindica o território como pertencente aos brasileiros, visto que anteriormente a este tratado os brasileiros já tinham penetrado na região. Manoel Urbano já havia subido o rio Acre por mais de 20 dias, coisa que nenhum boliviano havia feito. Por causa de um erro de interpretação da linha Javari/Madeira, o Brasil perde grande parte do território que compreende hoje o Estado do Acre. Em 1895 é assinado um protocolo de intenções que definia os limites entre a Bolívia e o Brasil, deixando para a Bolívia o direito da região do Juruá e do Purús. A expedição Cunha Gomes, que explorou o Javari em 1897, reconhece que, de direito, o Acre pertence à Bolívia mas, de fato, ao Brasil, já que era um lugar explorado e habitado por brasileiros. De acordo com o tratado de Madri, desde 1750, já havia sido estabelecido o princípio do "uti possidetis" que regulava as questões de limites na América. Por este princípio, a área seria pertencente ao Brasil.

A partir do evento do estabelecimento da indústria extrativa da borracha, a região vai sendo ocupada efetivamente por populações oriundas, de início, das províncias do amazonas e Grão-Pará e, posteriormente, por imigrantes nordestinos que invadem a região em sucessivas levas, o que consolida a frente da borracha. Eram frotas patrocinadas pelos comerciantes das casas aviadoras de Manaus e Belém. De início produziu-se uma ocupação desordenada da região mas posteriormente se verifica uma expansão das fronteiras quando os grupos de extração subiam o Alto Purús, o Alto Acre até regiões desconhecidas pela cartografia sul-americana. A disputa por este território gerou conflitos entre brasileiros, bolivianos e peruanos. Desde o começo da segunda metade do século XIX, já havia conflitos entre o Império do Brasil e os vizinhos platinos. Mas com o advento da república, 1889, as relações com os platinos estavam pacificadas e o novo vetor de dificuldade surgia na bacia amazônica, o que instituiu a "questão do Acre" e as lutas pela posse do território (cf. Fragoso & Silva in Linhares (org.) 1990:196-200). Estas lutas cessaram quando da realização do Tratado de Petropólis, assinado pelo Brasil e a Bolívia em 1903, no qual a Bolívia, mediante indenizações, entregava a região do Acre ao Brasil. Os limites do Brasil com o Perú foram reconhecidos por um tratado preliminar que garantia a posse dos rios Iça ou Putomayo pelos dois países. A posse foi garantida por um tratado assinado em 1851 e outro assinado em 1875, sendo ambos ratificados pela Comissão de Limites Brasileiro-Peruana, na segunda década do século XX. Observa-se que, mesmo com a definição dos limites pelos tratados de 1851 e de 1875 com o Perú, este em vários momentos, sobretudo pelo desenvolvimento da frente extrativa da borracha, quiz reivindicar para si parte da região acreana. Villa Nueva, num texto de 1902, quer afirmar que a origem do Purús é peruana e diz que existem mais de 200 seringueiros peruanos em área brasileira, se queixando, assim, das fronteiras estabelecidas entre os dois países. Diz que, juntamente com os brasileiros que exploravam o Purús como a expedição de Manoel Urbano da Encarnação, o peruano D. Leopoldo Collazos, em 1899, procurou, no rio Urubamba, uma passagem para o Purús (cf. 1902).

A região acreana aparece na cartografia dos séculos XVII e XVIII como um apêndice do Amazonas; surge representada com um único rio e alguns de seus afluentes. No período de 1700 e 1800, há uma ausência de mapas que retratem a região em sua forma total. O que mais se encontra em forma de mapas, croquis, cartas e plantas são traços de apenas um rio e alguns acidentes que não podem ser considerados precisos. Este período marca, também, uma mudança na cartografia em geral. A partir de 1700 a cartografia perde o caráter decorativo em benefício da precisão científica. A ausência de esboços cartográficos nesta região que compreendia o Acre é devido a sua inacessibilidade. Enquanto que sobre a costa do Brasil e algumas regiões interiores já existia uma cartografia com uma nomenclatura desenvolvida, sobre a região amazônica os cartógrafos e desenhistas se orientavam por sua imaginação. As cartas e mapas vão ganhando precisão num sentido leste-oeste e sul-norte até atingirem a região onde se situa o Acre.

No século da borracha, XIX, toda aquela região começa a fazer sentido do ponto de vista econômico, o que se reflete na cartografia. A necessidade da classificação se impõe. No processo de classificação e de registros nos mapas surgem, em muitos deles, anotações feitas, por seus autores ou por quem se utilizou dos mapas nas viagens, em relação à duração do percurso entre um local e outro, à metragem em léguas, à classificação dos rios quanto à sua navegabilidade, ao período do ano que pode ser navegável, etc. Muitos destes mapas trazem também informações sobre índios. Muitas vezes mapas, bastante precários com respeito a sua malha hidrográfica, trazem a localização de alguns grupos tribais. Até os século XIX, os mapas eram feitos usando-se apenas duas cores: uma para descrever os acidentes e os rios e outra para a nomenclatura. A partir do século XX, os mapas começam a colorir a região do Acre como uma aquarela, facilitando sua leitura e ampliando as informações sobre a região. A região acreana pode ser dividida cartograficamente em duas partes e cada uma destas partes em duas fases. A primeira parte vai desde o século do descobrimento até o início do século XIX, compreendendo sua primeira fase mais de três séculos, em que os cartógrafos agiam mais pela imaginação do que pelo conhecimento do terreno. A outra fase desta primeira parte, a começar da segunda metade do século XIX, foi iniciada por Chandless que traça o primeiro mapa do Purús e concluída pelas comissões científicas, tanto do Brasil quanto da Bolívia, que promoviam o reconhecimento e estudo da região. A segunda fase da cartografia acreana se inicia depois de instalado o território do Acre, a partir dos estudos das comissões mistas brasileiro-peruanas de levantamento dos rios Juruá e Purús, compreendendo vários estudos de terreno e suas margens, bem como os mapas produzidos pelas Prefeituras do Alto Juruá e do Alto Purús. A segunda fase desta parte se inicia a partir de 1911 com o trabalho das comissões mistas de limites na área limítrofe com a Bolívia, e mais tarde, com a República Peruana. Os primeiros exploradores da região, como Chandless e Keller, produzem os primeiros mapas do Purús e do Madeira. O mapa de 1865 é uma carta sobre o Rio Madeira feita por Franz Keller. Em 1866 surge o mapa de Chandless sobre o Rio Purús e mais tarde o mesmo autor traça o primeiro esboço sobre o Rio Juruá. No mapa sobre o Rio Purús, o autor faz referência desde a foz do Iaco até suas nascentes. O mapa também menciona o nome de várias tribos indígenas e sua localização: os Jamamadis, os Paumaris, os Juma, os Machinéri, os Canamari. Traz ainda descrições sobre sua navegabilidade e assinala uma "trilha dos índios" que liga por terra o Juruá e o Purús. Mesmo ainda precário quanto à sua malha hidrográfica, este mapa foi o mais completo produzido sobre esta região até esta data. Durante este período, os rios encontrados no Acre foram: Purus, Juruá, Tarauaca, Iaco, Acre, Caeté, Macauá, Envira e Chandless. Posteriormente, surgem mapas da Comissão de Limites entre Brasil e Bolívia nos anos de 1895-1897. Este é um mapa do rio Amazonas e seus tributários. Este mapa se estende até o Purús e seus formadores na região acreana. O mapa de 1896, de Lopo Netto, "Uma Planta do Alto Purús", começa a assinalar alguns igarapés e praias nestes rios, sem nomenclatura, o que sugere uma outra fase de conhecimento hidrográfico da região. Surgem já em 1902 mapas políticos-históricos da região como é o mapa de Plácido de Castro sobre o Estado Independente do Acre, com 54 levantamentos parciais e muitas coordenadas geográficas, principalmente sobre as áreas de fronteira com a Bolívia e o Peru. Identifica, ainda, locais onde ocorreram combates e demarca povoações como Xapuri. Um outro mapa, de autor anônimo, compreende o período de 1777 a 1902, retratando as diversas interpretações da linha de limites entre o Brasil e a Bolívia, do Madeira ao Javari, conforme os Tratados de Santo Ildefonso (1777) e outros, até as linhas Black-Teffe de 1872, de Cunha Gomes de 1897 e da Bollivian-Crubs de 1901-1902. Este mapa já começa a inserir os afluentes do Juruá como os rios Gregório, Tarauacá, Envira e do Purús, o Chandless, Iaco, Antimary, Acre e Xapuri. De 1903 a 1905 surge uma série de mapas de Euclides da Cunha abrangendo a região de litígio entre Brasil e Bolívia. Os mapas são detalhados e começam a ser coloridos, contendo mais informações sobre a situação hidrográfica, geográfica e topográfica. A nomenclatura começa a ficar abundante e o conhecimento da região torna-se cada vez mais detalhado e preciso. O mapa que mais se destaca é a "Carta do Território Nacional do Acre", resultado final do trabalho da Comissão mista brasileira-boliviana que teve como comissários Euclides da Cunha (Alto Purús) e Belarmino de Mendonça (Alto Juruá). Traz anotações sobre navegabilidade dos rios, descrições da topografia, localização dos grupos indígenas. Daí por diante os mapas passam a ser mais completos até chegar ao mapa quase definitivo da região, executado em 1917 por João Alberto Masô, que apresenta seu trabalho em cores, facilitando a leitura cartográfica de acidentes, rios e localidades.

O desenvolvimento cartográfico acompanha o movimento de penetração na região ditado pela frente extrativista. Dois processos andam juntos: exploração e reconhecimento de uma região que passa a ganhar importância no cenário nacional.

O primeiro relato que se tem sobre o Purús é o do cronista Gaspar de Carvajal, dominicano de Quito, que em 1542 acompanhou Francisco de Orellana numa expedição que deu combate aos Omágua. Um século depois chegava o jesuíta Cristobal D'Acuna, cronista de Pedro Teixeira, ao Purús fazendo parte de uma expedição portuguesa de reconhecimento da região amazônica. Existe uma crônica datada de 1687 que narra a entrada do padre Antonio Vidal às zonas habitadas por Conibo e Campa. Estes religiosos da ordem de São Francisco começaram, desde o ano de 1684, a abrir caminho na direção do Acre. Na primeira expedição, depois de viajarem 15 dias pelo rio Perene, encontraram os índios Conibo. Numa segunda expedição pelo mesmo rio Perene e saindo em outro rio que desce de Cuzco, encontram deste lado do rios os índios Piros e Conibos; do outro lado do rio dáo notícia dos índios Campa (cf. AMAZONIA PERUANA, 1985). Os limites do tratado de tordesilhas já tinham sido devassados pelos portugueses, que a partir de agora queriam ganhar cada vez mais terreno na América Espanhola. Iniciava-se a expansão portuguesa no sentido leste-oeste.

Em 1693 o rei de Portugal envia um regimento para os ouvidores do Amazonas, ordenando um levantamento completo das populações indígenas, especificando número de aldeias e nativos, posições geográficas, nomes dos chefes e guerreiros disponíveis. Nesta mesma data, fica determinada a divisão do vale amazônico em áreas de predomínio de diferentes ordens religiosas. Os jesuítas ficam com a margem direita do Amazonas, entre os rios Iça e Negro. Os carmelitas se estabelecem na área do Purús, que compreendia o rio Solimões até a fronteira espanhola. Em 1755, foi criada a Capitania de S. José do Rio Negro visando a proteção dos confins do Grão-Pará. A população desta Capitania cresceu em demasia e a Vila de Barcelos tornava-se o polo mais importante da região. Para a manutenção da população da Vila eram necessárias provisões, cada vez maiores, de carne e gordura, o que motivou a procura de outras áreas para exploração de produtos. Inicia-se a penetração no rio Purús, abundante em peixes e tartarugas. Em alguns anos o rio Purús torna-se o maior produtor de óleo de tartaruga para a iluminação da capital Barcelos e de outros gêneros como salsaparrilha e óleo de copaíba. A "drogas do sertão" passam a ser procuradas em toda a região do Purús, chegando até o seu limite sul. Em 1757, a partir de um decreto que institui o diretório de índios, implantado pelo Marquês de Pombal, que tinha como objetivo substituir o regimento das missões, os religiosos perdem definitivamente o controle sobre as administrações das aldeias, das distribuições dos índios, que passa a ser exercido pelo poder civil. Os Diretores são responsáveis pela organização, fiscalização e distribuição dos índios para o serviço do Estado e dos colonos (cf.KROEMER, 1978). Mas foi somente no início do século XIX que a região do vale dos formadores do Purús e do Juruá começa a ser sistematicamente penetrada. As expedições do padre Bartolomeu Rodrigues e Francisco Melo Palheta desbravam o Madeira e o Juruá, durante este século. Este desbravamento se intensifica a partir da segunda metade do século quando, em 1852, João Rodrigues Cametá, encarregado da pacificação dos índios, faz a primeira exploração do rio Purús chegando até Sepatini. A segunda expedição oficial ao Purús foi chefiada por Serafim Salgado, enviado do Presidente de Província do Amazonas, Tenreio Aranha, que parte no mesmo ano. Ainda no ano de 1852, o Presidente da Província envia uma outra expedição ao Juruá, sob o comando de Romão José de Oliveira. Em 1861, sai a terceira expedição ao Purús, chefiada por Manoel Urbano da Encarnação a quem coube as chefias das expedições seguintes, nos anos de 1862 e 1866. Esta expedição descobre o rio Aquiri ou Acre, penetrando até muito além de sua foz no Purús.

A primeira expedição bem sucedida ao Juruá é devida a João da Cunha, então Diretor de índios, que depois de alcançar o Juruá-Mirim sobe o Tarauacá, passando pelo Envira, chegando, finalmente, por terra ao Purús. As primeiras notícias de efetiva exploração do Juruá é de 1858. Desta data em diante, os barcos de negociantes vindos de Belém e Manaus já saiam desta região carregados de produtos como cacau, breu, copaíba, anil, óleos, etc. Ainda na mesma década, o geógrafo inglês William Chandless empreende expedições aos rios Purús e Juruá e contribui definitivamente para o conhecimento da região realizando um detalhado trabalho cartográfico onde começam a se fixar os primeiros limites da região (cf. TOCANTINS, 1961).

As expedições de "drogas do sertão" não duram muito tempo pois, em 1882, chegam à região do Juruá os primeiros exploradores que demarcam as terras para a exploração da borracha, que tornaram-se, mais tarde, nos seringais. Este é um momento crítico na vida das populações indígenas da região que se encontram envolvidas pela frente extrativa, que agora passava por uma nova fase de organização. A frente necessitava de terras demarcadas para se consolidar e para isso era necessário expandir-se à custa das terras indígenas. Ocorre a primeira expulsão do contingente indígena de seu território original, o que parece ter promovido um re-arranjo nos limites territoriais de toda a região que englobava a bacia do Juruá e do Purús. Em 1883, os seringueiros chegam à embocadura do Riozinho da Liberdade. Em 1890 os seringueiros invadem o Tarauacá e seus principais afluentes como o Envira e o Murú.

Durante 1904-1906, Euclides da Cunha faz parte da Comissão Brasileiro-Peruana que tinha como missão corrigir e completar a planta feita por Chandless em 1855. Tal comissão foi instituída a partir de um acordo entre o Brasil e o Perú que estabelecia um "modus vivendi", destinado a vigorar no Alto Juruá e Alto Purús, durante o prazo fixado para as discussões diplomáticas sobre os limites dos dois países (cf. CUNHA, 1904-1906).

Em 1905, o Tenente do Exército Luiz Sombra fôra incumbido de subir o Alto Tarauacá, região à época pouco conhecida, para reprimir as "correrias de índios". Em 1911 o engenheiro Máximo Linhares, funcionário do então recém- criado Serviço de Proteção aos Índios, percorre os vales do Tarauacá e do Juruá, entrando em contato com diversas populações indígenas que à época se viam envolvidas pela frente extrativa da borracha. Em 1913, os Padres da Companhia Apostólica de Tefé passam a se interessar pelos índios da região do Alto Juruá. Em 1917 percorrem seus afluentes até os pontos mais extremos. Em 1923, a Prefeitura de Tefé se interessa em criar um núcleo indígena no Alto Envira, com o objetivo de catequese dos índios da região, mas tal intenção nunca se concretizou. O Padre Francês Constant Tastevin, da Congregação do Espírito Santo, com sede na cidade de Tefé, empreendeu, durante muitos anos, viagens de estudos e reconhecimento dos índios da região pela bacia do Juruá, principalmente nos rios da Liberdade, Tarauacá e Murú. Tastevin, em 1925 percorre o rio da Liberdade e conclui que ali foi o habitat de numerosas populações indígenas e que, àquela época as populações nativas se encontravam muito reduzidas devido as frentes de caucheiros peruanos e brasileiros, que entraram pela região exterminando grande parte da população. A frente do caucho, tanto quanto a da borracha, eram extremamente letais para a população indígena. Caucho e borracha se diferiam no processo de extração, o que produzia uma relação de contato com os índios de forma muito diferenciada. Euclides da Cunha em "Memórias da Comissão Mista Brasileiro-Peruana" descreve a extração do caucho (castiloa elástica) e da seringueira. Enquanto a árvore do caucho não resiste à extração do látex, fazendo com que os caucheiros a derrubem para extração do máximo de produto, a seringueira resiste a uma continuada extração. O caucheiro é um nômade, enquanto o seringueiro se fixa no território. Assim, conclui que o caucheiro é o que mais combate as tribos da região pois é impelido a ir sempre adiante nas suas explorações, desbravando novos territórios (cf. CUNHA, 1904-1906). Outro personagem que dá notícias dos índios do Acre e da ocupação da região é o médico João Braulino de Carvalho, que fazia parte da comissão de limites do Brasil com o Perú, e que vive na região de 1920 a 1927.

Atualmente, o Estado do Acre possui uma superfície de 152.589 quilômetros quadrados e está situado entre o Estado Amazonas ao norte, o Peru ao oeste, a Bolívia ao sul e o Estado de Rondônia a leste. Seus principais municípios são Brasiléia, Cruzeiro do Sul, Feijó, Rio Branco, Sena Madureira, Tarauacá e Xapuri.



"A SYMPHONIA ELÁSTICA"

O processo de povoamento da Amazônia, a partir dos meados do século XIX, muda por completo a face da região. Se antes os "droguistas" se constituiam em uma frente itinerante, em uma coleta móvel pelo território, sem fins de fixação à terra, os seringueiros passam a ser os novos ocupantes da terra apesar de não serem os novos donos. As terras ficariam à cargo dos "patrões", estimulando a expansão do latifúndio. "O regime oniprodutivo, latifundiário da borracha afastou o homem das culturas agrícolas, aristocratizou a figura do patrão, aviltou a figura do seringueiro..." (TOCANTINS, 1982:103).

Quando a borracha passa de droga a produto e o droguista passa a ser seringueiro, a região do Acre, que era considerada o "eldorado da borracha", vive uma frenética penetração de frotas, patrocinadas pelas casas aviadoras de Manaus e Belém, que intencionavam se estabelecer nas bacias do Juruá e do Purús. A região, simultaneamente, foi invadida por duas frentes. Uma, mais itinerante, formada por caucheiros provenientes do Peru, que se desloca a partir dos vales Madre de Dios e do Ucayali transpondo o "aquarum" do Amazonas na direção norte até o Ituxi e outros rios do baixo Purús (cf. CUNHA, 1976:235). E por outra, mais sedentária e estável, composta por seringueiros brasileiros que já no último quartel do século XIX se estabelecem na região; massa de mão-de-obra proveniente, em sua grande maioria, dos Estados do nordeste do Brasil. Os anos de 1877, 1888 e 1900 foram datas expressivas, que marcaram a ocupação definitiva da região acreana pelas levas sucessivas de migrantes que penetraram a região refugiando-se da seca. Havia uma preocupação permanente, por parte dos "patrões da borracha", em estabelecer e fixar uma população pois disso dependia o sucesso da empresa extrativa, que não podia prescindir de mão-de-obra. Os preços que a borracha atingia no mercado internacional pós-processo de vulcanização, eram realmente vantajosos. Faltava apenas implantar uma estrutura organizada para viabilizar a extração do látex e seu escoamento para os grandes centros de exportação. O Acre, durante todo este período, foi uma espécie de fornecedor exclusivo do produto, que iria fazer enriquecer os proprietários de casas aviadores nas cidades de Manaus e Belém. Florescia, em plena selva amazônica, uma nova civilização regida pela "Symphonia Elástica". Época onde todos os eventos eram por razão e causa da borracha. Na estrutura econômica da frente havia dois personagens fundamentais para sua composição, o capital e o trabalho. Os aviadores eram os banqueiros das cidades e os patrões os aristocratas da beira do barranco. Para o trabalho restava só o seringueiro, vítima do "holocausto ao leite branco, espécie de licor maldito, porém desejado, enchendo o cálice de quem o procurava, sorvido até a última gota, algumas vezes fatal" (TOCANTINS, 1982:104).

Este grande movimento de população para a região amazonica promoveu a organização da empresa extrativa. Alguns anos antes, a indústria se deparava com a dificuldade de inexistência de população para organizar a produção. Apesar de existir o elemento indígena na região, este não tinha nem número suficiente e nem interesse o bastante para produzir o trabalho de coleta do látex. Em 1870, sobe pela primeira vez o Purús uma embarcação a vapor: era o Curuzu. Depois deste evento, os barcos a vapor não mais pararam de singrar os rios Juruá e Purús, trazendo os braços para a exploração e levando a produção de borracha para os grandes centros que se construíam à custa da "euforia" do látex. As migrações não cessaram até o segundo decênio do século XX. Estava dada a transformação: o Acre passa a ser a frente pioneira, o novo Eldorado. A valorização do produto no mercado internacional dita esta transformação.

Desde os anos 20 do século XIX, a produção da borracha já se registra na região. A média de borracha produzida nos anos 40 foi de 460 toneladas/ano, 1.900 toneladas em 1950 e 3.700 nos anos sessenta (cf. FURTADO, 1980:129). Por esta época, registra-se o aumento da cotação do produto no mercado externo. Ao invés de exportar os sapatos prontos para o exterior, o Brasil passa a exportar a goma elástica em estado bruto; passa de exportador de manufatura à fornecedor de matéria-prima para as indústrias crescentes na Europa e nos Estados Unidos. O preço de 45 libras por tonelada, na década de 40, passa para 118 libras/tonelada na década de 50, 125 libras nos anos 60 e 182 libras na década de 70 (cf. FURTADO, 1980:129). Neste período a borracha se torna a matéria-prima mais procurada com a expansão do mercado mundial. O processo de vulcanização fazia a borracha resistir ao uso e ao calor, projetando-se como produto de ponta na expansão capitalista. Da mesma forma que a indústria têxtil caracterizou a revolução industrial nos fins do século XVIII, e as construções de estradas de ferro na metade do século XIX, a indústria de veículos a motor de combustão interna, que rolavam sobre pneumáticos, foi o principal fator dinâmico das economias industrializadas durante as duas últimas décadas do século passado e as três primeiras deste. O preço do produto continua subindo até que, em 1909-1911, a tonelada atinge 512 libras. Esta enorme subida dos preços queria indicar que a produção não era suficiente para abastecer o mercado mundial e que novas soluções estariam por vir (cf. FURTADO, 1980:129). Desde o começo do século XX que os países compradores de borracha procuram soluções alternativas para não depender exclusivamente do mercado brasileiro. Neste sentido, tanto os Estados Unidos quanto a Inglaterra organizam a produção de borracha em outro continente: o Asiático. A borracha oriental entra no mercado, a partir do fim da primeira guerra mundial gerando uma queda definitiva no preço do produto, que fica inferior a 100 libras/tonelada a nível internacional. Estava desbancada a soberania brasileira e o império do ouro negro começa a ruir.

Se acompanharmos as exportações da borracha desde os anos 70 do século XIX, podemos observar as transformações sofridas na região. Na década de 70, a exportação foi de 6.000 toneladas, nos anos 80 atinge a marca das 11.000 toneladas, nos 90 exporta 21.000 e no primeiro decênio deste século a exportação chega a 35.000 toneladas. Observa-se que o enorme incremento na produção, tendo como consequência a duplicação da cifra de exportação de ano para ano, resultou exclusivamente do aumento de mão-de-obra na região do que de desenvolvimentos ocorridos no processo de produção. Estima-se que a população, que chegou a Amazônia no período que compreende o final do século XIX e o começo deste século, atinja a faixa de meio milhão de pessoas (cf. FURTADO,1980:129). O Nordeste era a reserva de mão-de-obra necessária para o sucesso da empresa seringalista. O Acre virava Nordeste. As próprias casas aviadoras mandavam agentes para a região Nordeste, principalmente para o Estado do Ceará, maior provedor de homens para o trabalho nos seringais do Acre, com a intenção de divulgar os benefícios que a exploração da borracha trazia para os homens que a exploravam: riqueza, prosperidade, fortuna. Os agentes, nestas viagens ao nordeste, procuravam convencer o maior número possível de pessoas que o futuro do país estava na região amazônica, mais especificamente no Acre. Seu trabalho era o de um "gato" moderno, arregimentador de mão-de-obra para a frente extrativa. Vendedor de ilusões e avalista das fantasias que encantavam e atraíam os homens para a Amazônia.

Com a queda do preço da borracha, a miséria se generaliza na região. Os migrantes nordestinos, sem condições de retornar a sua terra natal, estabeleceram-se, passando a complementar seu orçamento com produtos da caça e da pesca.

O "boom" da borracha agudiza e precipita os problemas de fronteira na região. Os países envolvidos na questão são o Brasil e a Bolívia, que começam a disputar a fatia mais "emborrachada" do território. Época de revisão dos tratados, re-leitura dos mapas, lembranças do Brasil Colonial que já havia cedido à Bolívia toda aquela parte do território. Da perspectiva da Bolívia, havia já um pensamento voltado contra a política imperialista do Brasil, herdada dos lusitanos, e era necessário ao povo boliviano evitar tal expansão sobre suas terras (cf. CARNONA, M., 1925). Neste sentido, os brasileiros seriam os representantes de Portugal na ambição de criar uma base física na Sul-América, à custa das terras da Espanha da qual o governo da Bolívia considerava-se o legítimo continuador (cf. REIS, 1960). Do ponto de vista brasileiro, um documento de época dá conta dos interesses que estavam em jogo e que envolviam os dois países: "A antiga província do Amazonas, hoje Estado do Amazonas exerceu sempre a sua autonomia nas regiões superiores do Purús e do Acre, com inteira liberdade de ação.(...) Os representantes do governo da Bolívia e o Brasil, em outubro do anno de 1898, entenderam perturbar as relações de bôa amizade sempre mantidas entre as duas nações limítrophes, installando nas regiões do Alto Rio Acre, no logar denominado Puerto Alonso, um governo provisório que tinha por fim conquistar uma grande extensão de território nacional e até então sujeito a jurisdição do governo do Amazonas como principalmente desviar de seus cofres estaduais e do de suas municipalidades os recursos orçamentários de que tanto carece para as despesas do Estado. Este regimen inteiramente annormal, que os representantes do governo boliviano estabelleceram na região superior do Acre, onde as linhas divisórias dos paízes limitrophes não se achavam ainda completamente assinaladas, havia necessariamente determinar prejuízos ao Estado do Amazonas" (cf.Doc.15,IHGB, L.200).

A reação do governo do Amazonas foi no sentido de provar que as terras do Acre, desde os seus primórdios, foram colonizadas por brasileiros e portugueses, e que somente agora a Bolívia retornava a sua história da época colonial para exigir seus direitos sobre o território, que compreendia os vales do Juruá e do Purús. Possuindo, de direito, a região acreana, o que era reconhecido pelo governo brasileiro, a Bolívia se apossa da área, instalando uma alfândega em Porto Alonso. Estas medidas foram muito mal recebidas na região, visto que os seringueiros eram brasileiros, os patrões eram brasileiros, os aviadores eram brasileiros mas a região era boliviana. O governo da Bolívia instalado no Acre cobrava impostos para a borracha, que passa a ser exportada para o Brasil. A população, que estava sob as leis bolivianas na região, se torna cada vez mais revoltosa percebendo os bolivianos como usurpadores. Faz crescer uma onda de patriotismo na Amazonia, sentimento ameaçado pela "invasão" boliviana no Acre. Ao mesmo tempo, o governo boliviano fazia, sob o apagar das luzes, um acordo de comércio e exportação da borracha para os Estados Unidos. Era um acordo em que os Estados Unidos, entre outras coisas, dariam condições ao Estado boliviano para continuar explorando o território do Acre. Surge um personagem importante nesta trama tecida pelos interesses da borracha: Luiz Galvez, que era, à época, jornalista do Jornal do Comércio do Amazonas e servia aos interesses dos grandes seringalistas da região.

Galvez foi escolhido o tradutor do documento entre a Bolívia e os Estados Unidos, descobrindo quais as bases reais do que estava prestes a acontecer na região acreana. O Brasil, à época, não tinha muito interesse na região visto que a República ficava alheia a todo o movimento de Belém e de Manaus, que eram independentes nas transações com o comércio exterior. A questão do Acre não tinha despertado o sul do Brasil para atentar sobre a importância da economia da borracha. Galvez se transformou em herói amazonense, da noite para o dia, como representante dos ideais do povo da região na luta pelos seus interesses no negócio da borracha. Assim, Galvez parte em expedição para o Acre munido de algumas espingardas e acompanhado de 20 homens. Chegando lá, lidera um movimento contra os bolivianos e, em 14 de julho de 1889, proclama a independência do Acre em relação à Bolívia e cria o Estado Independente do Acre. A intenção revolucionária era no sentido de desvincular o Acre da Bolívia e chamar a atenção das autoridades brasileiras para, daí por diante, instituir um litígio entre Brasil e Bolívia pelo território do Acre. O Acre, assim, fora feito e era de posse dos acreanos. Época de borracha, época de estado moderno, de repúblicas. Assim, Galvez, enquanto presidente provisório, procede a criação de um Estado moderno de governo no Acre: oficializa um decreto de proclamação da república, estabelece os limites, adota uma bandeira, decreta o português como língua-oficial, constrói um palácio de governo, institui uma moeda, selos, escreve cartas em francês a Chefes de Estado participando a independência do Acre, decreta feriados, organiza as eleições presidenciais e adota a constituição do Amazonas como a oficial do seu novo país. A república de Galvez dura 8 meses. Em meados de 1900, já estava acabada e se iniciava um litígio entre o Brasil e a Bolívia pela posse da região. Do ponto de vista dos que organizaram o movimento revolucionário, os que defendiam os interesses da borracha, os que controlavam a empresa seringalista no Acre, o plano dera certo pois logo o Brasil não reconheceu os direitos do Estado Independente, o que o pressionou à tomada de posição em relação as terras ocupadas (cf.Doc.IHGB, L.502, P.11).

A Bolívia tentava capitalizar a energia financeira da Inglaterra, da Alemanha e dos Estados Unidos, experimentando o sistema de "Chartered Companies", entregando a região a um sindicato americano. Logo, outro herói entra em cena. A Bolívia queria ceder, à United States Rubber Company, uma área de borracha, na região. Este acordo fora feito em 11 de junho de 1900. O Brasil faz com que este acordo seja anulado em Nova York e fosse dado o termo de renúncia do "Bolivian Syndicate". A revolução comandada por Plácido de Castro, iniciada em 1902, ia ganhando intensidade e os bolivianos iam perdendo terreno (cf. REIS, 1960). Plácido de Castro dá combate aos bolivianos e o faz em nome do Brasil. A partir daí se instaurava um governo provisório no Acre, um "modus vivendi" que o Barão do Rio Branco havia proposto à Bolívia. O Brasil passa, desde então, a administrar a região em litígio e daria ao governo provisório boliviano o direito a 50% das taxas referentes à exportação da borracha. Plácido de Castro, acreditando que a Bolívia quisesse continuar a brigar pela região, transfere a sede do governo para Xapuri e a alfândega para Capatará. Muitos combates se deram entre a Bolívia e o Brasil, na região de Santa Rosa, Costa Rica, Puerto Alonso. A idéia de Plácido de Castro, como representante do Brasil no litígio, era a de pacificar as relações entre os dois países para que se pudesse, então, chegar a um acordo diplomático. Cessado os combates, as negociações diplomáticas se iniciam e, finalmente, a Bolívia aceita conceder ao Brasil, mediante indenizações no valor de 2 milhões de libras, uma estrada de ferro que ligasse os dois países e um porto no Rio Madeira, a região do Acre. Esta foi anexada plenamente pelo tratado de Petrópolis, assinado em 1903 (cf. ROCHA, J. 1903). Um documento de 1917 diz que o Brasil, em cinco anos depois do acordo com a Bolívia, recuperaria a indenização paga somente com os lucros obtidos com as exportações de borracha (cf. MENEZES, M., 1917).

Com a criação do território do Acre, na primeira década deste século, a região foi desligada do Amazonas, constituindo os departamentos do Juruá e do Purús com suas respectivas prefeituras. Mas durante toda esta década e a seguinte houve muita discussão sobre se o Acre se transformaria em Estado ou continuaria a ser Território Federal, isto é, se o Acre seria administrado pelos acreanos, pelo governo do Amazonas ou se pelo Governo Federal (cf. VASCONCELLOS, C. 1906). "Quase a totalidade do povo é cearense. É extremamente nacionalista e contra a incorporação do território ao Estado do Amazonas" (cf. BUENO DE ANDRADE, A.M., 1907, Arquivo Pessoal de Afonso Pena, Arquivo Nacional). Os amazonenses que dominavam a estrutura econômica do território não incentivavam a transformação do Acre em Estado. Pelo contrário, defendem que a região deve ser administrada pelo Amazonas visto que ela sempre foi de posse daquele Estado. "Se o Acre não tivesse as riquezas que tem, teria sido pacífica e desapercebidamente anexado ao Amazonas, é esta riqueza que faz com que os acreanos lutem para sustentar a autonomia acreana" (cf. OURIQUE, 1907). Surge, à época, alguns movimentos liderados, na imprensa e na opinião pública, pelos acreanos, pleiteando que o Acre se transforme em Estado da União visto que era a terceira renda nacional, perdendo somente para os Estados de Minas Gerais e São Paulo. Fazia o governo da União arrecadar recursos significativos devido as taxas de exportação da borracha (MEIRA, A., 1913). A discussão se dava por razões de o Acre se situar à margem da história do Brasil visto que, se por um lado contribuía de forma substancial para o erário nacional, por outro não tinha representação no governo do país. O debate já se consolidava quando veio a "débacle" amazonense precipitada pela queda vertiginosa do preço da borracha, nos anos 20.

Depois desta tentativa frustrada do capital estrangeiro de se apossar da produção da borracha na região, este estava vinculado, novamente, ao mercado brasileiro, encontrando-se totalmente dependente do Brasil para prosseguir na sua expansão capitalista. Neste sentido, os países estrangeiros procuraram tornar possível a exploração de outras áreas de seringal e voltam seus olhos para suas colônias no Oriente. Já em 1876, o inglês Henry Wickman, com ajuda de índios Mura, consegue contrabandear para a Inglaterra 70.000 sementes da árvore seringueira. Destas, apenas 2.440 germinaram e foram enviadas para as colônias britânicas na Ásia (Ceilão, Cingapura, Bornéu, Java e Sumatra) onde se adaptaram, sendo plantadas de forma racional com vistas a grandes safras. Em 1910, a primeira safra de borracha asiática chega ao mercado mundial causando vertiginosa queda no preço do produto e desorganizando a economia amazonense. Daí em diante, inicia-se a crise do produto no Brasil e, cada vez mais, a produção asiática dominava o mercado. Em 1921, o preço era dez vezes menor do que fora em 1910.

A crise da borracha já se fazia sentir desde 1906-1907 quando o relatório da prefeitura do alto Acre já assinala que os seringais estavam em franca diminuição no território em função da "exploração"(...) que atingia uma forma bárbara e vampira e que os ricos seringais estavam como florestas abandonadas pela cobiça da exploração"(Cf. Plácido de Castro,1906-1907). Era uma crise de produção e não do preço no mercado mundial. Os migrantes quando chegavam à região, transformaram-se em seringueiros, incorporando os sonhos de fazer fortuna e conquistar territórios. Isto fez com que a empresa entrasse num rítmo desordenado de exploração. Plácido de Castro descreve, ainda no mesmo relatório, a miséria que grassava na região em virtude dos nordestinos já chegarem muito mal nutridos; se não morriam nas viagens, morriam das condições de vida encontradas nos seringais. Em documento de 1908, A.M. Bueno e Andrada descreve que na região do Juruá se instalava a desordem e ocorriam muitos conflitos entre os patrões e os seringueiros, nesta época de baixa da borracha (cf. Arquivo Pessoal de Afonso Pena, Arquivo Nacional). Existe outro relato da época, feito por um viajante que chegava ao Purús em 1907-1908, dizendo que o Purús é o rio mais comercial de todos os tributários do "Rio-Mar". Observara que a produção da borracha subia 26 toneladas em relação a safra do ano anterior e que isso significava uma arrecadação de 20 mil contos para o Governo Federal (cf. AMORIM, A. 1917). Ainda sobre a diminuição da produção, verifica-se nos escritos de Honório das Neves, de 1918, que os seringueiros já agora, diante da crise da borracha e da queda de preço no mercado, precisam retirar mais para ter o mesmo lucro, o que fazem sem pensar na recuperação da árvore. A diminuição da produção da borracha, neste período, é de 50 a 60%. "Pensando nos lucros momentâneos, os seringueiros e mesmo os seringalistas nunca pensaram no futuro e os prejuízos começam a aparecer" é o que diz este observador da crise da borracha na economia acreana. Se a Inglaterra já providenciava há bastante tempo sua emancipação na produção da borracha impondo a plantação da goma elástica no mercado asiático, os Estados Unidos começavam na primeira década deste século o mesmo processo de independência do mercado brasileiro. Começam a plantar a árvore nas Filipinas e esperam uma safra de 192.000 toneladas no ano de 1925. Para o Brasil conseguir o lugar no mercado externo só restava uma solução, que nunca chegou acontecer: o aumento da produção (cf. NEVES, H. 1918). Um relatório do governador do território do Acre, em 1922, chama atençao para o perigo das safras asiáticas já que, desde 1909, 175 companhias existiam a serviço da Inglaterra e dos Estados Unidos para o plantio da hevea brasilienses, em colonias destes países. Estas companhias elevaram o índice de plantação a cerca de 124.000.000 de árvores que racionalmente plantadas poderão produzir cerca de 187.000 toneladas, enquanto a produção de toda a Amazônia não atinge o número de 40.000 toneladas. Diz que, em 1918, houve um êxodo populacional em decorrência da crise do produto, resultando num aumento de apenas 8% da produção naquele ano (cf. JACOME, E. 1922).

Os relatórios dos Prefeitos, das Prefeituras que foram instituídas logo após a anexação do território do Acre ao Brasil, deixam patente a forma como se desenrolava a economia acreana: "O trabalhador explora a seringa, o patrão explora o trabalhador, o os commerciantes do Pará e de Manaos exploram os patrões... O corolário desta irregularíssima vida econômica é que os trabalhadores endividam-se extraordinariamente junto aos patrões, os quaes, para sustentá-los durante seis a sete meses de ócio, se endividam por sua vez com os aviadores do Pará e Manaos, e que por seu turno, se veem em colisões para liquidar qualquer transação; giram num círculo vicioso" (TAUMATURGO DE AZEVEDO,G.,1905). Conforme os anos avançam e a crise da borracha se apresenta irreversível, os relatórios ficam mais pessimistas em relação ao futuro da região acreana ao mesmo tempo que procuram, desesperadamente, diversificar a produção de matérias-primas e bens para o mercado interno. A produção da borracha nos áureos tempos desestimulava qualquer forma alternativa de produção, ainda que fosse para a subsistência. Todos os esforços eram canalizados para a produção da goma elástica, o que deixou a região completamente dependente e carente de todos os gêneros de alimentação, todos importados de outras regiões do país. Quando a crise se instaura de fato e as esperanças cessam é que há uma preocupação de incentivar a pecuária e a agricultura na região, o que fica patente nos relatórios a partir de 1912. No relatório de 1925, José Thomas da Cunha Vasconcellos, governador do território, diz que "o Acre é um opulento mendigo, produz tudo e tem carência de tudo" (cf. 1925). A partir deste momento são lançados planos de defesa da borracha e é estimulada sua plantação em todo o Território Nacional. A Ford lança as bases de enormes plantações da hevea no pará, e a esta altura, no ano de 1928, o governador do território do Acre acredita que a iniciativa é boa e que deve até ser imitada na região acreana mas pondera que ao invés de novas plantações deve-se proteger e recuperar os seringais nativos (cf. CARNEIRO, H. 1928).

De 1920 a 1940, a empresa seringalista procura adaptar-se às novas situações de mercado. O preço continua a cair até que na década de 40 e 50, em consequência da Segunda Guerra Mundial, se estabiliza e a produção da borracha toma novo impulso. O governo quer monopolizar a extração do látex e chega mesmo a direcionar uma nova onda migratória do Nordeste para a região Amazônica; paralelamente cria o Banco de Crédito da Amazônia, que tem como objetivo garantir financiamentos para o aumento da produção.

Durante a Segunda Guerra Mundial houve um bloqueio, pelas forças do Eixo, aos seringais do Extremo Oriente, o que fez com que os Estados Unidos procurasse novamente o mercado brasileiro como alternativa para a crise de produção da borracha. Os Estados Unidos concederam ao Brasil um crédito de 100 milhões de dólares destinados à organização da extração. Embora com menor intensidade, a borracha torna-se um produto rentável novamente, com a elevação do seu preço no mercado internacional. Parecia que tudo voltava à época áurea de exploração do produto, e os interesses se direcionam mais uma vez para a região acreana. A história se repetia, novo ciclo de migrantes nordestinos indo à procura da prosperidade. Mas não passava de uma "fase de euforia" já que após a liberação das áreas orientais, a borracha brasileira retornava a ocupar um lugar insignificante no mercado mundial. Analisando os documentos do Conselho Nacional de Economia de 1934 a 1942, percebe-se que havia todo um incentivo à exploração deste produto. No Estado Novo, há uma intenção de melhoria dos transportes para a região, facilitando a migração de 30.000 trabalhadores nordestinos para os seringais. Durante este período, os seringalistas passam a ter voz novamente no Conselho Nacional de Economia e exigiam, entre outras reivindicações, a melhoria dos transportes, a isenção de impostos, proteção ao produto e incentivo à migração para região acreana, o que significa um investimento na melhoria de condições de vida da região como a abertura de hospitais, planos habitacionais e sanitários. Em julho de 1942 foi submetido ao Presidente da República um projeto de decreto-lei que criaria o Conselho Federal de Expansão Econômica da Amazônia, mas este projeto não foi assinado, sendo arquivado em 1948. Durante todo este período a "Borracha Brasileira" foi discutida amplamente e, ficou na história, relembrada e respeitada pelos seus tempos de glória e de rentosa contribuição para o erário nacional. Houve muita polêmica sobre a nova exploração mas não durou mais do que uma década. As discussões giravam em torno do que a borracha representava no mercado mundial e no mercado brasileiro, e de sua expansão para as áreas de plantação, submetida a um processo racional. Já nos documentos de 1934, a borracha nativa é contrastada à borracha cultivada e a esta última é atribuída a responsabilidade da crise do produto no mercado brasileiro.

O Acre surge com a frente extrativa da borracha e levará esta marca para sempre, na construção de sua história. A borracha é questão durante todo o tempo, e há sempre uma esperança de retorno aos bons tempos, tempos de prosperidade. De 1950 a 1960, a empresa seringalista sofre uma profunda estagnação. Volta a desenvolver uma atividade econômica mista. Neste contexto, surge o "barranqueiro", nova categoria social que fica no lugar do seringueiro. O barranqueiro emerge da estagnação da empresa seringalista e se dedica a produção de roçados, com o objetivo de vender a produçào excedente nas cidades vizinhas. Durante a década de 70, mais especificamente em 1972, foi criado o PROBOR através do decreto lei nº 1232, que demonstrava que o governo dava destaque à racionalização da produção da borracha no Brasil. Este programa foi confiado a SUDHEVEA que plantaria, entre 1972 e 1975, 18 mil hectares de cultivo na Amazônia. O programa também objetivava a recuperação dos antigos seringais nativos da região. Este programa fracassa e o governo cria, em 1978, o PROBOR II que se desenvolveria até 1982. Este programa teria que plantar 120 mil hectares de seringais de cultivo, recuperar 10 mil hectares de seringais cultivados e a recuperar 10 mil colocações de seringais nativos. Iria, ainda, implantar e realocar 8 usinas de beneficiamento de borracha. Estes programas fracassaram, foram criados para tirar o Brasil da situação de importador de borracha dependente do mercado Asiático.

Na década de 70, apesar dos planos do Governo querendo promover a borracha, surgem os grandes capitalistas do sul do Brasil, que passam a ser os novos proprietários dos seringais da região, desenvolvendo uma atividade mista de pecuária e agricultura e usando como pano de fundo os benefícios oferecidos para produção de borracha. Esta ocupação recente dá uma feição completamente nova à região; agora não é mais tempo dos seringais, é tempo dos pastos e das queimadas.



VAPOR E BORRACHA: A "BELLE ÉPOQUE" NA SELVA

Do casamento do seringueiro com a selva produzindo borracha nascia a época de maior opulência que a região amazônica viveu. Ao seringueiro restava o trabalho e a exploração: "embora livre fisicamente, constituira-se num escravo moral do patrão pela dependência econômica, rígida, e às vezes, até mesmo num genuíno escravo, vítima de castigos corporais, tolhidos nas liberdades que fundamentam a existência livre" (TOCANTINS, 1982:104). Aos patrões e comerciantes cabia a melhor parte: gastar o dinheiro que o ouro negro fazia render. Emílio Goeldi, zoólogo suíço que reorganizou o Museu do Pará, foi testemunha desta época e escreve em 1900: "...a borracha representa a hélice propulsora do progresso material dos dois Estados e a ela cabe, principalmente, o merecimento de hoje, entre os Estados confederados do Brasil, o Pará e o Amazonas gozarem de fama de bem estar e riqueza. Aquelas montanhas de pães pretos, piriformes, ou amarelas, discóides, que vão arrumadas naqueles caixões de madeira enfileirados no litoral, e lá esperam a ocasião de serem embarcados para a Europa e América do Norte, alimentam um grandioso movimento comercial, a cada dia crescente, de cujos efeitos se ressentem todos os ramos da vida pública, todas as partes do organismo social" (ALBUM DO PARA, 1900).

Manaus e Belém transformavam-se nas cidades "princesas"' da região equatorial, centros de atração. Ganharam ar de modernidade com a borracha. Muitos dos estrangeiros que desenbarcavam no porto do Rio Negro ou na baía de Guajará tinham a sensação de estarem numa cidade de seu próprio país como Marselha ou Bordéus. "O movimento de veículos de toda a sorte, num vaivém contínuo, que parecia mais um grande centro europeu do que uma cidade tropical" (TOCANTINS, 1982:123).

Euclides da Cunha numa viagem ao Pará em 1904, registra em carta ao seu pai: "O que é a cidade de Belém, com os seus edifícios desmesurados, as suas praças incomparáveis e com a sua gente de hábitos europeus e generosa, foi a maior surpresa de toda a viagem" (VENANCIO, F., 1938 apud TOCANTINS, 1982:123).

Comparada à Europa a região vivia em plena modernidade, as cidades adquiriram ar cosmopolita: ruas espaçosas e largas, teatros imponentes como o de Manaus e o Teatro da Paz de Belém trazendo artistas internacionais e revistas francesas à Amazônia. Possuía "magazins de modes" comparáveis aos grandes boulevards parisienses. Ganhava-se muito dinheiro, bebia-se champagne e cerveja importada e a bacia amazônica despejava a borracha para o resto do mundo, tornando muita gente milionária. Belém importava granito, de mais de 3000 Km de distância, para calçar suas ruas e avenidas (cf. DONATO, H., 1963). Manaus e Belém, com ares de metrópoles, causavam espanto e surpresa nos visitantes estrangeiros que lá chegavam, esperando encontrar selvagens ou uma cidade de índios com seus arcos e flechas. Pelo contrário, lá encontravam "la civilisation la plus raffinée est parvenue jusq'áu Rio Negro" (BONNEFOUS, J., 1898 apud id. ibid).

Centenas de paraenses e amazonenses cruzavam o Atlântico para conhecer a Europa. Não conheciam a capital do Brasil, o Rio de Janeiro, mas conheciam as principais cidades da Europa. Tocantins narra que os governos da "belle époque"' faziam álbuns que testemunhavam a opulência da região. Era também a época da fotografia, que marcava mais uma entrada na modernidade. Os álbuns documentavam as construções, as praças e os jardins, as residências particulares; um retrato da época, das grandes e suntuosas construções que queimavam todo o excedente acumulado pelo comércio e produção da borracha. Os comerciantes das cidades propiciavam uma vida social europeizada, como se fosse uma "Paris nos trópicos". Mas mesmo no interior, nas áreas de seringais como o Purús, era comum encontrar casas elegantes à beira dos barrancos e as filhas dos patrões tocando, em pianos das melhores marcas alemãs e francesas, valsas de Strauss ou noturnos de Chopin. As casas eram bem equipadas com faqueiros e cristais franceses, louças inglesas, toalhas de linho (cf. TOCANTINS, 1982:130).

Todo este período foi regido pelo vapor, barcos que eram responsáveis pela movimentação da riqueza em toda a região. A navegação fluvial é inseparável do ciclo da borracha. Os vapores eram alemães, ingleses e italianos, que não só ligavam Belém e Manaus ao interior e ao Acre mas também à Europa. A descrição de um vapor, que a firma Barbosa & Tocantins encomendara a armadores estrangeiros, deixa patente a atmosfera da época, o encanto que as máquinas e os luxos dos aparelhos do vapor criavam: luz elétrica, ventiladores de teto, piano automático, máquina de fazer gelo. Os jornais noticiam, no ano de 1908, a chegada do vapor. Tocantins escreve que "para aquilatar o que representava em novidade, progresso e sentido estético um acontecimento como esse, é preciso viver o espírito daqueles anos. Um vapor com os recursos do Tocantins era um fato inédito, um passo no caminho das transformações sociais" (1982:132).

O tráfego fluvial intensificou-se, desde então, e a Amazônia, em especial o Acre, vivia a euforia dos vapores. A frente da borracha era tão absorvente, que mesmo sendo o vapor imprescindível para seu desenvolvimento, ela não permitia que se tivesse tempo para fornecer lenha às suas máquinas. Tudo que não fosse borracha era difícil de se conseguir, naqueles tempos.

Se os vapores já eram um sinal de modernidade, faltava ainda consolidar o que era realmente moderno, à época do final do século XIX e começo do século XX: as construções das estradas de ferro. Novamente as máquinas vão encantar o homem, dando um ar de modernidade à selva. Esta fôra a iniciativa que começara na região pós-anexaçào ao Brasil. No acordo com a Bolívia, o Brasil ficava responsável pela construção da estrada de ferro que ligaria o Rio Madeira ao Mamoré, na Bolívia. Esta estrada percorreria os trechos encachoeirados do rio que não eram propícios à navegação. Desde o final do século XIX houve planos de construção de uma estrada de ferro na região. Em certo momento, foi mesmo iniciada sua construção por conta de empresas inglesas mas não dera nenhum resultado e perdera-se o desafio de se conquistar a selva impondo um rítmo de vida moderna. Mas no ano de 1907 se inicia esta obra que deixou marcas profundas na civilização amazonense da época. A dificuldade de se conseguir mão-de-obra, num tempo em que todos os braços se voltavam para a coleta do látex, forçou a vinda de imigrantes para a construção da via férrea. Foi obra grandiosa onde concorreram imigrantes de mais de 50 países do mundo, que vieram para erguer uma linha férrea no meio da floresta. Esta ferrovia causou muitas polêmicas, produziu fantásticas histórias e fez a desilusão de muita gente.

Porto Velho foi o centro administrativo de toda a construção que envolvia somas consideráveis de dinheiro, garantia de uma construção deste porte. O tempo de duração da construção foi de 5 anos. Assim, em 1912 estavam encerrados os trabalhos na estrada de ferro. Todo o trabalho custou milhares de vidas que foram perdidas na tentativa de construir um carrossel de ilusões, uma estrada de ferro, "um caminho que conduzisse do nada a lugar nenhum" (cf. HARDMAN, 1988). Um relato narra as consequências da estrada: "Porto Velho é hoje uma cidade moderníssima e ali impera o conforto de que os ingleses costumam cercar-se, em qualquer parte do orbe em que se instalem. Cinemas, clubes, bares, bons hotéis, restaurantes, teatros... hoje circulam por essa via férrea borracha, caucho..." (PRADO, E., 1952). Este período dura pouco pois coincide com o término desta empreitada a crise da borracha, que fazia entrar em franca decadência toda a região, não conseguindo mais sustentar por muitos anos o luxo e a opulência desta construção. A estrada de ferro Madeira-Mamoré era apenas um palco onde se podia sonhar com as maravilhas do capitalismo moderno que vencia à época mais um de seus desafios: dominar a selva amazônica. Uma espécie de cunhagem da modernidade sobre a selva. Produziu ilusões de um tempo, tempo do império do ouro negro. Os trens eram equipados com o que havia de melhor no mundo. Porcelanas inglesas, talheres franceses e mordomos vestidos à caráter: luvas brancas e uniforme de ferrovia.

A borracha consagrou e produziu todo este período, os ares de modernidade sopraram sobre a selva. Ares quentes de vapores que singravam os rios ou que riscavam os trilhos da selva. Era das máquinas de ferro, da urbanização, da transformação do "inferno verde" no paraíso terrestre, das construções suntuosas tramadas na euforia da "symphonia elástica". A "débacle" amazonense, no período pós-primeira guerra mundial, faz com que todo aquele complexo do ouro-negro passe a viver da lembrança do que havia sido. Um momento novo onde só restaram as marcas arqueológicas de um tempo.



TERRAS NO ACRE E A NOVA FRONTEIRA

O Acre, possuindo uma área de 152.589 quilometros quadrados numa altitude media de 200 metros acima do mar, é pleno em terrenos sedimentares cenozóicos que descem suavemente para a bacia amazônica onde estão as cabeceiras dos rios Juruá e Purús, afluentes do amazonas. De clima quente e úmido tendo uma precipitação de 2000 a 2500 mm de chuva anuais, possui terras dominadas pela floresta equatorial ou hiléia brasileira.

Desde o final do século XIX, a estrutura fundiária acreana surgia de forma muita concentrada: os seringais se espalhavam por vastas áreas de floresta se configurando em verdadeiros latifúndios. Um documento da primeira década deste século, de Luis Rodolfo Cavalcanti, define em três fases distintas a questão das terras no Acre. A primeira fase data desde o ano de 1852, em que instituída a província do Amazonas pela lei nº 582 de 5 de setembro de 1850, incorpora a região acreana ao seu território como parte integrante da antiga comarca da barra do Rio Negro, criada pelo decreto de 30 de junho de 1759. A segunda fase começa no ano de 1898, configurando-se numa situação em que os presidentes de província do amazonas aprovaram as demarcações e rivalizações das terras de todas as regiões do alto Amazonas, Purús, Acre e Juruá e de seus afluentes, efetuando a venda de terras. As terras devolutas bem como sua aquisição por compra ou revalidação, demarcação e discriminação entraram em um novo regime a partir de 1874, quando se regularizam a situação dos posseiros e dos pretendentes de compra dos lotes destinados à indústria extrativa. A terceira fase é a que constitui a região em Território Federal, em que se encontram os seguintes tipos de proprietários: a) proprietários com títulos legais expedidos no tempo da República e do Império; b) proprietários com títulos bolivianos; c) títulos expedidos pelos governos revolucionários brasileiro e boliviano; d) os que não tem título legal mas tem posse; e) os que não tem posse ou título de espécie alguma (cf. Arquivo Particular de Afonso Pena, Arquivo Nacional). Neste mesmo período um documento de 1907 afirma que era impossível naquele momento traçar uma política de demarcações de terra, pois as terras eram fontes de invasões, de insolúveis demandas. "Os imensos seringais abrem aos donos de barracão vasto campo para a exploração da borracha. O espaço é largo para todas as atividades e tipos de ambição. Os seringueiros preferem combinar entre si as raias de suas explorações a alimentar discórdias e assim vão vivendo em paz, vão estabelecendo os limites habituais de suas áreas de ação". (cf. BUENO ANDRADE, 1907, Arquivo particular de Afonso Pena, Arquivo Nacional). Em um outro documento do mesmo arquivo, o Sr. Gustavo Farnesse diz que em Cruzeiro do Sul "é difícil aplicar a legislação num território onde o rio e o solo são árbitros da vontade humana. Aqui não se fazem cálculos. Aqui não existem pobres!" (cf. id.ibid.). Nos períodos de crise da borracha, esta concentração diminui na medida em que terras foram vendidas e nelas instaladas colônias ou pequenas propriedades que utilizavam basicamente o trabalho familiar (cf. DUARTE, E., 1986). Observa-se esta intenção no relatório de 1922, do governador do território: "Desde o início da exploração do Acre, as suas terras foram distribuídas, ou melhor, açambarcadas por um número pequeno de posseiros que se assenhoravam de terras em proporções constitutivas de verdadeiros latifúndios, e dahi para cá não foi mais possível a divisão e subdivisão dellas, de modo das quais se pudesse radicar ao solo maior número de posseiros. É certo que a crise da borracha está sucedendo em grande escala devido exactamente ao facto de seringueiros, agricultores e roceiros nada possuirem em caráter fixo, o que lhes facilita a retirada qualquer momento..." (JACOME, 1922). A reivindiicação deste governador era a de poder distribuir melhor as terras, procurando evitar o domínio completo da indústria extrativa sobre qualquer atividade agrícola. Incentiva a policultura nas áreas o que seria somente possível com concessão de pequenas propriedades fixando a população à terra. Em 1925 o Acre possuía, numa área de 140.800 quilômetros quadrados, 454 seringais com uma população de 30 mil pessoas. O governador da época, em face a esta estatística, declara que "facilmente se verifica que as propriedades no Acre, ao contrário da clássica recomendação da sciencia economica, se compõem ainda de grandes latifúndios, o que dificulta, sobremodo, o seu efficaz aproveitamento e contribui para que sua população seja, como de facto o é, adventícia e não se radique ao solo ao qual se não liga por interesses economicos permanentes... Esta região, mercê de Deus, tudo produz com miraculosa fecundidade, mas por obra sinistra do destino... Tem tudo e tudo falta!" (VASCONCELLOS, J. 1925).

As décadas de 40 e 50 reacendem a indústria extrativa na região, promovendo mais uma vez a ocupação de terras que já há muito tempo haviam sido abandonadas. Neste momento a política fundiária na região parece ainda vigorar sob os interesses da borracha.

A partir de 1966, se efetivou uma política de incentivos adotada pelo Governo Federal, o que atraiu muitos investidores para região com objetivo de desenvolver projetos madeireiros, agropecuários e de mineração. Isto marcou o início da corrida do grande capital para a Amazônia, ocorrendo a compra de enormes glebas de terras. O sentido das compras de terras eram, até então, meramente especulativos. O Acre é atingido, no início dos anos 70, por esta nova fronteira. Com a economia extrativa em fase de estagnação, os seringueiros endividados vendiam grandes propriedades aos especuladores do sul do Brasil. Neste momento, o índice de concentração fundiária atinge os mais elevados níveis na estrutura fundiária brasileira. A concentração fundiária e a consolidação de grandes propriedades se fez à custa de conflitos sociais que resultaram na expulsão dos colonos ou índios das antigas áreas de seringais. Neste período, há uma modificação considerável no quadro sócio-econômico da região. Deflagra-se um duplo processo: a implantação de fazendas voltadas para o plantio de pastos artificiais para o gado e a desintegração da empresa seringalista. Na região do Purús este processo se encontra em fase adiantada enquanto na região do Juruá vive os primeiros momentos desta transformação. Desde a década de 60, os discursos oficiais que falam sobre a região acreana clamam por estradas como condição de desenvolvimento. As estradas tomam o lugar dos rios como escoadores da produção que agora não é essencialmente de látex mas de base agropecuária (cf. MESQUITA, G. 1965). No final da década de 70, os discursos sobre o Acre são alarmistas quanto ao incentivo à extração da borracha. Preferem a via das estradas como forma de desenvolvimento e pretendem decretar o fim da empresa seringalista na região (cf. QUEIROZ, A., 1980). Estava iniciado o combate de idéias e práticas que colocavam de um lado agropecuária (associada ao desenvolvimento) e de outro o extrativismo. A terra, agora, era uma mercadoria, um valor em si. Os discursos de deputados federais como Nabor Junior, no início dos anos 80, criticam os obstáculos centenários ao desenvolvimento da região, dos quais o mais grave é a indefinição fundiária: a falta de titulação da posse da terra e a violência decorrente do caos administrativo que envolve posseiros, grileiros, indígenas e o próprio governo. A esta época, apenas 10% das terras do Estado estavam delimitadas e discriminadas em caráter efetivo.

Este novo movimento de fronteira estava implantado na região promovendo desmatamentos nunca antes vistos, expulsando índios e seringueiros de suas terras. Em 1976 o Radam-Brasil fez o levantamento no estado e constatou que cerca de 70% de seu território era de seringais e castanhais, predominando a indústria extrativa. Hoje, já foram desmatados 12% dessa superfície. As áreas que se prestam aos projetos agropecuários são apenas 10% do seu território, o que corrobora que o desenvolvimento da região só pode ocorrer por via do extrativismo. Atualmente, no Acre estão sendo implantadas 7 reservas extrativistas, fruto de um movimento onde os seringueiros da região conseguiram mobilizar a opinião pública para suas propostas. Propostas estas recentemente encampadas pelo IBAMA numa política nacional do meio ambiente (cf. MENEZES, M. 1990). Neste momento, surge um personagem singular na história da luta pelo extrativismo na região, Chico Mendes, que perde a própria vida nesta batalha. Chico Mendes foi um dos pioneiros na tentativa de evitar as derrubadas que acabavam com o sustento dos seringuerios e destruíam o meio ambiente. Em suas palavras: "Entre Brasiléia e Xapuri, de 75, 76 até hoje, nós realizamos 45 movimentos de ëmpates". Nesses 45 movimentos nós tivemos aproximadamente umas 400 prisões, umas 40 torturas e companheiros assassinados também, mas isto fez que mais de 1200 mil ha de floresta não fossem destruídos" e continua "Nós não temos dúvidas de que temos uma oposição muito forte pra enfrentar. Além de uma política dos grandes latifundiários, dos grandes empresários que hoje dominam a Amazônia, nós temos o poder dos constituintes que votaram contra a reforma agrária... vamos ter que enfrentar uma barreira enorme, feita pelos grandes latifundiários e pela política de especulação da terra na Amazônia" (MENDES, Chico, 1990).

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