Por: Marcos Vinícius
Esta semana, excepcionalmente, não iremos tratar da arqueologia acreana. Isso se deve ao fato de que no próximo dia 18 de setembro estaremos completando 105 anos desde que os brasileiros do Acre começaram a luta pelo domínio de “Empreza” (atual Rio Branco). Uma luta que se estenderia até o dia 15 de outubro, compondo os episódios conhecidos como os “combates da Volta da Empreza”. E para marcar esta importante data, traremos alguns trechos da narrativa deixada pelo próprio Cel. Plácido de Castro, porque nunca é demais lembrar que a conquista do Acre foi feita à custa de muitos sacrifícios de todos os que escolheram essas terras como seu lugar no mundo.
Barracão do Seringal Empreza que serviu como hospital de sangue durante o segundo combate da Volta da Empreza
Puerto Alonso, a atual cidade de Porto Acre, surgiu de forma diferente de todas as outras cidades acreanas. Enquanto Empreza e Xapuri haviam se formado espontaneamente a partir da atividade de seus povoadores, Puerto Alonso foi fundada pelos bolivianos em 1899 para servir como alfândega e praça forte da dominação sobre a região que lhe pertencia por direito pelos tratados internacionais assinados entre o Brasil e a Bolívia.
Por isso, durante os primeiros momentos da revolução dos brasileiros contra a dominação boliviana do Acre o principal palco dos acontecimentos esteve situado no baixo Acre, entre os seringais Bom Destino e Caquetá, onde havia sido erguida a cidadela militar estrangeira.
Ainda assim Empreza durante os episódios da Primeira Insurreição Acreana, do Estado Independente do Acre presidido por Luiz Galvez e da Expedição dos Poetas se destacou por sua posição contrária à luta armada contra as autoridades bolivianas. Tanto assim que Galvez, durante seu governo mandou prender Neutel Maia, como forma de atemorizar outros proprietários que, como ele, se colocavam contra o Estado Independente do Acre.
Porém a situação mudou sensivelmente quando Plácido de Castro assumiu o comando revolucionário. Apesar de ter iniciado o movimento armado por Xapuri, onde havia um destacamento militar boliviano, Plácido de Castro sabia que o ponto estratégico a ser ocupado era a Empreza. Era para lá que afluíam todos os varadouros que serviam para o transporte de gado desde a Bolívia para os campos naturais do Capatará, das Missões, dos Gaviões e de Empreza onde eram engordados para depois abastecer os seringais acreanos.
Logo depois de iniciada a guerra, em 06 de agosto de 1902, o Cel. Plácido andava em trabalho de recrutamento e formação de tropas até que teve a informação da chegada de novas tropas bolivianas. Como ele mesmo registrou no mês de setembro.
“Na noite de 17 para 18 recebi um aviso do piquete, dizendo-me que o inimigo se achava em “Missão”, em grande numero e guiado por Antonio Portuguez, a quem em má hora eu havia soltado.
Tinha apenas commigo 63 homens, mas com elles marchei á meia noite na esperança de compensar a differença de numero com uma emboscada que lhes pretendia fazer, a uma hora de viagem da “Empreza” onde chegamos ás 5 1/2 horas da manhã.
Contra a supposição de todos, inclusive a minha, os bolivianos, apesar de estarem em terreno completamente desconhecido, haviam marchado toda a noite, guiádos por Antonio Portuguez, de forma que, ao romper do dia, se emboscaram no campo da “Volta da Empreza”, onde nós, ao entrarmos, recebemos em cheio a primeira descarga em pleno campo.
Apezar de serem todos recrutas, a confusão não se estabeleceu entre nós.
Com difficuldade, mas com alguma presteza, consequi estender linha, que difficilmente consegui manter devido á falta de pratica dos meus soldados, que a cada passo se agrupavam.
Cada soldado dos nossos tinha sómente 50 tiros, munição bastante para um revolucionário previdente, insignificante, porém, para elles, que atiravam a torto e a direito, parecendo querer matar o inimigo com os estampidos.
Ainda assim o inimigo foi contido durante uma hora e cinco minutos, segundo observação dos visinhos.
Extincta a munição, a derrota pronunciou-se por nós, a despeito do esforço que fiz para evitar o desastre.
Vinte e dous mortos deixamos no campo, dez feridos recolhemos e uns seis fugiram. Esta foi a estréa.
Seguimos para a Empreza a reunir alguns companheiros dispersos. O inimigo, apesar de se achar a tiro de fuzil, não nos perseguio, pois também teve as suas arranhaduras — 10 mortos, inclusive um capitão, e 8 feridos.(...)
A noticia da nossa derrota correu célere, apavorando os seringueiros e tornando a minha posição por demais difficil, pois por tudo se me responsabilizava. (...)
Regressei a “Panorama” e no dia 5 de outubro atacávamos a “Volta da Empreza”, simultaneamente pelo lado de cima e pela retaguarda.
Estando marcado o combate para as 10 horas da manhã, no momento em que o inimigo deveria estar descansando da formatura, tal não aconteceu, porque o Coronel Alencar mandou ás 9 1/2 atirar em uma sentinella inimiga, o que muito alterou o resultado, pois não, poude o inimigo ser colhido de surpresa.
Empenhou-se o combate, sendo em pouco tempo tomadas duas trincheiras inimigas.
Á tarde a nossa posição de sitiantes já era bem definida, mas o inimigo estava bem defendido, pois, além das vallas, ainda tinha por fora uma cerca de arame farpado, que impedia qualquer assalto.
Por nossa parte estava em franca operação o trabalho de sapa, mas só depois de 11 dias de lutas pudemos, por meio de vallas abertas em curvas reversas contra os aramados, chegar junto das trincheiras inimigas e obrigar o Coronel Rojas a entregar-se com seus commandados, que seriam apenas 150. Os outros, em numero de 30, haviam morrido.” (*)
Todos estes confrontos ocorreram defronte à Gameleira, em plena Volta da Empreza. Dizem até que nos galhos principais da arvore que serviu como marco de fundação do povoado que daria origem a Rio Branco balançaram os corpos de diversos bolivianos capturados durante os combates. Porém, isso nunca foi registrado oficialmente por ninguém.
O certo é que existem informações que durante a construção do Colégio Imaculada Conceição no Segundo Distrito de Rio Branco, já na década de 50, foram encontrados restos dos corpos dos combatentes do início do século que ali haviam sido enterrados. E a história da capital acreana ficou marcada para sempre como um dos locais onde ocorreram alguns dos principais acontecimentos que resultaram na transformação do Acre em território brasileiro.
(*) Transcrito do livro Excerptos Históricos de Genesco de Castro (1930), que recentemente foi reeditado pela editora Valer e Governo do Amazonas com o título “Apontamentos sobre a Revolução Acreana” e que tive o enorme prazer de ganhar de um amigo que estimo muito.
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