Amazônia foi-nos um legado recebido de Portugal, consolidado nas lutas travadas durante dois séculos, mas a ultimação da expansão territorial para o Oeste veio a dar-se já na República, no Século XX.
A obra clássica 'A conquista do deserto ocidental', de Craveiro Costa, que trata da epopéia do Acre, mostra como a Independência do Brasil 'nos surpreendeu sem as suas fronteiras demarcadas, por um ato diplomático juridicamente válido'.
Cessadas as hostilidades militares luso-espanholas, sobreveio o tratado de Santo Ildefonso, de 1º de outubro de 1777, que pretendia fosse a fronteira amazônica traçada pelos rios Guaporé e Mamoré, até o ponto médio do rio Madeira e daí por uma linha reta que alcançaria a margem oriental do Javari.
A divergência sobre as reais nascentes do rio Javari, para definir a margem oriental, cria outra questão que impede a demarcação consensual da fronteira agravada por pretensões territoriais peruanas, e a inconformação dos vizinhos pela proibição da navegação internacional do rio Amazonas.
A pendência mantém-se no Primeiro Reinado e no Segundo, quando, estando o Brasil em guerra com o Paraguai, assinamos o Tratado de Ayacucho, de 27 de março de 1867, logo aprovado pelo Congresso boliviano, e pelo qual o Brasil reconhecia o Acre como território boliviano, o que vai ser vital para o Tratado de Petrópolis, de 17 de novembro de 1903.
Em 1868, a melhor carta do território brasileiro era o Atlas do Império do Brasil, onde o Acre e seus principais afluentes e vizinhos - como ensina Hélio Viana - não figuravam, pois em 1867 juridicamente o Acre era boliviano. Eram terras desabitadas, embora habitadas por seringueiros brasileiros e nas quais não existiam nem bolivianos nem peruanos. O governo federal do Brasil sempre reconheceu a soberania da Bolívia sobre essa região.O Império brasileiro consentiu que a Bolívia instalasse um posto alfandegário no Acre.
A decisão brasileira agravou os ressentimentos dos seringueiros acreanos. Tomaram Puerto Alonso, sede do porto alfandegário, que os bolivianos retomaram e voltaram a perdê-lo, na aventura de Galvez, fundando a República do Acre, prontamente repelida pelo governo brasileiro.
Os ânimos exaltaram-se quando os brasileiros tomaram conhecimento de que a Bolívia houvera, através de Felix Aramayo, ministro plenipotenciário boliviano em Londres, fechado um acordo com uma Chartered Company, o Bolivian Syndicate, com direito a forças terrestres, navais e policiais, ficando a Bolívia com 60% dos resultados econômicos do arrendamento e a Companhia com 40%.
A Grande Enciclopédia Delta Larousse, cujo editor foi Antônio Houaisse, informa que o Brasil tentou conseguir que a Bolívia rescindisse o contrato. Não sendo atendido, teria aplicado represálias.
Os seringueiros e sindicalistas alarmaram-se receando ter de enfrentar forças superiores. Plácido de Castro, que tinha experiência das lutas no Rio Grande do Sul, entre maragatos e chimangos, liderou-os, venceu sucessivamente os militares bolivianos sediados no Acre e chegou a penetrar em território boliviano, batendo as vanguardas do exército comandado pelo general Manuel Pando, presidente da Bolívia que se dirigia ao Acre, para retomar terras que o governo brasileiro considerava 'indubitavelmente bolivianas', desde o Tratado de Ayacucho.
Plácido de Castro só suspendeu as operações contra o exército de Pando, quando soube do modus vivendi que o Barão do Rio Branco negociava com o governo boliviano. Mestre Hélio Viana, em seu clássico História das Fronteiras do Brasil, assim se expressa: 'Ocupava o Barão do Rio Branco a pasta das Relações Exteriores, quando chegou a ponto de crise a questão da ocupação por seringueiros brasileiros da região do rio Acre e vizinhos, numa zona que, apesar desse espontâneo povoamento, legalmente pertencia à Bolívia, de acordo com os tratados de 1777 e de 1867, aquele celebrado entre Portugal e Espanha, o segundo entre o Império do Brasil e aquela república sul-americana.
O barão encontrou o caso do Acre eletrizado pela paixão patriótica. Procedeu de imediato a um balanço das várias questões relacionadas com o problema. Verificou, ao primeiro exame, que só uma solução se impunha, urgente e inadiável: tornar brasileiro todo o território habitado pelos nossos nacionais, mediante a sua aquisição'.
Qual o papel desempenhado pelo Bolivian Syndicate? Militarmente, nenhum. Ainda estava se organizando no estrangeiro, com capitais ingleses e norte-americanos, entre estes de um filho do presidente dos Estados Unidos, Theodore Roosevelt. Representava perigo, não só para o Brasil mas para a América Latina por ser um enclave colonialista.
O embaixador Assis Brasil, nos Estados Unidos, neutralizou o Bolivian Syndicate negociando indenização de 100 mil libras esterlinas, por 'despesas já feitas', o que ajudou a complementar o Tratado de Petrópolis, de 1902, obra do Barão do Rio Branco, pelo qual o Brasil adquiriu o Acre, por 2 milhões de esterlinos, ressarcidos em três ou quatro anos de exportação de borracha, adicionando ao nosso território 181 mil quilômetros quadrados.
Como justificar, pois, perante a história, que o Boliivian Syndicate cobiçava tomar do Brasil o Acre, se ele era reconhecidamente boliviano? A companhia anglo-americana seria mais um escudo de proteção que desastradamente a Bolívia arrendava, receosa do expansionismo do Brasil.
A obra clássica 'A conquista do deserto ocidental', de Craveiro Costa, que trata da epopéia do Acre, mostra como a Independência do Brasil 'nos surpreendeu sem as suas fronteiras demarcadas, por um ato diplomático juridicamente válido'.
Cessadas as hostilidades militares luso-espanholas, sobreveio o tratado de Santo Ildefonso, de 1º de outubro de 1777, que pretendia fosse a fronteira amazônica traçada pelos rios Guaporé e Mamoré, até o ponto médio do rio Madeira e daí por uma linha reta que alcançaria a margem oriental do Javari.
A divergência sobre as reais nascentes do rio Javari, para definir a margem oriental, cria outra questão que impede a demarcação consensual da fronteira agravada por pretensões territoriais peruanas, e a inconformação dos vizinhos pela proibição da navegação internacional do rio Amazonas.
A pendência mantém-se no Primeiro Reinado e no Segundo, quando, estando o Brasil em guerra com o Paraguai, assinamos o Tratado de Ayacucho, de 27 de março de 1867, logo aprovado pelo Congresso boliviano, e pelo qual o Brasil reconhecia o Acre como território boliviano, o que vai ser vital para o Tratado de Petrópolis, de 17 de novembro de 1903.
Em 1868, a melhor carta do território brasileiro era o Atlas do Império do Brasil, onde o Acre e seus principais afluentes e vizinhos - como ensina Hélio Viana - não figuravam, pois em 1867 juridicamente o Acre era boliviano. Eram terras desabitadas, embora habitadas por seringueiros brasileiros e nas quais não existiam nem bolivianos nem peruanos. O governo federal do Brasil sempre reconheceu a soberania da Bolívia sobre essa região.O Império brasileiro consentiu que a Bolívia instalasse um posto alfandegário no Acre.
A decisão brasileira agravou os ressentimentos dos seringueiros acreanos. Tomaram Puerto Alonso, sede do porto alfandegário, que os bolivianos retomaram e voltaram a perdê-lo, na aventura de Galvez, fundando a República do Acre, prontamente repelida pelo governo brasileiro.
Os ânimos exaltaram-se quando os brasileiros tomaram conhecimento de que a Bolívia houvera, através de Felix Aramayo, ministro plenipotenciário boliviano em Londres, fechado um acordo com uma Chartered Company, o Bolivian Syndicate, com direito a forças terrestres, navais e policiais, ficando a Bolívia com 60% dos resultados econômicos do arrendamento e a Companhia com 40%.
A Grande Enciclopédia Delta Larousse, cujo editor foi Antônio Houaisse, informa que o Brasil tentou conseguir que a Bolívia rescindisse o contrato. Não sendo atendido, teria aplicado represálias.
Os seringueiros e sindicalistas alarmaram-se receando ter de enfrentar forças superiores. Plácido de Castro, que tinha experiência das lutas no Rio Grande do Sul, entre maragatos e chimangos, liderou-os, venceu sucessivamente os militares bolivianos sediados no Acre e chegou a penetrar em território boliviano, batendo as vanguardas do exército comandado pelo general Manuel Pando, presidente da Bolívia que se dirigia ao Acre, para retomar terras que o governo brasileiro considerava 'indubitavelmente bolivianas', desde o Tratado de Ayacucho.
Plácido de Castro só suspendeu as operações contra o exército de Pando, quando soube do modus vivendi que o Barão do Rio Branco negociava com o governo boliviano. Mestre Hélio Viana, em seu clássico História das Fronteiras do Brasil, assim se expressa: 'Ocupava o Barão do Rio Branco a pasta das Relações Exteriores, quando chegou a ponto de crise a questão da ocupação por seringueiros brasileiros da região do rio Acre e vizinhos, numa zona que, apesar desse espontâneo povoamento, legalmente pertencia à Bolívia, de acordo com os tratados de 1777 e de 1867, aquele celebrado entre Portugal e Espanha, o segundo entre o Império do Brasil e aquela república sul-americana.
O barão encontrou o caso do Acre eletrizado pela paixão patriótica. Procedeu de imediato a um balanço das várias questões relacionadas com o problema. Verificou, ao primeiro exame, que só uma solução se impunha, urgente e inadiável: tornar brasileiro todo o território habitado pelos nossos nacionais, mediante a sua aquisição'.
Qual o papel desempenhado pelo Bolivian Syndicate? Militarmente, nenhum. Ainda estava se organizando no estrangeiro, com capitais ingleses e norte-americanos, entre estes de um filho do presidente dos Estados Unidos, Theodore Roosevelt. Representava perigo, não só para o Brasil mas para a América Latina por ser um enclave colonialista.
O embaixador Assis Brasil, nos Estados Unidos, neutralizou o Bolivian Syndicate negociando indenização de 100 mil libras esterlinas, por 'despesas já feitas', o que ajudou a complementar o Tratado de Petrópolis, de 1902, obra do Barão do Rio Branco, pelo qual o Brasil adquiriu o Acre, por 2 milhões de esterlinos, ressarcidos em três ou quatro anos de exportação de borracha, adicionando ao nosso território 181 mil quilômetros quadrados.
Como justificar, pois, perante a história, que o Boliivian Syndicate cobiçava tomar do Brasil o Acre, se ele era reconhecidamente boliviano? A companhia anglo-americana seria mais um escudo de proteção que desastradamente a Bolívia arrendava, receosa do expansionismo do Brasil.
* Jarbas Passarinho é ex-governador do Pará, ex-senador e ex-ministro do Trabalho, da Educação, da Previdência e da Justiça.
Um comentário:
Nss bem interessante
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