Movimento Anticapitalista Amazônico (MACA)
Dentre outras tantas coisas, a Carta do Acre teve o mérito de forçar a equipe do governo e seus partidários a se desdobrarem em respostas. Surgiram muitas, tão rasas quanto apologéticas. Entre elas, estava a moção conjunta do Conselho de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia (CEMACT), Conselho Florestal Estadual (CFE) e Conselho de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRFS), datada de 30 de setembro do corrente ano. Ali os conselhos se apresentam como “instâncias fundamentais na tomada de decisões e controle social [...] constituídos democraticamente por representantes da sociedade civil, das populações tradicionais, dos órgãos públicos federais, estaduais e municipais”.
Na defesa do manejo, a moção afirma que ele é “hoje uma das atividades econômicas mais importantes do Estado do Acre, sendo que de acordo com dados recentes a atividade florestal representa mais de 20 % do Valor Bruto da Produção do Estado [...] Por isso, é importante lembrar que a situação da atividade florestal no Acre, anterior a esses dados, com mais de 90% da madeira sendo suprida pela atividade de desmatamento, muitas vezes também ilegal, com enormes impactos negativos ao meio ambiente e as populações residentes nas florestas”.
Diante disso, deitamos aqui algumas palavras 1) sobre a constituição do CEMACT e sua função na constituição da política ambiental; e 2) sobre os fundamentos da defesa do manejo contidos na referida moção. Esse é mais um texto do Dossiê Acre: a batalha das ideias.
Aqueles conselhos deveriam funcionar como instâncias de participação e controle social. Porém, na prática, seu funcionamento é bem outro. É forçoso dizer que todos os conselhos gestores no Acre não foram fruto da inclinação democrática do governo nem de demandas por mais participação social originadas na sociedade. Eles foram criados em razão da necessidade de se assegurar repasses financeiros para áreas setoriais, como a de meio ambiente.
Entre outras coisas, os conselhos serviam para assegurar recursos vindos do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais (PPG7) a fundo perdido, cuja liberação apenas se dava mediante a apresentação da ata de reunião dos conselhos dos estados amazônicos. Importa destacar que o PPG7 é o marco do padrão de apropriação dos bens naturais amazônicos e da ingerência estrangeira que se consolidam na era do chamado “capitalismo verde”.
Por outro lado, cumpre dizer que o CEMACT foi instituído desprezando o “princípio de paridade” aferido pela Assembleia Legislativa do Acre (ALEAC). O princípio da paridade dispõe da necessária equivalência entre órgãos estatais e representações diversas da “sociedade civil organizada”, propiciando o aprofundamento da participação e controle social. Isso mostra, no mínimo, a impropriedade da afirmativa segundo a qual os referidos conselhos são “instâncias fundamentais de tomada de decisão e controle social, constituído democraticamente”. Um rápido olhar sobre a Moção aqui em foco mostra que entre 70% e 80% dos que a assinam são vinculados ao poder estatal. Não é preciso muito gênio para saber no interesse de quem os conselhos e a moção falam.
Com razão, um pesquisador concluiu que, ao longo de sua existência, o CEMACT “tem atuado muito mais como um instituto ratificador das políticas públicas estaduais oficiais, e não efetivamente como um instrumento legítimo da participação social, na tomada de decisões políticas”. A participação aí observada é, no geral, orientada para a ratificação e homologação dos interesses governamentais em detrimento da expressão da vontade coletiva.
Sem embargo, pode-se afirmar que os referidos conselhos têm atualmente a função de legitimar, de dar roupagem democrática às políticas governamentais. E se eles fugirem a essa função? Nesse caso, deixam de representar, para o governo, o “espírito democrático”. Foi exatamente o que acabou de acontecer com o conselho gestor da Fundação Hospitalar do Acre (Fundacre). Ao denunciar as irregularidades e problemas ali presentes, o conselho foi desqualificado. O líder do governo na ALEAC, deputado estadual Moisés Diniz (PC do B), disse que o conselho fazia denúncias porque queria mexer com recursos.
Na moção, a defesa do manejo se assenta em dois argumentos: 1) ele é rentável e 2)90% da madeira extraída das florestas locais não são mais tiradas de forma ilegal, como antes. Quanto ao primeiro ponto não há dúvida. A prática do manejo é altamente rentável. Mas para quantos? Para quem? Para a Laminados Triunfo e outras poucas madeireiras, certamente.
Quanto ao segundo ponto, observamos que, embora a maior parte da madeira extraída das florestas locais não seja mais tirada de forma ilegal, a exploração continua e não são as populações locais urbana e rural do estado as beneficiárias do empreendimento. A agressão à floresta continua aumentando, mas agora de forma legalizada. Há algo de que possamos nos orgulhar?
Honestamente, a ideia de que a instituição do manejo salvaria a floresta ou é farsa ou é ingenuidade. Niro Higuchi, pesquisador do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa), afirma que qualquer avaliação do “manejo florestal sustentável” deveria passar pelo crivo da experiência. O especialista ressalta que a experiência mais antiga na Amazônia em termos de manejo data de 30 anos, o que, tomando em conta a especificidade amazônica, nada significa. O manejo encontra-se, portanto, em “período experimental”, não podendo, por isso, ser tratado como verdade comprovada e absoluta.
A propósito, em 20/03/2007, ocorreu na Câmara Municipal de Rio Branco uma sessão solene com o intuito de discutir a Campanha da Fraternidade de 2007 da Igreja Católica cujo tema era Fraternidade na Amazônia. Entre os convidados para o evento, estavam o Bispo da Diocese de Rio Branco, Dom Joaquim Pertinez (personagem “apolítico” por convicção), e o Superintende do IBAMA do Acre, Anselmo Forneck. Poucos nas fileiras do governo como o Sr. Forneck conhecem os efeitos reais do manejo e, por isso mesmo, poucos como ele poderiam defendê-lo.
Quando indagado pelo vereador Luis Anute sobre o que ele achava do manejo, depois de muita relutância, o Bispo disse que era “uma falácia muito bonita e se reduz à destruição de nossa floresta”. E prosseguiu: “Eu costumo andar por essas reservas e vejo muitas vezes a incoerência, pois, [...] falando com o povo, eles (relatam) que são proibidos de derrubar uma árvore para construir sua casa”. “Eu vi o desastre no Seringal Oriente, no Rio Purus, em Manoel Urbano. O desastre lá é muito sério! Com todas as leis”, continuava o Bispo. “Lá tinha placa de todos os Ministérios possíveis, de todas as leis possíveis. Mas, em nome da lei fazer tudo isso, eu acho que não está muito certo. E, além do mais, essa madeira vai para bem longe daqui, para a China ou qualquer outro lugar do mundo”.
E o que respondeu Anselmo Forneck? “E quanto ao manejo”, dizia ele usando de honestidade, “o manejo, eu sempre digo, é uma incógnita, ainda. É uma atividade econômica em curso há muito pouco tempo e eu acho que é muito prematuro (sic) uma opinião fechada em relação a este assunto.” Com que base, então, apregoar a sustentabilidade do modelo? Como pode, com base numa incógnita, o governo acreano submeter à exploração até 6 milhões de hectares de nossas florestas? Foi com base numa incógnita que o governo brasileiro criou a Lei 11.284/2006 que vai permitir à indústria madeireira se apropriar e explorar até 50 milhões de hectares de “florestas públicas” na Amazônia?
Cônscios da importância e das fragilidades do bioma amazônico, não podemos reputar a política do manejo, na magnitude em que ela vem sendo implementada no Acre, senão como uma imprudência. Ou, para sermos mais exatos, seria melhor falar de irresponsabilidade sem tamanho?
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