sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Brasil: Por trás da imagem verde: a mercantilização da floresta e impactos sobre as comunidades locais no estado do Acre

O Estado do Acre, na Amazônia brasileira, ficou conhecido no 
mundo inteiro no final dos anos 1980 pela luta por justiça social 
e ambiental de Chico Mendes. Nos últimos anos, o estado 
novamente ganhou destaque no Brasil e em âmbito 
internacional, porém de uma forma bastante diferente. 


Trata-se da propaganda em torno de um modelo ´verde´ de
 desenvolvimento, puxado por um ´governo da floresta´, 
baseado no chamado ´manejo sustentável´ da mesma e na 
venda de serviços ambientais. Conta-se hoje uma história
 positiva e ´verde´ do Acre.

No entanto, alguns dados e fatos da realidade acreana 
sobre sua política florestal apontam para uma outra história:
 (1) a da continuação da exploração madeireira da floresta
 e outras atividades produtivas empresariais; (2) a ´floresta 
em pé´, porém degradada pelo corte seletivo de madeiras 
nobres, como uma nova fonte de lucro, ´vendendo-a´, também,
 através de ´serviços ambientais´ como o REDD+; (3) 
maiores dificuldades e mais restrições para os povos da 
floresta, em especial àqueles que lutam por liberdade e 
autonomia na conservação da mata, da qual dependem
 para continuar vivendo.

Um primeiro dado importante é que entre 2003 e 2010, 
segundo o instituto federal responsável pela reforma
 agrária, o INCRA, os pequenos proprietários no Acre 
tiveram sua ocupação do território reduzida de 27 para
 17% das terras cadastradas. Em 2003, 19.200 famílias
 ocupavam 1.100.000 ha e em 2010, 23.500 famílias
 ocupavam 1.388.000 ha de terras. Ao mesmo tempo,
 a concentração da terra aumentou (1). Em 2003, 444 
proprietários controlavam 2,8 milhões de ha de terras; 
em 2010, 583 proprietários ocuparam 6,2 milhões de 
hectares de terras, o equivalente a 78,9% do total
 das terras cadastradas nesse ano. Contribuiu para
 esse processo de reconcentração a legalização de
 terras ocupadas ilegalmente por grandes proprietários, 
através do Programa ´Terra Legal´.

Outro dado relevante é o incentivo à exploração madeireira
 nas unidades de conservação de uso direto, 
principalmente para explorar madeira para exportação, 
um negócio no Acre que tem aumentado nos últimos anos,
 chegando a cerca de 1 milhão de m3 em 2010, um
 incremento de 400% desde o início do “governo da floresta”. 
Enquanto isso, em outros estados da Amazônia, a 
exploração de madeira foi reduzida à metade. Tanto a
 atividade madeireira, quanto a criação extensiva de gado,
 que também teve um incremento colossal – o rebanho que 
em 1998 era de 800 mil cabeças, em 2010 ultrapassou
 três milhões de cabeças – são atividades comprovadamente 
destruidoras para a floresta. (2) Para piorar, um outro projeto 
de grande impacto climático como a exploração de gás e
 petróleo está entre os planos do governo.


Em segundo lugar, a atividade madeireira em expansão, 
chamado de ´sustentável´, ameaça diretamente a sobrevivência
 das populações locais. Um exemplo é a situação vivida pela
 comunidade de São Bernardo. No seu território, coberta 
de mata, a empresa ´Laminadas Triunfo´ executa os ´planos
 de manejo florestal sustentável´ associada às fazendas 
Ranchão I e II. A base legal para a exploração madeireira 
neste seringal seria uma ata que as famílias tiveram que
 assinar no Ministério Público Estadual pela qual concordam
 com o manejo ´sustentável´ da empresa. Ao mesmo tempo,
 estão sendo pressionadas para sair. Algumas famílias 
acabaram saindo, mas outras não querem sair porque
 sabem que a vida na cidade não oferece nenhuma 
perspectiva, ao contrário, significa desemprego e miséria.

As famílias que resistem na área, onde moram há muitos anos, 
denunciam a degradação dos corpos hídricos (igarapés) na região, 
o afastamento da caça, a destruição da floresta e de estradas
 pela contínua retirada de madeira pela ´Laminadas Triunfo´, 
uma empresa que tem até o selo verde do FSC, obtido
 para outras áreas de ´manejo sustentável´.


Enquanto famílias costumam ter hoje áreas de floresta de 
até 800 hectares para atividades, como a seringueira,
 a empresa oferece em troca áreas com apenas 75 hectares
 por família em lugares distantes e degradadas pela expansão 
da pecuária extensiva de corte. A luta dessas famílias é para
 implantar uma reserva extrativista com autonomia para 
que elas conservem a floresta e possam manter e fortalecer 
seu modo de vida, sem se basear na exploração da madeira. 
O processo para criar a reserva está em andamento desde 
2005, porém lentamente.

Outro elemento importante de registrar é a experiência do 
governo de estado com um projeto de venda de
 serviço ambiental que está sendo implementado, chamado
 ´Fogo Zero´. Em troca de R$ 100 (US$ 60) mensais, as
 famílias de seringueiras não podem mais fazer fogo, nem 
mesmo manter o costume do fogo controlado para fazer
 suas roças de subsistência que garantem sua segurança
 alimentar e são essenciais para a soberania alimentar. 
Trata-se de uma violação grave ao direito à alimentação 
dessas populações.

O ´Fogo Zero´ parece ser apenas um primeiro ensaio, 
se depender da Lei 2.308, aprovada em 2010 na
 Assembleia Legislativa do Acre, que cria o Sistema 
Estadual de Incentivos a Serviços Ambientais, desde o
 carbono até mesmo à chamada ´sociobiodiversidade´. 
A partir do argumento de que proteção só se faz dando 
valor à natureza, o risco real a partir deste tipo de
 legislação é que o mercado nacional, mas sobretudo
 internacional, comece a se apropriar e controlar o 
território acreano com o aval do governo estadual
 que se responsabiliza por todo um sistema de
 regulação, registro, validação, medição e controle
 de supostos serviços gerados, absorvendo 
parte significativa do dinheiro que será arrecadado.
 Trata-se de uma mercantilização detalhada da 
natureza, com linguagem e práticas apenas 
acessíveis para um grupo seleto (ONGs 
ambientalistas internacionais ´de mercado´, consultores
 e empresas), mas inacessíveis para a população em
 geral, em especial para os povos da floresta.

Para discutir esses assuntos todos, foram organizadas em
 Rio Branco, capital do Acre, entre 3 e 7 de Outubro de 2011, 
visitas de campo e um encontro chamado “Serviços 
Ambientais, REDD e Fundos Verdes do BNDES: 
Salvação da Amazônia ou Armadilha do Capitalismo Verde?”.

O encontro resultou numa carta
 (leia em http://www.wrm.org.uy/temas/REDD/Carta_do_Acre.html)
 A carta afirma, entre outros pontos, que “Os destruidores seriam 
agora os grandes defensores da natureza. E aqueles que
 historicamente garantiram a conservação natural são, agora, 
encarados como predadores e por isso mesmo são
 criminalizados. Não surpreende, portanto, que
 recentemente o Estado tenha tornado mais ostensiva
 a repressão, a perseguição e até expulsão das populações
 locais de seus territórios.”

Afirma que “No Seringal São Bernardo, pudemos
 constatar que o atendimento dos interesses das
 madeireiras se faz em detrimento dos interesses das 
populações locais e da conservação da natureza”.

Sobre programas como o `fogo zero´, a carta
 afirma que “Tais populações até podem permanecer
 na terra, mas já não podem utilizá-la segundo seu 
modo de vida. Sua sobrevivência não seria mais
 garantida pelo roçado de subsistência - convertido 
em ameaça ao bom funcionamento do clima do
 planeta -, mas por “bolsas verdes”, que, além de
 insuficientes, são pagas para a manutenção da civilização
 do petróleo.”

Sobre a Lei de serviços ambientais, acima mencionada, a
 carta afirma que “gera 'ativos ambientais‘ para negociar os
 bens naturais no mercado de 'serviços ambientais', como o 
mercado de carbono”, e que “Pela lei, a beleza natural, a
 polinização de insetos, a regulação de chuvas, a cultura, 
os valores espirituais, os saberes tradicionais, a água, 
plantas e até o próprio imaginário popular, tudo passa a ser
 mercadoria.”

“Possibilitando a compra do ‘direito de poluir', mecanismos
 como o REDD forçam as denominadas ‘populações 
tradicionais' (ribeirinhos, indígenas, quilombolas, quebradeiras 
de coco, seringueiros etc.) a renunciarem a autonomia na gestão de
 seus territórios.”

A carta também denuncia um acordo de negócios de
 carbono, envolvendo o estado da Califórnia nos EUA, que 
compraria créditos de carbono; e Chiapas, no México, 
e o estado do Acre no Brasil, que forneceriam esses créditos, 
sendo que a região de Amador Hernandéz já enfrenta 
um projeto REDD+ resultante dessa ´parceria´
 (veja www.wrm.org.uy/bulletin/165/Mexico.html): “Cientes dos
 riscos que tais projetos trazem, rechaçamos o acordo de
 REDD entre Califórnia, Chiapas, Acre que já tem causado
 sérios problemas a comunidades indígenas e tradicionais, 
como na região de Amador Hernández, em Chiapas, México.” 


Enquanto isso, comunidades em Califórnia continuam 
enfrentando os impactos sobre sua saúde para que empresas 
poluidoras na Califórnia possam continuar poluindo em
 troca da compra de créditos de carbono do projeto do 
México e futuramente do Acre.

Por último, as organizações declaram que “deixamos 
aqui nossa reivindicação pelo atendimento das seguintes
 demandas: reforma agrária, homologação de terras indígenas, 
investimentos em agroecologia e economia solidária, autonomia
 de gestão dos territórios, saúde e educação para todos, 
democratização dos meios de comunicação. Em defesa da 
Amazônia, da vida, da integridade dos povos e de seus
 territórios e contra o REDD e a mercantilização da natureza.
 Estamos em luta.”

Winfridus Overbeek, WRM, correo electrónico: winnie@wrm.org.uy

(1) Mais informações em http://www.mst.org.br/Gerson-Teixeira-
agravamento-da-concentracao-das-terras

(2) Os dados sobre exploração de madeira e incremento do rebanho foram fornecidos pelo Núcleo de Pesquisa Estado Sociedade e Desenvolvimento na Amazônia Ocidental- UFAC (Universidade Federal do Acre)


Fonte: Boletim mensual do Movimento Mundial pelas Florestas (WRM)
Número 172 - Novembre 2011

Editor en jefe: Winfridus Overbeek

Redactora responsable: Raquel Núñez Mutter
Apoyo editorial: Elizabeth Díaz, Flavio Pazos, Teresa Perez

Secretaria Internacional del WRM
Maldonado 1858 - 11200 Montevideo - Uruguay
tel: 598 2413 2989 / fax: 598 2410 0985
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