quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

A praça da revolução




POR: Luiz Manfredini, Jornalista.
FONTE:http://www.vermelho.org.br

Revolução? A última vez que me deparei com algo tão intrigante foi no longínquo 1980, no interior de Santa Catarina, quando era repórter do Jornal do Brasil. Passando pela rodovia que leva ao Sul do Estado, rumo à Criciúma, avistei um boteco de beira de estrada e, atônito, li: “Bar e restaurante terrorista”. Pedi ao fotógrafo que registrasse o inusitado e até hoje penso como aquilo pôde ter acontecido. Estávamos, afinal, em pleno regime militar!

Mas os tempos são outros e, ali defronte o tapume no centro de Rio Branco, pensei que o PT e o PCdoB, que dirigem o Estado desde 1999, com o Governador Jorge Viana à frente, talvez estivessem adiantando alguma perpectiva. Nada disso. A revolução a que a placa se referia era outra, pretérita, cujo 104o aniversário será comemorado no próximo 6 de agosto. Uma revolução que muito orgulha os acreanos e cujo significado vem sendo destacado pelo Governo do Estado em sua estratégia de firmar, com base na grande luta, um dos eixos da identidade dos acreanos, a acreanidade. Não sem razão fala-se muito por aqui que o Acre foi o único Estado da federação que pegou em armas para pertencer ao Brasil.

A fronteira Brasil-Bolívia foi estabelecida pelo Tratato de Ayacucho, em 1867. Trinta anos depois o governo boliviano resolveu tomar posse da região limítrofe, rica em látex e àquela altura quase totalmente ocupada por brasileiros, sobretudo pelos bravos cearenses que fugiam da seca e da miséria. A expedição militar para lá enviada, composta por 30 praças, não permaneceu mais que dois meses na vila de Xapuri. Foi expulsa pelos brasileiros. Em janeiro de 1899, chegou ao Acre, vindo de Manaus - e com a concordância do governo brasileiro - o ministro plenipotenciário boliviano, Dom Jose Paravicini, que instalou uma aduana e um povoado (Puerto Alonso) nas terras do seringal Caquetá. O boliviano foi duro em sua autoridade e, entre os numerosos decretos que baixou, havia os que determinavam a arrecadação de pesados impostos sobre a borracha e a imediata demarcação dos seringais, até então registrados no Amazonas.

Cinco meses depois, seringalistas e seringueiros brasileiros decidiram expulsar o sucessor de Paravicini, o delegado Moisés Santivanez. Um manifesto assinado por mais de 60 proprietários de seringais e outros profissionais da região anunciava a formação de uma Junta Central Revolucionária.

Por essa época, em Belém, o jornalista espanhol Luis Galvez descobriu e denunciou a existência de um acordo secreto entre a Bolívia e os Estados Unidos, segundo o qual, em caso de uma guerra pelo domínio do Acre, os norte-americanos apoiariam a Bolívia. A denúncia chocou a opinião pública nacional. Patrocinado pelo governo do Amazonas, Galvez viajou ao Acre e, de seu contato com os membros da Junta Central Revolucionária, surgiu a idéia de se fundar o Estado Independente do Acre, já que o governo brasileiro continuava a reconhecer direitos bolivianos sobre a região. E assim aconteceu, sendo o novo Estado criado em 14 de julho de 1899, com capital na Cidade do Acre (como Puerto Alonso passou a se chamar). Galvez foi aclamado presidente do novo país. Mas em 15 de março de 1900 foi destituído por uma força-tarefa da marinha brasileira.

Interessado em anexar o Acre ao seu território, o governo do Amazonas financiou uma expedição armada. Oficialmente conhecida como a Expedição Floriano Peixoto, e popularmente como a Expedição dos Poetas, por ser composta por boêmios e outros profissionais sem qualquer experiência militar, a tropa de notívagos amazonenses foi derrotada em 29 de dezembro de 1900, em seu primeiro embate com os bolivianos.

Em 11 de julho do ano seguinte, a Bolívia firmou um contrato de arrendamento do Acre com um sindicato formado por capitalistas ingleses e norte-americanos, o Bolivian Syndicate, que deveria se instalar em abril de 1902. Novamente os seringalistas brasileiros articularam-se para a revolta. E outra vez o governo do Amazonas financiou a empreitada, agora entregando seu comando ao experiente Plácido de Castro. A luta começou em 6 de agosto de 1902, em Xapuri. Vitoriosos em 24 de janeiro de 1903, quando tomaram Puerto Alonso e a transformaram em Porto Acre, os revolucionários recriaram o Estado Independente do Acre, embora seu objetivo final continuasse a ser a anexação ao Brasil. Consumado o fato, o governo do Presidente Rodrigues Alves entregou ao seu ministro das Relações Exteriores, o Barão do Rio Branco, a incumbência de negociar com a Bolívia. Em 17 de novembro de 1903 foi estabelecido o Tratado de Petrópolis. O Acre passou a fazer parte do Brasil. A revolução acreana estava, por fim, vitoriosa. Seis anos mais tarde, com o Tratado do Rio de Janeiro, foi resolvida outra pendência de limites, desta vez com o Peru.

Mas o Acre foi incorporado ao Brasil como território e isso ofendeu a honra dos que haviam guerreado pela anexação na condição de estado federativo autônomo. Assim, a luta continuou. Surgiram os movimentos autonomistas. Pipocaram revoltas. Na região do Juruá, em 1910, a população revoltou-se contra um prefeito indicado pelo governo central, pegou em armas e tomou o poder por 100 dias. Em 1913, algo semelhante ocorreria no vale do Purus. Em 1918, a luta autonomista chegaria ao vale do rio Acre, alcançando Rio Branco. A partir de 1934, quando o Estado conquista o direito de eleger dois deputados federais, os autonomistas passaram a lutar institucionalmente. Em 1957 forma-se o Comitê Pró-Autonomia Acreana. Em 1962, o então Presidente João Goulart assina a lei de autonomia do Acre.

Bem, agora dá para entender por que o Prefeito Raimundo Angelin, de Rio Branco, entrou em acordo com o Governo do Estado para reconstruir a antiga praça Plácido de Castro, dando-lhe nova denominação: praça da Revolução Plácido de Castro. Em seus quase 11 mil metros quadrados, a praça receberá mais de 40 novas espécies de árvores e 17 palmeiras imperiais, 114 bancos de madeira, dois espelhos d’água com esguicho e iluminação sub-aquática (um em torno de uma estátua de Plácido de Castro; outro em torno do monumento ao Herói Anônimo, uma escultura de 12 metros de altura em aço carbono em homenagem aos combatentes que ajudaram a tornar o Acre brasileiro).

A luta do povo acreano inclui-se na tradição revolucionária do povo brasileiro que as elites hegemônicas e seus patrões estrangeiros sempre tentaram escamotear. Escamotear para fazer crer que não somos de nada. Visitei a Gameleira, nas margens do rio Acre. Ali árvores centenárias ainda mostram marcas das balas da revolução. Revolução que, orgulhosamente, segue viva na alma desse povo amável e solidário, desses brasileiros de fibra e talento.

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