terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Os Árabes Acreanos

Por: Profº Marcos Vinícius Neves (contato: memoriacre@uol.com.br) FONTE:
(http://www.pagina20.com.br/index.php?option=com_content&task=blogcategory&id=19&Itemid=24) A imigração de sírios e libaneses para o Brasil assumiu desde o início certos padrões que foram reproduzidos e mantidos nas colônias formadas nas mais diferentes regiões do país. Por isso diversas cidades brasileiras - como São Paulo, Rio de Janeiro, Belém e Manaus - receberam imigrantes que se portavam de forma muito semelhante, seja no que diz respeito ao comportamento individual, seja em relação à vida em comunidade, apesar das distâncias e do isolamento a que muitos ficaram sujeitos. O Acre não foi exceção. Neste artigo veremos algumas dessas características gerais assumidas pela imigração árabe que formam o pano de fundo da longa história oriental em terras acreanas. A migração de origem síria e libanesa foi realizada por conta dos próprios imigrantes, de maneira não oficial ou subsidiada, o que sempre foi motivo de orgulho, como prova do espírito altivo e brioso desse povo. Eles vinham para “Fazer a América” e qualquer lugar servia para ganhar dinheiro. Uma vez que o período de maior afluência da imigração proveniente do Oriente Médio coincidiu com o auge do ciclo da borracha, entre 1870 e 1913, a Amazônia se tornou um dos principais objetivos daqueles indivíduos interessados na fortuna rápida. A maioria acreditava que apenas alguns anos de trabalho e remessas do dinheiro ganho na América seriam necessários para atingir certa estabilidade financeira, possibilitando a volta rápida para casa. Efetivamente, um terço dos que imigraram retornaram aos seus países de origem, mas a grande maioria permaneceu constituindo família em diversas partes do continente americano. Aliás, a família, ao lado da religião, é o pilar da identidade de sírios e libaneses. Muitos imigrantes mandavam buscar esposas, ou voltavam às suas aldeias no Oriente para se casar e em seguida retornar para os locais onde tinham seus negócios. Some-se a isto ainda que a decisão pela migração era tomada em família, sendo geralmente orientada por seu chefe, bem de acordo com o espirito patriarcal tão marcante no Oriente. “Vendo gente, se não estiver pelado, é freguês” Logo, os primeiros sírio-libaneses desembarcados no Brasil perceberam que as maiores oportunidades estavam no pequeno comércio itinerante. Esta atividade não necessitava de grandes capitais para ser iniciada e servia ao objetivo de manter uma relativa liberdade. Dessa forma os pioneiros sírio-libaneses começaram a disputar espaço com os mascates italianos e portugueses que se espalhavam por todo o país. Começou, assim, a tradição brasileira de comerciantes sírio-libaneses, também conhecidos como mascates turcos. Na Amazônia estes mascates eram chamados de regatões (porque praticavam comércio navegando pelos rios) e se estabeleciam em qualquer parte onde encontrassem boas oportunidades de negócios. Subiam os rios, os paranás e os igarapés, negociando suas mercadorias em troca de borracha, castanha, couro de caça, ou qualquer outro produto com valor comercial. Alcançaram assim todos os vales acreanos, como pontas de lança do processo que formou uma nova civilização no extremo oeste do “inferno verde”. “Todo o libanês é brimo, até a brimeira falência” Foi nas cidades que a imigração árabe se tornou mais visível. Semelhante ao que ocorreu em São Paulo e outras regiões do país, os sírios e libaneses que se estabeleceram nas diversas cidades acreanas abriram pontos comerciais para a venda de armarinhos, tecidos e aviamentos em geral. Como essas lojas normalmente se concentravam numa área específica da cidade, ruas inteiras passaram a ser dominadas pelos árabes. Muitos desses comerciantes logo se tornaram não só varejistas mas também atacadistas e fornecedores de outros imigrantes que, recém chegados à região, necessitavam de apoio para se estabelecer. Apesar de existirem disputas entre os árabes imigrados, em razão de diferenças religiosas e étnicas, a cooperação que existia entre os integrantes da colônia era mais forte. “O imigrante ao chegar, pobre, era tratado por Turco. Ao se tornar regatão era Sírio e ao enriquecer como dono de comércio era Libanês.” De uma forma geral os regatões eram mal vistos pela elite da sociedade extrativista e sofriam com a marginalização e os preconceitos a que estavam sujeitos. Isso se dava porque os regatões eram atravessadores aos quais os seringueiros recorriam para comercializar sua produção, seja para conseguir melhor preço do que o oferecido pelos patrões, seja para escapar do endividamento crescente com o barracão, seja por conta da revolta contra os maus tatos infligidos por seringalistas violentos. Por isso a ordem nos seringais acreanos era de não deixar encostar regatões. Porém, os regatões não tinham como seu objetivo central, ameaçar a autoridade dos seringalistas. Pelo contrário, eles queriam a ascensão social proporcionada pelo enriquecimento. O regatão passava um período regateando pelas beiradas de rios, apenas o suficiente para acumular capital. Logo os “turcos” estavam abrindo uma porta de comercio em qualquer dos núcleos urbanos acreanos em formação. Começava ai sua batalha para tornar-se aceito na comunidade e ser visto, não mais como marginal, mas como parte integrante do sistema. Com o tempo e a prosperidade proporcionada pelo comércio do “ouro negro” (como era tratada a borracha no início do século) os árabes do Acre começaram a participar da maçonaria, dos clubes políticos, da fundação de clubes esportivos e diversas outras atividades que lhes rendiam dividendos sociais. Quando a Segunda Guerra Mundial teve início e deu origem, em 1942, ao novo ciclo de crescimento econômico, conhecido como a “Batalha da Borracha”, os imigrantes sírio-libaneses já estabelecidos puderam se beneficiar ao máximo.Com capital e proprietária de grande quantidade de empreendimentos a colônia árabe assumiu a condição de integrante da elite dirigente da sociedade acreana. Foi o período em que a participação política dos árabes e seus descendentes aumentou consideravelmente. Logo alguns dos representantes da colônia alcançavam posições políticas destacadas. Entre os diversos deputados de ascendência árabe, a história acreana registrou também a presença de senadores e governadores do estado do Acre. Os imigrantes sírio-libaneses e seus descendentes obtiveram completo sucesso ao vencer a opinião corrente que um dia os considerou marginais. Neste aspecto pesava também o fato de que, com o passar do tempo, houve uma gradativa mistura com a população local, proporcionando uma descendência de legítimos “filhos da terra”. Como acreanos natos os filhos da colônia árabe estavam em igualdade de condições com os filhos de outros imigrantes nacionais ou estrangeiros. Porém, o bem estar econômico alcançado por muitos sírio-libaneses proporcionou uma educação de boa qualidade para seus filhos. Estes eram mandados estudar fora, nos grandes centros do país, para depois voltar formados e preparados para se tornar parte da sociedade que abraçaram como sua e da qual não poderiam ser dissociados nunca mais. Obs: Publicado na revista da Casa Farah - 90 anos; RB, FEM, 2000

Nenhum comentário: