segunda-feira, 7 de março de 2016

O SIGNO ACRE E SUAS SIGNIFICÂNCIAS



As escolhas lexicais e seu uso revelam a presença de ideologias que se opõem, revelando igualmente a presença de diferentes discursos, que, por sua vez, expressam a posição de grupos de sujeitos acerca de um mesmo tema” (FERNANDES, 2005, p. 21.)
A grafia ou a imagem acústica “Acre” pode expressar diversos significados, dando forma a vários signos linguísticos. De acordo com o dicionário Houaiss, temos: 1) sabor amargo, ácido, azedo; 2) cheiro ativo, forte, penetrante; 3) som agudo, pungente; 4) que provoca amargura; aflitivo, doloroso, tormentoso; 5) desagradável; áspero, mordaz, ríspido; 6) unidade de medida para superfícies agrárias.
Quando a grafia “Acre” está relacionada a uma região ou a um território amazônico “colonizado” por brasileiros no último quartel do século XIX, passa a assumir diversos outros sentidos. Cada sentido se refere a um signo linguístico, que deve ser compreendido como um acontecimento linguístico singular, pois cada um deles tem uma formação discursiva própria. Do ponto de vista semântico-discursivo e da descontinuidade histórica, um Acre não pode ser concebido como a evolução do outro, como se ambos fizessem parte da mesma história. Uma vez que a imagem que cada uma delas evoca na mente do interlocutor apresenta singularidades, além do que o contexto de emergência e de utilização de cada um deles são diferentes e os atores sociais que os mobilizaram também.
Segundo esse entendimento, o Acre, enquanto região banhada pelo rio Acre, é diferente do Acre proclamado como República por Luiz Galvez, pois, além desse rio, esse território abrangia o Purus e Iaco. O Acre, enquanto território estrangeiro, é diferente daquele visto como terra nacional. O processo de significação de cada um deles é diferente. Portanto, não há como montar uma genealogia entre o Acre Território e o Acre Estado, a não ser arbitrariamente, pois ambos representam entes políticos e jurídicos diferentes e, por isso, devem ser tratados como fenômenos singulares.

Mapa 01 – Acre imaginado por Plácido de Castro em 1907.
Fonte: Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional.

O Acre contemporâneo e o Estado Independente do Acre, proclamado por Plácido de Castro, em 1903, não podem ser tratados como um mesmo signo linguístico, pois o primeiro é uma unidade federativa da República do Brasil e o segundo, um país autônomo. Quando uma liderança aborígine defende que as terras do Acre, ocupadas tradicionalmente por uma dada tribo indígena, sejam demarcadas, certamente esse Acre do discurso não é o mesmo daquele cuja autonomia era defendida por Guiomard Santos em fins dos anos 1950.
O Acre amazonense que aparece nos discursos de Rui Barbosa não pode ser considerado o mesmo Acre “ecologizado” que circulou nos discursos das lideranças da Frente Popular nas eleições estaduais de 2002. No campo semântico, esses fenômenos linguísticos devem ser tratados como diferentes. Dessa forma, quando se busca traçar um lastro de historicidade entre o Acre atual e o Acre colonizado por João Gabriel de Carvalho, em meados de 1877 e 1878, o Acre Estado não pode ser identificado como um “Acre em potencial” já existente naqueles primeiros núcleos de colonização que aconteceram às margens do rio Acre em fins dos anos 1970. Caso contrário, a história vira uma mera sequência cronológica de fatos teleologicamente marcados.

Mapa 02 – Acre Setentrional e Acre Meridional.
Fonte: Revista Nossa História, Ano 3, Nº 25,
Novembro de 2005, p. 21. [Adaptado pelo autor]

O Acre que aparece no discurso do historiador boliviano José Aguirre Achá (1902) não pode ser o mesmo daquele dos discursos do senador Jonathan Pedroza (1848-1922), autor do Projeto de Lei que visava a incorporação do Acre Setentrional ao Estado do Amazonas. Que relação teria a ideia de Acre vinculada ao Departamento do Alto Acre criado em 1904 com o Acre Meridional ou Acre Setentrional[1] inventados em 1903 com a chegada das tropas brasileiras lideradas pelo general Olímpio da Silveira em Puerto Alonso?

Mapa 03 - Território abrangido pelo Departamento do Acre
Fonte: ACRE, 2001, p. 19. [adaptado pelo autor]

O Estado Independente do Acre proclamado por Plácido de Castro, em janeiro de 1903, não foi o mesmo proclamado por Luiz Galvez em 1899, a representação geográfica de ambos eram diversas. O Acre Meridional, administrado por Plácido de Castro em abril de 1903, não pode ser o mesmo do Departamento do Alto Acre criado em 1903. Em resumo, o “Acre” pode representar a imagem acústica e gráfica de diferentes signos, uma vez que pode significar diferentes coisas. No caso específico de topônimos, a dissemelhança pode acontecer nas dimensões territoriais, no status jurídico e/ou na condição político-administrativa.
2.1.1 O “Acre” estrangeiro

“A análise destina-se a evidenciar os sentidos do discurso tendo em vista suas condições sócio-históricas e ideológicas de produção. As condições de produção compreendem fundamentalmente os sujeitos e a situação social” (FERNANDES, 2005, p. 23.)
Antes da chegada do homem branco civilizado de nacionalidade brasileira, o território que hoje pertence ao estado do Acre já havia sido nomeado com os mais diversos topônimos. As Repúblicas do Peru e da Bolívia já o tinham como parte de seus respectivos territórios. Sem dizer das diversas nações aborígines que mantinham relações identitárias com a região há centenas de anos.
Talvez o estado do Amazonas tenha sido o primeiro a inventar aquele território como brasileiro, mas não como Acre, e sim como parte do município de Floriano Peixoto. Castelo Branco (1958, p. 22) afirma que o pernambucano Serafim da Silva Salgado, pioneiro na exploração do rio Purus, apesar de não ter navegado pelo rio “Acre”, nomeou-o “Canaquiri”.
Todas essas representações de pertencimento foram sacrificadas em favor da emergência do topônimo “Acre”, que já surge enodoado de “violência simbólica”.
Neste tópico, veremos como os “não-brasileiros”, mais especificamente as pessoas das Repúblicas do Peru e da Bolívia, consideravam esse território. Infelizmente, pelo fato de as nações aborígines serem de cultura oral, não desfrutamos de fontes históricas suficientes para analisarmos o processo de nomeação e apoderamento simbólico deles sobre a região em questão. Mas tanto do ponto de vista indígena, quanto do peruano e boliviano, os brasileiros se comportaram como invasores, apoderando-se de território estrangeiro.
O topônimo “Acre” não existia no vocabulário dos falantes de língua espanhola, muito menos nos de línguas indígenas. Ele foi uma invenção brasileira, no entanto, por pura ironia, como para provocar a “teleologia” da história oficial acriana, resolvemos “brincar” com as palavras e utilizar termos como “Acre peruano”, “Acre boliviano”, “Acre espanhol”, dentre outros.
Por meio deles, queremos dizer que o território que hoje pertence ao estado do Acre foi apoderado simbolicamente com outros nomes por espanhóis, peruanos, bolivianos, nativos, etc. Portanto, a imagem cartográfica que o nome Acre evoca como brasileiro, não passa de uma operação arbitrária. O signo “Acre” é apenas o capítulo mais recente da história do processo de nomeação e identificação desse território (e um dos mais breves, por sinal).



Trecho do livro:


[1] O general Olímpio da Silveira assumiu o governo do Acre Setentrional no dia 3 de abril de 1903, e Plácido de Castro, o governo do Acre Meridional. Um mês e dez dias depois, o general invadiu também o Acre Meridional.

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