terça-feira, 1 de março de 2016

Professor Eduardo Carneiro lança livro que explica a origem do ‘acreano’




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"O Acre não surgiu das mãos do criador, portanto, a sua origem não deve ser vista como um espetáculo do Gênesis”, diz Eduardo Carneiro



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“O livro é a paisagem enunciativa responsável pela imaginação apoteótica da origem do Acre(ano)”, disse o professor/Foto: arquivo pessoal
O professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Eduardo Carneiro, 37 anos, lançará seu quarto livro sobre história do Acre no final do mês de março. Ele promete mais críticas à história oficial.
A obra “O Discurso Fundador do Acre(ano): História & Linguística” mostra como a narrativa do passado inaugural acriano foi inventada como epopeia. Além de oferecer explicações sobre a origem do topônimo “Acre”, o autor também analisa como essa região sul ocidental amazônica foi idealizada como brasileira.
“O livro é a paisagem enunciativa responsável pela imaginação apoteótica da origem do Acre(ano). Através dele, é possível compreender como o poder simbólico da linguagem foi empregado para ‘embelezar’ fatos históricos intimamente relacionados à violência, à corrupção e ao extermínio de culturas”, afirma Eduardo Carneiro.
O livro está dividido em três capítulos. O primeiro é o mais teórico, pois pretende iniciar o seu leitor às discussões linguísticas sobre o conceito de “discurso fundador”. Para tanto, menciona as ideias de autores como Michel Foucault, Dominique Maingueneau e Eni Orlandi. Dentre as muitas atribuições de um discurso fundador, ele enfatiza duas: a de instituir um marco inaugural glorioso e uma identidade sublime para uma dada comunidade.
O segundo capítulo, o professor aplica o conceito de discurso fundador ao topônimo Acre. Comprova que o território que hoje conhecemos como “Acre” nem sempre recebeu esse nome. “Esse território já foi nomeado por vários topônimos indígenas, bolivianos e peruanos. Acre é apenas um capítulo da história dos topônimos atribuídos a este território. Ele se tornou hegemônico porque representa a versão dada pelos vencedores das disputas diplomáticas e bélicas pela posse daquele território. Mas ser hegemônico não significa ser o único” frisa o autor.

A obra “O Discurso Fundador do Acre(ano): História & Linguística” 
mostra como a narrativa do passado inaugural acriano foi inventada como epopeia.
Ainda nesse capítulo, o professor assegura que “o abrasileiramento do território já havia sido iniciado antes mesmo de o Acre existir enquanto comunidade de acrianos. Na verdade, a Questão do Acre começou como uma causa amazonense, a iniciativa de contestar a soberania boliviana não partiu dos ‘acrianos’ ou dos ‘brasileiros do Acre' dado um fato curioso, a saber, o de que a região do atual Acre já era tratada como brasileira sem o nome 'Acre’. Assim sendo, o ‘Acre’ foi primeiro fundado como brasileiro como um “não-Acre”, isso porque era tratado parte da jurisdição do município Antimarí, que depois passou a se chamar Floriano Peixoto” (Amazonas).
No terceiro capítulo, é a vez de o autor aplicar o conceito de discurso fundador ao gentílico acriano. Além de prestar esclarecimentos sobre o surgimento do gentílico, ele também analisa as técnicas e procedimentos discursivos que o “saturou” de acrianismo. “O patriotismo e o heroísmo não são traços naturais da identidade do acriano. Eles foram inventados pelos formadores de opinião que promoviam a Questão do Acre como causa nacional. Assim faziam porque se beneficiavam da economia gomífera.
Depois de nacionalizado, foram os autonomistas que reproduziram esse discurso patriótico e heroico, já que quanto mais fantástica fosse a origem do Acre, mas capital simbólico teriam para protestar contra o governo federal e reivindicar a imediata elevação do Acre à categoria de Estado” pondera o escritor.
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Professor já lançou outros 3 livros
O pesquisador passou a ficar conhecido no meio acadêmico e nas redes sociais desde o seu primeiro livro A Formação da Sociedade Econômica do Acre: “sangue” e “lodo” no surto da borracha (1876-1914), já na quarta edição. Nele, ele faz uma verdadeira “revolução historiográfica” ao mostrar que a origem do Acre está assentada àquilo que ele chamou de “patologias sociais”, ou seja, fatos históricos desabonadores da imagem apoteótica divulgada pela história oficial, tais como: fraudes no aviamento, conflitos armados, estupro de nativas, invasão de território, extermínio indígena, concentração fundiária, descaminho de borracha, escravidão por dívida, sonegação fiscal e tributária, tráfico de mulheres e mercantilização feminina, exploração predatória da natureza, culturicídio, mandonismo político, inconstitucionalidades, dentre outros.
O segundo livro, A Fundação do Acre: uma história revisada da anexação (fase invasiva, fase militar & fase diplomática), mostra o que o autor chama de “uma história mais sincera do processo de nacionalização do território conhecido hoje como Acre”.
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Segundo livro fala da Revolução Acriana
O grande diferencial desse livro é à interpretação dada à Revolução Acriana. O autor divide o processo de anexação em três fases (invasiva, militar e diplomática) para mostrar que a Revolução Acriana teve importância secundária, se levado em consideração a ação migratória e diplomática.
Assim sendo, segundo o autor, “é inconcebível a afirmação que diz que o
Tratado de Petrópolis veio apenas para legalizar aquilo que os acrianos já haviam conquistado pelas armas”. Isso porque, ainda segundo ele, os acrianos não haviam anexado um palmo de terras sequer ao Brasil.
“O que eles fizeram foi transformar o território em um país independente. Além do mais, a vitória militar que eles obtiveram perante a minguada tropa boliviana que estava em Puerto Alonso em janeiro de 1903, não havia sido definitiva. O modus vivendis assinado em 21 de março de 1903, evitou a desforra que seria feito pelo exército boliviano, liderado pelo próprio presidente da República Manuel Pando.
Ademais, prossegue o professor, “o território já havia sido arrendado ao Bolivian Sindicate e, contra estes, os acrianos pouco podiam, já que, até então, os EUA também estavam inclinados aos reclames bolivianos” diz o autor. O livro foi revisado e republicado com o título Amazônia, Limites & Fronteiras (Brasil, Bolívia e Peru): uma história revisada da nacionalização do Acre.
O terceiro livro, A epopeia do Acre e a manipulação da história no Movimento Autonomista & no Governo da Frente Popular, estuda como o discurso fundador concebido pelos promotores da Questão do Acre em fins do século XIX foi reproduzido e reinventado pelos líderes do Movimento Autonomista e do Governo da Frente Popular.
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Livro A Epopeia do Acre
“A divulgação do discurso fundador do Acre pelo establishment acriano foi o que consagrou a manipulação da história como verdade. Certamente não fizeram isso gratuitamente, pois da mesma forma que os promotores da “Revolução” inventaram o discurso do heroísmo e do patriotismo acriano para justificar a nacionalização do Acre, os autonomistas nas décadas de 1900 a 1960 e os petistas de 1999 até hoje também fizeram e fazem uso político do passado para promoverem suas causas, seus partidos, suas lideranças e, acima de tudo, angariarem a simpatia do povo” analisa o escritor.
O professor Eduardo Carneiro, que além de historiador é economista e linguista, informa que lançará mais dois livros ainda neste ano. Um ainda neste semestre e o outro no próximo. Trata-se dos livros “Acreanidade” e as comemorações cívicas (do Movimento Autonomista ao Governo da Frente Popular) e Linguística para historiadores e cientistas sociais: uma introdução à análise do discurso.
Indagado sobre as retaliações ou perseguições que possam vitimá-lo, o professor assim declara: “antes que a cúpula ‘eclesiástica’ defensora do ‘acrEanismo’ me convoque para a ‘inquisição’ e coloque meus livros no index, antecipo-me em pedir clemência, pois meu trabalho não pretende esgotar o assunto.
E citando o escritor Caio Prado Junior, Carneiro prossegue: “caso o intento persista e eu seja condenado à ‘fogueira’, que ateie a primeira centelha de fogo aquele que tenha lido ao menos a metade das obras indicadas nas bibliografias dos livros que escrevi. Aos inquisidores, o meu último pedido: que faça constar no meu epitáfio o seguinte dizer: ‘Aqui jaz um herege que só quis mostrar, num livro ao alcance de todo mundo, que também na nossa história, os heróis e os grandes feitos não são heróis e grandes senão na medida em que acordam com os interesses das classes dirigentes, em cujo benefício se faz a história oficial”.

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