quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Congresso Internacional da Ayahuasca

A vinte e cinco anos atrás, na Universidade Federal do Acre, acontecia o I Congresso Internacional da Ayahuasca, sob a batuta do idealista professor Clodomir Monteiro. Em 1991, o Brasil era outro, não havia internet nem celular, a produção acadêmica de pesquisa sobre a Ayahuasca era muito incipiente, mas o Acre já se destacava por um esforço de documentação patrimonial dessa cultura popular no âmbito estadual, mesmo com poucos recursos, trabalho do qual fiz parte no Museu da Borracha e que resultou no atual processo de tombamento da Ayahuasca pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, possivelmente do Ofício de Feitor de Daime, o que representará um enorme progresso, assim como a abertura da Casa de Leôncio Gomes como centro de informação e pesquisa sobre o bairro Irineu Serra, no Alto Santo, em Rio Branco, que marca um novo tempo de cidadania cultural das comunidades ayahuasqueiras do Acre. A AyaConference de 2016 é a modernidade chegando a Rio Branco por iniciativa de uma organização não-governamental espanhola, a ICEERS, que já realizou uma primeira conferência internacional no centro turístico de Ibiza, no Mediterrâneo, e trouxe o projeto dessa nova conferência para a Amazônia brasileira, onde Rio Branco é o polo da cultura ayahuasqueira em maior evidência internacional, em especial nos últimos tempos pelas festividades rituais indígenas que têm sido levadas aos grandes centros urbanos do Brasil e do exterior. Assim como o etnoturismo nas aldeias, apesar de promessas da Funai e do setor cultural, ainda ser improvisado em acordos casuais, sem sustentabilidade assegurada no referente ao contrato social para as atividades turísticas nas aldeias, também é na base do improviso que a ayahuasca tem expandido-se no exterior, sendo que a maioria dos pajés viajam sem a garantia de um visto de trabalho e seguro de viagem para as apresentações artísticas que realizam, algumas vezes como menestréis dependendo de "arrecadação" pelos rituais que apresentam a título de valorizar sua cultura ancestral. Espera-se que a AyaConference sirva para a discussão dos aspectos concretos a serem considerados para a plena liberdade de expressão das culturas da Ayahuasca, dentre os quais a valorização dos pajés como artistas profissionais, e de sua etnoterapêutica como um tesouro a ser respeitado e não dilapidado por projetos individualistas que desconheçam a ética necessária aos convênios e acordos de intercâmbio, que devem beneficiar sempre o direito coletivo das comunidades ancestrais. A liberdade do uso da Ayahuasca está ancorada em legislação aprovada pelo Conselho Nacional Anti-Drogas, o CONAD, órgão do Ministério da Justiça. Ajustes às regras vigentes vêm sendo pleiteados continuamente ao longo dos anos, e será natural que voltem a ser debatidos, normal que se acentuem diferenças, assim como alianças e convênios surgirão certamente entre os diferentes grupos presentes na AyaConference. O importante será aproveitar a oportunidade para uma visão ampla sobre essa cultura tão complexa, em constante evolução, mas ciosa da necessidade de preservação de suas diferentes tradições, sejam elas complementares ou antagônicas, para a continuidade do esforço beneficente desses trabalhos de cunho espiritual. O resultado não poderá ficar apenas no papel: são muitas as lacunas a serem preenchidas para que a consciência das pessoas que se reúnem a esse fim esteja satisfeita, com certeza, mas as respostas surgem do próprio encontro dessas muitas vozes. Será uma chance e tanto, e as sementes aí lançadas, quem sabe, daqui a vinte e cinco anos possam estar verdejando uma nova mentalidade para as relações humanas em geral. A uma cultura tão viva, não se poderá calar: é tão amazônica que é universal! * Eduardo Bayer trabalhou na pesquisa da Cultura da Ayahuasca para a Fundação Elias Mansour, do Acre, de 1988 a 2014. Escritor e engenheiro florestal aposentado, vive atualmente em Santa Catarina.

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