Prof.
Dr. Eduardo Carneiro (UFAC)
autor
e editor de livros.
“Nem a dita
Revolução Acreana e nem Plácido de Castro foram os responsáveis pela anexação
do Acre. Nossa historiografia é bairrista e provinciana, olha tudo a partir do
umbigo. Foi o corpo diplomático brasileiro quem pôs fim à Questão do Acre,
negociando com os EUA, o Bolivian
Syndicate, a Bolívia e o Peru. Sem tal negociação, o Acre não teria sido
nacionalizado” Eduardo Carneiro.
1. Qual a
importância do Tratado de Petrópolis para a anexação do Acre ao Brasil?
Foi fundamental, pois resolveu diplomaticamente a
chamada Questão do Acre com a Bolívia, que era naquele momento quem mais
reivindicava o território e com o qual os “brasileiros do Acre” já haviam
travado uma disputa armada. No entanto, o processo de anexação do Acre ao
Brasil e, consequentemente, o fim da Questão do Acre, só veio mesmo em 1909,
com o Tratado assinado entre o Brasil e o Peru, já que este último país também
pleiteava essa região que hoje chamamos de Acre. Até a assinatura do Tratado de
Petrópolis em 17 de novembro de 1903, o Acre não figurava oficialmente nos mapas do
Brasil.
2. Como assim
não era do Brasil? E os brasileiros na região? E a Revolução Acreana?
Ter brasileiros na região, não faz a região
território brasileiro. Assim como o bairro da Liberdade em São Paulo não deixa
de ser brasileiro mesmo sendo sediando a maior colonia japonesa do mundo. Os
brasileiros não perderiam sua nacionalidade, apenas se tornariam estrangeiros,
pois o que estava em jogo era a nacionalidade do território, portanto, o
patriotismo não passava de uma artimanha retórica para mobilizar a opinião
pública nacional em favor dos interesses fundiários dos seringalistas e das
rendas fiscais do governo do Amazonas. E foi exatamente a defesa desses dois
interesses que ocasionaram a chamada Revolução Acreana que, diga-se de
passagem, não pôs fim a Questão do Acre, pelo contrário, apenas serviu para dar
visibilidade nacional à mesma, além, é claro, de produzir dezenas de cadáveres.
3. O senhor
está querendo dizer que a tão comemorada Revolução Acreana não foi a responsável
pela anexação do Acre ao Brasil?
Não sou eu quem diz, são as evidências históricas
quem afirmam isso. Basta analisar os fatos sem o preciosismo típico da
literatura acreanocentrica. Senão vejamos: a) independente do conceito de
“Revolução Acreana”, quer seja todos os eventos de resistência ao governo
boliviano, quer seja apenas aquele liderado militarmente por Plácido de Castro,
ela nunca resultou na incorporação de um palmo de terra sequer ao Brasil, o
máximo que fez foi tornar o Acre um país independente; b) a vitória militar
obtida contra o “miúdo” exército boliviano pelas tropas acreanas em Puerto
Alonso em janeiro de 1903 não foi definitiva, já que o próprio Presidente da
Bolívia, juntamente com o seu Ministro de Guerra e tropas bolivianas, ameaçaram
invadir a região; c) Foi o Barão do Rio Branco quem evitou a carnificina, pois
sabendo da “desforra”, tratou logo de acordar um modus vivendis com o governo boliviano; d) a vitória militar
parcial obtida pelos acreanos em janeiro de 1993 contra os bolivianos não
representou o fim da Questão do Acre, pois o território já estava “arrendado”
para o Bolivian Sindicate e, contra esse sindicato internacional, os acreanos
pouco ou nada podiam fazer; além do mais, a Revolução, no máximo, garantiria a
posse de terra dos brasileiros na região do Purus, já que a do Juruá, o
conflito era com os peruanos e não com os bolivianos; e) a dita Revolução foi
mais obra da iniciativa do governo do Amazonas do que a dos acreanos
propriamente ditos; Plácido de Castro nunca foi o mentor intelectual e nem o
político da Revolução, no máximo, foi um líder militar convidado (ou
contratado?) para uma causa que não era dele.
Sem a renúncia do Bolivian Syndicate assinada em 26 de janeiro de 1903 e sem a assinatura do modus-vivendi em 21 de
março de 1903, tanto o destino do Acre, quanto o dos acreanos estava em
suspenso. Por isso é que digo que o destino deles foi mais um resultado
diplomático traçado nos gabinetes ministeriais do que um resultado militar
traçado nos campos de batalha. Em resumo: a Revolução chegou ao fim sem que o
Acre fosse nacionalizado.
4. Então, a
participação do Barão do Rio Branco na Questão do Acre foi mais importante do
que a do herói Plácido de Castro?
Claro que sim, não tenho a menor dúvida quanto a
isso. Como já falei, a fase militar do processo de anexação do Acre ao Brasil
não conseguiu incorporar sequer um palmo de terra ao Brasil. De nada adiantaria
uma vitória militar definitiva contra os bolivianos, sem o sucesso diplomático
que o Itamarati teve com os EUA, com o Bolivian
Sindicate e com o Peru. Já pensou se o Bolivian
Sindicate não renunciasse seus direitos sobre o Acre? Já pensou se os EUA
unidos resolvessem apoiar a Bolívia e o Bolivian
Sindicate contra o Brasil? Apesar de ambos serem parceiros comerciais, o
Brasil até então se recusava ao alinhamento requerido pela Doutrina
Monroe. Foi o esforço
diplomático que garantiu a neutralidade dos EUA, a renúncia do Bolivian
Sindicate, além das compensações à
Bolívia e do Peru. Plácido de Castro sequer foi convidado a participar das
negociações, ele em nada interferiu ou contribuiu com o desfecho diplomático. Foi em meio a essa disputa simbólica sobre quem seria o “herói” do Acre
que a figura de Plácido de Castro passou a ser mitificada em âmbito regional
como o principal responsável pelo sucesso da anexação do Acre ao Brasil. Isso
como uma forma de diminuir a importância do Barão do Rio Branco que, como já
foi falado, também foi um dos responsáveis pelo “rebaixamento” do Acre à
condição de Território.
5. Por que
então foi Plácido de Castro que recebeu uma projeção local como herói dos
acreanos e não o Barão do Rio Branco?
Simples, pois os autonomistas preferiram consagrar um
líder local do que um nacional. Não devemos esquecer que o Barão do Rio Branco
foi um dos mentores do “rebaixamento” do Acre à condição de Território, e tê-lo
como herói não era estratégico para a causa autonomista. Os autonomistas queriam tornar o Acre um Estado, para tal propósito,
era mais estratégico a escolha de liderança local como herói. O “Barão” sendo
aceito como “pai do Acre”, ficaria mais fácil justificar o domínio político
federal naquele território. O diplomata Barão do Rio
Branco encarnava melhor o caráter nacional dos republicanos. Em contrapartida,
a figura de Plácido de Castro fortalecia o regionalismo dos “coronéis” do Acre.
A idolatria a Plácido de Castro foi uma tradição construída e mantida
postumamente. Enquanto esteve vivo,
nenhum prefeito endossou práticas comemorativas à “Revolução” ou aos “heróis da
Revolução”, muito menos ao próprio Plácido de Castro. A consagração dele como “herói do Acre” só aconteceu porque ao longo da
história não faltou quem obtivesse algum tipo de ganho simbólico ou dividendo
político com a exaltação dele. Primeiramente os
autonomistas, que fizeram dele um patrono de suas causas, depois os próprios
militares, que exaltavam Plácido de Castro mais por ele ter sido um militar do
que um “revolucionário”. Na literatura nacional, porém, é comum encontrarmos
quem dedique o sucesso da anexação do Acre ao Brasil ao Barão do Rio Branco e
não a Plácido de Castro. “Rio Branco” foi nomeado um dos centros comerciais
mais importantes do Acre naquele início de século. O governo federal, através
dos prefeitos, rendia-lhe homenagens, tratando-o como “patrono do Acre” (jornal
Acreano, de Xapuri, 1 de novembro de
1909, Nº 56, primeira página). O Barão do Rio Branco ainda estava vivo e seu
nome passou a ser utilizado em ruas, estabelecimentos públicos e praça. Sem
dizer do “17 de novembro”, data da assinatura do Tratado de Petrópolis, que
também virou nome de escola e outros.
EDUARDO DE ARAÚJO CARNEIRO
É licenciado
em História (UFAC) e bacharel em Economia (UFAC). É mestre em Linguagem e
Identidade (UFAC) e doutor em História Social (USP). Atualmente é
aluno do
Doutorado em Estudos Linguísticos (UNESP). É Professor da UFAC, blogsta,
escritor, editor de livros e poeta nas horas vagas.
LIVROS DO AUTOR
(www.eaceditor.blogspot.com):
1)
Amazônia,
limites & fronteiras: uma história revisada da nacionalização do Acre;
2)
A Formação da
Sociedade Econômica do Acre: “sangue” e
“lodo” no surto da borracha (1876-1914); e
3)
A Epopeia do Acre e a manipulação da história.
4)
A Fundação do
Acre(ano): História e Linguística.
5)
“Acreanidade” e
comemorações cívicas no Acre (no prelo)
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