Dr. Eduardo Carneiro, é professor da
Universidade Federal do Acre, é licenciado
em História (
UFAC), bacharel em Economia (UFAC), mestre em Letras (UFAC), Doutor em História Social (USP), e doutorando
em Estudos Linguísticos pela UNESP. É membro da Academia Acreana de Letras,
escritor e editor de livros. Autor de A formação da sociedade econômica do
Acre: sangue e lodo no surto da borracha (1876 - 1914); A Fundação do Acre: uma
história revisada da anexação (fase invasiva, fase militar e fase diplomática);
A Epopeia do Acre e a manipulação da História no Movimento Autonomista & no
Governo da Frente Popular; e O Discurso Fundador do Acre(ano): História & Linguística;
História do Acre: resumão para concurso; Acreanismo e comemorações cívicas;
Poesias Noturnas e Poesias Diurnas.
QUAIS SÃO AS SUAS PALAVRAS INICIAIS SOBRE O ANIVERSÁRIO DE RIO BRANCO?
Bem, primeiro eu precisaria saber
sobre qual Rio Branco você está se referindo. Pois historicamente temos vários,
cada um com o seu respectivo decreto de criação historicamente datado, a saber:
Vila Rio Branco (1904), Município de Rio Branco (1912), Rio Branco como capital
do Território do Acre (1920) e Rio Branco como capital do Estado do Acre
(1962). Assim devem ser vistos porque são entes da divisão administrativa da
República brasileira com identidade geográfica e status jurídico-político
distintos. O fato de a
grafia dos topônimos serem os mesmos, ou seja, Rio Branco, não significa que estamos
nos referindo a uma mesma coisa em estágio de evolução diferentes. São
simplesmente fenômenos históricos singulares de mesmo nome, ou seja, homônimos.
TUDO BEM, MAS O SENHOR NÃO MENCIONOU O 28 DE DEZEMBRO DE 1882 E NEM O
13 DE JUNHO DE 1909 COMO DATAS PROVÁVEIS DA CRIAÇÃO DE RIO BRANCO. POR QUÊ?
A não indicação das datas não foi
mero esquecimento meu, foi proposital. Primeiro porque tanto a primeira que faz
alusão à fundação de um seringal por nome Volta da Empresa, quanto a segunda que
faz referência à criação da cidade de Penápolis, não guardam relação homonímica
com o topônimo Rio Branco. Segundo por achar que o fato de o seringal e a
referida cidade ter se localizado em áreas que atualmente pertencem ao
território da capital acreana não os credenciam como parte genealógica do
município. Nos dois casos, estamos tratando de vocábulos heteronímicos. Porém
sou sabedor da celeuma que muitos políticos e historiadores têm feito a
respeito dessas datas, basta lembrar que o cinquentenário da cidade de Rio Branco foi comemorado
levando-se em consideração o 13 de junho de 1909, já o centenário, o 28 de
dezembro de 1882. O que posso dizer é que as expressões “cidade de Rio
Branco” e “município de Rio Branco” só foram usadas oficialmente pelo Decreto
Federal Nº 9.831, de 23 de outubro de 1912. Portanto, essa talvez seja a data
do nascimento teórico ou jurídico do município, já que, na prática, de fato,
como é sabido, ele só veio a ser instalado no dia 15 de fevereiro de 1913.
MAS PROFESSOR, PRATICAMENTE TODOS OS HISTORIADORES AFIRMAM QUE O
SERINGAL VOLTA DA EMPRESA, A CIDADE DE PENÁPOLIS E O MUNICÍPIO RIO BRANCO SÃO NOMES
DIFERENTES PARA DESIGNAR A MESMA COISA. CERTO?
Errado (Risos). Essa confusão
toda foi feita propositalmente para justificar o 28 de dezembro como data de
aniversário do Município de Rio Branco. No entanto, uma coisa é um seringal,
outra coisa é uma cidade, e outra coisa é um município. Um seringal é uma
unidade de produção rural extratora de borracha que, no Acre, no último decênio
do século XIX, era fundado por meio da invasão de território estrangeiro,
grilagem de terra e genocídio indígena. Já uma cidade é caracterizada por uma
população urbana que se dedica a atividades econômicas não rurais, que geralmente
se constitui em sede administrativa de um Município, Departamento, Distrito ou
Intendência. Município é uma pessoa jurídica de direito público interno,
um ente administrativo do Estado, que é criado por força de decreto oficial e
abarca um território composto por áreas rurais e urbanas. No caso do Acre,
estamos tratando de um seringal fundado ilegalmente em território estrangeiro,
que figurava do lado direito do Rio Acre; de uma cidade fundada “por resolução
prefeitoral” em um uma área contraditoriamente rural, situada no lado esquerdo
do rio Acre, que passou a servir de sede administrativa de um dos Departamentos
do antigo Território do Acre; e de um município que é a capital do Estado do
Acre, cujo o território abarca tanto áreas rurais quanto urbanas situadas tanto
do lado direito do rio Acre, quanto do lado esquerdo. Portanto,
geograficamente, identitariamente e juridicamente são fenômenos históricos distintos.
O SENHOR ESTÁ AFIRMANDO QUE A FUNDAÇÃO DO SERINGAL VOLTA DA EMPREZA NÃO
É A DATA DE ANIVERSÁRIO DO MUNICÍPIO DE RIO BRANCO?
Exatamente. O 28 de dezembro de
1882 é a provável data de aniversário do seringal Volta da Empreza e não do
Município de Rio Branco. O referido seringal provavelmente completa 135 anos em
2017, digo provavelmente pois tal data é, até hoje, duvidosa. Já o município de
Rio Branco, unidade político administrativa do Departamento do Alto Acre, do
Território do Acre, completou 105 anos. Já o município de Rio Branco como
capital do Território do Acre completou, neste ano, 97 anos. Já o município de Rio
Branco como capital do Estado do Acre completou 55 anos. Foge à minha capacidade
cognitiva entender como o aniversário do Município de Rio Branco, capital do
Acre, que é um Estado do Brasil, pode ter como data de origem o aniversário de
fundação de um seringal que, na época, sequer pertencia ao Brasil, num momento
histórico que sequer o Acre existia. Isso é um anacronismo sem tamanho.
Acreditar nisso é o mesmo que ter por verdade a ideia de que o Município de Rio
Branco já estava presente no ato de fundação do Seringal Volta da Empreza, quer
seja em potencialidade a ser realizada, capacidade de vir a ser, ou em forma de
uma espécie de “DNA” (risos). Não há
nenhuma linhagem ou lastro de significância entre um seringal e um município. O
fato de o território do município de Rio Branco incluir, dentre outras, a área
que anteriormente funcionava o seringal Volta da Empresa, não faz do seringal a
origem do município. Simples assim! Até porque o Vale do Rio Acre em fins do
século XIX já era formado por mais de 65 seringais, que, mais cedo ou mais
tarde, no todo ou em parte, também foram dissolvidos e urbanizadas, tendo suas
respectivas áreas abarcadas pelo território do Município de Rio Branco. Logo, a
depender das coordenadas geográficas escolhidas, a data do início da
colonização do território do atual Rio Branco poderia mudar. Interessante dizer
que expedição que trouxe Neutel Maia foi a mesma que trouxe os irmãos Leite, que
desceram do vapor algumas milhas antes que Maia. Os irmãos Leite também
fundaram um seringal, um dos maiores do Vale do Acre na época por sinal, que,
por sua vez, também passou a fazer parte do atual território de Rio Branco. Ora,
se os irmãos Leite desceram da embarcação antes que Neutel Maia, por que este e
não aqueles foi “batizado” como fundador de Rio Branco?
PROFESSOR, ENTÃO POR QUE SE FALA TANTO EM VOLTA DA EMPREZA COMO ORIGEM
DE RIO BRANCO?
Para responder essa pergunta,
teríamos que reconstituir o cenário político e as correlações de forças que
estavam em jogo no momento em que o Projeto de Lei que instituiu a data oficial
de aniversário do município de Rio Branco foi redigida, aprovada e sancionada. Uma
coisa posso afirmar, até fins da década de 1970, os prefeitos faziam festas
cívicas em homenagem ao aniversário de Rio Branco baseados na data de 13 de
junho de 1909. Basta verificar nos jornais da época. O primeiro a fazer uso do
28 de dezembro de 1882 para comemorar o aniversário de Rio Branco foi o então prefeito
Fernando Inácio dos Santos. A decisão dele pode ser facilmente explicada quando
percebemos que fez recair o centenário da cidade no interstício do seu mandato.
Os jornais de dezembro de 1982 revelam a mega festividade que organizou para
homenagear o suposto 100 anos de Rio Branco. No Acre é assim, a história muda
conforme os interesses de autopromoção dos políticos (risos). No centenário do
Acre não foi diferente, o poder executivo também deu aula de manipulação da
história. Os políticos e
membros da elite acreana sempre torturaram a história do Acre a fim de torná-la
testemunha dos seus duvidosos “grandes feitos”. A decisão de comemorar o
aniversário da cidade baseado na data do início da colonização praticada por
Neutel Maia às margens do lado direito do Rio Acre, tinha forte apoio dos
familiares e descendentes da elite riobranquence que, até meados dos anos 1960,
dominavam o comércio local a partir do que hoje conhecemos como Segundo
Distrito, mais precisamente, do bairro Empresa. Já que, como é sabido, a sede
do Departamento criado em 1912, na cidade de Penápolis, ficava no chamado
Primeiro Distrito. Eu até suponho que a escolha da data também tenha agradado os
funcionários públicos municipais, já que ganhariam um feriado pós natalino
(risos).
TUDO BEM, MAS COMO SENHOR EXPLICA O FATO DE O SERINGAL VOLTA DA EMPRESA
TER SIDO ESCOLHIDO COMO SEDE DO ENTÃO DEPARTAMENTO DO ALTO ACRE?
A região mais urbanizada do Acre no
início do século XX era Porto Acre, era ali que se reunia as melhores condições
para uma sede departamental, já que a estrutura governamental deixada pelo
governo boliviano colaborava para isso. No entanto, aquele povoado se tornou
uma forte área de influência de Plácido de Castro, após a vitória do mesmo
contra os bolivianos em janeiro de 1903. Por conta disso, é possível que o
General Olympio da Silveira tenha preferido, em abril de 1903, criar a sede do
governo brasileiro do Acre Setentrional no Volta da Empreza, para onde levou as
tropas do exército. Tal região era dominada pela influência cearense Neutel
Maia, que era talvez o homem mais rico de todo o Acre, e que havia se recusado
a apoiar Plácido de Castro. E foi justamente essa estadia do General com sua
tropa composta por mais de mil soldados que alavancou a região do Volta da
Empreza como um povoado urbano com estruturas mínimas para uma futura sede
departamental. Se o general tivesse escolhido Porto Acre ou Xapuri, a história
da capital do Acre, provavelmente, teria sido outra. E foi esse povoado, formado no entorno do
Seringal, que foi elevado à categoria de Vila em agosto de 1904, com o nome
Volta da Empresa. E foi essa Vila, e não o seringal de mesmo nome que, em
setembro do mesmo ano, foi indicada como sede provisória do Departamento do
Alto Acre com o nome de Rio Branco.
DE QUALQUER FORMA PROFESSOR, O SENHOR NÃO ACHA QUE A HISTÓRIA DO
SERINGAL FAZ PARTE DA HISTÓRIA DO MUNICÍPIO?
É bom deixar claro que uma coisa
é a história do seringal, outra coisa é a do Município de Rio Branco. A
história do Seringal Volta da Empreza é apenas um capítulo da história do homem
na região que hoje faz parte do território do Município de Rio Branco. A não
ser que assumamos uma postura rigidamente acreanocentrica e etnocêntrica para excluirmos
da história a milenar presença das nações indígenas na região. Portanto, a
fundação do referido seringal é apenas um marco, arbitrário por sinal, do
início da colonização do homem “branco” de nacionalidade hegemonicamente
brasileira em território que hoje pertence ao dito município. A história do município de Rio
Branco, pessoa jurídica e unidade político-administrativa da República do
Brasil, que gerencia a ordem pública em um determinado território
geograficamente definido, não pode ser confundida com a história humana neste
mesmo território. Até porque a área do antigo seringal Volta da Empresa
é apenas uma fração do atual território de Rio Branco e, como já mencionamos,
antes de Neutel Maia já havia comunidades ali. Resumindo: a data da fundação do
seringal Volta da Empreza não é a data de origem do Município de Rio Branco. A
Relação entre um e outro foi construída arbitrariamente por meio do abuso da
história. O seringal é tão somente parte da história do início da colonização
nordestina em terras que a posteriori fariam parte do território do Município
de Rio Branco. Pronto! Só é isso... o resto é imaginação dos escribas do poder
(risos).
ENTÃO O MUNICÍPIO DE RIO BRANCO NÃO FAZ 135 ANOS. É ISSO?
Exatamente isso (risos). Rio Branco não faz 135 anos em
2017, a não ser que me provem que Neutel Maia tenha trazido consigo, em meio as
suas bagagens, o Projeto Piloto urbanístico de construção do Município (risos).
Brincadeiras à parte, é somente dessa forma, meio que hilária, que seria
possível justificar um suposto aniversário de 135 anos de Rio Branco. Apenas
em uma narrativa teleológica e manipulada da história é fica visível a
existência de um Município no ato fundador de um Seringal. Como comemorar o
aniversário de nascimento de um ente numa data em que ele sequer existia? Isso
só é válido num ambiente espírita, em que o Município apareceria como a
reencarnação do seringal em um estágio mais evoluído (risos). Portanto, o que
provavelmente faz 135 anos é tão somente a chegada do vapor Apihy, liderada
pelo cearense Neutel Maia, às barrancas do lado direito rio Acre, nas
proximidades onde hoje conhecemos como gomeleira. Será que é tão difícil
entender isso?
PROFESSOR, NÃO ESTAMOS ACOSTUMADOS COM ESSA EXPLICAÇÃO, COMO O SENHOR
CHEGOU ATÉ ELA?
A questão é que grande parte dos
historiadores com má formação acadêmica confundem as diversas temporalidades
históricas, muitas das quais descontínuas, com o tempo cronológico marcado pelo
relógio e calendários, limitando àquelas a estes. Escrevem a histórica como se
ela fosse uma narrativa evolutiva rumo ao progresso, uma mera sucessão de fatos
marcados no tempo cronológico. Como se o lastro de continuidade fosse algo
natural e não um ato arbitrário, resultado de escolhas. Precisamos vencer a
ideia de que o presente já existia potencialmente no passado, e que, portanto,
caberá ao historiador tão somente a tarefa de realizar a montagem teleológica
dos fatos. A história real e empírica é cataclísmica, ela é saturada por várias
temporalidades e de acontecimentos simultâneos e desconexos. No entanto, quando
a história é representada graficamente por meio de uma narrativa escrita, ela acaba
tomando forma, por culpa dos historiadores e escritores “embriagados de
evolucionismo”, de uma sucessão cronológica e consequencial de fatos. Mas os
fatos históricos não obedecem a uma lógica ritmada do tipo “causa e efeito”,
pelo contrário, as relações de forças que envolve cada evento são multiformes,
e estamos falando de vários eventos simultâneos e desconexos dos quais a
escrita da história cronologicamente marcada não consegue abarcar. A narrativa
da história não pode mais ficar refém de uma ideia de tempo absoluto newtoniano
(físico Isaac Newton), que já foi superada. A física quântica está aí e a noção
de tempo relativo é fato! Portanto, há descontinuidades na história, ela não é
uma narrativa do progresso humano. As conclusões a que cheguei sobre esse
debate sobre o aniversário de Rio Branco são facilmente percebíveis por
qualquer cidadão acreano. Não é preciso se ter um diploma de nível superior
para tal. Basta se ter uma compreensão semiológica básica dos seguintes
vocábulos, marcando a diferença semântica entre eles, a saber: um seringal, um
povoado, uma vila, uma sede departamental, uma cidade, um município, uma
capital de estado. Quem domina minimamente o conceito exato que o vocábulo
“município” evoca, jamais verá num seringal, a origem de Rio Branco. É só entendermos que quando as
terras que anteriormente fazia parte do seringal se urbanizaram, tal região já
não era mais exatamente um seringal. Além do mais, a urbanização teve início
nos arredores do seringal, que foi, aos poucos, loteado. A área do
seringal tendeu a diminuir na proporção que a do povoamento tendeu a aumentar.
ENTÃO, COMO PENSAR A HISTÓRIA DE RIO BRANCO PARA ALÉM DA NARRATIVA
LINEAR E EVOLUTIVA?
É fazer exatamente isso que estou
tentando aqui. Mas a maioria das pessoas ainda têm resistência a isso, pois
estão presas à noção de tempo do século XIX. A história de Penápolis não tem
origem na do seringal Empreza; assim como a história de Rio Branco não está
potencialmente viva na de Penápolis. Vila Rio Branco, capital de um
departamento é uma coisa; Município de Rio branco, Capital do Estado do Acre é
outra coisa. Rio Branco, atual capital do Estado do Acre, não é a versão
melhorada da Vila Rio Branco (1904). Um não é a continuação evolutiva do outro.
Não estamos falando de um mesmo ente com nomes diferentes, pelo contrário,
estamos nos referindo a entes com status jurídicos
e identidade territorial díspares que assumem nomes iguais, ou seja, são
homônimos. De modo que a Vila Rio Branco (1904) não é a mesma coisa que o
município de Rio Branco (1912), que por sua vez não são a mesma coisa que a
capital do Acre (1920 e 1962). O bairro Empresa localizado no Município de Rio
Branco nos anos 1950 não pode ser visto como um estágio evoluído do seringal de
mesmo nome. Embora homônimos, são coisas diferentes, com histórias diferentes,
embora em alguns aspectos, convergentes.
DOUTOR, PARA
FINALIZAR, DEVEMOS COMEMORAR O ANIVERSÁRIO DE RIO BRANCO?
No dia em que um prefeito de Rio
Branco parar de fazer uso abusivo de indicações políticas para ocupação de
cargos públicos estratégicos para sustentar um projeto de poder ou tomar a
iniciativa de parar de pavimentar nossas ruas com asfaltos de “papelim”, nós, o
povo, talvez o que comemorar. Fora isso, chega de hipocrisia e publicidade
governamental!
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