sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

A República Oligárquica e a questão do Acre

Valdir Calixto* Ao pronunciar-se, de modo contundente, contra a visão positivista da história, Nietzsche negava a existência dos fatos, afirmando serem estes um constructo, ou uma interpretação. Concordando, em parte, com o filósofo de Roecken quanto à crítica ao objetivismo positivista, mas nos posicionando contrariamente ao reducionismo subjetivista expresso nessa concepção, queremos, neste breve artigo, refletir sobre o que significou o nascimento da República para aqueles que, desde o último quartel do século XIX, vinham intensificando suas incursões na região dos altos rios amazônicos, povoando e explorando sua exuberante e lucrativa floresta, de modo especialíssimo suas “árvores que jorravam leite”. Proclamada pelo Marechal Deodoro da Fonseca, amigo pessoal do imperador D. Pedro II, a (res) pública, melhor dizendo, a condução de seu destino, logo decepcionaria certos grupos sociais e suas respectivas visões de mundo. A proclamação de Deodoro da Fonseca conseguiu desagradar tanto a jacobinos, sociocratas positivistas (civis e militares), quanto a românticos liberais revolucionários identificados com as idéias da Revolução Francesa. A partir de seu primeiro presidente civil, Prudente de Morais, culminando com as presidências de Campos Sales, Rodrigues Alves e Afonso Pena a (res) pública e identificar-se-ia aos interesses – refiro-me particularmente ao poder político - da oligarquia cafeeira, representada, naquele momento, por diversos partidos republicanos regionais, sintonizados aos interesse maiores do principal deles, o Partido Republicano Paulista – PRP. Em 1898, em plena presidência de Manuel Ferraz de Campos Sales, abastado cafeicultor paulista e membro destacado do “grupo da oligarquia”,criado e consolidado no próprio âmago do PRP, a questão do Acre, isto é, a questão relativa ao preciso tracejo das linhas geodésicas concernentes às nascentes dos rios Acre, Iaco, Purus e Juruá, era definida pelo Ministro do Exterior Dionísio Cerqueira como uma questão nascida nas praças comerciais de Belém e Manaus e que tais questões não deveriam “embaraçar a marcha da República, que [ precisava ] seguir seu caminho, sem ter que se incomodar com tais estrepes”. Assim, para a República, agora em sua face decididamente oligárquica, uma questão de vida ou morte para milhares de seringueiros que, patrões à frente, fabricavam milhares de quilos de borracha era entendida como estrepe ou empecilho à marcha da República, vale dizer, à política gestada no laboratório oligárquico perrepista. Em telegrama enviado a Silvério Nery, o mesmo ministro autorizava este governador a concordar com as pretensões bolivianas. O Acre, dizia o ministro, podia ser considerado “incontestavelmente boliviano”. Indignados, os seringalistas – patrões pegaram em armas. A Revolução eclodiu nas barrancas dos rios. Luta contra o exército boliviano. Luta, também, contra a decisão do governo federal oligárquico. Houve até os que pensaram em separatismo, não apoiado nem por Galvez, nem por Plácido de Castro. Esses proclamaram o Estado Independente do Acre, pensando, mais tarde, incorporá-lo à Federação Nacional. Decorridos 114 anos da proclamação da República, é mais do que oportuno refletir/problematizar o passado para que o presente ganhe em significado. Deste modo, lembrar e comemorar a proclamação da República no que diz respeito à emergência de uma vasta e rica região desejosa de integrar o território nacional, é não esquecer os interesses em jogo. De um lado, aqueles dos cafeicultores - a oligarquia do Partido Republicano Paulista; do outro, os interesses dos grupos dominantes bolivianos, dos seringalistas, das Casas Aviadoras e Exportadoras, assim como os da própria oligarquia regional (Belém e Manaus). É valido instituir a tradição, mas não de forma acrítica e descomprometida. * Professor-doutor em História e pesquisador da UFAC (Fonte: Jornal Página 20, dia 16 de novembro de 2003).

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